A INFLUÊNCIA DE LEWI PETHRUS, DO PINGSTRÖRELSE E DA MISSÃO SUECA NA IDENTIDADE DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL

Por Luigi Bonaita | 27/07/2017 | Religião

IBAD

Instituto Biblico das Assembleias de Deus

 

CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA

 

LUIGI BONAITA

 

A INFLUÊNCIA DE LEWI PETHRUS, DO PINGSTRÖRELSE E DA MISSÃO SUECA NA IDENTIDADE DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL

 

Pindamonhangaba-SP  2012

 

RESUMO

As Assembleias de Deus são a maior denominação pentecostal do Brasil. Com mais de um século de história, essa igreja apresenta sua peculiar teologia, liturgia e eclesiologia, características de sua maneira de ser sujeito religioso, em grande parte resistente às tensões atualizadoras deste começo de século XXI. Essa denominação tem, em seu DNA, duas matrizes majoritárias: a escandinava e a norte-americana. Objetivo desse trabalho foi pesquisar qual das duas influenciou, de maneira preponderante e indelével, esse sujeito religioso nas duas primeiras e cruciais décadas de sua existência, de 1910 a 1930. Demonstrou-se que a influência do Movimento das igrejas livres da Suécia foi quase que exclusiva nesse período. Os veículos deste processo foram os missionários da missão pentecostal sueca presente no Brasil no período delimitado. Estes transmitiram o ethos do Pingströrelse1 e os ideais de sua personalidade mais marcante, Lewi Pethrus, pastor da Filadelfiakyrkan i Stockholm2. A influência sueca, todavia, foi mediada e, em parte, reformulada no contato com o contexto sociocultural brasileiro da época. Os atores dessa adequação foram os obreiros e pastores nacionais que cooperaram com os missionários nórdicos na expansão do avivamento no Brasil. O resultado desse processo de amalgamação foi uma denominação religiosa, cujo ethos sueco-nordestino lhe permitiria de se tornar a maior igreja pentecostal do país e do mundo: as Assembleias de Deus no Brasil.

Palavras-chave: Movimento Pentecostal da Suécia. Lewi Pethrus. Missão Sueca. Influência. Assembleias de Deus. Brasil.

1 Movimento pentecostal da Suécia.

2 Igreja Filadélfia de Estocolmo.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O Pentecostalismo é, na América Latina, o segmento religioso do Cristianismo que mais cresce. Tem suas origens nos EUA do começo do século XX, nos acontecimentos da escola bíblica de Charles Fox Parham, em Topeka. Este foi o primeiro a teorizar que a fala em línguas sempre acompanharia a experiência do Batismo no Espírito Santo. O avivamento se expandiu ao redor do planeta a partir de dois centros de irradiação principais: a Apostholic Faith Gospel Mission3 da Azuza Street, dirigida por William J. Seymour, em Los Angeles, Califórnia, e o círculo eclesiástico protagonizado por William H. Durham, em Chicago, Illinois.

No dia 19 do mês de novembro de 1910, Daniel Berg e Gunnar Vingren, dois imigrados suecos nos EUA, onde foram influenciados pelas ideias de Durham, desembarcaram em Belém, no Pará, para começar a obra missionária da qual surgiriam as Assembleias de Deus no Brasil. Neste empreendimento, foram ajudados inicialmente pelas igrejas norte-americanas de imigrados escandinavos e, predominantemente a partir do ano de 1914, pelo Movimento das igrejas livres da Suécia, através da mediação de Lewi Pethrus, pastor da igreja Filadélfia de Estocolmo.

As Assembleias de Deus, durante mais de cem anos de sua história, marcaram o panorama religioso brasileiro com sua peculiaridade teológica, litúrgica e eclesiástica. À luz da presença, no ethos assembleiano, de traços de duas matrizes estrangeiras, a escandinava e a norte-americana, esse labor se propõe pesquisar qual das duas foi predominante na construção da identidade da denominação. Na consideração de que as primeiras duas décadas de sua existência foram cruciais para tal processo, a pesquisa foi limitada aos anos de 1910 a 1930.

No ano de 1930, de 5 a 10 de setembro, a conferência de Natal produziu decisões fundamentais para o futuro desenvolvimento da denominação, tornando-se um marco importante na história dessa igreja. A partir dessa conferência e em força de suas decisões, os pastores nacionais que operavam, sobretudo, no Norte e Nordeste do Brasil, assumiram a direção dos trabalhos mais importantes e desenvolvidos do país. As hipóteses que dirigiram a pesquisa foram três:

 

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1) as primeiras duas décadas da missão pentecostal no Brasil, da chegada dos pioneiros missionários suecos até a entrega da direção dos trabalhos aos pastores nordestinos, do ano 1910 ao 1930, foram determinantes e cruciais para a formação da identidade assembleiana;

2) entre as duas matrizes estrangeiras, a norte-americana e a escandinava, uma das duas foi predominante para o estabelecimento do ethos das Assembleias de Deus;

3) os elementos originários constitutivos da influência estrangeira foram mediados e reelaborados pelo contexto social, cultural e econômico brasileiro. Esse processo de adequação teve no corpo dos pastores nordestinos, que cooperaram com os missionários estrangeiros desde o começo e assumiram a direção a partir de 1930, seu agente privilegiado.

A metodologia empregada na pesquisa consta da utilização, principalmente, de fontes originais em língua sueca, quais as cartas e relatórios que os missionários enviaram a seu país e que foram publicados no órgão oficial do Pingströrelse4, o Evangelii Härold5, fundado por Lewi Pethrus em 1915. Livros e obras literárias de autores contemporâneos suecos e norte-americanos, pesquisadores sobre assuntos ligados ao Pentecostalismo escandinavo, foram também utilizados, junto aos relatos dos pioneiros da obra, Vingren e Berg, elaborados e publicados pelos respectivos filhos. Obviamente, o acervo da historiografia oficial assembleiana e, parcialmente, batista entraram no compêndio da pesquisa.

A pesquisa evidenciou a influência predominante, na construção da identidade das Assembleias de Deus, do Movimento das igrejas livres da Suécia, o Pingströrelse. Este nasceu da institucionalização do avivamento pentecostal sueco, a partir da ação de Lewi Pethrus, pastor da igreja Filadélfia de Estocolmo, a maior igreja livre daquele país. Pethrus foi, igualmente, o ator principal nos bastidores da missão pentecostal da Suécia no Brasil, enviando e sustentando muitos dos missionários que vieram do país nórdico, além de ajudar os que procederam dos EUA e alguns dos obreiros nacionais. Ele foi, também, o pregador da conferência de Natal 1930, durante a qual expressou sua opinião favorável à entrega da direção dos trabalhos originados da missão sueca aos líderes nordestinos.

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Na consideração de todos estes fatores, pode-se afirmar que o ethos do Pingströrelse6, o Movimento pentecostal da Suécia, moldado e dirigido por Lewi Pethrus, forneceu, através da Missão pentecostal sueca no Brasil, muitos dos elementos constitutivos presentes na maneira de ser das Assembleias de Deus. Evidenciou-se, doutro lado, que houve uma amalgamação destes com os elementos socioculturais nordestinos, trazidos pelos pastores nacionais. Este processo está à base da construção da identidade teológica, litúrgica e eclesiástica da denominação, permitindo que as Assembleias de Deus no Brasil sejam definidas como uma igreja sueco-nordestina (FRESTON, 1992).

Essa monografia consta, junto com esta introdução e as considerações finais, de três capítulos, nos quais os vários temas foram elaborados. No capítulo dois, foi apresentada a história do avivamento pentecostal moderno, a partir de suas origens nos EUA, no começo do século XX, sua chegada à Escandinávia, o surgimento do Pingströrelse, o Movimento pentecostal da Suécia, com suas características e peculiaridades, e uma descrição da atividade da Filadelfiakyrkan i Stockholm, a igreja Filadélfia de Estocolmo, e de seu pastor, Lewi Pethrus, a personalidade mais marcante do panorama eclesiástico do Pentecostalismo sueco.

O capítulo três trata da atividade da missão pentecostal sueca no Brasil, durante as décadas de 1910 e 1920. O operado dos pioneiros, Daniel Berg e Gunnar Vingren, e dos primeiros missionários suecos que cooperaram com eles no desenvolvimento da obra no Brasil, Otto Nelson, Samuel Nyström, Frida Vingren, foi pesquisado e descrito, prestando particular atenção à história não contada pela historiografia oficial: episódios e anedotas foram retirados, sobretudo, das cartas pessoais enviadas pelos nórdicos para seu país. O capítulo se conclui com uma lista das demais missionárias e missionários suecos e sueco-americanos que chegaram ao Brasil nos anos de 1910 a 1930.

No quarto capítulo, foram individuados os traços da influência sueca na construção da identidade assembleiana e analisado o processo de adequação sócio-cultural operado pelos pastores nacionais, que deu origem ao ethos sueco-nordestino das Assembleias de Deus no Brasil.

 

 

 

2 O PENTECOSTALISMO NA SUÉCIA

Djurfeldt (2007) afirma que o Pingströrelse, o Movimento pentecostal sueco, não apareceu do nada, mas é parte de um avivamento espiritual mundial, centrado na esperança de um novo Pentecostes. Não surgiu do vazio, antes está correlato a outros avivamentos que aconteceram no seio da Cristandade e que experimentaram o falar em línguas e o interesse por milagres e sinais de cura, tendo contemporaneamente suas próprias peculiaridades.

Uma onda proto-pentecostal já tinha acontecido, a começar da cidade de Eskilstuna na Suécia, em volta do ano de 1890. Em sua autobiografia, Pethrus relatou de manifestações carismáticas entre oficiais do Frälsningsarmé7, durante a última década do século XIX:

[...] John Brandéli, Gottfrid Leander, Aron Eriksson, B. A. Bengtsson e Erik Jederblom [...] haviam pertencido a um movimento chamado "O Batalhão da Explosão", um rompimento do Exército da Salvação que surgiu em 1890. Alguns oficiais do Exército da Salvação foram batizados no Espírito Santo, falaram em línguas e profetizaram (PETHRUS, 2004, p. 108-109).

Essas pessoas, já batizadas no Espírito, se tornaram, posteriormente, participantes do Movimento pentecostal sueco e membros da igreja Filadélfia de Estocolmo, dirigida por Pethrus. Nesse Sprängbataljon8, se pregava salvação, batismo no Espírito Santo com fala em línguas como no dia de Pentecostes, cura divina pela fé e a iminente volta de Jesus. Isso permite descrever o Sprängbataljon como um primordial movimento pentecostal que, no ano de 1899, contava com 425 membros e nove igrejas (GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2011).

7 Exército da Salvação.

8 Batalhão da Explosão. Coloquialmente, conforme a gíria pentecostal, pode ser traduzido como “Batalhão Pipoca”.

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2.1 AS ORIGENS AMERICANAS DO MOVIMENTO PENTECOSTAL MODERNO

O Movimento pentecostal sueco teve sua origem nos acontecimentos que sacudiram o ambiente eclesiástico norte-americano no começo do século XX e que, em seguida, deviam se espalhar pelo mundo afora. A respeito do nascimento do Movimento pentecostal nos EUA, deve-se considerar que:

O Movimento pentecostal é geralmente datado de Janeiro de 1901, quando Charles Fox Parham, o líder de uma pequena escola bíblica em Topeka, afirmou que o falar em línguas sempre evidenciaria o autêntico batismo com o Espírito Santo (BLUMHOFER, 1993, p. 2, tradução nossa).

A partir da experiência da escola bíblica de Charles Parham em 1900, em Topeka, Arkansas, o avivamento percorreu os EUA e chegou à cidade de Los Angeles, na Califórnia, através de William Joseph Seymour. Este foi o agente mais conhecido de um avivamento de “mil dias”, entre os anos 1906 a 1909, que, sucessivamente, se expandiria às demais cidades norte-americanas e ao redor do planeta. Três são as personalidades principais destes acontecimentos nos EUA: Charles Fox Parham, William Joseph Seymour e William H. Durham.

2.1.1 Charles Fox Parham

O evangelista e pregador americano Charles Fox Parham (1873-1929), é considerado o primeiro expoente do Pentecostalismo moderno. De família metodista, freqüentou um seminário da denominação, abandonando-o em seguida por ser da ideia que o pregador devesse utilizar a inspiração divina direta, e saiu da denominação para fundar seu próprio ministério itinerante no Estado do Kansas. Em seguida a uma experiência pessoal de cura divina, começou a pregar sobre o assunto em 1897, rejeitando o uso de medicamentos.

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Influenciado pelas doutrinas de Frank Sandford9, no outubro de 1900 abriu uma escola bíblica em Topeka, no Kansas, o Bethel Bible College10, com cerca de quarenta alunos. Único livro de texto era a Bíblia, com o Espírito Santo como professor e Parham sendo o seu porta-voz (HYATT, 2004). Este era contrário a cobrar mensalidades e recolher ofertas durante os cultos, em sua radical compreensão da vida de fé cristã (BLUMHOFER, 1993). Terminado o curso, Parham impulsionou os alunos à oração e busca da evidência da descida do Espírito Santo e, no dia 1 de janeiro de 1901, na ausência de Parham, Agnes Ozman foi batizada no Espírito com manifestação do falar em línguas.

Charles Parham foi o primeiro a associar a glossolalia ao batismo no Espírito, considerando aquela ser a evidência deste. Essa posição teológica marcou a distinção do Pentecostalismo moderno dos precedentes avivamentos carismáticos. Ele, também, em suas pregações encorajava os crentes a se vestir elegantemente, para atrair as pessoas ao estilo de vida cristão. No ano de 1905, mudou a escola bíblica para Houston, Texas, onde permitiu a diversos Afro-americanos, entre os quais William J. Seymour e a pastora Lucy Farrow, de participarem das aulas, ainda que do corredor. Apesar de ser posteriormente acusado de racismo e simpatia ao Ku Klux Klan11, Parham foi um precursor nas críticas à separação racial. Nesse sentido, ele costumava pregar em igrejas de negros e convidava pregadores negros nos seus cultos. Hyatt escreve que:

Quando a vida de Parham é avaliada no contexto social, jurídico e religioso de seu tempo, o que emerge não é nem um santo cruzado pela igualdade racial nem um racista fanático. O que emerge é um indivíduo que, em muitas maneiras, reflete os tempos nos quais vivia, em que a segregação racial era geralmente aceita e praticada pelo país afora. Mas o que também emerge é um indivíduo que, em tempos críticos, tinha vontade de romper com os padrões culturais e atravessar as linhas raciais, quando isso não era a coisa mais popular a fazer. [...] Charles Parham merece o crédito por elevar o tom da abertura e harmonia inter-racial que prevaleceu por um tempo no início do Pentecostalismo (HYATT, 2004, tradução nossa).

Em visita às reuniões de Seymour na missão da Azuza Street, em Los Angeles, Parham criticou os cultos dirigidos pelo ex-aluno, ficando ressentido pelo seu sucesso na

9 Frank Sandford (1862-1948), líder da seita apocalíptica “The Kingdom”, fundou uma comunidade no Estado americano do Maine, cujos membros viviam “pela fé”, sem trabalho remunerado, e cria nas curas divinas. Identificou a si mesmo, por suposta revelação de Deus, como o Rei Davi de Israel e como Elias, o profeta do A.T., sendo também convencido de ser uma das duas testemunhas do capítulo 11 do livro de Apocalipse.

10 Escola Bíblica Bethel.

11 Grupo suprematista branco.

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liderança do Movimento que ele tinha criado. Isso e uma acusação de homossexualismo provocaram-lhe o abandono da parte dos novos líderes do avivamento, preocupados em buscar respeitabilidade diante da sociedade (BLUMHOFER, 1993).

2.1.2 William Joseph Seymour

William J. Seymour (1870-1922) era filho de ex-escravos católicos. Convertido ao Metodismo, se tornou aluno, junto com a pastora Lucy Farrow, de Parham na escola bíblica em Houston, no ano de 1906, onde apreendeu as ideias sobre o batismo no Espírito, sem porém experimentar pessoalmente. No mesmo ano, mudou-se para Los Angeles, para assumir uma igreja, onde ele começou a expor a doutrina pentecostal. Rejeitado, teve que abandonar a igreja e organizou um grupo de oração na casa de Richard Asberry, situada no endereço 214 North Bonnie Brae Avenue12. O propósito declarado do grupo era buscar “The Second Shower of the Latter Rain”13, como era chamado o derramamento do Espírito.

A falta de resultados levou Seymour a pedir ajuda à sua mentora, a pastora Lucy F. Farrow, de Houston, batizada no Espírito Santo, que programou uma campanha de jejum e oração e, fatidicamente no "décimo dia", o Espírito caiu sobre o grupo e alguns dos presentes começaram a falar em línguas. O primeiro batizado, no dia 9 de abril de 1906, foi Edward Lee, com evidência do falar em línguas. No dia 12 de abril, Lucy Farrow impôs as mãos sobre Seymour, que foi batizado no Espírito. Os acontecimentos da casa atraíram o interesse de muito povo. Seymour, então, transferiu as reuniões para um prédio na Azuza Street, um templo abandonado da Igreja Metodista Africana, no dia 13 de abril, onde a missão recebeu o nome de Apostolic Faith Gospel Mission14, por se considerar parte do Movimento de Parham.

No edifício da Azuza Street, os bancos de madeira eram colocados ao longo dos quatros paredes, como nas sinagogas judaicas. A mistura racial, em um país com legislação segregacionista, e a presença feminina eram notáveis durante os primeiros acontecimentos do avivamento pentecostal. Este ganhou rapidamente o interesse da imprensa nacional e internacional, e durou cerca de três anos, de 1906 a 1909.

12 A casa ainda existe hoje em dia.

13 O Segundo Derramamento da Chuva Serôdia.

14 Missão Evangélica da Fé Apostólica.

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Pode-se ver, entre as manifestações carismáticas daquelas reuniões, a presença não somente da glossolalia15, mas da xenolalia16 também. Isso ficou importante na compreensão de Seymour e seu grupo, que entendiam esse fenômeno como um sinal legitimador de sua experiência, conforme At 2.4-6, e como uma indicação do futuro lugar de trabalho de evangelização da pessoa que recebia a língua desconhecida (ALVARSSON, 2007). Tanto Farrow como Seymour foram influenciados, através de Charles F. Parham, professor de ambos, pelos ensinos de Frank Sandford de que a xenolalia era o último e definitivo sinal exterior a ser usado na obra missionária, sendo, portanto, inútil o estudo linguístico para o serviço missionário. Essa teoria foi abandonada aos poucos pelo movimento depois das primeiras malsucedidas tentativas de colocá-la em pratica.

Além da simplicidade nos cultos e da abertura aos milagres, típicos do metodismo pioneiro entre os escravos afro-americanos, o avivamento pentecostal evidenciou, desde o início, uma marcada perspectiva escatológica. O segundo Pentecostes era interpretado como o início do tempo do fim, o que realçava a importância da missão frente à iminente segunda vinda de Cristo. Isso se revelaria, sucessivamente, de extrema importância na compreensão querimática17 do Pingströrelse18, em seus esforços missionários pelo mundo afora. No dia 20 de abril, somente sete dias depois de chegar ao edifício na Azuza Street, os primeiros missionários foram enviados para expandir a mensagem pentecostal ao mundo. Muitos dos líderes da missão da Azuza Street saíram para fundar igrejas dirigidas à evangelização de vários grupos étnicos, a maioria entre os pobres e marginalizados.

15 Glossolália é a capacidade de falar ou emitir sons em um idioma ininteligível e desconhecido entre a humanidade. 16 Xenolália é a capacidade de falar em uma língua estrangeira que o indivíduo desconhece, a qual não aprendeu nem foi exposto. No grego, xenos significa "estranho" e lalia "linguagem".

17 Referente à pregação do Evangelho.

18 Movimento pentecostal da Suécia.

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2.1.3 William H. Durham

O americano William H. Durham (1873-1912) se converteu na igreja batista e, em seguida a uma visão, dedicou-se ao ministério integral, tornando-se pastor de uma igreja Holiness19 situada numa região de muita imigração, em Chicago, no Estado americano do Illinois, no ano de 1901. Por ele considerar as estruturas eclesiásticas denominacionais como um grande obstáculo à causa de Cristo, entrou na simpatia dos líderes do movimento da Azuza Street, que ele visitou no ano de 1907. De retorno a Chicago, o avivamento se expandiu na sua igreja, fazendo dele uma figura proeminente do Pentecostalismo na cidade. Muitos pastores, ministros e pessoas comuns vieram do país e do exterior para participar de seus cultos, experimentando o batismo no Espírito Santo e as curas instantâneas, entre eles Aimee Semple20. A igreja de Durham se tornou um centro para a expansão do avivamento no mundo. Daniel Berg, pioneiro ao Brasil, foi um dos membros da igreja de Durham em Chicago (REILY, 1984) e foi por ele influenciado (CAUCHI, 2004).

