A insegurança da coisa julgada nas questões prejudiciais na proposta do novo Código de Processo Civil

Por Sergio Henrique Sorocaba Ayoub Omena | 24/06/2016 | Direito

A insegurança da coisa julgada nas questões prejudiciais na proposta do novo Código de Processo Civil[1]

Raissa Campagnaro de Oliveira e Teodora Silva Santos[2]

Sergio Henrique Sorocaba Ayoub Omena[3]

Carlos Eduardo Cavalcanti[4]

RESUMO

O projeto de lei 8046/10 que se propõe a introduzir o Novo Código de Processo Civil encontra-se na iminência de ser aprovado no Congresso Nacional de forma definitiva. A nova legislação trará diversas alterações no Código Processual Civil atual, entre elas a ampliação dos limites da coisa julgada. O Código de 1973 em seu artigo 469 exclui as questões prejudiciais do rol de elementos da sentença que fazem coisa julgada. O novo Código no artigo 514 paragrafo 1º afirma que será aplicado o efeito de coisa julgada às questões prejudiciais decididas expressa e incidentalmente no processo desde que obedeçam alguns requisitos previstos nos incisos seguintes. Apesar da boa intenção, a ampliação desses efeitos da coisa julgada poderá trazer certa insegurança jurídica dentro do processo. Uma vez que questões prejudiciais não fazem parte do “pedido certo” da petição inicial, deixando assim a critério do juiz identificar quais decisões são relevantes o suficiente para formar coisa julgada, ultrapassando as demandas das partes.

Palavras-chave: Projeto Código de Processo Civil, coisa julgada, questões prejudiciais.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende avaliar o projeto de lei 8.046/10 que implementará o novo Código de processo Civil. De inicio analisa-se a necessidade de um novo código no presente momento aonde para alguns autores não é o momento adequado para apresentação desta proposta, pois mudanças no processo eletrônico ainda estão em andamento, e com a alteração, do Código, neste exato momento, muitas outras modificações terão que ser feitas em um futuro próximo para regulamentar os avanços tecnológicos. Outros acreditam que não é uma questão apenas de momento, a proposta seria totalmente dispensável, pois visa solucionar problemas de morosidade processual, e já está comprovado que a solução deverá vir de mudanças estruturais e não legislativas.

Em seguida, dentre as alterações feitas pelo novo Código, a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada demandam uma atenção especial. Portando, faz-se necessário conhecer o instituto da coisa julgada e seus limites assim como estão dispostos no Código atual, aonde o legislador optou por excluir as questões prejudiciais do alcance da coisa julgada, a partir do principio do dispositivo aonde apenas a parte demandada através de pedido pelas partes formarão coisa julgada no fim do processo de cognição.

Por fim, observa-se as alterações queridas pelo novo Código de Processo Civil, que pretende incluir as questões prejudiciais no rol  da coisa julgadas, as tornando também imutáveis. Além de criticas a esta inclusão como a insegurança jurídica gerada pois questões prejudiciais não estão expressas em forma de pedido no processo, podendo assim deixar uma confusão entre as partes e o juiz para definir quais questões se tornarão imutáveis e quais não.

2 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Proposto pelo Senado Federal o projeto de lei 8.046/2010 que possui como ementa o Código de Processo Civil e visa revogar a lei 5.869/73, após idas e vindas entre as casas do Congresso Nacional, foi aprovado em março de 2014 e enviado de volta ao Senado para que este possa fazer a avaliação de sua redação final. Está, portanto, nos últimos momentos de sua tramitação e prestes a entrar em vigor no ordenamento jurídico brasileiro.

No texto do anteprojeto ainda em 2010 observa-se uma comissão com o intuito de atender os anseios do povo no tocante à alterações processuais civis, proporcionando maior celeridade ao andamento do processo e “naturalmente” maior efetividade, uma vez que está é uma constante reclamação dos operadores de direito e da população que faz uso do judiciário. Além disso, a proposta é reformar o texto do Código, de modo à permitir que pessoas comuns entendam seus dispositivos, diminuindo assim a quantidade de jargões do direito. E ainda alterações que possam incluir e dar efetividade aos procedimentos eletrônicos e avanços tecnológicos que corroboram para a celeridade do processo.

