A Influência Midiática na Inocência Presumível

Por Marcelo Gonçalves da Silva | 22/01/2016 | Direito

INTRODUÇÃO

A constitucionalização de um ordenamento jurídico não está apenas na sua capacidade de submeter doutrina, jurisprudência e poder legislativo às suas diretrizes, mas também de parametrizar, ou seja, de determinar o modelo de justiça que a sociedade espera do Estado.

A segurança jurídica de uma sociedade reside no fato de que se o judiciário proteger um único cidadão, refreando as paixões subjetivas e hipotéticas das instituições midiáticas, toda a coletividade estará protegida. A contrário senso ninguém estará seguro, reinando apenas o império da barbárie humana. Em suma, a ciência jurídica não deve perder terreno para as especulações da imprensa, haja vista que muitas vezes a “justiça” que pretendem é na verdade vingança travestida.

Note-se que está em jogo não penas o direito de um indivíduo, mas a própria segurança de toda uma sociedade, e também, a harmonia, eficácia e respeitabilidade da Constituição Federal, pois se seu projeto não for exequível ou se for desviado seus propósitos ela não passará de um documento escrito como dizia Ferdinand Lassale. Não se pode permitir que os fatores reais do poder econômico e político predominem sobre o texto de nossa carta Magna.

Nesse contexto, o presente trabalho procurou estudar a importância de se harmonizar a convivência entre o Direito e a Mídia, bem como o respeito às normas da presunção da Inocência e do direito à informação dentro de sua proporcionalidade.

A harmonia da Constituição não pode ser quebrada porque instituições privadas de caráter estritamente econômico não conseguem adequar a coexistência de duas normas albergadas no seu texto, a saber, liberdade de informação e presunção de inocência. À ciência do Direito, seus operadores e ao judiciário cumprem a função de aplicar ao caso concreto o princípio adequado.

O Texto Magno garante a proteção de dois princípios elementares: a presunção do estado jurídico de inocência de uma pessoa por considerar que a culpabilidade é uma adjetivação jurídica derivativa de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, e a liberdade de imprensa consubstanciada nas liberdades de expressão do pensamento, comunicação e direito de informar, por entendê-la compatível com o pluralismo ideológico que legitima um Estado Democrático e de Direito.

Numa antinomia entre duas leis que nada mais são que comandos de permissão, obrigação e proibição aplica-se os critérios: hierárquico, cronológico e da especialidade. Princípios por sua vez, são mandados de otimização e possuem maior grau de abstratividade. Diferentemente da solução aplicada às antinomias a colisão entre princípios resolve-se pela ponderabilidade, razoabilidade e proporcionalidade. Entendemos que quando houver confronto entre dois princípios constitucionais, tais como a presunção da inocência e a liberdade de imprensa, há que se analisar o caso concreto à luz de suas peculiaridades. Assim, deve o julgador perguntar: é lícito informar ao público uma notícia meramente lastreada num boletim de ocorrência sem que haja ainda a formulação de um inquérito policial e conseqüente apuração de indícios suficientes de autoria? A notícia deve qualificar a culpabilidade das pessoas? Os índices de audiência são objetivos mais nobres que a preservação da imagem pessoal?

Por isso, nesta colisão entendemos que em respeito a dignidade da pessoa humana a inocência presumida deve prevalecer, haja vista ser o sujeito a razão de existir de todo um ordenamento jurídico.

Destarte, o Princípio da Presunção da Inocência não pode ser negligenciado sob pena de se frustrar o verdadeiro objetivo das ciências jurídicas, qual seja, o de resolver os conflitos oriundos da complexidade das relações humanas estabelecendo na medida do possível a paz e a justiça no seio da sociedade.

Como o ser - humano não possui o atributo divino da onisciência deve ser razoável o bastante a ponto de saber que seu julgamento é deveras limitado pelas circunstâncias, e, por isso não pode nem deve prescindir da premissa da inocência do acusado.
Imputar a culpa a uma pessoa sem a que a isso siga um robusto acervo probatório faz com que o status científico do Direito se transforme em um simples campo especulativo. Não restam dúvidas que a soltura de um culpado possui efeitos menos destrutivos que a condenação de uma pessoa inocente.

Os traumas psicológicos advindos de uma acusação injusta, o dissabor de passar por um processo judicial, os prejuízos materiais, a movimentação indevida do judiciário, o eterno estigma que acompanha um ex-presidiário, e a desconfiança na justiça são questões que nos leva a refletir sobre o verdadeiro papel e alcance da imprensa no Brasil.

Nossa processualística penal adota o sistema acusatório, ou seja, o Ministério Público (não apenas) com base nos elementos colhidos pela polícia judiciária faz a denúncia, a advocacia privada enquanto elemento essencial á administração da justiça faz a defesa e o juiz julga com a devida margem de discricionariedade conferida pela lei. Porém, quando falamos da imprensa, esta arroga para si um poder quase que ilimitado e inconstitucional concentrando em suas mãos o poder de investigar, acusar, julgar e condenar.

Sob o pretexto da importância da informação e escondendo suas reais intenções a imprensa revela o lado mais obscuro da força ao estabelecer a máxima de que se deve partir do princípio da culpa incumbindo ao acusado provar sua inocência. Percebe-se que todo o aparato tecnológico, político e econômico da imprensa não são colocados a serviço da verdade e da justiça, mas dos interesses econômicos.

Ante o exposto, esta obra pretende-se estabelecer as premissas verdadeiras sobre as quais os direitos de informação e expressão devem ser exercidos, bem como sua compatibilidade com as demais normas do direito. Nessa linha, nosso desiderato é resgatar a devida aplicação do princípio da presunção da inocência provando pela lógica jurídica o perigo de se afastar normas cogentes.

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