Teologicamente, Durham defendia a doutrina do “Finished Work”21, em contraste com a doutrina da santificação defendida pelo Movimento Holiness e pela maioria das igrejas protestantes da época. Ele declarava que o que o crente precisava estava embutido na obra consumada por Cristo no Calvário, no momento da justificação do pecador. Os benefícios do Calvário seriam disponíveis aos fieis ao longo de toda sua vida cristã, ao contrário da crença Holiness, de que a santificação era uma experiência instantânea subsequente à conversão.

Em 1911, Durham mudou-se para a cidade de Los Angeles, na Califórnia, por causa de atritos com as lideranças da denominação em Chicago e por desejar se sediar na cidade que ele considerava ser o lugar de nascimento do avivamento. Durante uma viagem de Seymour para fora da cidade, Durham foi convidado para pregar na Missão da Azuza Street, onde suas ideias tiveram grande consenso. Ao seu retorno, Seymour e Durham discutiram sobre o assunto, sem chegar a um acordo sobre as diferenças doutrinárias, e o segundo foi impedido de continuar as pregações na Missão Apostólica. Ele, então, alugou um grande edifício nas vizinhanças, onde conseguiu reunir, com suas pregações, milhares de crentes, com conversões e batismos no Espírito. Contemporaneamente, a velha missão da Azuza Street ia se

19 Pertencente ao Movimento da Santidade.

20Posteriormente, Aimee McPherson, canadense, fundadora da Four Square Gospel Church (Igreja do Evangelho Quadrangular), em Los Angeles, nos EUA.

21 “Obra Consumada”.

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definhando rapidamente. Acometido por uma pneumonia durante uma viagem a Chicago, Durham veio a falecer no ano seguinte.

2.2 OS SUECOS PRESENTES NAS REUNIÕES DA AZUZA STREET, EM LOS ANGELES.

Proporcionalmente, havia um grande número de suecos presentes nas reuniões no edifício da Azuza Street, possivelmente porque eram originários de um país que não tinha questões raciais e com uma cultura simples e etnicamente homogênea (ALVARSSON, 2007). Os nomes de alguns são: H. Olsson; os casais de futuros missionários Adolph e Linda Johnson e Gustaf e Ellen Lundgren; Jennie Jacobson, Agnes Jacobson, Conrad Björkman e Ludvig Gustafson, L. G. Österberg, Eric Hollingsworth e esposa, que, com Andrew G. Johnson e duas jovens mulheres suecas, participavam já desde as reuniões na casa da North Bonnie Brae.

Andrew G. Johnson era o nome americanizado, costume comum aos imigrantes da época, de Anders Gustaf Johansson, nascido no ano de 1878 na cidade sueca de Skövde22, e que foi o sueco mais ativo do grupo. Tinha se convertido dois anos antes e batizado na Califórnia, trabalhava como vendedor e viajava pregando e vendendo livros e folhetos. Conheceu Seymour durante uma pregação deste e os dois se reuniram no grupo de oração na North Bonnie Brae e, posteriormente, na Azuza Street. O desejo da experiência do batismo levou Anders Johansson a subir ao cume de uma montanha vizinha à cidade, para lutar em oração com Deus. Retornado às reuniões, pediu para que lhe fossem impostas as mãos e, a seguir, recebeu seu batismo pentecostal e começou a falar uma língua, que ele julgou ser um dialeto dos índios norte-americanos. Essa peculiar compreensão do fenômeno da xenolalia se tornou importante para a vida de Anders Johansson e, subseqüentemente, para o Movimento pentecostal sueco.

22 Na província do Västergötland, na Suécia meridional.

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2.2.1 O primeiro missionário do avivamento da Azuza Street

Conforme Alvarsson (2007), o primeiro missionário a ser enviado pelos líderes da Missão da Azuza Street foi Anders Gustaf Johansson, o qual, junto com Louise Condit e Lucy Leatherman, formava um grupo que tinha como destino a Palestina, por supostamente julgar ter recebido do Espírito línguas do Oriente Médio. Johansson se dirigiu primeiramente para Chicago, onde encontrou o pastor William H. Durham, que foi despertado para a busca do batismo no Espírito em seguida ao encontro, e New York, onde encontrou Tomas Ball Barratt, pastor metodista galês que teria importante papel para a expansão do avivamento pentecostal na Escandinávia, sobretudo na Noruega, e que influenciaria profundamente Lewi Pethrus.

2.3 O AVIVAMENTO CHEGA À SUÉCIA

Desistindo de viajar para Jerusalém por falta de dinheiro, Johansson embarcou em um navio norueguês em Gibraltar, chegando a Göteborg23, na Suécia, no dia 16 de novembro de 1906, de onde se dirigiu para a cidade natal de Skövde. Nesta cidade, ele encontrou apoio inicial na Igreja Batista Elim, considerada por ele a denominação com a qual podia ter mais afinidade, e conheceu Carl Widmark, em cuja casa sucessivamente se hospedou, e que se tornaria um importante expoente do movimento. Tarefa de Johansson era difundir as novas do batismo no Espírito e despertar o povo para a busca de uma vida espiritual mais profunda. Encontrou boa aceitação da parte de seus conterrâneos, como ele mesmo escreveu em sua primeira carta missionária dirigida à base na Azuza Street, em Los Angeles, datada 15 de dezembro de 1906: “Tenho testemunhado nas casas e pode-se entender que a porta está aberta e que as pessoas estão famintas pela Palavra de Deus” (JOHNSON, 1906 apud ALVARSSON, 2007, p. 20, tradução nossa).

A grande pergunta entre os crentes das igrejas tradicionais, porém, era se aquele avivamento era ou não de Deus. Este era o questionamento do pastor batista de Skövde, Carl Viktor Hugo, que por isso se dirigiu ao mais experiente colega, o pastor da igreja Filadélfia de

23 Segunda maior cidade da Suécia, ao sul do país, frente à Dinamarca.

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Örebro24, John Ongman, que no começo de 1907 viajou para Skövde. Ongman chegou à conclusão que aquela obra era de Deus. Ele pôde testemunhar que o sinal de falar línguas acompanhava a difusão do avivamento no país nórdico e convidou A. G. Johansson para pregar na igreja que estava sob seus cuidados em Örebro.

A publicação, da parte do órgão oficial da Missionsförbundet25, o Svenska Morgonbladet26, de notícias sobre o “novo avivamento”, com ênfase sobre o falar em línguas, e a contemporânea volta dos EUA para Kristiania27 de T. Barratt, que começou a pregar sobre o assunto, com reflexos em muitas nações européias, motivaram uma reportagem no Dagens Nyheter28, jornal cotidiano sueco de tiragem nacional. Esses acontecimentos fizeram de Anders G. Johansson uma celebridade nacional, mas também lhe criaram um problema, inclusive para os pesquisadores sobre o avivamento: sabendo de sua origem sueca, a reportagem re-traduziu seu sobrenome americanizado Johnson para Jansson, diferente do originário Johansson. Isso o levaria, alguns anos depois, a mudar novamente seu sobrenome para Ek, como relata Alvarsson: “O evangelista Andrew Jansson [Johnson]-Ek, que foi batizado no Espírito durante o nascimento do moderno avivamento pentecostal em Los Angeles no ano passado” (ALVARSSON, 2007, p. 24, tradução nossa).

Em Örebro, Johansson teve grande sucesso, e foi apoiado por John Ongman e sua igreja, felizes por terem consigo uma testemunha ocular dos acontecimentos de Azuza Street, a matéria de conversação mais atual daquele momento nos ambientes eclesiásticos. Em seu testemunho, Johansson podia livremente falar em línguas e interpretar para o sueco, sob a curiosidade do povo. Ele considerava o falar em línguas como um sinal para os ímpios que não davam crédito à Palavra de Deus em seu próprio idioma. Membros da igreja de John Ongman experimentaram o batismo no Espírito e desviados se reconciliaram, o que aumentou ainda mais o interesse das pessoas e proporcionou que a atmosfera espiritual transformasse a cidade de Örebro na “Los Angeles da Suécia”, um centro de difusão para o avivamento pentecostal (ALVARSSON, 2007, p. 24, tradução nossa).

24 Na província do Närke, Suécia central.

25 Associação Missionária da Suécia.

26 Folha Matutina Sueca.

27 Atualmente é conhecida com o nome de Oslo, a capital da Noruega.

28 Notícias do Dia.

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A aceitação irrestrita de John Ongman dos ideais do avivamento produziu uma atividade a nível nacional. A Örebromissionen29 era bem reputada e tinha uma grande influência dentro da denominação batista. John Ongman era pastor batista formado nos E.U.A, e valorizava muito a participação das mulheres no trabalho de evangelização e liderança eclesiástica, com presença feminina numerosa em suas escola bíblicas, o que deu origem ao apelido “as irmãs de Ongman”, muito efetivas em várias obras e na difusão da mensagem do avivamento. Um dos demais pastores que primeiramente aceitaram o novo avivamento foi Olov Leonard Björk, pastor batista de Stora Mellösa e reconhecido pregador e professor de Bíblia. Sua igreja se tornou “uma igreja-mãe para o avivamento pentecostal na Suécia” (Bundy 1997, p. 5, tradução nossa). Essa igreja foi uma das primeiras que apoiaram os missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg, pioneiros no Brasil (ALVARSSON, 2007). Björk foi também o fundador, com Lewi Pethrus e Carl Hedeen, de um das mais importantes e influentes publicações do avivamento na Suécia, o Brudgummens Röst30, publicado de 1911 a 1922.

Convidado por diversas igrejas do país, A. Johansson começou a viajar e pregar pelo resto da Suécia e, nas primeiras semanas do ano de 1907, chegou à Igreja Betânia em Estocolmo, convidado pelo pastor C. G. Lundin. A liderança dessa igreja teria posteriormente uma posição contrária ao avivamento pentecostal. Este fato proporcionou que, no ano de 1910, boa parte dessa congregação, já fortemente permeada pelos ideais pentecostais, se tornasse um dos maiores grupos iniciais (cerca de 30%) da Filadelfiakyrkan i Stockholm31, a igreja que Lewi Pethrus dirigiu por cerca de quatro décadas. Isso aconteceu devido ao ostracismo dos batistas, que começaram a se posicionar contra os ideais pentecostais, excluindo as congregações e os membros que não se alinhassem com a posição oficial da denominação.

Göteborg, no sul da Suécia, foi alcançada por alguns membros do Movimento que se transferiram de Skövde, e pelo trabalho em cooperação entre A. G. Johansson, que se estabeleceu na cidade por um tempo, e T. Barratt, com o reforço de Eric Hollingsworth e esposa, vindos de Los Angeles. A visão de Johansson, Barratt e Ongman era que o avivamento fosse um movimento transversal para todas as denominações cristãs, e que os

29 Missão de Örebro. Posteriormente, se fundiu com outras duas organizações missionárias, dando origem a InterAct, ainda em atividade.

30 A Voz do Noivo.

31 Igreja Filadélfia de Estocolmo.

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pentecostais não devessem formar próprias igrejas, mas continuar como membros “na posição em que Deus os tinha chamados”, conforme 1Co 7.1732.

Entre os metodistas, muitos pastores visitaram T. Barratt na Noruega e permitiram uma abertura inicial ao avivamento, mas, quando Barratt saiu da denominação por causa do conflito referente à sua compreensão missionária, fecharam as portas, com o resultado que poucos metodistas se tornaram pentecostais na Suécia. Fortemente divulgados pelo famoso jornalista Richard Edhelberg, A. G. Johansson-Ek viu os ideais do avivamento rapidamente se expandirem por todo o país escandinavo e a si mesmo reconhecido como o que atiçou o fogo pentecostal na Suécia.

2.3.1 O crescimento na capital sueca

A capital sueca cresceu de 93.000 habitantes no ano de 1850 a 300.000 no começo do XX século, por causa da grande maioria de camponeses vindos das regiões interiores agrícolas. Muitos se sentiam desamparados sem os relacionamentos sociais do lar de proveniência e encontraram nas igrejas livres um lar e um ponto de encontro, onde os indivíduos eram cuidados, valorizados e reconhecidos. Quando A. G. Johansson visitou Kungsholmen33 no janeiro de 1907, o avivamento estourou na igreja batista Elim. Na época, a denominação batista era composta em maioria por pessoas da classe media, mas o novo avivamento alcançava mais a classe operária. Diante dessa situação, A. Engzell, um abastado comerciante da cidade, organizou os novos avivados e comprou um imóvel que passou a ser chamado Filadelfiasalen34, do nome da igreja de Ongman em Örebro. A inauguração aconteceu num culto no dia 26 de dezembro de 1909, com Carl Hedeen como pregador.

Esse local se tornou um refúgio para as pessoas que não se sentiam à vontade em sua própria congregação e, apesar de existirem já seis igrejas batistas na cidade, seus membros queriam uma congregação aberta para os dons do Espírito. Os princípios denominacionais batistas, porém, obstaculizavam o projeto, que se tornou realidade somente no dia 30 de

32 Esta concepção vingou na Noruega, território privilegiado da atuação de T. B. Barratt.

33 Bairro de Estocolmo.

34 Sala Filadélfia.

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agosto de 1910, quando 21 mulheres e 8 homens de seis diferentes igrejas batistas da cidade e do interior formaram a Igreja Filadélfia de Estocolmo.

A componente feminina e a extração operária sempre foram majoritárias na Filadélfia. Quando esta alcançou seus primeiros mil membros, em 1919, 762 destes eram mulheres, das quais 712 solteiras, a maioria cozinheiras, colaboradoras familiares, babás, assistentes de enfermagem, etc. Dos mil membros, 389 vieram de outras denominações, quase todos batistas, mas os restantes 611 receberam o batismo na própria Filadélfia, derrubando a acusação de que o avivamento pentecostal vivia de proselitismo. O numero de pessoas provenientes de denominações com costumes e doutrinas particularmente rígidas também era particularmente baixo, somente 7,5%, mostrando que o movimento não era refúgio de disciplinados das demais igrejas (GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2010).

No ano de 1920, existiam ao menos 134 igrejas pentecostais na Suécia, presentes em todas as mais importantes cidades do país. Apesar de o avivamento pentecostal ser considerado supraconfessional, existiam muitos Pentecostais que queriam maior liberdade e se sentiam desprezados e oprimidos dentro da denominação batista, além de impedidos em suas atividades. Em todo o território nacional, as congregações livres pentecostais se multiplicavam e a liderança do Movimento ia agregando mais expoentes insatisfeitos com as regras dos batistas. Esses sentimentos foram amadurecendo até prepararem o terreno para a definitiva separação da denominação.

Nesse aspecto, o episodio da exclusão da Igreja Filadélfia de Estocolmo da denominação batista, graça ao espírito visionário de seu jovem pastor, Lewi Pethrus, foi um marco central na história da passagem do avivamento pentecostal sueco à condição de Pingströrelsen35, como foi posteriormente chamado. Paradoxalmente, esses acontecimentos proporcionaram a Pethrus não somente liberdade, mas também a oportunidade de transformar essa igreja na maior e mais influente e seu pastor no líder de facto do Movimento na Suécia.

35 Movimento pentecostal da Suécia.

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2.3.2 A ajuda e influência de T. B. Barratt

Durante e logo depois do período da união política entre Suécia e Noruega36, os pastores das igrejas suecas livres se movimentavam livremente entre os dois países, mas nenhum deles experimentou o batismo no Espírito na capital norueguesa Kristiania37, onde era o quartel geral de Barratt. Com vinte anos de serviço numa organização missionária da Igreja Metodista Episcopal de Nova Iorque, Barratt elaborou seus conceitos de como devia ser a atividade de missão, baseando-se na teoria do missionário do Movimento Metodista Holiness, William Taylor, o qual pensava que uma igreja, que se formasse numa cultura diferente como resultado dos esforços missionários, deveria ser permitida de desenvolver suas próprias formas, política e teologia, sendo dirigida pelo Espírito Santo e não por um escritório missionário autoritário e ausente. Isso requeria que a nacionalidade assumisse um papel central (BUNDY, 1997). Essa teoria missionária foi adaptada pelos movimentos pentecostais da Escandinávia e tem tido um papel fundamental em definir o que significa, do ponto de vista missionário, estrutural e teológico, pertencer ao Movimento Holiness ou ser Pentecostal, fora da América do Norte (BUNDY, 1989).

A experiência pentecostal e essa compreensão teórica missionária levaram Barratt a deixar a cooperação com a Igreja Metodista e começar o ministério Byposten na Noruega, com programas musicais, caritativos, sociais e pregações dirigidas aos que não estivessem ligados a nenhuma denominação, e ao trabalho de disseminação da mensagem pentecostal na Europa, inclusive na Suécia. Ao longo de sua vida, Barratt trabalhou para combinar as demandas éticas e humanitárias da tradição Holiness com o conceito de salvação pessoal. Em maio de 1907, quando o avivamento estava já bem difundido na Suécia, Barratt foi para a capital sueca, Estocolmo, para cultos ecumênicos que reuniram cerca de 4000 pessoas em Djurgården38. A seguir foi para a cidade de Uppsala39, depois desceu para Göteborg, nos dias de 22 a 27 de maio, onde ajudou Anders G. Johansson. Barratt voltou para a Suécia muitas vezes, e sua contribuição principal não foi ganhar vidas, mas, por ele ser muito famoso, deu legitimação ao avivamento, e isso através, sobretudo, de sua atividade literária. Ele publicava

36 Desde 1814, em seguida ao resultado da guerra entre Dinamarca e Suécia, esta e a Noruega formaram um único reino, governado pela monarquia sueca. A dissolução desta união política aconteceu de maneira pacífica, em 26 de outubro de 1905. Esse período é chamado, em sueco, de Uniontiden.

37 Hoje, é chamada Oslo.

38 Bairro da capital sueca.

39 Na Suécia central, é sede da mais antiga universidade do país nórdico.

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o importante periódico Byposten e, posteriormente, o Korsets Seier40 e apoiou outro, Glöd från Altaret41, além de editar muitos escritos menores. Essa atividade o levou a ser reconhecido como o primeiro teólogo e apologista do avivamento pentecostal na Escandinávia. As ideias de Barratt influenciaram grandemente a compreensão missionária de Lewi Pethrus.

2.4 MARCAS PECULIARES DO PINGSTRÖRELSE

Como em outros países, o avivamento do começo do século XX deu origem, na Suécia, ao Movimento pentecostal, o Pingströrelse, que tem suas próprias peculiaridades e características, descritas nos tópicos a seguir.

2.4.1 O relacionamento com a sociedade

O grande número de sem teto e pobres que recebiam atenção da parte das igrejas pentecostais foi um dos elementos que motivou um forte interesse da parte da sociedade e dos jornais, inclusive com trabalhos de pesquisa das instituições universitárias da época. A assim chamada räddningsmission42 era amplamente praticada pelas congregações pentecostais, inclusive as quatro presentes na capital Estocolmo, com instituição de orfanatos, arrecadação de roupas, distribuição de alimentos e hospedagem contra o frio. Centenas de crianças pobres eram enviadas anualmente para localidades de férias no interior. A crise econômica de 1929 aumentou ainda mais os desafios sociais da sociedade sueca, que viu o Movimento pentecostal massivamente empenhado na luta contra a pobreza e a marginalização.

Apesar dos méritos dessa obra social, os Pentecostais eram recorrentemente tachados de doentes mentais e acusados de comportamentos inadequados, tantos por teólogos do meio acadêmico como por expoentes das denominações cristãs mais antigas. No campo literário, o Movimento pentecostal era chamado de “obra de satanás”, evidenciando uma crescente

40 A Vitória da Cruz, em língua norueguesa.

41 Brasa do Altar, em língua sueca.

42 Missão de resgate.

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oposição. Em seguida à visita de Smith Wigglesworth em 1921, convidado por Pethrus para uma serie de cultos na cidade de Estocolmo, a policia da capital começou um inquérito por causa das curas realizadas durante as reuniões, chegando a convocar Pethrus e Wigglesworth para serem interrogados.

Os membros do Movimento, porém, entendiam esses preconceitos como algo positivo e validador do modelo de “Cristianismo primitivo” que eles, supostamente, almejavam praticar. A chegada de Sven Lidman, famoso escritor sueco, e G. E. Söderholm, da Igreja Oficial, a Luterana, forneceu ao Movimento dois apologistas que enfrentaram, sobretudo das paginas do Evangelii Härold43, as invectivas teológicas e doutrinárias. O resultado dessas militâncias foi que uma parte da imprensa, entre ela o Svenska Morgonbladet44 começou a moderar o tom ou saísse até em defesa dos Pentecostais contra os ataques dos jornais seculares.

Referentemente ao relacionamento com a Igreja Luterana oficial, apesar de sua posição cessacionista45, esta abriu, por exemplo, as portas a Pethrus em suas pregações no ano de 1928 na região do Värmland, e ajudou com cartas de recomendação para as autoridades do Congo belga em favor dos missionários pentecostais suecos. A denominação batista, diferentemente, depois das afinidades dos primeiros anos, se fechou para o Movimento pentecostal.