O presidente da Comissão de criação do novo Código, o ministro Luiz Fux acrescenta “O Brasil clama por um processo mais ágil, capaz de dotar o país de um instrumento que possa enfrentar de forma célere, sensível e efetiva, as misérias e as aberrações que passam pela Ponte da Justiça.”. Ou seja, o ministro aposta na nova legislação como solução para as mazelas do Poder Judiciário, contudo não é o que acredita alguns autores como Roque, Gajardoni, Dellore et al. (2014) que afirma “[...] o mal da morosidade do Judiciário não será exterminado apenas com reformas legislativas, que pouco ou nada demandam para o Estado.” O que os autores querem dizer é que leis já existem, como por exemplo o direito à duração razoável do processo, mas o cumprimento delas pelos outros poderes é questionável. O problema na demora dos processos civis encontra-se na estrutura no poder judiciário, tanto no meio físico, como na questão de pessoal ( quantidade e treinamento de funcionários), logo regulamentar princípios já existentes farão pouca diferença no mundo prático.

Outro ponto a respeito da celeridade, tão almejada no projeto de lei, é destacado por Cabral (2014) que oferece uma critica à fala do Ministro Fux, quando este afirma que celeridade torna o processo “naturalmente” eficaz. Cabral discorda ao relembrar que um processo demanda tempo, e algumas garantias como contraditório e ampla defesa não podem ser executadas de qualquer jeito sobre pena de ferir outros direitos ao tentar executar a duração razoável dos processos, portanto, celeridade não é sinônimo de efetividade, o autor diz assim:

O valor da celeridade em si próprio, negligenciando a qualidade da prestação jurisdicional, o produto final do trabalho de julgamento, significa uma visão distorcida da efetividade com a qual o direito processual contemporâneo, preocupado com resultados, não pode compactuar.

Com relação ao momento de reforma do Código, alguns autores identificam-no como inoportuno uma vez que o processo eletrônico ainda está em processo de desenvolvimento e ainda poderão ocorrer diversos avanços tecnológicos em pouco tempo, demandando assim uma nova alteração futura. Ataíde questiona sobre isso “seria oportuno o Novo Código de Processo Civil num momento em que o processo eletrônico ainda está sendo implantado? É verdade que a Justiça Federal está bem avançada nesse sentido. Mas em alguns Estados ainda é possível verificar a prática de atos processuais com máquina de escrever.”. Talvez as alterações legislativas fiquem só no papel, pois na pratica a realidade ainda é outra.

Por último, Lenio Streck e alguns outros companheiros, contudo, apesar de criticarem um grande numero de dispositivos novos do projeto, passaram a defender a proposta do novo Código, de modo que afirma “Vivemos um momento histórico. O novo Código, aprovado com tais alterações, propiciará o surgimento de uma nova doutrina. Sim, uma nova doutrina que propiciará a construção de uma gramática narrativa das condições de possibilidade da aplicação do direito. A doutrina, com isso, voltará a doutrinar.” (STRECK, Lenio. 2013).

3 COISA JULGADA

Na lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro encontramos um conceito simples de coisa julgada mas, que não revela todos os seus aspectos “ Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Câmara (Apud LIEDMAN) afirma que a “coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente de uma sentença” imutabilidade também de seus efeitos.

A coisa julgada serve para dar força de lei as decisões judiciais, e estabelecer um limite à cognição, se não houvesse um ponto inalterável alguns processos se prolongariam infinitamente uma vez que a parte perdedora nunca ficaria satisfeita com a sentença. . Fredie Didier, Paula Braga, Rafael de Oliveira (2014, p. 419) resumem que a coisa julgada “Garante ao jurisdicionado que a decisão final dada à sua demanda será definitiva, não podendo ser rediscutida, alterada ou desrespeitada – seja pelas partes, seja pelo próprio Poder Judiciário”.

