A INGRATIDÃO DOS FILHOS E OS LAÇOS DE FAMÍLIA
Por SILNEY DE SOUZA | 02/03/2010 | ReligiãoTE AMO PAI
É interessante como aquelas coisas que acontecem em nossa vida cotidiana que muitas vezes julgamos como as mais simples, são, muitas vezes, as que deveríamos dar mais importância. Como a vida cotidiana nos leva a valorizar coisas tão perecíveis em troca de outras tão sublimes e que dariam muito mais sentido à nossa existência. Tanto apego aos bens materiais, tantas batalhas calcadas no orgulho e no egoísmo, tanta falta de caridade, enfim......deixe-me contar-lhes uma pequena história.
No último sábado, em razão do acúmulo de atividades desenvolvidas ao longo da semana eu estava realmente cansado. Resolvi então que dormiria cedo. Mas observe que quando eu falo “dormir cedo” era realmente ir para a cama muito cedo. Não hesitei; 18h estava eu “pontualmente” na cama, agradecendo ao Pai Maior a oportunidade de poder repousar um pouco mais. Muito bem, estava eu no “quinto ou sexto sono”, quando sinto uma mãozinha suave e macia acariciando o meu rosto. Apesar de “sonado”, eu sabia muito bem de quem se tratava, principalmente quando essa carícia foi seguida por um sussuro carinhoso dizendo “Te amo pai”. Emocionei-me, pois sabemos que palavras de uma criança de sete anos são sinceras e puras. Confesso que uma pequena lágrima insistiu em sair dos meus olhos, mas controlei a emoção. Agradeci ao Pai por tamanha felicidade e após alguns minutos voltei a dormir.
Acordei cedo e bem no dia seguinte, visto que eu tinha marcada uma viagem, onde eu estaria dirigindo, na ida, sozinho por cerca de três horas. Domingo chuvoso, estrada vazia, somente eu e os meus pensamentos. Lembrei da cena da noite anterior, emocionei-me novamente e pensei “como o Criador é bom e sábio ao permitir que recebamos tanto amor”. Devido aos meus estudos sobre a Doutrina Espírita, eu não poderia deixar de estabelecer paralelos de correlacionar o fato com esses sublimes ensinamentos codificados por Kardec. Aquele pequeno ser, a quem me foi dada a responsabilidade de orientar e encaminhar na figura de pai nesta encarnação e ter a oportunidade divina de receber e dar tanto amor.... quais seriam os nossos vínculos de vidas passadas? Quantas vezes já não teríamos, de alguma forma, compartilhado outras existências juntos? Como pai e filho mesmo, como mãe e filho, como marido e esposa, como irmãos, como grandes amigos, sem laços sanguíneos ou até mesmo como inimigos? Ou para não parecer tão drástico e se fomos em outra encarnação pessoas não afins, que não compartilharam dos mesmos ideais, que não aprenderam a se relacionar e se amar segundo os desígnios de Deus, que lançaram anátemas um contra o outro? Que se prejudicaram mutuamente, material e moralmente? Enfim, tantas e tantas possibilidades que pelo mecanismo abençoado do nosso esquecimento temporário (enquanto encarnados) de vidas passadas, sequer temos condições de elencá-las e imaginá-las.
Que oportunidade abençoada é esta que Deus nos dá de aprendizado e de evolução por meio deste processo das reencarnações sucessivas. Ampliando um pouco mais esse raciocínio me pergunto, porque temos os pais, a família, os irmãos de sangue, os amigos, o meio profissional que convivemos? Se Deus nada faz que não tenha uma causa inteligente, que emaranhado de relacionamentos, experiências, provas e resgastes somos submetidos a cada processo reencarnatório com vistas à nossa evolução moral e intelectual?
Pensei nas famílias em processo de reequilíbrio que nos deparamos em nosso dia a dia, com tantos problemas de relacionamento entre pais e filhos, tanta ingratidão, tantas perturbações e agradeci ao Pai Maior, mais uma vez, pela família maravilhosa que ele me concedeu nesta encarnação, pela sua bondade infinita de manter ao nosso lado, além dos nossos filhos, nossos pais e avó. Realizei, ao longo da minha viagem de três horas, muitas reflexões, mas acabei optando por, pelo menos nesse artigo, salientar um dos ensinamentos que já tive a oportunidade de ler e reler em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” que trata exatamente do tema da ingratidão dos filhos e dos laços de família, que reproduzo a seguir. Que ele possa nos permitir uma reflexão não apenas dos nossos relacionamentos familiares, mas também da forma que nos relacionamentos com os nossos irmãos deste planeta, lembrando que aquele que eventualmente desprezamos, lançamos anátema, odiamos, temos raiva etc, nos dias atuais, na presente encarnação, poderia ter sido ou poderá ser alguém muito próximo em alguma das nossas infinitas reencarnações......