No ano de 1929, porém, o apoio das organizações missionárias luteranas e batistas a A. P. Franklin, em ocasião de sua exclusão da Igreja Filadélfia de Estocolmo, seguida à luta de poder entre ele e Pethrus em referimento à política missionária, foi percebida pelos Pentecostais como uma hostilidade ao Movimento, o que contribuiu a piorar as relações entre este e as demais denominações religiosas.

43 Arauto do Evangelho.

44 Folha Matutina Sueca.

45 Acredita que os dons do Espírito só estiverem presentes durante o primeiro século da história da igreja Cristã, para depois “cessar”, desaparecer.

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2.4.2 O conceito de educação no Movimento pentecostal sueco

O Movimento pentecostal da Suécia, como em muitos outros países, tinha um ponto de vista ambivalente em relação à educação. Esta era considerada uma oportunidade de crescimento e, contemporaneamente, uma ameaça. Diante da necessidade dos evangelistas e missionários de freqüentar escolas para se prepararem para o ministério, muitas vozes eram a favor. Poucos, porém, apoiavam uma instrução de longa durada para os pregadores, sendo preferida uma educação de poucos meses, pelo fato que, em geral, a educação teológica era vista como algo que podia impedir a manifestação do fervor espiritual e levar a algum tipo de orgulho que impedisse o agir do Espírito.

Lewi Pethrus, por exemplo, nunca terminou seu curso pastoral no seminário bíblico batista. Apesar disso, era inicialmente favorável a uma instrução de longa durada para os pregadores pentecostais e apoiou a Escola Bíblica fundada por Rikard Fris em Högby no fevereiro de 1922, como afirmou em carta enviada a este no ano de 1925:

Pelo que me concerne, sou da opinião que isso é a coisa mais importante para o presente tempo no nosso país. Quando se viaja pelo país afora e se observam as inauditas necessidades nas igrejas, onde as vagas estão vazias e onde grandes feitos poderiam ser realizados se existissem testemunhas preparadas na Bíblia, então arde o coração da gente. Eu acredito que a escola deveria ter maior alcance e que mais importância deveria ser colocada na instrução dos pregadores do Evangelho para o campo doméstico (PETHRUS, 1925, tradução nossa).

O próprio Rikard Fris era da opinião que, apesar dos conceitos negativos dentro do Movimento a respeito deste assunto, a educação podia ser utilizada conforme a graça de Deus. A Conferência missionária de Kölingared, de 1926, aprovou o apoio à educação para o aprofundamento linguístico e bíblico dos missionários, continuando, porém, com reservas para os pregadores formados e as escolas denominacionais, onde se ensinavam disciplinas consideradas profanas. Estas eram tidas responsáveis por impedir a originalidade do Espírito Santo e por dar lugar ao conhecimento e dons meramente humanos. Entendia-se que a liderança eclesiástica era construída sobre a vocação e a capacitação divina do escolhido, o que implicava que ninguém se tornava líder espiritual através da educação. Esse conceito favoreceu a aversão à educação, tanto teológica como secular, dentro do Movimento, que teve seu ápice no embate conhecido como “conflito Franklin”, entre este e Pethrus.

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O debate em volta da educação no Movimento pentecostal era influenciado pela convicção da iminente volta de Cristo, portanto os pregadores eram incentivados a serem somente bons "ganhadores de almas". De qualquer jeito, a formação de pastores para as igrejas era considerada mais e mais necessária, e a Escola Bíblica de Fris conseguiu interessar, sobretudo, presidentes de campo que freqüentassem o curso pastoral. No outono de 1929, porém, Pethrus publicou o livro Predikanten och hans utbildning46, no qual propunha um retorno a modelos “apostólicos” e condenava abertamente as escolas teológicas de longa durada para pregadores do Evangelho, como a de Fris (PETHRUS, 1929).

Isso deve ser analisado, porém, à luz do contexto do conflito entre Pethrus e a Igreja Filadélfia, de um lado, e Franklin e a Svenska Fria Missionen47, apoiado por Fris, do outro, pelo controle da atividade missionária do Movimento pentecostal no exterior, que teve seu clímax exatamente no ano de 1929. De qualquer jeito, os reflexos negativos que foram lançados sobre a educação teológica foram profundos dentro do Movimento, continuando arraigados até a década de 1990.

2.4.3 A posição teológica do Movimento e os fundamentos doutrinários

O Movimento pentecostal sueco adotou uma posição substancialmente antitética à teologia liberal, comumente a outros cristãos avivados, defendendo fervorosamente a fé na total inerrância e inspiração divina da Bíblia, considerada a única autoridade em matéria de fé e conduta cristã. O próprio Lewi Pethrus mergulhou no debate sobre o livro Präster och Profeter48 do chefe da Svenska Missionsförbundet49, Axel Andersson, de tendência liberal e que foi um dos introdutores da crítica na Suécia.

A vivência da Palavra era, todavia, considerada mais importante pelos Pentecostais do que a defesa de sua fidedignidade, com a experiência do Espírito tida como a chave para a compreensão da inspiração divina nas Escrituras, com a convicção de que ele opera para aprofundar o entendimento da Palavra. Nesse sentido, a ciência bíblica e o conhecimento bíblico nunca eram considerados definitivos (DJURFELDT, 2007).

46 O pregador e sua instrução.

47 Missão Sueca Livre.

48 Sacerdotes e Profetas.

49 Associação Missionária Sueca.

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A mensagem pentecostal pode ser resumida em quatro pontos: Jesus salva, cura, batiza com o Espírito Santo e voltará para buscar seu povo. Essa foi característica também do Movimento na Suécia, sendo o Cristo-centrismo evidente e decisivo, sem, porém, nunca chegar a uma radical polarização que originasse franjas ultra-cristocêntricas unitaristas, como aconteceu nos Estados Unidos, na década de 1910.50

O Movimento pentecostal sueco também acreditava na efetiva e completa salvação do crente em Jesus, possibilitada pela expiação dos pecados proporcionada pelo sacrifício vicário de Cristo, necessário por causa da justa ira de Deus contra o pecado humano, e na eterna perdição dos incrédulos. No Movimento, o fato de ser membro e o batismo nas águas tinham grande afinidade, sendo o batismo a condição necessária para se tornar membro da congregação. Esta era uma possível herança metodista.

O batismo no Espírito Santo, esperança de todo batizado nas águas, era visto como uma experiência especial e distinta da conversão, com o falar em línguas como evidência e sinal legitimador do batismo. Essa coligação entre batismo no Espírito e falar em línguas deriva do teólogo e apologista galês T. B. Barratt, o qual foi influenciado por seus contatos epistolares com os membros do avivamento da Azuza Street, e tem raízes nas ideias de Charles Fox Parham.

A pregação do batismo pentecostal sempre foi importante no avivamento e para o sucesso do mesmo, inclusive preparando sucessivamente setores das igrejas tradicionais para o movimento carismático, com base na convicção de que o Novo Testamento não fala explicitamente sobre um tempo em que os dons espirituais deveriam desaparecer da Igreja, antes da vinda definitiva de Cristo, quando não mais seriam necessários.

Outra característica era a crença nas curas divinas, também herdada a partir dos ideais de Parham51: aquele que tem uma fé realmente bíblica não deveria procurar um médico. Isto era visto como falta de fé. Lewi Pethrus, em seu livro Pingstväckelse och gudomlig helbrägdagörelse52 (1926 apud WAERN; ALVARSSON, 2007), defende o direito das pessoas de confiar somente em Deus em casos de enfermidade, no caso de elas terem certeza que isso seja correto, mas polemiza contra os que afirmam que toda doença seja causada pelo diabo e que é suficiente expulsá-lo para a cura, colocando como exemplo as enfermidades de

50 Geralmente, estas têm em comum a crença de que Deus não subsiste como uma pluralidade de pessoas distintas (conceito explicado pela doutrina da Trindade), mas que ele consiste de uma só pessoa.

51 Originados da atividade de Frank Sandford.

52 O Avivamento pentecostal e as curas divinas.

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Paulo, mostrando que Deus pode provar e fortalecer a fé das pessoas através de situações de enfermidade.

A volta de Jesus era outro recorrente assunto da pregação pentecostal sueca, possível influência do Cristianismo anglo-saxão do final do século XIX, através das visitas do sueco-americano Fredrik Franson53 (que chegou a marcar a volta de Jesus para o dia de Páscoa do ano de 1898) à Suécia (DJURFELDT, 2007). Essa compreensão da certa e iminente volta de Cristo motivou o desejo de alcançar o mundo com o Evangelho, “antes de tudo acabar”. Não foi mera coincidência que o primeiro livro de Lewi Pethrus se intitulasse Jesus kommer54. Ele, porém, sucessivamente assumiu uma posição crítica e hilária a respeito da inquietude dos crentes no país frente a este acontecimento.

Em vez da ênfase sobre a volta de Jesus como Juiz e Senhor, Pethrus e o Movimento pentecostal sueco foram influenciados pelo darbynismo55 e sua ideia de que Cristo vem buscar sua noiva, a Igreja, ao que seguirá um período de tribulação para o mundo que verá a ascensão ao poder do anticristo. Este será destruído por Cristo na batalha do Armageddon, à qual seguirá o milênio de paz e governo divino, até o juízo final que dará inicio a eternidade futura. A fé na volta iminente de Jesus impulsionava os seguidores do Movimento pentecostal a uma forte evangelização, com raízes principalmente entre pobres e marginalizados, ficando, portanto, conhecido por suas contribuições sociais e missionárias.

Josefsson (2007) define essa posição do Movimento na Suécia como restauracionista, porque o movimento tinha um olhar, contemporaneamente, voltado para trás e para frente: para trás para o ideal bíblico, e para frente para o completo restabelecimento dos ideais e da volta de Cristo, o que bem é expresso pela definição “adiante para o Cristianismo primitivo”.

53 Sueco, imigrou nos EUA, onde colaborou com D. L. Moody em Chicago. Fundou várias organizações missionárias na Europa, ativas até o dia de hoje, entre elas a Svenska Alliansmissionen.

54 Jesus vem.

55 John Nelson Darby, inglês (1800-1882), um dos mestres dos Irmãos de Plymouth, teórico da doutrina chamada dispensacionalismo. Ensinava que Deus se relacionou, durante seis períodos da história, com a humanidade através de alianças diferentes, e que haverá uma aliança futura durante o período do reinado de Cristo na terra, o milênio. Rejeitava o propósito vicário da obediência de Cristo e sua justiça imputada aos crentes. Na academia, é considerada teologia popular.

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2.4.4 A organização eclesiástica

Foi a partir da exclusão da Igreja Filadélfia de Estocolmo pela denominação dos batistas, que o conceito de igreja independente, inserida num contexto congregacional, se expandiu no Movimento, com base na ausência no Novo Testamento de suporte para autoridades superiores à igreja local. Os seguidores do Movimento consideravam que o batismo no Espírito proporcionasse uma vida espiritual mais rica, com os dons espirituais desempenhando um papel importante para a vida eclesiástica e na comunhão entre indivíduos e igrejas. Djurfeldt afirma que:

A ideia de uma liderança hierárquica episcopal, que tem sua forma mais desenvolvida na Igreja católica romana, foi considerada pelo Movimento pentecostal sueco como um desvio do modelo neo-testamentário. A Igreja apostólica tinha certamente líderes importantes, mas, sobretudo uma cooperação entre os ministérios espirituais. Os primeiros discípulos de Cristo tinham uma especial capacidade de transmitir o genuíno Evangelho e, nesse sentido, nenhum dos atuais “apóstolos” pode ser comparado a eles. Mas, nem ainda os primeiros apóstolos se apresentavam como lideres aos quais todos deviam se submeter em tudo. Ninguém deles recebeu sozinho toda a Revelação. [...] Atualmente, podemos ver o modelo hierárquico de liderança difundido entre os Pentecostais pelo mundo afora, com muitos movimentos pentecostais chamando seus líderes de bispos. Naturalmente, podem ser vistos, no Movimento pentecostal sueco também, modelos de liderança contrários ao padrão da Suécia, com seus movimentos populares democráticos. Todavia, é apenas o modelo democrático que marca a visão de liderança eclesiástica do Movimento pentecostal (DJURFELDT, 2007, p. 35, tradução nossa).

O modelo congregacional, com igrejas livres e independentes se afirmou como o padrão ideal oficial do avivamento na Suécia, por ser considerado mais bíblico.

Outra característica é que, desde o começo do Movimento, existiu uma aversão contra os títulos. Os que serviam pela expansão da Palavra evitavam ser chamados de pastores ou pregadores e o uso do verbo “pregar”, preferindo ser conhecidos como “testemunhas” e usar a expressão “testemunhar a respeito de Deus”. Isso, como se deduz das cartas dos missionários suecos publicadas no Evangelii Härold, se refletiu nas primeiras duas décadas da Missão Sueca no Brasil, ao menos até a Conferência de Natal de 1930. O próprio Lewi Pethrus se mostrou inicialmente contrário à introdução do título de pastor na organização batista, para depois, aos poucos, ele mesmo aceitar esse titulo como líder da Filadélfia de Estocolmo (DJURFELDT, 2007).

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2.5 LEWI PETHRUS

O idealizador e atuador da ruptura com os ideais supra-denominacionais do avivamento pentecostal sueco foi um jovem e desconhecido pastor da sétima igreja batista de Estocolmo, Lewi Pethrus.

2.5.1 Da ilha dos lobos à ilhota dos troncos56

Lewi Pethrus nasceu na aldeia de Vargön, a mesma de Daniel Berg, do qual era amigo de infância, na região do Västergötland, Suécia, em 1884. Crescido numa família batista, o jovem Lewi foi para a Noruega para um período como evangelista. Conforme relatou em sua autobiografia, em 1902 recebeu o batismo no Espírito Santo, com fala em línguas, sem, porém, ter clara compreensão da experiência (PETHRUS, 2004). No ano de 1905, entrou no Seminário Batista Betel em Estocolmo, mas interrompeu seus estudos para assumir, dois anos depois, o pastoreado temporário na igreja batista da cidade sueca de Lidköping. Apesar de ser um período difícil para ele, foi efetivado como pastor daquela igreja.

Nessa época, meados de 1907, sob a influência de T. Barratt, vivenciou o pleno entendimento do batismo pentecostal, sentindo "a plena experiência do Pentecostes", com fala em línguas, à qual "seguiu-se uma maravilhosa certeza de que [...] tinha recebido o batismo no Espírito Santo [...]. Isso não era nada mais do que uma renovação da experiência que tive em 1902" (PETHRUS, 2004, p. 80). Esse acontecimento o levou a se considerar pertencente ao novo avivamento pentecostal (BURGESS; MCGEE; ALEXANDER, 1988).

O próprio Pethrus (1912), em seu livro Urkristna kraftkällor57, afirma que ele nem depois de seu encontro com Barratt, em janeiro de 1907, reputou o falar em línguas como uma necessária consequência do batismo no Espírito. Em seguida, mudou de ideia ao experimentar o que ele mesmo descreveu como a “plena experiência pentecostal” (PETHRUS, 2004, p. 80).

56 Na língua sueca, Vargön significa, literalmente, Ilha dos lobos, e Stockholm (Estocolmo) significa Ilhota dos troncos.

57 Fontes de poder do Cristianismo primitivo.

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No ano de 1911, foi convidado para ser o novo pregador da Igreja Filadélfia de Estocolmo. Apoiado por Barratt e Hedeen, então líderes do avivamento, esse foi o ano em que a personalidade do futuro líder do Movimento pentecostal sueco começou a emergir. Barratt começou a evidenciar Pethrus em seus escritos, e Carl Hedeen convidou o jovem pregador para ser co-fundador de um novo jornal do movimento, o Brudgummens Röst58. Interessado em imprimir suas pregações e diante da falta de apoio das editoras por um jovem pastor quase desconhecido, no ano seguinte Pethrus começou sua própria casa editora, evidenciando a capacidade visionária que marcaria profundamente seu ministério como futuro líder da Filadélfia e do Pingströrelse, o Movimento pentecostal sueco.

Consciente da importância da musica para a evangelização, imprimiu o hinário Segersånger59 adaptado para a igreja Filadélfia, seguido posteriormente pelo Segertoner60, em colaboração com Ongman, da Filadélfia da cidade de Örebro. Este foi um período de perseguição por parte da polícia e da imprensa sueca hostil ao Movimento, que, porém, não impediu o trabalho social no qual a Filadélfia e Pethrus estavam envolvidos. A igreja cresceu de 74 para 400 membros até o ano de 1913. Os sucessos procuraram-lhe a admiração e inveja dos líderes batistas. Apesar de não existir na denominação regras oficiais contra a ceia aberta, praticada pela Filadélfia, a então sétima igreja batista de Estocolmo foi excluída da comunhão denominacional. O motivo real era, todavia, o endereço pentecostal tomado pela Filadélfia. A exclusão se tornou um sinal para que outros grupos pentecostais no país deixassem suas igrejas e constituíssem as próprias (STRUBLE, 2009).

Pethrus nunca achou que a prova de força com os líderes batistas pudesse terminar na exclusão. Percebeu, porém, que essa era uma oportunidade para seu nascente papel de líder do Movimento pentecostal, frente à maior igreja carismática da Suécia, inclusive rejeitando a proposta de reintegração à denominação batista mediada por Paul Ongman61. Com este, Pethrus rompeu por causa da Escola Bíblica Batista dirigida pelo próprio Ongman e que não aceitara membros da Filadélfia sem cartão da denominação dos batistas. Foi mais uma ocasião para Pethrus demonstrar seu espírito de iniciativa e visão, fundando uma escola bíblica da Filadélfia, com ele próprio como principal professor.

58 A Voz do Noivo.

59 Hinos de vitória.

60 Tons de vitória.

61 Filho de John Ongman.

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A seguir, a próxima etapa em direção a uma definitiva independência foi a constituição de um jornal da igreja. Apesar das reticências do ministério da igreja, Pethrus impôs sua ideia e, no final de 1915, começou a publicação do Evangelii Härold, deixando, contemporaneamente, seu lugar na redação do Brudgummens Röst. No mesmo período, Carl Widmark foi enviado por Pethrus em missão pela Suécia afora para arregimentar evangelistas do Movimento pentecostal. Apesar dos ideais do avivamento contrários à constituição de uma estrutura supra-eclesiástica, era o começo de uma visão de Pethrus de uma denominação de facto, ainda que oficialmente informal, do Movimento pentecostal da Suécia.

O passo sucessivo foi a organização da primeira semana de estudos bíblicos, uma conferência nacional, e de um anuário do Movimento, chamado Julens Härold62, no ano de 1916, com a colaboração de Johansson, Barratt, Hedeen, Björk, Hane, Gunnar Vingren e outros, e cujo sucesso colocou a pessoa de Pethrus entre os maiores expoentes do avivamento. Dois anos depois, porém, Pethrus tinha rompido com quase toda a velha guarda pentecostal, de modo que na conferência nacional de Kölingared em 1919 todos eles tinham se afastado de Pethrus.

Isso lhe permitiu dar começo, sem inconvenientes e respeitados opositores, a uma estrutura para o Movimento, uma rede informal mais orgânica do que organizacional. Esta estava baseada em relacionamentos pessoais e na escolha de pessoas ligadas ao próprio Pethrus ou à Igreja Filadélfia de Estocolmo, e cuja identidade estrutural, de acordo com Alvarsson (2007), viesse a ser construída de dentro para fora e não vice-versa. O modelo encontrava-se no livro de Atos dos Apóstolos, a assim chamada “Igreja primitiva”, em direta oposição com as estruturas das denominações eclesiásticas modernas.

Durante a década de 1920, Pethrus conseguiu arregimentar no rol da Igreja algumas influentes personalidades do mundo literário e artístico, como o famoso escritor Sven Lidman, o cantor Einar Ekberg, o musicista Oswald Lenti. Da Igreja do Estado, veio o pastor luterano Gustav E. Söderholm. Estes personagens contribuíram a dar legitimação e aceitação ao Movimento pentecostal, majoritariamente fincado na classe operária, diante da sociedade sueca. No ano de 1923, Anders Petter Franklin aceitou o convite de Pethrus, saiu da Alliansmissionen63 e se estabeleceu na Filadélfia de Estocolmo. Ele assumiria a direção da

62 Arauto do Natal.

63 Aliança Missionária.

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futura Svenska Fria Missionen64. À frente desta organização, Franklin ficou responsável pela atividade missionária do Movimento pentecostal, inclusive no Brasil, até seu fechamento no ano de 1929, em seguida às desavenças entre o próprio Franklin e o pastor da Filadélfia.