Existe ainda a coisa julgada formal e a coisa julgada material. Didier (2014) as diferencia por âmbito de imutabilidade: a coisa julgada formal é a imutabilidade de decisão dentro do processo, não podendo ser decidida novamente dentro daquele processo, e a coisa julgada formal é a imutabilidade daquela decisão tanto no processo de origem quanto em outros processos. Câmara (2014) as classifica por conteúdo, a coisa julgada formal derivada das decisões terminativas dentro de um processo, as decisões de matéria processual. A coisa julgado substancial ou material dizem respeito as decisões definitivas, que resolvem o mérito discutido no processo, nesta seus efeitos alcançam outros processos. Não são posições divergentes, apenas complementares. Os autores concordam ainda que sem a coisa julgada formal não há coisa julgada material. Didier (2014) citando Luiz Mourão afirma “[...] coisa julgada formal é a indiscutibilidade externa (fora do processo), que se refere às decisões cujo conteúdo é processual, em contraposição à coisa julgada material, que é a mesma indiscutibilidade externa, só que das decisões de mérito”, o que explica melhor a afirmação feita anteriormente por Didier. Certo é que a coisa julgada formal provém de decisão processual, mas que gera efeitos externos, pois cabe à preclusão gerar efeitos de imutabilidade de atos processuais internamente.

Outra consideração importante trazida por Câmara (2014) é o requisito de cognição exauriente para que haja coisa julgada material, uma vez que o instituto gera consequências graves de impossibilidade de rediscutir uma decisão, não pode ser permitido que qualquer processo, sem uma analise mais aprofundada gere decisões imutáveis. Câmara (2014, p. 534) explica a origem do nome coisa julgada, advém do latim res iudicata, explica também que para que haja litigio deve haver uma relação processual entre os litigantes, chamada de res in iudicium deducta. As expressões são similares pois “uma vez proferida a decisão, a relação que havia sido deduzida no processo se torna uma relação já julgada. Em outros termos, [...] a res iudicata nada mais é do que a res in iudicium deducta depois que foi iudicata”.

3.1 LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA MATERIAL NO CPC-73

 

Limites objetivos correspondem ao objeto da coisa julgada, “o que” a coisa julgada atinge, sobre quais questões recaem seus efeitos. Atualmente os limites objetivos da coisa julgada são bem expressos nos artigos 468 e 469 do Código de Processo Civil. Mas nem sempre foi assim, o Código de 1939 ao acompanhar tendência italiana dispôs em seu artigo 287: “A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão”. Da forma que era regulamentada antigamente, não estavam claros quais os limites da coisa julgada, uma vez que questões prejudiciais e preliminares são premissas necessárias para a conclusão e decisão final do processo, mas que não fazem parte da lide, conhecida como questão principal.

No Código de Processo Civil atual temos que Art. 468 “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”  e de forma esclarecedora previu em seu Art. 469. que as questões prejudiciais desde que não principais, não são atingidas pelos efeitos da coisa julgada. Segundo a lei “Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo”. Ou seja, somente a parte dispositiva da sentença é alcançada pela coisa julgada, excluindo assim a parte de fundamentos da sentença ( os motivos, as questões prejudiciais, os fatos).

Quando o Código menciona lide deve se entender, o litigio principal que está sendo discutido no processo, a questão de mérito encontrada no pedido da parte, por isso a coisa julgada atinge somente o pedido presente da petição inicial, ou que foi eventualmente incluído como objeto principal pela ação declaratória incidental. Didier (2014) lembra ainda que a questão principal é formada pelo binômio pedido mais causa de pedir, e que pode haver pedido também feito pelo réu na forma de contradireito ou reconvenção, aonde a parte ré além de negar o pedido do autor, demanda-o na mesma ação promovida por este.