A ingratidão dos filhos e os laços de família (Capítulo XIV de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”)
“A ingratidão é um dos frutos mais diretos do egoísmo. Revolta sempre os corações honestos. Mas, a dos filhos para com os pais apresenta caráter ainda mais odioso. E, em particular, desse ponto de vista que a vamos considerar, para lhe analisar as causas e os efeitos. Também nesse caso, como em todos os outros, o Espiritismo projeta luz sobre um dos grandes problemas do coração humano. Quando deixa a Terra, o Espírito leva consigo as paixões ou as virtudes inerentes à sua natureza e se aperfeiçoa no espaço, ou permanece estacionário, até que deseje receber a luz. Muitos, portanto, se vão cheios de ódios violentos e de insaciados desejos de vingança; a alguns dentre eles, porém, mais adiantados do que os outros, é dado entrevejam uma partícula da verdade; apreciam então as funestas conseqüências de suas paixões e são induzidos a tomar resoluções boas. Compreendem que, para chegarem a Deus, uma só é a senha: caridade. Ora, não há caridade sem esquecimento dos ultrajes e das injúrias; não há caridade sem perdão, nem com o coração tomado de ódio. Então, mediante inaudito esforço, conseguem tais Espíritos observar os a quem eles odiaram na Terra. Ao vê-los, porém, a animosidade se lhes desperta no íntimo; revoltam-se à idéia de perdoar, e, ainda mais, à de abdicarem de si mesmos, sobretudo à de amarem os que lhes destruíram, quiçá, os haveres, a honra, a família. Entretanto, abalado fica o coração desses infelizes. Eles hesitam, vacilam, agitados por sentimentos contrários. Se predomina a boa resolução, oram a Deus, imploram aos bons Espíritos que lhes dêem forças, no momento mais decisivo da prova.
Por fim, após anos de meditações e preces, o Espírito se aproveita de um corpo em preparo na família daquele a quem detestou, e pede aos Espíritos incumbidos de transmitir as ordens superiores permissão para ir preencher na Terra os destinos daquele corpo que acaba de formar-se. Qual será o seu procedimento na família escolhida? Dependerá da sua maior ou menor persistência nas boas resoluções que tomou. O incessante contacto com seres a quem odiou constitui prova terrível, sob a qual não raro sucumbe, se não tem ainda bastante forte a vontade. Assim, conforme prevaleça ou não a resolução boa, ele será o amigo ou inimigo daqueles entre os quais foi chamado a Viver. E como se explicam esses ódios, essas repulsões instintivas que se notam da parte de certas crianças e que parecem injustificáveis. Nada, com efeito, naquela existência há podido provocar semelhante antipatia; para se lhe apreender a causa, necessário se torna volver o olhar ao passado.
Ó espíritas! compreendei agora o grande papel da Humanidade; compreendei que, quando produzis um corpo, a alma que nele encarna vem do espaço para progredir; inteirai-vos dos vossos deveres e ponde todo o vosso amor em aproximar de Deus essa alma; tal a missão que vos está confiada e cuja recompensa recebereis, se fielmente a comprirdes. Os vossos cuidados e a educação que lhe dareis auxiliarão o seu aperfeiçoamento e o seu bem-estar futuro. Lembrai-vos de que a cada pai e a cada mãe perguntará Deus: Que fizestes do filho confiado à vossa guarda? Se por culpa Vossa ele se conservou atrasado, tereis como castigo vê-lo entre os Espíritos sofredores, quando de vós dependia que fosse ditoso. Então, vós mesmos, assediados de remorsos, pedireis vos seja concedido reparar a vossa falta; solicitareis, para vós e para ele, outra encarnação em que o cerqueis de melhores cuidados e em que ele, cheio de reconhecimento, vos retribuirá com o seu amor.
Não escorraceis, pois, a criancinha que repele sua mãe, nem a que vos paga com a ingratidão; não foi o acaso que a fez assim e que vo-la deu. Imperfeita intuição do passado se revela, do qual podeis deduzir que um ou outro já odiou muito, ou foi muito ofendido; que um ou outro veio para perdoar ou para expiar. Mães! abraçai o filho que vos dá desgostos e dizei convosco mesmas: Um de nós dois é culpado. Fazei-vos merecedoras dos gozos divinos que Deus conjugou à maternidade, ensinando aos vossos filhos que eles estão na Terra para se aperfeiçoar, amar e bendizer. Mas oh! muitas dentre vós, em vez de eliminar por meio da educação os maus princípios inatos de existências anteriores, entretêm e desenvolvem esses princípios, por uma culposa fraqueza, ou por descuido, e, mais tarde, o vosso coração, ulcerado pela ingratidão dos vossos filhos, será para vós, já nesta vida, um começo de expiação.