No ano de 1924, Pethrus viajou para os EUA, onde obteve ligações com as igrejas do país e com o Movimento pentecostal internacional. Contemporaneamente, os evangelistas pentecostais corriam toda a Suécia, impulsionados pelo fervor e pela crença de que a volta de Cristo fosse iminente, e Pethrus e seus colaboradores tomavam rapidamente contato com as novas igrejas que surgiam, através de viagens de pregação. O inóspito e pouco povoado norte da Suécia era visto como um campo missionário, com muitos esforços do Movimento para alcançar a população da Lapônia.

Durante essa década, o Movimento pentecostal sueco conseguiu organizar cerca de 400 igrejas. Muitas congregações das denominações tradicionais, sobretudo batistas, passaram para o Movimento. Em 1° de janeiro de 1929, o Movimento contava com cerca de 26.000 membros em todo o país, a grande maioria mulheres, mas as igrejas eram dirigidas por homens. O nível de educação mais comum era o primário, fazendo com que “talvez, somente uma dezena de membros tivesse curso superior entre os Pentecostais em todo o país” (GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2010, p. 24, tradução nossa).

Sob a direção de Pethrus, o crescimento da igreja Filadélfia também foi extraordinário neste período. O local de culto na Sveavägen, projetado em 1918 para 1400 pessoas, foi substituído pelo Auditorium na Norra Bantorget, capaz de 2000 pessoas, até a compra do imóvel na Rörstrandsgatan, onde, no ano de 1928, começou a construção do atual templo com capacidade para 2500 assentos.

64 Missão Sueca Livre.

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2.6 CONFLITOS NO MOVIMENTO

O Movimento pentecostal na Suécia não foi livre de conflitos internos durante as primeiras duas décadas de sua existência. A ascendente posição de Lewi Pethrus no Movimento provocou, sobretudo na segunda metade da década de 1920, vários confrontos. Apesar de serem formalmente motivados pelo conflito de valores fundamentais, especialmente na compreensão eclesiástica e missionária do Movimento, foram fundamentalmente lutas de poder entre Pethrus e a igreja Filadélfia de Estocolmo, dum lado, e demais lideres nacionais do outro. Em particular, o ano de 1929 marcou o ápice desses conflitos, levando certo numero de igrejas dentro do Movimento a experimentar cismas e divisões (GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2006).

O sucesso da atividade missionária e da evangelização da Filadélfia ajudou a amenizar as tensões. Porém, para muitas igrejas do país, as marcas provocadas pelos conflitos foram mais evidentes, sobretudo no caso dos líderes terem tomado posição contrária a Pethrus, pelas vitórias que este teve em todos esses confrontos. O mais importante desses conflitos ficou conhecido como Franklinstriden65, e envolveu a Svenska Fria Missionen66 e seu dirigente, A. P. Franklin, em oposição a Lewi Pethrus e à igreja Filadélfia de Estocolmo, no ano de 1929. Este embate se concluiu com a exclusão de Franklin da igreja e a liquidação de sua organização missionária, inclusive com repercussões na atividade da missão sueca no Brasil.

Conforme Gäreskog e Gäreskog (2006, p. 23, tradução nossa), “em volta do ano 1919, Pethrus era bem estabelecido como líder informal das igrejas livres na Suécia por causa de sua capacidade de liderança e do fato de ser o pastor da Filadélfia de Estocolmo, a maior do país”. Como outras igrejas suecas, a Filadélfia começou cedo sua atividade missionária, com seu primeiro casal enviado ao Brasil, Samuel e Lina Nyström, no ano de 1916. Os ideais de atividade missionária de William Taylor, veiculadas por T. Barratt, tinham influenciado Pethrus e o Movimento pentecostal na Suécia, com o resultado deste se tornar fortemente contrário a qualquer organização que estivesse acima das igrejas, por não existir modelo bíblico para tais organizações.

65 “O conflito Franklin”.

66 Missão Sueca Livre.

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Essas posições ideológicas concordavam com o modelo congregacional de liderança do Movimento pentecostal, que via as igrejas como fundamentalmente independentes e autogovernadas, avessas a estruturas eclesiásticas denominacionais. O fundamento ideológico dessa visão de liderança foi a declaração final da conferência de Kölingared 1919, sob o titulo: “Porque tomamos distancia das organizações denominacionais”, assinado por todos os 103 participantes, a maioria pastores pentecostais. Em seguida à proposta de Pethrus, o resultado da conferência foi a criação de uma estrutura mais orgânica do que jurídica, encarregada somente de ajudar as igrejas na obra missionária no exterior, sem poder efetivo sobre as igrejas. Tida como mais bíblica pelos membros do Movimento, essa organização informal forneceu, porém, apoio ao seu mentor, Lewi Pethrus, e aos colaboradores deste, tornando essa conferência uma pedra milhar na história do jovem Movimento pentecostal sueco.

Se, no começo do avivamento na Suécia e da Igreja Filadélfia de Estocolmo, o patrimônio humano, tanto de base como efetivo na direção do movimento, era preponderantemente composto de pessoas do sexo feminino, Kölingared marcou uma profunda mudança na liderança. No final da conferência, 98 das 103 pessoas que assinaram a declaração ideológica em 1919 eram homens. Surgia assim uma nova seara de líderes a partir do novo endereço traçado por Pethrus e seus fieis cooperadores, a maioria destes ligados à Igreja Filadélfia da capital sueca.

Nesse assunto, um parêntese faz-se necessário para uma visão geral do Movimento. Alvarsson (2007) divide os primeiros 15 anos deste em época pioneira, de 1906 a 1916, e época formativa, a partir da constituição da casa editora Filadélfia até a conferência de Kölingared, de 1912 a 1919. Houve, também, uma mudança significativa do caráter do Movimento: o primeiro período, com ideias ecumênicas, pregava uma mensagem de boas novas e batismo no Espírito, vida espiritual mais profunda e abertura teológica em muitas questões secundárias; o segundo período foi caracterizado por maior finalização e ênfase teológica em volta da salvação, do batismo nas águas, das curas e da visão denominacional. Elementos em comum desses dois períodos foram o Cristo-centrismo, o modelo espiritual da Azuza Street, a experiência do batismo no Espírito Santo e a pregação das curas divinas.

As personalidades mais importantes do período pioneiro foram Anders G. Johansson, John Ongman, Björk e, sobretudo, T. Barratt, por sua atuação internacional. Somente o primeiro sobreviveu na liderança do segundo período, em posição secundária como

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cooperador, com a ascendente liderança de Lewi Pethrus, que dirigiu a saída do movimento da denominação batista e fundou o Pingströrelsen67, no ano de 1919.

Referentemente ao assunto missionário, Pethrus encontrava apoio na Bíblia para que a igreja local fosse a responsável para enviar e sustentar missionários no exterior, sem a ajuda de uma organização centralizada, e essa era, também, a opinião dos demais líderes do Movimento. Rapidamente, porém, a missão não se mostrou fácil, sobretudo para as igrejas menores que não podiam manter integralmente um missionário, e nem prepará-lo do ponto de vista lingüístico, além de parecer estranho não ter colaboração com outros missionários no campo.

Diante destas problemáticas, no ano de 1923, Pethrus contatou Franklin, então responsável pela atividade missionária no exterior da Svenska Alliansmissionen68 e o convidou para colaborar na Filadélfia de Estocolmo. No janeiro de 1924 nasceu a Svenska Filadelfiamissionen69, então conselho missionário da igreja Filadélfia para a atividade no exterior, com o declarado propósito futuro de “servir de boa vontade como diretório missionário para todo o Movimento pentecostal, responsável por assumir os custos pelo local da sede e dos funcionários dessa necessária secretária de missão” (Protocolo da diretoria da Igreja Filadélfia, 8/1/1924, parágrafo 1 apud GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2006, tradução nossa). No mês de abril do mesmo ano, a organização tomou, definitivamente, o nome de Svenka Fria Missionen70.

Fica aqui evidente o conflito de valores fundamentais entre teoria e prática da atividade missionária sueca daqueles anos. Carlsson (2008) afirma que existia uma contradição entre a retórica das igrejas pentecostais suecas, que repudiavam organizações, e as decisões de estruturas cuidadosamente elaboradas em produzir processos que permitiam a atividade cooperativa a respeito de uma multidão de questões.

Na verdade, a organização se tornou útil e necessária à atividade missionária no exterior, sobretudo diante dos obstáculos colocados por algumas administrações coloniais européias em seus territórios de competência. No Congo belga, por exemplo, era requerida a responsabilidade de uma pessoa jurídica que assumisse a missão. Por muitas igrejas locais menores, a Svenska Fria Missionen era, porém, percebida como uma organização

67 Movimento pentecostal da Suécia.

68 Aliança Missionária Sueca.

69 Missão Sueca Filadélfia.

70 Missão Sueca Livre.

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centralizadora anti-bíblica e autoritária, controlada substancialmente por Pethrus e sua igreja. Já naquele mesmo ano, houve tentativas de invalidar o plano de Pethrus de controle da atividade missionária do Pingströrelse71. Para resolver esse impasse, Pethrus propôs a criação de uma diretoria de três pessoas, diretamente “chamadas por Deus” e não pelas igrejas, que assumiriam a responsabilidade e direção da organização, frisando que, segundo o modelo dos Estados Unidos, de onde acabara de regressar de uma viagem72:

Existe a possibilidade de conduzir a missão juntos, sem que as igrejas, a qualquer título, precisem se fundir. A absoluta liberdade das igrejas é uma condição vital indispensável para salvaguarda do glorioso avivamento pentecostal (PETHRUS, 1924, p. tradução nossa).

Essa “escolha divina” garantia aos candidatos uma liberdade diante das igrejas, pois eles ficariam responsáveis somente diante de Deus em sua atividade na direção da Svenska Fria Missionen, evitando assim as críticas a Pethrus e à Filadélfia. As igrejas aceitaram essa proposta e, numa oração durante a conferência missionária convocada para escolha dos três membros da diretoria:

O irmão Pethrus achou que o Espírito Santo tivesse derramado uma unânime certeza sobre quais irmãos o Senhor tinha escolhido, sendo do aviso que agora se deveria proceder sem votação ou outra intervenção de ordem meramente humana. O irmão Lidman contou que ele ontem ficou sabendo, através de uma revelação, quem deveriam ser os três irmãos, cujos nomes ele recebeu. São: Fris, Franklin e Claesson [...] e os participantes reunidos deram um poderoso “amem”. [...] Uma irmã presente no culto contou de uma visão que recebeu a respeito desses irmãos. Ela viu, pelo Espírito, uma capa carmesim sendo colocada sobre o irmão Fris; um anjo avançou até o irmão Franklin e o cobriu com uma de suas asas, e um ser divino se chegou ao irmão Claesson com um pequeno livro luminoso e lho entregou. Eles foram circundados também por uma multidão de anjos, que ela viu no começo do culto. [...] Foi uma geral alegria e ação de graça a Deus (REDOGÖRELSE...,1924, tradução nossa).

Essa “intervenção divina” foi um sucesso para Pethrus e seu projeto de liderança missionária do Movimento pentecostal sueco. Todavia, a atividade da organização era dirigida por Franklin, o qual entendia que o conselho missionário se colocava acima das igrejas e,

71 Movimento pentecostal da Suécia.

72 Era o ano de 1924.

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portanto, podia rejeitar candidatos propostos pelas mesmas. Bundy (1997) é da opinião que Franklin quisesse repetir, na Svenska Fria Missionen73, a tentativa de adquirir poder pessoal através da organização, como anteriormente tentara, sem sucesso, na Svenska Alliansmissionen74. A aquisição de alguns imóveis na Suécia da parte da Svenka Fria Missionen acirrou ulteriormente os ânimos no Movimento, mas a competência de Franklin e os resultados nos campos missionários permitiram-lhe de transformar a Missão Sueca Livre em uma organização forte e com ambições de independência.

A viagem de inspeção das missões na América do sul, começada em 1926, forneceu a Franklin ocasião para elogiar os missionários, que retribuíram com artigos entusiásticos no Evangelii Härold75 (que, lembra-se aqui, era publicado pela Igreja Filadélfia de Pethrus) sobre o próprio Franklin e a Svenska Fria Missionen76. Isso alertou o inteiro Movimento pentecostal sueco sobre as mudanças na linha da igreja dirigida por Pethrus. Até então, este defendia a organização de Franklin como parte do desenvolvimento missionário do Movimento, afirmando que a Svenska Fria Missionen não era uma ameaça aos valores tradicionais congregacionais.

A transferência do Fria Bibelinstitutet77 de Rikard Fris do imóvel da Filadélfia de Estocolmo para o imóvel da Svenska Fria Missionen, todavia, deixou claro para os dirigentes pentecostais, inclusive Pethrus, que Franklin estava instaurando um estilo burocrático independente, que refletia uma profunda mudança respeito aos valores originais do Movimento pentecostal escandinavo. Os dirigentes do Movimento, consequentemente, mudaram suas decisões e motivações. Eles suspeitaram que os burocratas estavam se substituindo ao poder e influência dos pastores e das congregações locais. A conferência missionária de Kölingared, em 1929, se tornou, na prática, um referendum sobre a atividade da Svenska Fria Missionen (BUNDY, 1997).

Pethrus e os outros dirigentes ficaram, então, convencidos de que Franklin estivesse repetindo sua anterior trajetória na Svenska Alliansmissionen78 e tentasse influenciar o Pingströrelse79, na hipótese que a Svenska Fria Missionen, no lugar de servir as igrejas,

73 Missão Sueca Livre.

74 Aliança Missionária Sueca.

75 Arauto do Evangelho.

76 Missão Sueca Livre.

77 Instituto Bíblico Livre (Pentecostal).

78 Aliança Missionária Sueca.

79 Movimento pentecostal da Suécia.

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começasse a “não mais ter responsabilidade diante delas e operasse para determinar as doutrinas e o ethos do Movimento” (BUNDY, 1997, p. 22, tradução nossa). Aproveitando uma falha de Franklin (ele fez traduções não autorizadas de obras de escritores alemães e publicou para a venda na Suécia, sendo acusado de plágio), Pethrus propôs a dissolução da Svenska Fria Missionen e a retomada, da parte da Filadélfia de Estocolmo, de sua própria atividade missionária. Isso foi definitivamente decidido na Conferência missionária de Estocolmo, nos dias 30 de julho a 1° de agosto de 1929. Franklin, em seguida à proposta de Pethrus ao ministério, foi excluído da igreja Filadélfia.

Esses acontecimentos marcaram a volta aos valores precedentemente propagados pelo Movimento pentecostal sueco, oriundos de W. Taylor e dominados pela “compreensão da igreja como radicalmente congregacional, autossustentável, autogovernada e autopropagadora” (BUNDY, 1997, p. 22, tradução nossa) do Evangelho, mas, paradoxalmente, colocaram Lewi Pethrus na posição de líder de facto do Movimento pentecostal na Suécia e no controle de sua atividade missionária. O avivamento sueco encontrou, então, na pessoa do jovem e visionário pastor de Vargön, seu primeiro e maior líder, cujo papel foi fortalecido pelo desenvolvimento precoce da igreja Filadélfia de Estocolmo, e pelo engajamento social, político e missionário desta igreja e de seu pastor.

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3 A ATIVIDADE MISSIONÁRIA SUECA NO BRASIL

As relações diplomáticas entre Brasil, então Império, e o Reino da Suécia foram estabelecidas em 1826. Os primeiros contingentes de imigrantes suecos chegaram ao Brasil em 1890. Em 1891, a Ericsson80 fechou o contrato com o governo brasileiro para fornecimento do sistema telefônico do país. Em 1909 foi criada a primeira linha de transporte marítimo regular entre os dois países.

3.1 O COMEÇO NO PARÁ

A atividade missionária pentecostal sueca começou no Brasil com a chegada de Daniel Berg e Gunnar Vingren ao Pará, no dia 19 de novembro de 1910. Os dois eram jovens imigrados suecos nos EUA e se conheceram em Chicago durante uma conferência missionária. Influenciados pelas pregações de William H. Durham em volta do batismo no Espírito, viajaram para implantar uma base missionária no norte do Brasil, onde desembarcaram no porto de Belém, naqueles anos cidade cosmopolita e afetada pelo fim do ciclo da borracha. Gunnar Vingren era pastor batista formado no Seminário Batista Sueco de Chicago, Daniel Berg era operário siderúrgico.

3.1.1 Gunnar Vingren, o líder carismático

Gunnar Vingren nasceu num lar batista na cidade de Östra Husby, na Suécia, no ano de 1879. Aos 24 anos, emigrou para os EUA, onde encontrou emprego como jardineiro. No ano de 1904, entrou no Seminário Teológico Batista Sueco de Chicago, Illinois, para um curso de quatro anos, ao termino do qual, exerceu o pastorado em igrejas batistas da comunidade sueca do país. Com a difusão dos ideais do avivamento da Azuza Street, Vingren se interessou pela experiência pentecostal e, durante um congresso batista em Chicago no verão de 1909, recebeu o batismo no Espírito Santo. Por pregar a nova doutrina na igreja sob

80 Empresa multinacional sueca do setor elétrico e afins.

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seus cuidados, foi obrigado a deixar o pastoreado em Menominee, Michigan, e se dirigiu para a igreja de South Bend, Indiana, que, sob sua direção, foi transformada numa comunidade pentecostal.

Vingren conheceu Berg provavelmente em Chicago, durante uma conferência, no ano de 1909. Ambos interessados em fazer missões, receberam uma revelação dum imigrado sueco, Adolf Ulldin, de que seu destino missionário devia ser o Pará (ALMEIDA, 1982). Posteriormente, visitaram, em Chicago, o pastor William Durham, conhecido de Daniel Berg, o qual freqüentava seus cultos (CAUCHI, 2004), provavelmente para receber ajuda financeira para a viagem e missão ao Brasil. A resposta, como também anteriormente na igreja de South Bend pastoreada por Gunnar Vingren, foi negativa, recebendo somente apoio moral.

Ao contrário, alguns dias depois o próprio Durham não recusou receber dos dois suecos uma oferta de 90 dólares como ajuda para seu jornal pentecostal (BERG, David, 1995,). Graças a uma oferta da igreja em Chicago de B. M. Johnson, que, nos anos a seguir até o ano de 1929 contribuiria financeiramente com a missão no Brasil, Vingren e Berg embarcaram para o Pará, aonde chegaram no dia 19 de novembro de 1910, na cidade de Belém. Apesar de Almeida (1982, p. 23) considerar essa data como “o dia marcado por Deus para o início do Movimento Pentecostal no Brasil”, alguns meses antes, o italiano Luigi Francescon, originário do mesmo ambiente de ideias pentecostais, o círculo eclesiástico liderado por Durham em Chicago, já tinha dado começo a sua obra de evangelização no país, no mês de março do ano de 1910, de onde surgiria a Congregação Cristã no Brasil (FRANCESCON, 1958 apud REILY, 1984).

Os dois jovens suecos não conheciam ninguém na cidade de Belém. Encontraram o comandante de um navio da companhia fluvial Port of Pará, Adriano Nobre, que falava inglês e os encaminhou para a igreja batista da cidade. Algum tempo depois, Berg conseguiu serviço na companhia marítima como fundidor, o que lhe permitiu manter-se e custear o estudo da língua portuguesa de Vingren, que a ensinava a Berg às noites, depois do trabalho. Congregando na igreja batista da cidade de Belém, fundada e dirigida pelo pastor Erik Nelson, missionário batista sueco, (REILY, 1984), os dois pioneiros recebiam oportunidade para testemunhar e começaram a falar a respeito das doutrinas do batismo no Espírito Santo e das curas divinas, conseguindo que alguns membros aceitassem os novos ensinos.

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Conforme a historiografia oficial da denominação das Assembleias de Deus no Brasil (ALMEIDA, 1982), alguns meses depois, no junho de 1911, alguns membros receberam o batismo no Espírito, entre eles Celina Albuquerque e Maria de Nazaré. Esses acontecimentos provocaram uma divisão na igreja batista, entre os que criam no ensino pentecostal e os que, conforme a posição oficial da denominação, o rejeitavam.

Na ausência do pastor Nelson, em viagem com a esposa, o seminarista batista Raimundo Nobre convocou uma reunião para o dia 13 de junho, no curso da qual, 19 membros da congregação foram excluídos, justamente os que aceitaram a nova doutrina. Estes começaram a se reunir, juntos aos dois imigrantes suecos, na casa de Celina Albuquerque e esposo, e, no dia 18 de junho se organizaram com o nome Missão da Fé Apostólica, do nome do movimento de Charles Fox Parham, a cujo avivamento reputavam pertencer.