Resta entender o que são questões incidentais ou incidenter tantum e o que são questões principais principaliter tantum e porque o legislador de 1973 resolveu excluir as primeiras do rol da coisa julgada. Segundo Didier (2013) “questão é termo que pode ser definido como ponto controverso, de fato ou de direito, que demande pronunciamento judicial”.

Questões que devem ser discutidas anteriormente e que são subordinantes às outras, são denominadas de questões previas, as questões prévias poderão ser preliminares ou prejudiciais. Para identificar de uma questão é preliminar ou prejudicial, é preciso observar sua relação com outra questão. A questão preliminar possui conteúdo que determina se a outra questão será apreciada ou não, o exemplo mais frequente na doutrina é o da ação rescisória aonde o pedido de rescisão é preliminar ao pedido de julgar de novo a causa. Se indeferido o primeiro, o segundo não será conhecido. Na questão prejudicial seu julgamento determina como a outra questão será apreciada. A decisão da segunda questão está vinculada a decisão da primeira. Exemplo comum na doutrina é o de ação de alimentos, tendo como questão prejudicial  a relação de paternidade, a depender do resultado da questão prejudicial teremos o deferimento ou indeferimento do pedido de alimentos. Porém o pedido de alimentos será também apreciado, apenas o modo que será apreciado, dependerá do julgamento da questão prejudicial.

É preciso fazer uma distinção aqui. Como visto, objeto de coisa julgada não pode ser rediscutido em outro processo, devendo ser extinto sem resolução e mérito de acordo com o Artigo 267 do CPC. Contudo, questão prejudicial de um processo que se utilize de questão anteriormente decidida em outro processo, desde no outro processo tenha sido questão principal também levará a extinção do processo sem resolução de mérito.

Um problema encontrado na disposição atual do texto dos artigos 468 e 469 reside no momento em que questões prejudiciais não deverão ser decididas, serão apenas conhecidas, pois uma vez decididas fariam parte da coisa julgada do processo. Porém, em alguns casos é impossível julgar o restante do mérito, se não houver exame e decisão destas questões prévias. A partir disso, Almeida (2013) questiona a respeito de quais questões são realmente prejudiciais, afirma:

Pergunta-se então: se vários caminhos lógicos conduzem à mesma conclusão, ainda será prejudicial a questão que não precisou ser enfrentada pelo juiz? A doutrina aponta que só será questão prejudicial aquela que for caminho necessário para solução da controvérsia. Se a dependência da questão é simplesmente possível, não é uma verdadeira prejudicial.

Ainda sobre quais elementos figuram como questões prejudiciais e buscando defini-la temos que:

Discute-se a respeito do aspecto jurídico da prejudicialidade: se aplica-se o critério da  autonomia  ou  o  critério  subsuntivo.  A corrente da  autonomia,  representada primeiramente por Böhmer, prega que só há questão prejudicial se esta for apta a constituir objeto  de  um  processo  independente.  O autor considera que  tanto  pretensões,  relações jurídicas e direitos podem ser objeto de pro cesso autônomo. Em relação a fatos jurídicos, só existem em função de relações jurídicas e direitos, por isso não poderiam ser objeto de demanda autônoma. Por este conceito, não é prejudicial  a  controvérsia  a  respeito  de ocorrência  de  certo  fato  jurídico. [...] Menestrina, por outro lado, defende a posição de que deve ser  igual a natureza dos juízos:  a  atividade  referente  à  prejudicial  deve  ser  da  mesma  natureza  do  juízo  final,  ou seja,  atividade  de  subsunção.  Assim, tanto  as  pretensões,  relações  jurídicas  e  direitos, mas  também  fatos  jurídicos  são  submetidos  a  uma  atividade  de  subsunção  desenvolvida pelo  julgador,  de  modo  que  todos  eles  serão  considerados  prejudiciais,  apesar  de  fatos jurídicos  não  poderem  ser  objeto  de  demanda  autônoma.  Assim, serão prejudiciais jurídicas os juízos subsuntivos que influenciem na decisão  final do processo. (ALMEIDA, 2013, p. 356 e 357).

