A Insegurança é Pública
Por Arnaldo Eugênio | 03/11/2008 | FilosofiaDurante anos, disseminaram no imaginário brasileiro que a questão da insegurança pública estava ligada diretamente às classes perigosas – os pobres! – e à falta de um policiamento mais ostensivo e repressivo – polícia autoritária – sobre estes supostos incivilizados. Contudo a realidade cotidiana tem revelado que a insegurança, necessariamente não é de classes, é pública. O passado mostra que a parcialidade ou a unilateralidade nas ações de enfrentamento não dão conta do fenômeno da violência criminal no país. Artifícios como a repressão policial nas comunidades pobres e a experiência de viver em “enclaves fortificados” (Caldeira, 2000) têm servido mais para demonstrar que o gato está de olho na ilusão do peixe. Em outras palavras: o problema da insegurança pública é de todos nós; “ou todos estaremos seguros ou viveremos, todos, no medo e na insegurança” (Soares, 2006). Portanto, é dever do Estado e responsabilidade da sociedade enfrentar o problema (art. 14, CF).
A obviedade – ainda que patética – está posta: nem ricos nem pobres estarão a salvo, privilegiando a insegurança pública de uns em detrimento de outros. A nossa missão solidária é reverter os “círculos viciosos em círculos virtuosos” (Soares, 2006), através de políticas públicas intersetoriais sustentadas em competências e compromissos capazes de dialogarem, sem mentiras e hipocrisias, com a sociedade num esforço sincero para se reconquistar a credibilidade popular.
Onde existem experiências positivas? No Rio de Janeiro - favelas Pavão-Pavãozinho e Cantagalo/2000-1, Acari/1996-7 -; em Porto Alegre – Restinga/2001; em São Paulo – Jardim Ângela/2001-2-3 (Soares, 2006). São experiências urbanas que, além de contrariarem os ideólogos céticos e os especuladores da segurança privada, podem ser conhecidas e aplicadas em outras realidades, conforme as especificidades e singularidades do lugar. O dilema não é a falta de experiências positivas, mas o descompromisso político e a apatia social institucionalizada pelos discursos de autoridade que restringem a questão das violências à questão de polícia – fogo contra fogo.
E o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, com 6,7 bilhões? Por um lado, é positivo, pois tenta reconhecer que só a repressão policial não soluciona a criminalidade, mas, por outro lado, “a essência do plano reflete o pensamento social de camadas do estrato médio e de setores da política conservadora de que, se é preciso guerra nas favelas, que se faça guerra” (Oliveira, 2008). Onde esse aspecto se revela? Em duas falas emblemáticas: 1) “a favela da Rocinha é fábrica de produzirem marginais” (Sérgio Cabral Filho, governador do Rio de Janeiro, out./2007) e 2) “não há mais que se falar naquela postura mediativa e acadêmica sobre o crime organizado. Tem que ir para o confronto” (Nelson Jobim, Ministro da Defesa, out./2007).
Essas duas falas demonstram nas entrelinhas que “o país está regido por uma política de guerra do Estado” (Oliveira, 2008). O equívoco desse tipo de política está no fato de tentar, mais uma vez, criminalizar os pobres e resguardar o estrato social médio da violência criminal, evitando-se, intencionalmente, o transbordar de uma crise política no governo à custa da governabilidade compactuada entre a direita e a esquerda – se é que, hoje, há um limite claro.
No contexto atual do fenômeno das violências no país, os discursos de autoridade estão na contramão do que é fundamental: ou seja, o Estado e a sociedade podem incorporar a evidência de que a insegurança pública é um problema de todos nós, sem raridades ou exceções. “O interesse é de toda a sociedade, pois a garantia do respeito à dignidade humana e de efetiva integração na sociedade beneficiará a todos, pois levará à eliminação das injustiças, permitirá o gozo tranqüilo das riquezas e de todos os bens que a sociedade proporciona” (Dallari, 2008). Nesse sentido, faz-se necessário pensar as violências para agir em prevenções continuadas, sempre dando um passo de cada vez sem medir a caminhada por sua extensão máxima. De fato, “ou haverá segurança para todos, ou ninguém estará seguro (...), se permitirmos que a barbárie se instale, não haverá futuro algum. Não haverá país nenhum” (Soares, 2006). Um Brasil menos injusto e menos violento ainda é possível...