Existem versões diferentes a respeito desses acontecimentos da parte das duas denominações, a assembleiana e a batista, que reciprocamente se acusam de leviandade. Analisando os documentos redigidos pelas duas partes, podemos ter uma ideia desse conflito. Reily (1984) reproduz as versões de Vingren e Berg, dum lado, e dos batistas, do outro, sobre o que aconteceu. Vingren relata a aceitação das doutrinas pentecostais pela maioria dos membros da congregação e a manifestação de curas divinas e batismo no Espírito. Diante da situação, um evangelista, cujo nome ele não cita e que seria “orgulhoso e [...] debaixo do poder do diabo” e “tomado de um poder estranho”, convocou uma reunião extraordinária na igreja para discutir a situação (VINGREN, I., 1973, p. 32-33). Durante essa assembleia, o obreiro batista teria condenado as novas doutrinas e perguntado aos membros presentes que as apoiavam de se manifestar, ao que dezoito deles se levantaram, representando a maioria da congregação. A seguir, o obreiro, declarou cortados da comunhão os dezoito, inclusive contra a vontade do pastor da igreja, que parecia apoiar os suecos.

Berg, por sua parte, frisa que, diante das acusações do obreiro batista de os dois suecos planejarem dividir a igreja, ele e seu companheiro somente tinham a intenção de pregar o verdadeiro Evangelho do Espírito, que verdadeiramente uniria o Corpo de Cristo. A esse ponto, a versão de Berg (BERG, David, 1973) discorda da do Vingren, por relatar que foi o pastor da igreja, sem dar o nome deste, que tomou a palavra e expulsou os dois suecos e os dezoitos membros que se manifestaram a favor destes.

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Conforme Reily (1984), essas diferenças nos relatos se explicam pelo fato que o missionário batista sueco Erik (Eurico) Nelson, fundador daquela igreja batista, visitava-a de vez em quando, tendo ainda alguma influência sobre ela. Havia, porém, mais duas pessoas que exerciam o ministério pastoral, o pastor Jerônimo Teixeira de Souza, aparentemente favorável aos suecos, e o evangelista Raimundo Nobre, contrário às novas doutrinas. É de supor que Berg esteja se referindo ao evangelista, designando-o de pastor, no lugar de se referir ao seu compatriota Nelson, que estava viajando, ou ao pastor Jerônimo. Ambos, Vingren e Berg, concordam que foi a última vez que o grupo dos pentecostais pisou naquela igreja batista, passando a congregar na casa de Celina Albuquerque, a primeira a ser supostamente batizada com o Espírito Santo e esposa de um dos diáconos daquela congregação batista.

Reproduzimos aqui uma das versões batistas do acontecimento:

Em abril de 1911 aportavam a Belém dois senhores suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg dizendo-se batista e chegaram a mandar buscar suas cartas. Logo procuraram [ o pastor Eurico] Nelson seu compatriota para pedirem abrigo algures. O porão do templo foi oferecido e lá ficaram aprendendo a língua para então ajudarem Nelson na evangelização. Esse bom missionário fez uma de suas muitas viagens ao Piauí, deixando esses homens na igreja na doce esperança de que, mesmo sem saberem falar, ajudariam o trabalho. Eis que pouco depois, por ocasião das reuniões, começavam esses batistas a tremer e a gritar sendo já, a esta altura, imitados por alguns brasileiros. [...] eles deram para responder que era batismo do Espírito Santo. Línguas e balelas tornaram os cultos um horror. Nelson estava fora e à frente dos trabalhos estava o jovem inexperiente, Raimundo Nobre. Toda a igreja estava sendo contaminada, pois já muitos falavam as tais línguas, menos os diáconos que não chegaram a fazer este “progresso”. [...]. O evangelista, ajudado por Feli de Barros Rocha, organista da igreja, convocou uma sessão extraordinária, declarou fora de ordem os pentecostais que já constituíam a maioria, e com a minoria excluiu os que se tinham desviado das doutrinas. Eles procuravam fazer valer os seus direitos de maioria, mas ficaram excluídos mesmo. Ficou dizimada a igreja. Sem diáconos, uma desolação, este fim de 1911. Foi o começo do pentecostalismo no Brasil (MESQUITA, 1940 p. 136-137 apud REILY, 1984, p. 387-388).

A ata número 222 da Igreja Batista de Belém, do dia 13/06/1911 (apud ARAÚJO, 2007), relata treze membros excluídos, além dos nomes de Gunnar Vingren e Daniel Berg. Almeida (1982, p. 27) afirma que “o seminarista, sem autoridade para isso, excluiu 19 pessoas e expulsou os missionários do templo da igreja”, em cujo porão estavam hospedados. Não se sabe de onde venham essas diferenças numéricas dos excluídos.

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As Assembleias de Deus sempre colocaram o acento sobre a ilegalidade das decisões tomadas na reunião pelo dirigente batista, exercidas contra a maioria dos membros da congregação, isso com o intuito de se livrarem da acusação de separatismo, desvio doutrinário e leviandade dirigida aos pioneiros da denominação pelos batistas.

As reuniões de culto do grupo liderado pelos dois pioneiros suecos continuaram nas casas dos membros batistas excluídos, em particular na casa de Henrique e Celina Albuquerque, na Rua Siqueira Mendes 67, Cidade Velha, em Belém. Tais cultos eram realizados sob o nome de Missão da Fé Apostólica. As várias igrejas que surgiram em seguida à evangelização dos missionários suecos e de seu grupo recebiam esse mesmo nome, até o final do ano de 1914, quando começaram a usar paralelamente o nome Assembléia de Deus.

A versão inglesa deste nome (Assembly of God) já estava sendo usado nos Estados Unidos desde o ano de 1912, pela igreja pentecostal do pastor Thomas King Leonard, de Findlay, no Estado de Ohio. No dia 2 de abril de 1914, esse nome foi adotado pelo Concílio Geral da Assembleia de Deus nos Estados Unidos, do qual a igreja de Leonard fazia parte. A respeito do uso deste nome pela missão sueca no Brasil, reporta Araújo (2007, p. 40-41) que “em 3 de julho de 1917, Frida Vingren chegou a Belém [...] em 5 de julho, escreveu sua primeira carta para a Suécia. Por meio dessa carta, descobre-se que o nome ‘Assembléia de Deus’ já era utilizado” pelas congregações pentecostais oriundas do trabalho dos nórdicos no Brasil”.

A análise atenta desta carta, publicada na Suécia nas paginas do Evangelii Härold81, e que provavelmente foi a primeira de Frida Strandberg do Brasil, confirma o uso do nome Assembleia de Deus, mas não concorda com Araújo (2007) a respeito das datas, mostrando que Frida desembarcou em Belém no dia 4 de julho, e escreveu a carta no dia 7:

Glória a Jesus! Agora, dia 7 de julho, estou finalmente no Pará. [...] Na terça-feira, dia 3 de julho, chegamos ao porto. Uma noite escura com temporal e chuva. Na manhã seguinte, pudemos descer e andar [...] Na noite do mesmo dia, tivemos um culto. Era escuro, mas nós fomos. As reuniões começam sempre ás 19.00 horas. Ás 18.00 horas, quando o sol desce, aqui é já escuro. A casa é situada numa rua bonita, plantada de árvores dos dois lados. Sobre a entrada está escrito: Assemblea (sic) de Deus. Eles já tinham começado a cantar. O irmão Adriano e o irmão Nyström falaram, e depois houve um período de oração (STRANDBERG, 1917, p. 145, tradução nossa).

81 Arauto do Evangelho.

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Foi, todavia, somente no dia 11 de janeiro de 1918, que Gunnar Vingren registrou o Estatuto da Sociedade Evangélica Assembléia de Deus no Cartório do primeiro ofício de Belém. No Estatuto são citados os nomes de dois membros fundadores, Gunnar Vingren e Daniel Berg, que, junto com Samuel Nyström, foram investidos da administração societária. Em caso de dissolução, o patrimônio da associação seria destinado aos três gestores e seus descendentes. Esse passo foi a necessária adequação jurídica aos artigos 16 e 18 do Código Civil Brasileiro de 1917 (ARAÚJO, 2007).

Depois da expulsão da igreja batista, Vingren e seu companheiro Berg começaram o trabalho de evangelização em vários lugares, agregando mais membros ao grupo inicial, tanto na cidade de Belém, como no interior do Estado do Pará. Curas e batismo no Espírito, com evidencia de falar em línguas, eram comuns durante esse período, conforme relata em seu diário (VINGREN, I.,1973). O campo de ação de Vingren era, preferencialmente, na cidade e seus arredores, no então que Berg evangelizava ao longo do rio Amazonas e no interior do Pará.

No ano seguinte, Vingren começava uma viagem de volta à Suécia, via EUA, que se fazia necessária pelo seu estado de saúde, debilitado pelas condições climáticas e pelas doenças da região amazônica. A jornada começou no dia 1 de agosto de 1915, de Belém, rumo a New York, aonde chegou no dia 12 de agosto. Outro autor, o filho do pioneiro, relata que a chegada à terra norte-americana foi no dia 8 de agosto, aniversário do próprio Gunnar (VINGREN, I., 1973). Gunnar Vingren, em carta enviada a e publicada pelo Evangelii Härold, escreve de seu próprio punho as palavras que podem dirimir essa dúvida:

Querido irmão Lewi Pethrus! A paz de Deus! Quero agora para glória de Jesus contar algo referente às minhas viagens na América e à obra do Senhor no Brasil. Cheguei à América no dia 12 de agosto do ano passado e tive o privilégio de visitar as diversas congregações pentecostais desde Massachusetts até Minnesota e pude assim me alegrar em Jesus junto com aqueles simples filhos de Deus que não se deixaram contagiar pela ilusão russelliana (VINGREN, G., 1916b, p. 11, tradução nossa).

Percebe-se, a partir deste texto, a preocupação de Vingren com a influência das ideias de Charles Taze Russell82 sobre os rebanhos de seu primeiro campo missionário, depois que saiu do seminário batista em Chicago. Essas ideias eram veiculadas, entre as igrejas de

82 Americano, fundador dos Testemunhas de Jeová, nos EUA.

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imigrados nórdicos, pelo pregador de origem sueca A. Ödman e outros. Mas já existiam apologistas, entre a comunidade protestante sueca, que refutavam as ideias destes:

Um importante seguidor das doutrinas de Ödman, um irmão pregador, me disse logo antes de eu deixar a América: “Agora não prego mais as doutrinas de Ödman”. Agora, ele também, quer somente saber de Cristo, e Ele crucificado. Aleluia! Alegrei-me, também, em ver a posição que o irmão A. A. Holmgren, redator do jornal “A testemunha da verdade” na América, assumiu. Ele tem claramente se colocado contra os erros de Ödman. Deus abençoe o ir. Holmgren e seu jornal. A verdade sempre há de triunfar. Graça e louvor! (VINGREN, G., 1916b, p. 11, tradução nossa).

Considerando que esta carta foi enviada a Lewi Pethrus, e aos leitores do Evangelii Härold83, publicação oficial da igreja deste, transparece uma consistente afinidade entre as igrejas na Suécia e as co-irmãs americanas. Isso não pode ser dado como obvio, à luz de que o Pingströrelse84 do país escandinavo é posterior à aceitação dos ideais da Azuza Street pelas comunidades de imigrados suecos na América, das e pelas quais os dois pioneiros suecos no Brasil, Berg e Vingren, vieram, no ano de 1910, e foram ajudados, ainda que não regularmente, em sua epopeia ao sul da linha do equador, como pode-se argüir de carta enviada a A. P. Franklin, chefe da Svenska Fria Missionen85, datada de 18 de junho de 1929:

[...] precisaríamos de cerca de 40.000 coroas para poder comprar um terreno e começar a construir [...] portanto, quero te perguntar se tu podes fazer algo por essa questão. Envia-me ao menos uma resposta, porque se os amigos em casa e na América não puderem nos ajudar [...] (VINGREN, G., 1929a, p. 472, tradução nossa).

Nos Estados Unidos, Vingren demorou até dezembro daquele ano, quando partiu para a Suécia. Os relatos de sua permanência nesse país contam de vários cultos nas cidades do nordeste americano, chegando até Chicago. Na igreja de seu amigo, o pastor B. M. Johnson, participou de e pregou numa conferencia missionária, com o resultado de despertar os presentes para a missão no Brasil e receber ofertas para a compra do barco a motor para

83 Arauto do Evangelho.

84 Movimento pentecostal da Suécia.

85 Missão Sueca Livre.

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Daniel Berg prosseguir em suas viagens evangelísticas ao longo dos rios da bacia amazônica (Vingren, I., 1973).

No dia 15 de dezembro de 1915, Vingren embarcou para a Noruega, de onde continuaria a viagem para a casa de seus pais, na cidade sueca de Rönninge, na província de Estocolmo, no dia 24 de dezembro (VINGREN, I., 1973). Na tarde do mesmo dia, Pethrus e outro pastor o visitaram, como relatado em artigo no Evangelii Härold:

O irmão Gunnar Vingren, do Brasil, chegou, na noite de Natal, à casa de seus pais em Rönninge. Pois que o irmão Alfr. Gustafsson e eu, o mesmo dia, estávamos visitando a creche em Rönninge, demos uma esticada para ver e saudar o nosso irmão. Não é necessário dizer que a alegria do reencontro chegou ao ponto mais alto já fora da casa. O irmão Vingren nos disse que passaram doze anos desde que tinha visto seus familiares aqui na Suécia, e que ele passou cinco desses anos no longínquo campo missionário do Brasil e que agora o Senhor o abençoou e protegeu durante a perigosa viagem marítima, pelo que de coração louva a Deus. Nós o achamos com saúde melhor de quanto esperássemos, considerando as privações e fadigas que ele enfrentou no Brasil. Louvado seja Deus! Comunicaremos, o mais breve possível, através desse jornal, pelo próprio irmão Vingren, a respeito de suas viagens à América e sobre as maravilhosas obras realizadas por Deus no Brasil (PETHRUS, 1916, p. 3, tradução nossa).

Percebe-se aqui o cuidado de Pethrus em apresentar o missionário pioneiro no Brasil como alguém próximo e relacionado à igreja Filadélfia, a qual foi fundada somente no agosto de 1910, sob sua direção a começar do ano de 1911. Em 1903, ano em que Vingren emigrou para os Estados Unidos, Pethrus ainda não conhecia os ideais pentecostais e, muito provavelmente, nunca tinha encontrado Vingren. Isso reforça o papel do outro pioneiro, Berg, em cultivar a amizade com o pastor da Filadélfia de Estocolmo e tecer os contatos que permitiriam aos dois pioneiros suecos no Brasil de receber apoio e recursos da parte desta igreja, o que aconteceu, provavelmente, durante sua viagem de 1914.

Em suas pregações na Suécia, Vingren apresentava às igrejas a aquisição do barco a motor e a compra de uma casa adequada para destinar a base missionária e morada dos missionários. De origem europeia e depois de ter vivido nos Estados Unidos, ele não se acostumava com a baixa qualidade e os alugueis elevados das casas nas quais a situação contingente o constrangia a morar no Brasil:

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Outro fato é que, se pudéssemos comprar a casa, os missionários teriam uma morada onde poder habitar e todas as despesas, hoje gastas pelos elevados alugueis, seriam economizadas e usadas melhor na obra do Senhor. Uma casa de barro, com muros de barro, coberta com folhas de palmeira, costa cerca entre 30 e 40 coroas de aluguel mensal. Uma casa, como um estrangeiro é costumado a morar, costa entre 100 e 200 coroas por mês ou mais. Durante esse tempo passado aqui, nós temos morado aqui e acolá, nas casas dos crentes membros, do jeito que os brasileiros pobres vivem (VINGREN, G., 1916a, p. 175, tradução nossa).

Em sua viagem de volta ao Brasil, Vingren passou por New York. A essa altura, ele já tinha se naturalizado americano e estava esperando a emissão de seu passaporte pelas autoridades dos EUA, como ele mesmo informa: “Anteriormente, eu fui a uma conferencia pentecostal em Hartford, Connecticut, no então que esperava o meu passaporte americano [...]” (VINGREN, G., 1917a, p. 146, tradução nossa). Essa segunda nacionalidade pode ter tido uma influência sobre Vingren, apontando para uma maior afinidade com o padrão norte-americano de sua compreensão missionária, eclesiástica e ministerial, diferente da do Movimento pentecostal sueco.

Sua noiva, Frida Strandberg, o precedeu na chegada ao Brasil, onde desembarcou no dia 4 de julho, em Belém, Pará. Vingren chegou de volta ao Brasil no dia 6 de agosto de 1917. No dia 16 de outubro daquele ano, Gunnar Vingren e Frida Strandberg casaram-se em Belém. Em janeiro de 1919, Gunnar fundou o jornal “Boa Semente”, tendo como um de seus colaboradores Samuel Nyström. Araújo (2007) informa que foi fundado em dezembro de 1918. A primeira viagem de Vingren ao sul do Brasil aconteceu no ano de 1920, quando visitou alguns estados litorâneos, até Santa Catarina, onde participou de cultos entre as comunidades de imigrados russos e lituanos. Em seu diário, ele destaca o clima agradável para os europeus, e a liturgia dos imigrados, e sua reprovação, porém, à prática da dança na adoração, ao que foi expulso de entre os lituanos (VINGREN, I., 1973).

Na viagem de volta a Belém, conheceu a igreja pentecostal italiana de São Bernardo, São Paulo, dirigida por Luigi Francescon. Vingren e Francescon participaram, como também Berg, no ano de 1909, do avivamento na cidade de Chicago, EUA, que tinha como maior protagonista o pastor William H. Durham e seus conceitos do “Finished Work”86 de Cristo e da “Terceira benção”87. A respeito dessa igreja de São Paulo, escrevia Franklin alguns anos mais tarde, no relatório de sua viagem ao Brasil de 1926:

86 “Obra Consumada”.

87 As três bênçãos eram consideradas ser: a salvação, a santificação e o batismo no Espírito Santo.

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O trem corria para São Paulo, atravessando as grandes plantações de café, e na cidade tivemos a ocasião de visitar uma igreja pentecostal italiana. Cerca de doze anos atrás, um irmão italiano foi enviado para São Paulo de Chicago e tem experimentado o poder de Deus para salvação, e uma igreja veio à existência, com mais de dois mil e quinhentos membros (FRANKLIN, 1926b, p. 496, tradução nossa).

No final de 1920, Vingren relatava que existiam igrejas em oito Estados do norte do Brasil. Seu estado de saúde, porém, continuava a se agravar. Escrevera a redação do Evangelii Härold sobre esse assunto:

Durante os últimos tempos, os amigos Wingren (sic) tiveram sua saúde muito abalada. Em particular, o irmão ficou um tempo de cama antes da viagem, e até tão fraco, em certos momentos, que os irmãos acreditaram ele partiria para uma pátria melhor do que a terrestre. Portanto, foi concordado com os outros irmãos lá fora que nosso irmão viajasse para a Suécia, para durante um período evitar o clima mortificante do Brasil. No dia 8 de maio, os irmãos carregaram o irmão Wingren de cama até o navio (HEMKOMNA..., 1921, p. 106, tradução nossa).

No dia 8 de março de 1921, portanto, Vingren e família viajaram para a Suécia, aonde chegaram no dia 5 do mês de junho. Nesse ano, o casal Vingren teve uma participação marcante na conferência missionária de Kölingared, onde deixaram muitos testemunhos da missão no Brasil. Deixou o país natal, para as terras brasileiras, no dia 17 de agosto de 1922, via EUA, acompanhado por dois casais de novos missionários para o Brasil, Hedvig e Gustaf Nordlund, e Anna e Viktor Jansson (LIDMAN, 1922). Durante a permanência nos Estados Unidos, Gunnar viajou para os estados ocidentais do país, com a intenção de alcançar a Califórnia, como se lê numa carta do casal Nordlund publicada no E.H: “O irmão Vingren viajou para os estados ocidentais e, se Deus quiser, pensa alcançar a Califórnia” (NORDLUND, G.; NORDLUND, H., 1922, p. 187, tradução nossa). A família Vingren chegou de volta ao Pará no dia 1 de fevereiro de 1923.

Sua definitiva mudança para o Rio de Janeiro aconteceu no ano de 1924, substituído pelo casal missionário sueco Lina e Samuel Nyström na direção do trabalho no Pará e do jornal pentecostal “Boa Semente”. Em carta publicada no Evangelii Härold, assinada por Gunnar e Frida, o casal Vingren deixou suas impressões sobre a “cidade maravilhosa”:

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Deixamos o Pará no dia 21 de maio, e chegamos aqui no dia 3 de junho. [...] Rio de Janeiro, a cidade da luz, como é chamada, é propriamente uma cidade dos vícios e da vaidade, no mais alto grau. A natureza aqui é muito bonita, e o clima bastante bom. A cidade é situada em parte entre e em parte sobre os declives de altas montanhas. Na cima de uma das montanhas mais altas, os católicos planejam a construção de uma imagem de Cristo, e para esse fim, eles têm juntado mais de um milhão de milreis. Além dos católicos, existe aqui um grande numero de igrejas evangélicas, mas nenhuma que pregue o Evangelho pleno, ao contrário: aqui, como nos outros lugares do Brasil, elas, na grande totalidade, são inimigas. O Exército da Salvação trabalha aqui seguindo seus princípios costumeiros. Entre seus oficiais existem suecos. Aqui nessa cidade, pode-se ver que as pessoas em geral vivem para juntar bens desse mundo, e para alcançar esse alvo, não poupam nenhum meio. A falta de sinceridade e de honestidade é aqui um traço característico, tão forte que surpreende desde o primeiro instante (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1925c, p. 32, tradução nossa).