Após breve explanação sobre questões prejudiciais, é preciso analisar os fundamentos que explicam a exclusão destas da parte da sentença que transita em julgado, e se transforma em coisa julgada material. Ribeiro (2013), constata que esta é uma tendência dos países que seguem o sistema do civil law, pois obedecem o principio do dispositivo, (somente a parte do dispositivo da sentença, aonde encontra-se expressamente as decisões, forma coisa julgada e se torna imutável). Esta regra decorre do principio “as partes são donas do processo”, dessa forma, somente o que requerido em forma de pedido, ou demandado pelas partes são objeto de julgamento dentro do processo e só estas formam coisa julgada. Apesar de parecer limitador, este principio gera segurança jurídica uma vez que pode-se enumerar com certeza quais elementos da sentença não poderão ser conhecidos e  julgados novamente em um outro processo.

Contudo o novo Código de Processo civil pretende alterar os limites da coisa julgada, questão a ser discutida no próximo tópico.

4 ALTERAÇÃO DOS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O Projeto do novo Código de Processo Civil modifica o Art. 467 do atual CPC, troca o termo “eficácia” por “autoridade”, “decisão de mérito” no lugar de sentença. Estas trocas foram louvadas pela doutrina, principalmente no tocante “decisão de mérito”, uma que existem sentenças que não decidem o mérito, como é o caso das sentenças extinguem o processo sem resolução de mérito, previstas no rol do atual Art. 267 do CPC.

Porém a alteração mais pertinente para o desenvolvimento deste trabalho consta no Art. 514 do Projeto, que aumenta o rol de “partes da sentença” que fazem coisa julgada. Além do dispositivo, as questões prejudiciais também serão incluídas. Lê-se, portanto:

Art. 514. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

  • 1º O disposto no caput aplica-se à resolução da questão prejudicial, decida expressa e incidentalmente no processo, se: I- Dessa resolução depender o julgamento de mérito; II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso da revelia; III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.
  • 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Comparando este texto ao antigo Art. 490, do Projeto anterior aprovado no Senado, percebemos que os legisladores acolheram algumas críticas e estabeleceram alguns requisitos para que as questões produzam efetivamente coisa julgada. O antigo texto do projeto previa “a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites dos pedidos e das questões prejudiciais expressamente decididas”. Pela incerteza sobre questões prejudiciais como já discutido acima, este texto deixava muito amplo os efeitos objetivos da coisa julgada, por isso requisitos foram estabelecidos no novo texto que já foi aprovado pela Câmara, como: “relevância” que vincule a decisão final de mérito; respeito a alguns princípios de defesa, e competência para julgar.   

Com alteração observa-se uma aproximação do novo texto processual civil ao common law, que adota a figura do issue preclusion, comum na legislação estadunidense. Faz-se necessário entender tais institutos: o sistema common law se caracteriza pela figura dos precedentes vinculantes, aonde decisões tomadas pelos tribunais devem servir de fundamento e regra para as decisões futuras, ou seja, dá-se real força de lei a elas. Dentro de coisa julgada pelo common law existe o claim preclusion e o issue preclusion Segundo Ribeiro (2013) temos que “A figura da claim preclusion faz com que a demanda, com o julgamento, seja extinta por completo, fazendo precluir todas as questões pertinentes ao caso que foram ou poderiam ter sido deduzidas na ação”. E “Já a issue preclusion, por sua vez, segundo os citados autores, impõe à parte, não obstante ter vencido ou não a demanda, a impossibilidade de invocar, em nova demanda, qualquer questão de fato ou de direito que tenha sido essencial para o julgamento da demanda”. Percebe-se assim uma tentativa do legislador brasileiro de adotar a figura da issue preclusion, que impossibilita a discussão posterior de questões que servirão de fundamento para a decisão principal.  E possui por fundamento “os ideais de economia processual e de segurança jurídica, evitando a prolação de decisões contraditórias”. (Ribeiro, 2013).