A tarefa não é tão difícil quanto vos possa parecer. Não exige o saber do mundo. Podem desempenhá-la assim o ignorante como o sábio, e o Espiritismo lhe facilita o desempenho, dando a conhecer a causa das imperfeições da alma humana.
Desde pequenina, a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz da sua existência anterior. A estudá-los devem os pais aplicar-se. Todos os males se originam do egoísmo e do orgulho. Espreitem, pois, os pais os menores indícios reveladores do gérmen de tais vícios e cuidem de combatê-los, sem esperar que lancem raízes profundas. Façam como o bom jardineiro, que corta os rebentos defeituosos à medida que os vê apontar na árvore. Se deixarem se desenvolvam o egoísmo e o orgulho, não se espantem de serem mais tarde pagos com a ingratidão. Quando os pais hão feito tudo o que devem pelo adiantamento moral de seus filhos, se não alcançam êxito, não têm de que se inculpar a si mesmos e podem conservar tranqüila a consciência. A amargura muito natural que então lhes advém da improdutividade de seus esforços, Deus reserva grande e imensa consolação, na certeza de que se trata apenas de um retardamento, que concedido lhes será concluir noutra existência a obra agora começada e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor. (Cap. XIII, nº 19.)
Deus não dá prova superior às forças daquele que a pede; só permite as que podem ser cumpridas. Se tal não sucede, não é que falte possibilidade: falta a vontade. Com efeito, quantos há que, em vez de resistirem aos maus pendores, se comprazem neles. A esses ficam reservados o pranto e os gemidos em existências posteriores. Admirai, no entanto, a bondade de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento. Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés. As provas rudes, ouvi-me bem, são quase sempre indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando aceitas com o pensamento em Deus. E um momento supremo, no qual, sobretudo, cumpre ao Espírito não falir murmurando, se não quiser perder o fruto de tais provas e ter de recomeçar. Em vez de vos queixardes, agradecei a Deus o ensejo que vos proporciona de vencerdes, a fim de vos deferir o prêmio da vitória. Então, saindo do turbilhão do mundo terrestre, quando entrardes no mundo dos Espíritos, sereis aí aclamados como o soldado que sai triunfante da refrega.
De todas as provas, as mais duras são as que afetam o coração. Um, que suporta comcoragem a miséria e as privações materiais, sucumbe ao peso das amarguras domésticas,pungido da ingratidão dos seus. Oh! que pungente angústia essa! Mas, em tais circunstâncias,que mais pode, eficazmente, restabelecer a coragem moral, do que o conhecimento das causas do mal e a certeza de que, se bem haja prolongados despedaçamentos dalma, não há desesperos eternos, porque não é possível seja da vontade de Deus que a sua criatura sofra indefinidamente? Que de mais reconfortante, de mais animador do que a idéia que de cada um dos seus esforços é que depende abreviar o sofrimento, mediante a destruição, em si, das causas do mal? Para isso, porém, preciso se faz que o homem não retenha na Terra o olhar e só veja uma existência; que se eleve, a pairar no infinito do passado e do futuro. Então, a justiça infinita de Deus se vos patenteia, e esperais com paciência, porque explicável se vos torna o que na Terra vos parecia verdadeiras monstruosidades. As feridas que aí se vos abrem, passais a considerá-las simples arranhaduras. Nesse golpe de vista lançado sobre o conjunto, os laços de família se vos apresentam sob seu aspecto real. Já não vedes, a ligar-lhes os membros, apenas os frágeis laços da matéria; vedes, sim, os laços duradouros do Espírito, que se perpetuam e consolidam com o depurarem-se, em vez de se quebrarem por efeito da reencarnação.
Formam famílias os Espíritos que a analogia dos gostos, a identidade do progresso moral e a afeição induzem a reunir-se. Esses mesmos Espíritos, em suas migrações terrenas, se buscam, para se gruparem, como o fazem no espaço, originando-se daí as famílias unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, acontece ficarem temporariamente separados, mais tarde tornam a encontrar-se, venturosos pelos novos progressos que realizaram. Mas, como não lhes cumpre trabalhar apenas para si, permite Deus que Espíritos menos adiantados encarnem entre eles, a fim de receberem conselhos e bons exemplos, a bem de seu progresso. Esses Espíritos se tornam, por vezes, causa de perturbação no meio daqueles outros, o que constitui para estes a prova e a tarefa a desempenhar.
Acolhei-os, portanto, como irmãos; auxiliai-os, e depois, no mundo dos Espíritos, a família se felicitará por haver salvo alguns náufragos que, a seu turno, poderão salvar outros. - Santo Agostinho. (Paris, 1862.)