O sustento do casal no Rio, enviado pela igreja Filadélfia de Estocolmo, era, naquele período, de 600 coroas suecas. Ao que parece, esse era o único sustento regular que recebia naquele período, e que rendia “possível [...] o trabalho no Rio de Janeiro” (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1925a, p. 184, tradução nossa).

É nesse período carioca que, entre seus colaboradores brasileiros, aparece, pela primeira vez, o nome de Paulo Leivas Macalão: “Aqui no Rio, temos um jovem irmão batizado no Espírito Santo, de nome Paul (sic), filho de um general. Ele é muito zeloso em seu trabalho para Jesus” (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1925b, p. 638, tradução nossa). Cinco anos após, Vingren o apresentaria para ordenação a pastor pelas mãos de Lewi Pethrus, durante a Conferência de Natal, no setembro de 1930.

Com a dedicação germânica do casal e a ajuda dos colaboradores, a obra na capital federal crescia. Em meados do ano de 1926, Gunnar relatava que os Pentecostais no Estado do Rio de Janeiro eram cerca de 700 (VINGREN, G.,1926). Foi neste ano que A. P. Franklin visitou as missões pentecostais suecas na América Latina. Para aproveitar a presença do dirigente da Svenska Fria Missionen88, Vingren convocou uma conferência internacional no Rio de Janeiro, que aconteceu de 17 a 25 de julho. Além do corpo missionário sueco no Brasil, participara das reuniões um missionário sueco na Argentina, Gunnar Svensson. Nas reuniões deliberativas, não houve participação de obreiros nacionais. Os temas tratados foram a equiparação dos missionários para com a Svenska Fria Missionen, independentemente de

88 Missão Sueca Livre.

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suas procedências, e a responsabilidade jurídica do patrimônio da missão brasileira, temas que serão tratados mais amplamente no próximo capítulo.

Com o crescimento da igreja no Rio, houve a necessidade de um reforço à obra naquela cidade. No dia 12 de janeiro de 1927, Vingren recebeu os obreiros José Teixeira Rego e Bruno Skolimowsky, vindos do norte para ajudar. A posição de liderança de Gunnar Vingren, dentro da missão sueca do Brasil, parece ainda intacta nos meados do ano 1928. Depois das viagens ao sul do país nos anos de 1920 e 1923, no dia 10 de abril de 1928, começa uma viagem, ao que parece, de supervisão, para Recife, no Pernambuco, a Paraíba, Natal, no Rio Grande do Norte, Maceió, no Alagoas. Na Paraíba, ficou impressionado pela condição de miséria da população:

O nome do irmão é Cícero Lima. Pergunte ao Senhor o que Ele quer que tu faças por esse irmão e pela obra nessa cidade! Nunca tínhamos visto nesse país tamanha miséria, casa que não são dignas do nome de moradas para seres humanos; os animais na Suécia passam melhor. O povo vive de “plantar batata doce e fazer bonecas”, nos disse um homem no trem. Em cada estação, o trem é circundado por cegos e cochos em multidão (VINGREN, G., 1928b, p. 408, tradução nossa).

Nesse mesmo ano, Vingren recebeu um carro da América e fez um pedido a A. P. Franklin, para que ajudasse na construção de uma garagem, cujo recurso agradecerá em carta seguinte (VINGREN, G., 1928a, p. 520). Com a piora de suas condições de saúde, se tornaram frequentes as reclamações do casal Vingren a respeito da alimentação, escassa e de má qualidade, por causa dos recursos insuficientes, cuja maior parte era destinada ao aluguel, muito elevado na capital federal do Brasil da época, e pela pressão emocional e espiritual:

Seria uma grande economia, se conseguíssemos encontrar uma pequena casa na periferia da cidade, com lugar para guardar o carro. Então, poderíamos comprar uma alimentação melhor para podermos aguentar aqui fora por mais tempo. Sentimo-nos bastante cansados e desgastados [...] Minha esposa pede oração especial. Seu coração e seus nervos estão sobrecarregados pela muitas campanhas de oração e pelo trabalho (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1929a, p. 166, tradução nossa).

Existem muitas suposições sobre o que Vingren pensava a respeito da direção do trabalho missionário no Brasil, e sobre o que ele pensava a respeito dos obreiros nacionais que colaboravam na obra, sobretudo no Nordeste. Vale lembrar que ele era o único missionário

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pentecostal sueco, presente em terras brasileiras, regularmente formado num curso de teologia de quatro anos, o que determinava sua particular compreensão eclesiástica e ministerial. Foi ele, também, que viajou para a Suécia, às vésperas da Conferência de Natal, em 1930, para trazer Lewi Pethrus, numa tentativa de mediação entre os pastores nordestinos e os missionários suecos, com referimento à direção da obra. A respeito de sua compreensão, podem ser esclarecedoras algumas palavras que o casal Vingren escreveu numa carta enviada às igrejas na sua pátria, publicada no Evangelii Härold89·, através da qual pede reforços para a missão no Brasil:

Digam, eles não precisariam de novos reforços para ajudar no trabalho? Mas vós, alguém pode dizer, tendes os obreiros nativos. Mas o fato é que eles não têm a maturidade e força necessárias para esse trabalho. Em geral, eles são bons evangelistas, mas os pastores são poucos (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1929b, p. 505-506, tradução nossa).90

Segundo Vingren, portanto, os obreiros nacionais, salvo poucas exceções, não tinham maturidade e força necessária para o ministério pastoral. Em outras palavras, não tinham capacidade de liderança.

No dia 22 do mês de maio do ano seguinte, Gunnar Vingren deixou a família no Rio de Janeiro e viajou para a Suécia para se encontrar com Lewi Pethrus e convencê-lo da necessidade de sua presença na Conferência convocada pelos obreiros nacionais em Natal, no mês de setembro de 1930. Vingren esperava que a mediação de Pethrus pudesse resolver o impasse entre os missionários suecos e os pastores nativos, referentemente à questão da liderança na obra no Norte e Nordeste.

Os dois desembarcaram no Rio de Janeiro no dia 12 de agosto. Pelo relato de Pethrus (1930c), sabemos que a missão sueca dirigida por Vingren no Estado fluminense contava com cerca de 1.500 crentes, divididos em doze congregações pentecostais. Um grande avanço na capital do Brasil, num tempo relativamente curto, como o próprio pastor da Filadélfia admitiu. Os Vingren deixaram definitivamente o Brasil no ano de 1932, sendo sucedidos na direção da obra pelo casal Samuel e Lina Nyström.

89 Arauto do Evangelho.

90 Deve-se ter alguma restrição sobre a atribuição desse pensamento a Gunnar Vingren, considerando que essa carta foi assinada em conjunto com sua esposa Frida, cuja contribuição à escrita é patente na frase: “Sim, o que direi mais, eu, uma humilde serva do Senhor?”, e no estilo literário presente no corpo da carta.

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3.1.2 Daniel Berg, o siderúrgico missionário

Daniel Högberg, mais conhecido como Daniel Berg, nasceu no ano de 1884, num lar batista da cidade de Vargön, na Suécia, a mesma onde nasceu Lewi Pethrus, do qual era amigo de infância. No ano de 1902, emigrou para os EUA, onde trabalhou como siderúrgico. Alguns anos depois visitou a pátria natal, e se interessou à doutrina do batismo no Espírito Santo, influenciado por Pethrus. De retorno à América, recebeu a experiência pentecostal durante a travessia do Atlântico (REILY, 1984), no ano de 1909. Em companhia de Gunnar Vingren, chegou ao Brasil no novembro de 1910.

Depois dos acontecimentos relacionados à saída da igreja batista de Belém, Berg, por sua constituição física forte, se dedicou, especialmente, à obra de evangelização nas ilhas e outras localidades ao longo do rio Amazonas e da ferrovia Belém-Bragança, nessa última fazendo às vezes o trajeto de 400 quilômetros a pé. Ele visitava as casas e vendia Bíblias e outra literatura. As principais localidades alcançadas por ele nos primeiros anos foram: Soure, Mosqueiro e Bragança, no ano de 1912; Xarapucu e Catipuru em 1913; a Ilha Caviana, Afuá, no ano de 1914.

Nesse ano, o de 1914, Berg voltou à Suécia para visitar sua família. Durante a estadia no país natal, ele restabeleceu o contato com o pastor Lewi Pethrus, que estava trabalhando à frente da Igreja Filadélfia de Estocolmo. Os dois aldeões de Vargön eram amigos de infância e já tinham se reencontrado na ocasião da volta de Berg dos EUA, no ano de 1909, quando Pethrus despertou em Berg o desejo para a experiência pentecostal. É a partir desse período, que Vingren e Berg passam a aparecer nos registros da Filadélfia como missionários dessa igreja (ARAÚJO, 2007) e, provavelmente, a serem sustentados financeiramente por ela, como se pode supor de cartas posteriores dos missionários enviadas a e publicadas no órgão da igreja de Estocolmo, o Evangelii Härold:

Pará, Brasil, 23 de dezembro de 1915. Meu amado irmão Lewi Pethrus! Graça seja contigo, e paz de Deus! O Senhor é a nossa parte e o nosso refúgio. Aleluia! Obrigado pela tua preciosa carta do dia 9 de setembro e pelo cheque incluído em libras esterlinas 11-10-8. Deus abençoe a ti e à congregação pela vossa solicitude a nosso respeito, não somente pelas vossas orações, mas também pelos vossos recursos (BERG, Daniel, 1916a, p. 18, tradução nossa).

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Como se pode notar, durante sua viagem ao país nórdico no ano de 1914, Berg foi a pessoa que teceu o relacionamento com Pethrus e a igreja Filadélfia de Estocolmo, permitindo a ele mesmo e a Vingren de serem listados na secretaria de missões desta e começarem a receber recursos da Suécia, inclusive a favor de obreiros nativos, entre os quais Adriano Nobre:

Pará, Brasil, 24 de dezembro de 1915. Amado irmão Lewi Pethrus! O meu intimo desejo é que o Senhor te abençoe em tudo que fizer. Tenho recebido o dinheiro das duas vezes que me enviaste, pelo qual te agradeço de coração. O irmão Wingren (sic) está agora nos EUA. O trabalho tem sido muito e muito esparramado para mim, pelo fato de eu ter que cuidar de uma família de oito pessoas, mas até aqui me ajudou o Senhor. Glória seja dada a Jesus! O irmão Daniel está fora no interior desse estado. De vez em quando fica fora por um ou dois meses seguidos. Quero te pedir que, se for me mandar algo para o meu mantimento, o envie diretamente a mim, para que fique mais fácil para mim o receber, se Daniel estiver fora viajando. Por gentileza, escreve tuas cartas também em inglês. Teu no amor e na comunhão do Senhor Jesus Cristo. Adriano Nobre Caixa 653, Pará, Brasil (NOBRE, 1916, p.18, tradução nossa).

A amizade e consideração de Berg para com o amigo de infância reverberaram no fato de o primeiro número do Evangelii Härold, órgão oficial da Filadélfia, publicar uma carta do pioneiro no Brasil, endereçada ao amigo pastor, no dezembro de 1915. Essa relação entre os dois aldeões de Vargön veio colocar um termino ao hiato entre os anos 1911 e 1914, durante o qual não existem claros indícios de um relacionamento efetivo entre as igrejas da Suécia e os dois pioneiros no Brasil. Estes vieram e recebiam, no começo, sustento financeiro das igrejas de imigrados suecos nos Estados Unidos:

2 de junho 1916. [...] Obrigado pelo cheque de 236 coroas, que estava incluído na carta. [...] Alegrai-vos em saber que aquela parte dos recursos a mi destinada chegou no tempo certo, porque da parte dos amigos em América não recebo nem uma ajuda faz dois meses (BERG, Daniel, 1916b, p. 117, tradução nossa).

De retorno da pátria, Berg recomeçou seu trabalho de evangelização da bacia amazônica. Suas viagens costumavam durar por cerca de dois a três meses, inicialmente num barco a remos, sucessivamente e graças às ofertas vindo do país natal e da América, num barco a vela, chamado “Boas Novas”, em companhia de três irmãos:

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Envio aqui uma fotografia do barco a vela do irmão Daniel Berg, que se chama “Boas novas”, com o qual ele transporta boas novas. A bordo, pode-se ver o irmão Daniel, e os três homens que são a sua tripulação. O irmão Daniel viaja ao longo da costa do Atlântico e, às vezes, visita as ilhas entre o Pará e o rio Amazonas (VINGREN, G., 1919, p. 54, tradução nossa).

Por sua experiência e resistência nas viagens ao longo do rio Amazonas, Berg se tornou o instrutor dos demais missionários que, sucessivamente, chegaram da Suécia no período em que ele esteve na obra no Pará, entre eles Samuel Nyström e Joel Carlson. Estes o acompanhavam em sua odisseia fluvial, aproveitando para apreenderem a língua e dar testemunhos nos vários pontos de pregação.

Privações, perigos e doenças eram à ordem do dia em suas vicissitudes missionárias. No mês de novembro de 1917, Daniel contraiu a malária, como relata em carta do dia 21 de dezembro daquele ano. Por causa de suas longas viagens, e da dificuldade de tratar a doença rios adentro, era comum Berg sofrer dela por meses em seguida. Essa situação o impulsionou, no começo de 1918, a pedir seu passaporte ao Consulado Geral Sueco no Rio de Janeiro, para poder voltar para Suécia, para o tratamento e um período de repouso.

A Europa, no então, estava mergulhada na Primeira guerra mundial, e as relações entre os países estavam geralmente permeadas de suspeitas. Apesar de sua neutralidade no conflito, os suecos, com seu aspecto e língua germânicos, eram visto com muita desconfiança pelas autoridades brasileiras, que herdaram da coroa portuguesa a proximidade política com o Reino Unido, inimigo dos impérios germânicos centro-europeus da Áustria e Alemanha. Esse sentimento refletiu na proibição do governo brasileiro do uso da escrita sueca nas cartas que circulavam entre os missionários nórdicos no Brasil. Berg testemunha esse fato em carta do começo de 1918: “Estamos autorizados a escrever entre nós somente em inglês” (BERG, Daniel, 1918, p. 71, tradução nossa).

O impasse diplomático somente permitiu a emissão do passaporte de Daniel Berg no final de 1919, possibilitando ao missionário de chegar à sua pátria no começo de 1920. No seu país, Daniel casou com Sara, no mês de junho. Em sua viagem de volta ao Brasil, passando pelos Estados Unidos, sua terceira, foi acompanhado por novos missionários suecos, com destino ao campo brasileiro. São estes: sua esposa Sara, Samuel e Tora Hedlund, Elisabet Johansson, Anna Carlson, Ingrid Andersson, Augusta Andersson, e o “sueco-americano,

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enviado pelos pentecostais na América, Nels J. Nelson” (TALLBACKA, 1920, p. 188-189). A saída da Suécia aconteceu no dia 20 de novembro de 1920, com chegada ao Brasil no dia 21 de março de 1921, depois de um período nos EUA. Em carta posterior, é confirmada também a presença de Ester Andersson, perfazendo o total de nove novos missionários (BERG, Daniel et al., 1921, p. 131).

Torna-se oportuna aqui uma reflexão sobre o papel de Berg na missão sueca. Apesar de não ter dirigido grandes igrejas durante sua permanência no Brasil, dois dos eventos que alavancaram a expansão do empenho missionário sueco no Brasil estão ligados às suas duas viagens à terra pátria. Na primeira destas, Berg conseguiu a inscrição no livro dos missionários da igreja Filadélfia para si e seu colega Vingren. Isto aconteceu, como já visto, no ano de 1914, e proporcionou recursos financeiros e humanos indispensáveis ao trabalho na missão de evangelização do norte do Brasil.

Na segunda viagem, ele retornou acompanhado por um contingente de nove novos missionários, o maior na história da missão pentecostal daquele país. Lembra-se que o outro pioneiro, Gunnar Vingren, somente tinha efetuado uma viagem à Suécia, entre os anos 1915-1917, quando era desconhecido, do ponto de vista pessoal, de Lewi Pethrus e sua igreja. Parece evidente, portanto, que a grande amizade com Pethrus, nascente líder do Movimento pentecostal sueco, efetivou uma relação privilegiada para Berg e proporcionaria à nascente missão pentecostal sueca no Brasil o diferencial, em recursos humanos e financeiros, que a tornaria o maior campo de atuação do Pingströrelse91.

Retornado ao Pará, Daniel e Sara foram morar durante um tempo em Afuá, na ilha do Marajó. Como para seus colegas, no trabalho missionário alcançava, sobretudo, a população pobre e marginalizada, que mais sofreu o fim do ciclo da borracha: “O povo daqui está em um nível muito baixo, a maioria não sabe ler nem escrever, muitos não sabem quando começa ou termina o ano, nem quando nasceram” (BERG, S.; BERG, Daniel, 1921, p. 199-200, tradução nossa).

No ano de 1922, Berg e sua esposa Sara deixaram o trabalho ao longo do rio Amazonas, sendo substituídos por Nels J. Nelson, e se dirigiram para a cidade de Vitória, no Espírito Santo, aonde chegou no dia 16 de maio. Estava acompanhado pelo evangelista Almeida Sobrinho e família. Dois anos depois, em 1924, fez uma viagem ao Rio de Janeiro e

91 Movimento pentecostal da Suécia.

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Santos. Nessa última cidade encontrou boa recepção ao Evangelho. Decidiu mudar para lá. Em carta ao Evangelii Härold, especifica o motivo de sua decisão:

Agora, estamos sentindo que será impossível ficar mais aqui em Vitória, porque o povo não quer escutar a Palavra de Deus. Muitos dos missionários nos têm visitado, e todos sentiram a dificuldade. Não importa quem seja que pregar, é igualmente difícil o povo chegar ao auditório. Cremos, todavia, que a Palavra do Senhor que tem sido exposta aqui não voltará vazia, mas que operou não importa onde fosse pregada (BERG, S.; BERG, Daniel, 1924, p. 235, tradução nossa).

Nessa cidade, a obra prosperou, apesar das dificuldades. Foi de Santos que o casal Berg viajaria, no começo do ano de 1926, para a Suécia, onde desembarcou no dia 10 de março, para um período de repouso. Berg e esposa retornaram ao Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro, onde se encontraram com o casal Vingren, no dia 18 de setembro de 1927.

Em comunicação à redação do Evangelii Härold, Berg informou sua mudança para São Paulo: “O irmão Berg comunica, do Brasil, que ele tem se transferido de Santos para São Paulo. O seu endereço agora é: Daniel Berg, Caixa 1786, São Paulo, Brasil” (MEDDELANDE..., 1928, p. 117, tradução nossa). Essa mudança aconteceu no dia 15 de dezembro de 1928. Nessa cidade, ele reencontrou Adriano Nobre, seu antigo colaborador da obra no Pará, que estava trabalhando secularmente, mas que exprimiu o desejo de voltar à ativa na missão. Por ele, Berg pediu recursos financeiros às igrejas da Suécia, para que Adriano pudesse voltar a cooperar na evangelização da capital paulistana. Com a colaboração do amigo e de outros, a obra expande no Estado, alcançando Campinas, Nazaret, Jundaí, Mairinque.

Chega o ano de 1929, e a missão sueca é marcada por uma importante mudança, que aconteceu no país nórdico. A Svenska Fria Missionen, dirigida por A. P. Franklin e responsável pelas missões do Movimento pentecostal sueco no exterior, fora liquidada. Depois de cinco anos de atuação, essa organização centralizadora e com aspirações de independência, fruto de um projeto de Pethrus, sucumbe diante da compreensão missionária da maioria das igrejas do Pingströrelse92, oriunda dos ideais de William Taylor. O resultado foi que a responsabilidade e os recursos pelos missionários no Brasil voltaram a ser das igrejas locais da Suécia. Essa mudança foi geralmente bem recebida entre os missionários,

92 Movimento pentecostal da Suécia.

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que ficavam livres das exigências centralizadoras e autoritárias da Svenska Fria Missionen93 e de seu chefe.

O próprio Berg escreveu mais de uma carta, parabenizando pelas decisões tomadas na conferência missionária de Kölingared de 1929. Na primeira carta, assinada em colaboração com Gunnar Vingren, comunica:

Como resposta à comunicação referente à Missão Sueca Livre, queremos aqui em comum exprimir nossa grande alegria pelas felizes mudanças a respeito da questão missionária. Pela nossa parte, nunca simpatizamos com os princípios da Missão Sueca Livre, mas tínhamos decidido que, até nenhum embaraço fosse colocado sobre nossa liberdade pessoal, teríamos aceitado as suas disposições, mas que, no momento em que a liberdade de trabalhar na direção do Espírito nos fosse impedida, então protestaríamos, no nome de Jesus (VINGREN, G.; BERG, Daniel, 1929, p. 682-683, tradução nossa).