A crítica central da doutrina reside na insegurança jurídica que esta inclusão pode causar, uma vez que se tornará muito difícil definir o que forma coisa julgada na sentença do processo. A segurança jurídica está relacionada também com a estabilidade das decisões “além de as decisões serem executáveis, é preciso que as normas não possam ser facilmente alteradas, incluídas ai, no nosso entendimento, as normas individuais criadas em sentença”. ( Almeida, 2013, p. 365). Além disso Laís Almeida (2013) ainda aborda a questão da legitimidade

“o juiz demonstra que construiu um raciocínio lógico-racional, de acordo com as no rmas de direito, que conduz àquela decisão  final,  na  parte  dispositiva.  As  partes  poderão  recorrer  da  decisão  se verificarem  que  a  lógica  não  se  perfaz  se  há  violação  a  norma  jurídica,  e  nesta  última hipótese teremos um controle de legalidade.” (p. 366).

Dessa forma, cria-se incerteza sobre qual parte da sentença formará coisa julgada. Além disso o  Projeto abre muito espaço para razoabilidade do Juiz ao determinar o que é esta “dependência” trazida pelo Inciso I do § 1º do Art. 514.

CONCLUSÃO

O projeto do Novo Código de Processo civil entre outras coisa quer solucionar através de leis, um problema estrutural do sistema judiciário. Regulamentar e detalhar direitos como razoabilidade de duração do processo, trarão pouca novidade na pratica jurídica.

De forma mais especifica a alteração nos limites objetivos da coisa julgada, incluindo as questões prejudiciais a este rol, apesar de querer assegurar princípios como economia processual, acabam por gerar insegurança jurídica dentro de um instituto muito importante que é a coisa julgada.

A coisa julgada foi expressamente regulamentada em 1973 acabando com discussões existentes em 1939, e pouco ou quase se nada se falava sobre seus limites. Os doutrinadores e a população (como afirma o anteprojeto) não almejava por esta alteração, seria portanto melhor não mexer neste instituto que já é complexo por si só. Como diz Dellore (2011) “Entre tantos temas processuais civis que são objeto de acalourados debates, criticas e dificuldades interpretativas e jurisprudenciais, seguramente não se encontram a questão prejudicial e a coisa julgada. E oxalá assim permaneça”.

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010.

BUENO, Cassio S. Projetos do novo Código de Processo Civil: comparados e anotados. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.

CABRAL, Antonio do P. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre (Org.) Novas tendências do processo civil. v. II. Juspodivim, 2014.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. ed. 25. São Paulo: Atlas, 2014.

DELLORE, Luiz. Da ampliação dos limites objetivos da coisa julgada no novo Código de Processo Civil: Quieta non movere.Revista de Informação Legislativa. Ano 48. n. 190. Brasília, abr.jun. 2011. Disponível em < http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242942/000939981.pdf?sequence=3 >

DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula S.; OLIVEIRA, Rafael A. de. Curso de direito processual civil. v. 2, ed. 9. Juspodivim. Salvador, 2014.

GIDI, Antonio; TESHEINER, José; PRATES, Marília. Limites objetivos da coisa julgada no Projeto de Código de Processo Civil: Reflexões inspiradas na experiência norte-americana. In: Revista de Processo, 2011.

RIBEIRO, Rodrigo. Uma análise da coisa julgada e questões prejudiciais no projeto do novo Código de Processo Civil sob a ótica de um processo efetivo. Revista de Doutrina. ed. 61, n. 55. Porto Alegre, Ago. 2013. Disponível em < http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao055/Rodrigo_Ribeiro.html >

ROQUE, Andre; GAJARDONI, Fernando, DELLORE, Luiz e OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar. Ainda é possível um novo CPC Melhor. In: FREIRE, Alexandre (Org.) Novas tendências do processo civil. v. II. Juspodivim, 2014.

[1] Paper apresentado à disciplina Processo de Conhecimento II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 5º período do curso de Direito, da UNDB.

[3] Aluno do 9º Período do curso de Direito, da UNDB

[4] Professor

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