Na segunda, o tom é de júbilo:

São Paulo, dia 24 de setembro de 1929. Graça e paz em Jesus! “Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Deixa o meu povo ir, para que me sirva no deserto” (Ex 5.1b). Essas palavras do Senhor foram ditas a faraó e se referiam à libertação material e física de Israel da escravidão no Egito. Também, é uma figura magnífica do Israel espiritual de Deus, a igreja de Deus, que Ele está para libertar das correntes e cordas do formalismo. Como estamos alegres, que a assim chamada Missão Sueca Livre tenha sido suprimida e que as próprias igrejas livres possam cuidar por si mesmas de seus obreiros na vinha do Senhor. Isso é de acordo com a Palavra do Senhor, conforme At 13.2-4 (BERG, Daniel, 1929, p. 682-683, tradução nossa).

O motivo de tanta alegria da parte de Daniel Berg é explicado por Pethrus no seu relatório sobre a Conferência de Natal, publicado na Suécia no ano seguinte:

Durante os últimos anos, uma parte dos nossos missionários, e, especialmente, os dois fundadores da missão, tem sido exposta a reclamações da parte de uma pessoa que, na verdade, deveria ajudá-los a carregar seus fardos. A coisa foi tão longe, que um de nossos irmãos, na primavera de 1929, com risco de perder seu sustento econômico da pátria, teve que rejeitar as cartas que de volta em volta recebia da direção da missão aqui na Suécia. Ele não podia suportar todo esse equívoco, do qual as cartas da Suécia transbordavam. Esse missionário, que tomou essa atitude, é

93 Missão Sueca Livre.

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um irmão que por Deus foi dotado, de uma maneira especial, de um espírito humilde e passivo. É o irmão Daniel Berg (PETHRUS, 1930b, p. 723, tradução nossa).

As reclamações, às quais Pethrus se refere, vinham de A. P. Franklin, e vertiam em volta do projeto deste de transformar a Sociedade Evangélica Assembléia de Deus, registrada em Belém no ano de 1918, por Vingren, Berg e Nyström, sob o número de ordem 131.448 do Cartório da cidade, numa organização que abrangesse os direitos patrimoniais e imobiliários da missão em todo o Brasil, o que era contrário ao ethos das igrejas do Pingströrelse94.

No ano seguinte, a piora das condições de saúde de sua esposa Sara, constrangeram Berg a viajar para a Suécia com a família. Antes, porém, participara da Conferência de Natal, de 5 a 10 de setembro, que será tratada mais amplamente no próximo capítulo.

3.1.3 Otto Nelson, paixão por missões

O sueco Otto Nelson era um imigrado nos EUA, onde era membro da igreja batista de Providence, no Estado de Rhode Island. Foi separado como missionário ao Brasil pela igreja presidida pelo pastor B. M. Johnson, em Chicago. Com sua esposa Adina, chegou ao Pará no dia 25 de outubro de 1914 (GUSTAFSSON, 1921). Eles foram os primeiros missionários pentecostais que seguiram os dois pioneiros, Vingren e Berg, no Brasil. Seu começo na missão foi cooperando na evangelização em Belém, Pará. No dia 21 de agosto de 1915, se dirigiu ao Estado de Alagoas, para a capital Maceió, onde, no dia 22 de outubro de 1922, inaugurou o então maior templo das Assembleias de Deus no Brasil, com grande repercussão a nível nacional (ARAÚJO, 2007).

Precedentemente, no ano de 1920, tinha visitado sua pátria, que deixou novamente no dia 24 de setembro de 1921, direto a New York, de onde continuaria, depois de um período, para o Pará, onde atracou no dia 7 de fevereiro de 1922, acompanhado por reforços à missão brasileira, o casal Agnes e Simon Sjögren. Alguns dias depois, embarcou novamente e visitou o Maranhão, Pernambuco, até chegar ao Alagoas. Existe uma particularidade em seu relato da chegada a Maceió:

94 Movimento pentecostal da Suécia.

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“Chegamos e todos nós ocupamos nossa pequena casa de barro, oito pessoas em tudo, muitos espremidos até agora, mas o irmão Sjögren e esposa e a irmã Nina Englund da América acabam de alugar uma casa para eles e irão mudar” (NELSON, A.; NELSON, O., 1922a, p. 99, tradução nossa).

Essa “irmã Nina Englund” (sobrenome tipicamente nórdico) parece ser mais uma missionária solteira sueco-americana que procedeu dos EUA. Seu nome não aparece no artigo de Gustafsson (1921), no Evangelii Härold, que relata a partida dos casais Nelson e Sjögren da Suécia no ano de 1921, portanto, ela deve se ter juntado ao casal Nelson durante a permanência deste nos EUA, para acompanhá-lo ao campo missionário brasileiro. Nina Englund foi morar junto com o casal Nelson, antes, e Sjögren, depois, para apreender a língua e treinar para a obra de evangelização no Brasil. Essa suposição é reforçada pelo fato de ela assinar uma carta posteriormente enviada à Suécia e publicada no mesmo jornal, que reporta, como palavras finais: “Preciosas saudações de paz dos vossos irmãos e irmãs na luta por Jesus e pelo Brasil: Otto Nelson, Adina Nelson, Nina Englund, Simon Sjögren e Agnes Sjögren” (NELSON, O. et al., 1922, p. 115, tradução nossa). Araújo (2007) a insere em seu quadro de missionários americanos que trabalharam na missão pentecostal sueca do Brasil, sem fornecer a data de chegada ao Brasil e o lugar de trabalho.

No ano de 1924, Otto Nelson começou a evangelização da capital da Bahia, Salvador. As dificuldades e as perseguições eram à ordem do dia. No começo de 1927, Adina, sua esposa, viajou para o sul baiano, onde um evangelista estava trabalhando na cidade de Canavieiras. O ano de 1928 foi transcorrido na Suécia, para um período de repouso. O casal Nelson deixou a Escandinávia em volta do dia 19 de setembro daquele ano, com a saída da capital da Noruega, rumo à América do Norte, como informado numa carta ao jornal da Filadélfia de Estocolmo:

Oslo, dia 19 de setembro de 1928. A pátria, os pais e muitos irmãos e irmãs na fé estão sendo deixados para trás, mas ainda guardamos uma luminosa lembrança, que com certeza nos acompanhará em nossa jornada por mar e por terra. [...] Nosso endereço na América, durante o tempo que estaremos por lá, é: c/o B. M. Johnson, 1331 Newport Avenue, Chicago, Illinois, U.S.A (NELSON, A.; NELSON, O., 1928, p. 648, tradução nossa).

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Depois de uma temporada na igreja que o tinha enviado ao Brasil, situada em Chicago, Illinois, e presidida pelo pastor B. M. Johnson, no dia 7 de maio deixaram o porto de New York e, passando por Belém no dia 25 de maio, onde ficaram seis dias, desembarcaram em Maceió no dia 8 de junho. O desejo de transferir-se para a Bahia começa a impulsionar o casal Nelson no ano de 1929, mas necessitava-se de alguém que assumisse o trabalho no Alagoas e Sergipe, como ele expõe em carta à Suécia:

O que vamos fazer com a Bahia? Aquela grande cidade pesa constantemente sobre os nossos corações, e eu creio verdadeiramente que, se Deus quiser, iremos nos mudar para lá assim que for possível. Todavia, é impossível para nos deixarmos esse lugar antes de um novo missionário chegar aqui (NELSON, A.; NELSON, O., 1929, p. 602, tradução nossa).

A questão foi resolvida com a chegada a Maceió do casal Algot e Rosa Svensson:

Maceió, Alagoas, Brasil, dia 26 de abril de 1930. [...] Louvado seja Deus, porque vale a pena orar ao Senhor, pois Ele enviou os missionários Algot e Rosa Svensson para trabalhar aqui no Alagoas, e agradecemos a Deus por esses queridos irmãos que o Senhor conduziu até aqui. Agora sabemos que podemos tranquilamente entregar esse trabalho aqui. [...] Eu fui à Bahia na semana passada e aluguei uma casa e agora pensamos de mudar em umas três semanas, com a direção e ajuda de Deus (NELSON, A.; NELSON, O., 1930, p. 396, tradução nossa).

Otto Nelson foi um dos missionários suecos que participaram da Conferência de Natal de 1930.

3.1.4 Samuel Nyström, o arquiteto das Escolas Bíblicas

Originário da cidade sueca de Årsta, onde nasceu em 1891, Samuel Nyström teve a oportunidade de ouvir Daniel Berg pregar sobre o Brasil, durante a visita deste à Suécia, no ano de 1914. Paixão (2011) afirma, em seu esforço apologético contra a acusação de marginalidade intelectual da teologia pentecostal assembleiana, que Nyström era formado em curso superior, mas não fornece a fonte dessa informação. Vingren (I., 1994b, p. 28) assevera

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que Nyström tinha formação universitária, conforme sua citação de carta de Nyström, em obra publicada na Suécia: “No ano de 1907, passei no exame do ensino secundário. Eu tinha decidido me tornar arquiteto paisagista e estudei para isso por seis anos. Contemporaneamente, me afastei mais e mais do Senhor” (NYSTROM, S., 1916, p. 81 apud VINGREN, I., 1994b, p. 28, tradução nossa). O texto sueco citado por Vingren (1994b, p. 28), porém, não concorda com o texto sueco de Nyström, inserido numa carta de Pethrus, publicada no jornal Evangelii Härold. Este último reporta:

No ano de 1907, passei no exame do ensino secundário, depois do que a questão da escolha de que carreira tomar na vida ficou em primeiro plano. Comecei, primeiramente, a carreira de engenheiro, mas não demorou muito para eu me voltar para a carreira de contabilista, que também abandonei logo, e comecei a profissão na área da paisagística de jardins, que, posteriormente, pensei continuar a estudar no exterior. Trabalhei nesse ramo durante seis anos, e os meus planos eram bem ambiciosos, mas, ao mesmo tempo, mergulhei mais e mais no pecado (NYSTROM, Samuel, 1916 in PETHRUS, 1916, n. 20, p. 81, tradução nossa)95.

A versão citada por Ivar Vingren parece ser um resumo do texto original, com uma atualização linguística96. A discrepância entre os dois textos é evidente, por o primeiro reproduzir, supostamente, o texto de Nyström extraído do mesmo artigo de Lewi Pethrus publicado no Evangelii Härold, cujo texto traduzido é reproduzido aqui acima. O autor dessa monografia não está em posse de informações que possam explicar essas diferenças. Uma coisa, todavia, parece certa, e é que se Nyström possuía alguma formação superior, esta era de engenheiro ou arquiteto paisagista, nada que fosse relacionado com a área teológica ou o ministério pastoral (ao menos conforme os padrões hodiernos).

Depois de ter frequentado a Escola missionária de John Ongman em Örebro, Nyström foi escolhido pela igreja Filadélfia de Estocolmo, presidida por Lewi Pethrus, para ser missionário ao Brasil. Antes de sua saída para o país tropical, Nyström trabalhou como evangelista na Suécia, e foi um dos fundadores e o primeiro pastor presidente da igreja

95 O texto de Nyström, inserido numa carta de Pethrus e publicada no jornal sueco Evangelii Härold (ano 1916, n. 20, p. 81), diz: “År 1907 tog jag realskolexamen, varefter frågan om val av livsbana kom i förgrunden. Jag började först på ingeniörsbanan, men det dröjde ej länge, förrän jag var inne på kontorsbanan och lämnade även den rätt snart och begynte i trädgårdsyrket, vilket jag sedan tänkte fortsätta att studera i utlandet. Jag arbetade i detta fack i 6 år, och mina planer voro rätt höga, men på samma gång gick jag även längre och längre bort i synden.”

96 Ivar Vingren cita que Nyström escreveu, no jornal sueco Evangelii Härold (ano 1916, n. 20, p. 81): “År 1907 tog jag realskolexamen. Jag beslöt att bli trädgårdsarkitekt och studerade för detta i 6 år. Samtidigt kom jag allt längre bort från Herren.”

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Filadélfia da cidade de Borås, no dia de ano novo de 1916. No dia 28 de junho de 1916, Samuel e sua esposa Lina deixaram o porto de Bergen, na Noruega, rumo à New York, de onde partiram, depois de uma breve permanência, para o Pará, com chegada no dia 18 de agosto.

Nos primeiros meses no Brasil, Nyström se aplicou a estudar a língua portuguesa. Acompanhava Adriano Nobre, em cuja casa se hospedou dois meses, em suas viagens evangelísticas e visitas às congregações na região da mata paraense. Durante esse processo, Nyström chegou a preparar algumas listas de vocábulos e normas gramaticais do português, que traduzia para o sueco, com a intenção de colocá-las a disposição dos demais missionários que, eventualmente, deviam chegar ao Brasil. Evidenciava-se, assim, a capacidade literária e pedagógica que devia marcar seu ministério nas Assembleias de Deus no Brasil. Evangelizava, também, ao longo do trecho da ferrovia desbravado por Daniel Berg.

Em sua carta de 1917, é evidenciada a importância que as igrejas de imigrados suecos nos EUA tinham para o sustento inicial da missão no Brasil. A importância dessas contribuições foi, sobretudo, notável diante dos problemas de comunicação com a Europa, em seguida aos acontecimentos bélicos no Velho Continente, como informado à Suécia: “Durante o tempo em que não chegou nada da Suécia, o Senhor nos tem sustentado através dos seus ‘corpos’ nos EUA” (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1917, p. 126, tradução nossa).

No outubro de 1918, Nyström foi enviado por Gunnar Vingren a Manaus, onde existia um grupo de Pentecostais. De uma das cartas de Nyström, pode-se extrair uma particularidade interessante sobre as perseguições que as outras igrejas protestantes levantavam contra os pentecostais. Nela se afirma que a única denominação que não atacava o trabalho da missão sueca em Manaus era a Igreja Episcopal Inglesa, por causa da esposa do pastor ter sido batizada no Espírito Santo. Inclusive, esta igreja permitiu a Samuel Nyström de pregar diversas vezes em seu templo (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1918). As igrejas batistas e presbiterianas, ao contrário, levantaram fortes campanhas de descrédito, chamando os Pentecostais de “nova seita de espíritas” e ao sueco de “falso profeta” (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1919, p. 19, tradução nossa). Nessa mesma carta, são evidenciados os problemas relacionados ao fim do ciclo da borracha e as dificuldades econômicas enfrentadas pelo povo da cidade e região.

Chamado de volta para substituir Daniel Berg, se dedicou ao trabalho com o “Boas Novas”, o barco da missão, às vezes acompanhado por sua própria esposa. Esse trabalho nas

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margens do grande rio durou até a volta de Berg da Suécia, quando, a bordo de novo barco, enfrentou as viagens na companhia do pioneiro e de Nels J. Nelson, pelo qual foi posteriormente substituído.

Um dos fatos marcantes do ministério de Nyström é o envio de um missionário da igreja de Belém, decisão esta tomada em colaboração com Gunnar Vingren. O nome do enviado era José de Mattos, português imigrado ao Brasil que trabalhava na obra paraense há quatro anos. Foi enviado ao seu país de origem, o Portugal, no dia 21 de junho de 1921.

As perseguições durante o trabalho no Pará eram comuns, sobretudo da parte das igrejas presbiteriana e batista. A mensagem pentecostal, porém, atraia mais e mais pessoas: uma inteira igreja de presbiterianos independentes da cidade estava à busca da experiência do batismo no Espírito.

Samuel Nyström era muito preocupado com o ensino da Bíblia. Para isso, organizou a primeira Escola bíblica para obreiros em Belém, conforme o modelo das escolas bíblicas de curta duração do Movimento Pentecostal na Suécia. O próprio Nyström era o ensinador principal do evento:

Se Deus quiser, do dia 4 de março ao dia 2 de abril teremos uma escola bíblica aqui. Orai por mim, para que o Senhor abençoe a palavra, para que nós que fomos chamados ao serviço do Evangelho e os outros obreiros mais velhos possamos nos aprofundar mais na Palavra e no Espírito; para que o Senhor possa vencer ainda maiores batalhas através de nos (NYSTRÖM, S., 1922, p. 54-55, tradução nossa).

Araújo (2007) informa que a escola durou de 4 de março a 4 de abril. No mês de maio, Samuel e Lina Nyström viajaram para o país natal. A viagem começou dia 17 de maio de 1922, passando pela Inglaterra, com a chegada a Göteborg, na Suécia, no dia depois de Pentecostes daquele ano. Foi um período de muitas viagens e visitas às igrejas livres da Suécia, testemunhando a respeito da obra no Brasil. Sua volta ao país tropical começou no dia 24 de fevereiro de 1923, passando pelos EUA, onde ficou um tempo hospedado numa casa anexa ao templo de uma comunidade pentecostal na 56° Avenue, em New York. A chegada em terras brasileiras do casal Nyström aconteceu no dia 3 de agosto de 1923, como ele mesmo informa em carta ao Evangelii Härold97: “Chegamos de volta ao nosso campo de trabalho no

97 Arauto do Evangelho.

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dia 3 de agosto, depois de uma navegação muito feliz, pela qual estamos gratos ao Senhor” (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1923, p. 537, tradução nossa). Araújo (2007), diferentemente, reporta que a chegada do casal Nyström ao Brasil foi em 21 de janeiro de 1923.

Com a viagem do casal Vingren à Suécia, Nyström tomou conta da igreja e do jornal “Boa Semente”, do qual era um dos redatores, tornando-o uma publicação mensal. O seu empenho editorial, organizativo e financeiro a favor do jornal sempre foi muito intenso, em colaboração, especialmente, com Nels J. Nelson (ARAÚJO, 2007). Relata o sueco em uma de suas cartas:

Na mesma ocasião, comprei uma nova maquina para imprimir com material. Depois, passei quatorze dias em casa, no Pará, e organizei dois números do nosso jornal. [...] A seguir, viajei com Vingren para Alagoas, para visitar a conferência [...] Cheguei em casa bem a tempo para o Natal e, então, foi completamente submerso pelo trabalho, porque a edição do jornal estava atrasada por causa da minha ausência e eu percebi a necessidade de imprimir os textos da escola dominical junto com o texto do jornal, e então comecei essa tarefa também, e trabalhei todos os dias e uma grande parte das noites também para isso, e foi somente pela graça de Deus que não sucumbi. Na mesma ocasião, uma prensa foi colocada a venda por um preço barato, assim a comprei e nossa pequena gráfica foi aumentada, podendo agora trabalhar com folga. Custou, com uma pequena casa incluída no negócio, menos de 2000 coroas suecas (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1924, p. 340, tradução nossa).

O alcance de sua responsabilidade missionária, depois da ida ao sul do Brasil de Berg e Vingren, era, geograficamente, imenso, chegando até a divisa com a Bolívia, com viagens de 18 dias de navio a vapor, sobre o rio Amazonas e seus afluentes (rio Madeira). Sabe-se, de suas cartas, que visitou igrejas pentecostais na Rondônia e em Porto Velho:

Onde eu fui, durante muitos anos construíram um curto trecho de uma ferrovia, e durante esse tempo se calcula que entre 20.000 e 30.000 pessoas morreram de malária, a maioria entre os trabalhadores da linha férrea. Existiam oito médicos que trabalhavam no hospital, durante a construção da ferrovia, e entre 15 e 20 pessoas morriam cada dia (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1924, p. 340, tradução nossa).

Esta ferrovia parece ser a linha férrea Madeira-Mamoré, construída durante o ciclo da borracha para escoar a produção para o mercado internacional. A. P. Franklin, em relatório à Suécia de sua viagem na América do Sul, confirma que “na região da malária entre Porto

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Velho e Guajará-mirim, existem muitos novos lugares abertos e muitas pessoas foram batizadas nas águas” (FRANKLIN, 1927, p. 251, tradução nossa).

Outra grande preocupação de Samuel Nyström era a situação política do Brasil. Durante o ano de 1925, escreveu sobre as dificuldades criadas pelas perspectivas de mudanças constitucionais, projetadas pelo “atual presidente” que “ [...] é um devoto católico, e o que muitos de nossos opositores esperam é que [...] possam nos perseguir pelo braço da lei” (NYSTRÖM, S., 1925b, p. 289, tradução nossa). Este é um referimento à tentativa da Igreja Católica Romana de ser reconhecida como igreja oficial do Estado. Na mesma carta, encontra-se o relato do problema com o barco missionário, depois de uma lei ter vedado a propriedade de material náutico aos estrangeiros, o que constrangeu os missionários à venda do barco.

Em carta posterior, as suspeitas de Nyström se realizam, com a aprovação de leis discriminatórias:

Os velhos métodos violentos ainda são praticados pela igreja católica, foi suficiente apenas que as leis do país fossem mudadas em seu favor, para que não demorasse muito para o tribunal da inquisição e a fogueira serem restaurados, porque o mesmo espírito de perseguição está arrasando agora, quando o fanatismo do povo e as sanções da igreja o rendem possível (NYSTRÖM, S., 1927, p. 239, tradução nossa).

No ano de 1925, Nyström começou uma jornada ao sul do Brasil, passando por Recife, Rio Grande do Norte, Ceará, Rio de Janeiro e Santos. Nestas duas últimas localidades, encontrou-se, respectivamente, com Gunnar Vingren e Daniel Berg.

Diante da grande expansão da obra no Pará, Samuel começou, no mês de fevereiro de 1926, a construção de um templo maior, que foi inaugurado no dia 30 de outubro, com a presença de mais de 1000 pessoas. A despesa final foi entorno dos 80.000,00 milreis, mas teve a colaboração maciça da igreja e da sociedade, inclusive das autoridades públicas. No ano de 1927, Nyström comprou um carro, um Ford, em cooperação com Nels J. Nelson, que recebeu uma oferta para isso de uma crente americana. O automóvel lhe facilitou o trabalho, reduzindo os tempos para as distâncias a serem percorridas na cidade e no interior. Nesse ano, deu início ao movimento beneficente para viúvas de pastores (ARAÚJO, 2007). Naquela altura, o contingente missionário sueco já contava com uma viúva, a missionária sueca Anna

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Viktoria Jansson, em seguida à morte do missionário Viktor Jansson, falecido de malária no dia 2 de dezembro de 1924, e sepultado na base missionária de Afuá, na ilha de Marajó.

Por causa do esgotamento das condições de saúde de Lina, o casal Nyström viajou no mês de abril de 1928 para a Suécia. Samuel, porém, desembarcou no Portugal, onde visitou o missionário, sustentado pela igreja de Belém, José de Mattos. Lina, sua esposa, continuou para o país nórdico, junto com as missionárias solteiras Augusta Andersson e Elisabeth Johansson. Samuel chegou à Suécia no começo do mês de junho. Na viagem de retorno ao campo brasileiro, que começou no dia 9 de março de 1929, os Nyström visitaram a Inglaterra, onde pararam cinco dias e pregaram em cultos das Assembleias de Deus do país. Na continuação da viagem, desembarcaram novamente no Portugal, aonde chegaram no dia 20 de março. Samuel aproveitou esse período para visitar Madri, na Espanha, onde trabalhava um de seus colegas da Escola Bíblica de Örebro. A viagem para o Brasil recomeçou no dia 18 de abril (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1929).

No fim de maio e inicio de junho do ano de 1930, Nyström deu início à outra viagem ao sul do Brasil, convidado pelo missionário Gustaf Nordlund, que dirigia a Assembleia de Deus em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A essa altura, Samuel já tinha se despedido da igreja de Belém, por ele dirigida desde 1924, para assumir o trabalho na cidade de São Paulo. Na viagem de ida, visitou o casal Vingren no Rio de Janeiro.

Depois do pioneiro Gunnar Vingren, Nyström foi a personalidade mais marcante da missão sueca no Brasil. Escreveu Ivar Vingren a respeito dele:

Descrever a obra de Samuel Nyström dos anos de 1924 a 1930 não é fácil. Ele era um líder dedicado que tinha a supervisão sobre tudo e todos, sempre onipresente através de suas inúmeras viagens, mas contemporaneamente, era o incontestável dirigente e pastor da igreja local, que com solicitude cuidava pessoalmente das necessidades do rebanho. Era, também, um evangelista dedicado que se esmerava até o extremo para que as pessoas pudessem ouvir, ver e experimentar o poder do glorioso Evangelho de Cristo (VINGREN, I., 1994b, p. 31, tradução nossa).

Samuel Nyström participou, junto aos outros missionários suecos, da Conferência de Natal, no mês de setembro de 1930.

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3.1.5 Frida (Strandberg) Vingren, devoção e perseverância

A missionária sueca Frida Strandberg, enfermeira com formação universitária, originária de família luterana do norte da Suécia, conheceu a experiência pentecostal na igreja Filadélfia de Estocolmo, dirigida por Lewi Pethrus (VINGREN, I., 1994b). Araújo (2007) a descreve como poetisa, compositora, musicista, redatora, pesquisadora, pregadora e ensinadora. Frequentou o Instituto Bíblico em Götabro, em seu país natal. Participou sua chamada missionária ao pastor Lewi Pethrus, que a apresentou a Gunnar Vingren, naqueles dias na Suécia para um período de descanso e que fora convidado para cooperar de grupos de oração nas casas de Pethrus e de certo irmão Väster, em Estocolmo. O assunto das orações era a chamada missionária de Frida. Foi durante essas orações, que Gunnar e Frida vieram a se conhecer (VINGREN, I., 1994b).

Araújo (2007) relata que Strandberg partiu a bordo do navio “Bergensfjord” no dia 12 de junho de 1917, rumo ao Brasil via New York, onde encontrou Vingren, que esperava seu passaporte americano das autoridades, e que ela partiu da cidade americana para o Brasil no dia 21 de junho. Em uma de suas cartas, porém, Frida informa que “na quinta-feira, dia 31 de maio, às 4h00, deixamos Kristiania98” e “a viagem no Atlântico foi boa, com tempo calmo e silencioso” e que, “no dia 20 de junho, o navio saiu de Nova Iorque para o Brasil” (STRANDBERG, 1917, p. 145, tradução nossa). Strandberg prosseguiu até o Brasil, onde desembarcou no dia 4 de julho de 1917, em Belém, Pará. Era a primeira missionária sueca solteira enviada ao Brasil pelo Movimento pentecostal de seu país. Vingren a encontrou nesta cidade no mês seguinte. Em 16 de outubro de 1917, Gunnar e Frida casaram-se, em cerimônia oficiada pelo missionário Samuel Nyström.

Intelectualmente refinada, Frida refletia sobre a situação paupérrima da mulher na sociedade brasileira, sobretudo a das mais marginalizadas, excluídas da educação. Temos suas impressões a respeito deste assunto numa de suas cartas à Suécia:

Pelo jeito, esse povo está num ponto inferior, tanto intelectual como praticamente, e essas mulheres não podem, por exemplo, ser comparadas às ativas e inteligentes mulheres da Europa. A mulher instruída aqui é uma exceção, quando ela, por viajar ou pelos estudos, adquire mais conhecimento e cultura. As pobres vivem na maior ignorância. A maioria não sabe ler nem escrever. A apatia é um traço marcante. A atividade principal delas é, pintadas e vestidas como uma boneca, ficar penduradas à janela. Se estivermos percorrendo uma rua, pode ser num bairro pobre o entre os

98 Atual Oslo, capital da Noruega.

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mais ricos, encontramos o mesmo panorama (VINGREN, F., 1918, p. 165, tradução nossa).

Características eram, também, suas impressões sobre o ritmo de vida brasileiro: “Aqui em casa tem vida e movimento. Neste país, não tem muito o costume de pegar no pesado como na Suécia” (VINGREN, F., 1919, p. 51, tradução nossa).

Sobre a relação social entre os dois sexos, escrevia:

Para uma mulher evangelizar, aqui existe muito mais dificuldades do que ali na Suécia. Aqui, uma irmã não pode sair em uma assim chamada viagem missionária, viajar sozinha no interior do país com um irmão ainda muito menos. Só pode viajar com um missionário casado se a esposa dele estiver junta. Qualquer outra hipótese despertaria reprovação e seria puramente impossível. Aqui não existe a mesma liberdade que temos em nosso país (VINGREN, F., 1921, p. 89-90, tradução nossa).

Esgotados pelo muito trabalho, as doenças e o clima proibitivo para os nórdicos, o casal Vingren viajou para a Suécia no dia 8 de maio de 1921, para um período de tratamento e descanso. Sua volta a Belém, Pará, aconteceu no dia 1 de fevereiro de 1923. No ano seguinte, a família Vingren mudou-se para a capital brasileira, Rio de Janeiro, começando a trabalhar em São Cristóvão. Aqui, Frida estava empenhada na direção da obra social da igreja, da escola dominical, dos grupos de visita e de evangelização. Substituía o marido na direção dos cultos, quando ele estava ausente, viajando ou doente. Enérgica e eficiente, suas atitudes não agradavam a todos e levantavam mal-entendidos e incompreensões (ARAÚJO, 2007).

Frida Vingren tinha uma grande capacidade de ensinar e pregar. Como muitas de suas cartas mostram, ela tinha um refinado senso literário, o que lhe proporcionou a possibilidade de colaborar com a nascente imprensa pentecostal. Entre outros, os três jornais editados pelas Assembleias de Deus até a definitiva saída dos Vingren do Brasil, o “Boa Semente”, o “Som Alegre” e o “Mensageiro da Paz”, além das “Lições Bíblicas”.

No Rio, Frida e família enfrentaram muitas dificuldades materiais, devida à insuficiência dos recursos financeiros para a manutenção daquela que estava se tornando a

72

maior obra missionária pentecostal no país. A crise financeira mundial de 1929 intensificou o problema. Relata em uma de suas cartas:

Queremos aqui expor a gratidão do nosso coração pelo sustento trimestral. Estávamos completamente sem recursos, sim, endividados, e não tínhamos como pagar as dívidas e o aluguel do mês de abril. Agora, podemos olhar para cima, para o Senhor, por tudo que é mais necessário. Durante os últimos meses, temos recebido menos recursos da América, pelo fato que um irmão, que antes sempre ofertava, tem quase parado por causa de seus problemas financeiros. Isso vale também pelo lado material da obra aqui na cidade (VINGREN, F., 1929, p. 310, tradução nossa).

Em fotografias da época, Frida Vingren aparece como uma das duas mulheres que participaram da Conferência de Natal de 193099, entre os missionários suecos e os pastores nacionais. Nas reuniões da conferência, um dos assuntos foi o trabalho possibilitado às mulheres, dentro das Assembleias de Deus. Esse assunto será mais amplamente tratado no próximo capítulo.

3.1.6 Breve panorâmica dos demais missionários suecos e sueco-americanos que trabalharam no Brasil nos anos de 1910 a 1930

Além dos oito missionários mencionados nos tópicos precedentes deste capítulo, mais vinte e oito missionários suecos ou sueco-americanos desembarcaram no Brasil, para ingressar nos trabalhos da missão pentecostal. Isso dá um total de trinta e quatro, dos quais quatorze homens e vinte mulheres. Entre estas últimas, oito vieram solteiras de seu país. São elas: Frida Strandberg, Anna Carlsson, Augusta Andersson, Ester Andersson, Ingrid Andersson, Elisabet Johansson, Nina Englund e Beda Palm.

Na tabela que segue, são listados os missionários e as missionárias suecas que chegaram ao Brasil entre os anos 1910 a 1930:

99 A outra parece ser Sara, a esposa de Daniel Berg, mas é de difícil confirmação.

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Ano Nome

Procedência

1910 Daniel Berg

1910 Gunnar Vingren

1914 Adina e Otto Nelson

1916 Lina e Samuel Nyström

1917 Frida Strandberg

1918 Signe e Joel Carlson

1921 Sara Berg

1921 Nels Julius Nelson

1921 Tora e Samuel Hedlund

1921 Anna Carlsson

1921 Augusta Andersson

1921 Ester Andersson

1921 Ingrid Andersson

1921 Elisabet Johansson

1922 Nina Englund

1922 Agnes e Simon Sjögren100

1922 Anna e Viktor Jansson

1923 Hedvig e Gustav Nordlund101

1924 Linnea e Simon Lundgren

1927 Beda Palm

1928 Eufrosyne e Nils Kastberg102

1928 Rosali e Algot Svensson

1930 Cecilia e Anders Johansson

EUA

EUA

EUA

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

EUA

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

EUA

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

Suécia

Fonte: Evangelii Härold

100 O casal Sjögren saiu para o Brasil no dia 24 de setembro de 1921, via New York, acompanhando Otto e Adina Nelson e chegando ao Pará no dia 7 de fevereiro de 1922 (NELSON, A.; NELSON, O.,1922, p. 99). Araújo (2007, p. 472) afirma que Simon e Agnes Sjögren chegaram ao Brasil no ano de 1921.

101 Araújo (2007, p. 472) chama Hedvig, a esposa de Gustav Nordlund, de Elisabeth e afirma que o casal sueco chegou às terras brasileiras no ano de 1924. Em carta publicada no Evangelii Härold, porém, o casal de missionários informa que, no dia 2 de fevereiro [de 1923], o navio atracou no Pará (NORDLUND, G.; NORDLUND, H., 1923, p. 269-270).

102Não são listados entre os missionários suecos por Araújo (2007, p. 472), mas em carta publicada na Suécia, o casal Kastberg comunica sua separação para a missão brasileira durante o culto da Filadélfia de Estocolmo do dia 20 de maio de 1928 e sua viagem marítima para o Brasil, saindo de Amsterdã na Holanda, que aconteceu no dia 23 de maio (KASTBERG, E.; KASTBERG, N., 1928, p. 409). Em Paixão (2011, p. 10, negrito nosso), podemos ler: “Se conferirmos uma fotografia do templo da AD de São Cristóvão no Rio de Janeiro, construído pelo missionário Nils Kastberg e inaugurado em 1938 [...]”, confirmando sua presença e atividade na missão sueca no Brasil.

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4 A INFLUÊNCIA SUECA NA IDENTIDADE DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL

As Assembleias de Deus no Brasil carregam, em seu DNA, duas matrizes principais: a matriz escandinava, especificamente a sueca, e a norte-americana. O contingente missionário pentecostal presente no país nas décadas de 1910 e 1920 era composto em grande maioria por nórdicos, inclusive os dois pioneiros. Essa composição fez com que a identidade da denominação fosse marcada, nestas duas primeiras décadas cruciais, pela influência do Movimento pentecostal da Suécia, o Pingströrelse, representado por sua personalidade mais importante, Lewi Pethrus, pastor da maior igreja livre da Suécia, a Filadélfia de Estocolmo. Através do engajamento missionário desta igreja, muitos dos traços característicos do avivamento pentecostal sueco foram reproduzidos na missão sueca no Brasil, sendo ainda hoje encontrados na denominação que surgiu de seu trabalho. Foi somente a começar da década de 1940, que as influências da segunda matriz, a americana, foram gradativamente se tornando mais perceptíveis.

4.1 AS ASSEMBLEIAS DE DEUS, UMA IGREJA DO POVO PARA O POVO

Comparada com as precedentes atividades missionárias protestantes estrangeiras no Brasil, a missão sueca quebrou os paradigmas então praticados. As missões das primeiras igrejas que chegaram ao Brasil eram substancialmente missões étnicas, de apoio às comunidades de imigrantes de origem norte-europeia presentes no país a partir do começo do século XIX. A liturgia desenvolveu-se nas respectivas línguas das comunidades de imigrantes. Nessas condições, a grande maioria da população brasileira, composta pela classe proletária e camponesa mergulhadas no analfabetismo, era impossibilitada, praticamente, de participar das reuniões. Estas igrejas eram percebidas com distância pelas pessoas que não pertencessem a determinado grupo étnico, “igrejas de estrangeiros” sem muita penetração no tecido social brasileiro.

A começar da metade do século XIX, chegou ao país um segundo grupo de denominações, composto pelas igrejas presbiteriana, metodista e batista, que começaram a

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evangelização das massas populares ligadas a e manipuladas pelas estruturas religiosas e culturais da religião oficial do então Império tropical, a Igreja Católica Romana. Essas igrejas tinham, geralmente, uma liderança de clérigos profissionais, que monopolizava as pregações e os demais aspectos litúrgicos e eclesiásticos. O povo inculto podia, substancialmente, somente aceitar as decisões dos líderes, não muito diferentemente de como acontecia na igreja Católica. As mudanças trazidas pela constituição positivista de 1891, com a, ao menos formalmente, laicização do Estado republicano, ofereceram uma abertura religiosa que proporcionou e favoreceu a inserção dos ideais pentecostais do começo do século XX no seio das igrejas protestantes tradicionais. Esse processo foi determinante, sobretudo, no seio da igreja batista, que era a igreja de procedência, nos EUA, dos dois pioneiros suecos, Berg e Vingren.

O primeiro missionário a começar uma atividade da vertente pentecostal no Brasil, todavia, foi um imigrante italiano nos EUA, Luigi Francescon. Procedente do círculo eclesiástico protagonizado por William H. Durham em Chicago e influenciado pela vertente teológica calvinista, se dedicou à evangelização, exclusiva, da comunidade italiana, fundando a Congregação Cristã no Brasil. Esta também, nas suas três primeiras décadas, operou como igreja étnica com liturgia em língua italiana. Por causa da difusão e importância dessa comunidade no contexto brasileiro, sobretudo no sudeste e no sul do país, essa igreja conseguiu satisfatoriamente fincar as raízes numa fatia maior da população.

Os suecos, notadamente os pioneiros Vingren e Berg, também de extração operária, quebraram esse paradigma, e se enveredaram na evangelização da região mais inóspita do país, a bacia amazônica, aproveitando os fluxos migratórios do fim do ciclo da borracha. Sua penetração era alicerçada na disposição para viver nas mesmas condições e falar a mesma língua do povo brasileiro, o português. Esse novo paradigma permitiu à missão sueca de se inserir amplamente na sociedade do Brasil da época, sobretudo entre as classes mais populares. Não mais era requerida uma educação teológica formal para participar da liturgia. Todos podiam pregar, testemunhar, orar, ler a Palavra. O crente podia se sentir, finalmente, protagonista do culto. Consoante ao espírito dos tempos, era uma revolução103: a religião nas mãos do povo e para o povo.

103 Na década de chegada dos pioneiros pentecostais suecos ao Brasil, no outubro do ano de 1917, Lenin dava início à revolução comunista na Rússia.

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Apesar de procederem dos EUA, para onde tinham imigrados no começo do século XX, os dois fundadores das Assembleias de Deus no Brasil, Daniel Berg e Gunnar Vingren, eram suecos. Como precedentemente visto, eles foram inicialmente ajudados pelas igrejas americanas, sobretudo da comunidade de imigrantes escandinavos. A partir de 1914, com a ida de Berg a seu país natal e o contato com Pethrus, então pastor da Igreja Filadélfia de Estocolmo, a influência das igrejas do Movimento pentecostal da Suécia foi aumentando, até se tornar preponderante na missão pentecostal no Brasil.

Intrínseca à sua nacionalidade nórdica, a compreensão missionária dos suecos, baseada na preparação informal dos obreiros, no autogoverno das igrejas, no evangelismo pessoal e numa escatologia iminente, influenciou muitos dos aspectos da identidade da denominação que nasceu de seu trabalho de evangelização e implantação de igrejas. Essa influência está presente, sobretudo, nas estratégias de evangelismo, na estrutura administrativa, na ação social, na imprensa, na compreensão do ministério da mulher, na teologia, no conceito de educação, entre outros. Estes são os temas que serão analisados neste capítulo.

4.1.1 As estratégias e os métodos de evangelização

É somente a partir da década de 1940, que o contingente de missionários americanos, até então alinhado com as diretrizes dos suecos, começa a se destacar na missão no Brasil, com sua ênfase na preparação teológica e ministerial formal de longa durada. Com um nível de instrução de muito superior à media dos brasileiros e disponibilidade de recursos financeiros, os missionários norte-americanos se dedicaram mais a organização de cruzadas e trabalhos evangelísticos de grande porte e, a partir da década de 1950, à expansão do ensino teológico, com a fundação de seminários bíblicos. Mídia de massa, como a radiodifusão, foram instrumentos muito usados por eles.

Poucas, porém, foram as igrejas por eles dirigidas ou fundadas (ARAÚJO, 2007). Poucos crentes experimentaram ser por eles pastoreados. De qualquer maneira, menos do que pelos suecos, grandes fundadores e pastores de igrejas em solo brasileiro. Pastoreio quer dizer contato pessoal, mentoria. Quer dizer hospedar, alimentar, muitas vezes não só espiritualmente, as ovelhas, cuidá-las e curá-las. Escrevia Frida Vingren sobre esse aspecto:

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Temos um cômodo na frente do templo, com telhado, mas aberto dum lado, onde as pessoas penduram as suas redes, e temos um lugar para isso também no quarto onde moramos. Quando são muitos, eles mesmos preparam a sua comida, e quando são poucos, comem junto conosco. São pobres, muitos nem têm roupa para vestir, e muitos chegam aqui doentes (VINGREN, F., 1919, p. 51, tradução nossa).

O pastor, afinal, acaba absorvendo o cheiro de ovelha. Isso fala de contato pessoal, de vivência horizontal. Quer dizer experimentar os sucessos e decepções da vida do rebanho. Quer dizer caminhar junto nas matas, comer farinha com peixe salgado, dormir no chão etc. A extração operária dos suecos permitiu-lhes maior proximidade no processo de evangelização. Estratégias de evangelismo baseadas, sobretudo, no contato pessoal, porta a porta, que permitiam conversar e a entrega de Bíblias e literatura e, a seguir, convidar as pessoas para o culto.

As técnicas de evangelização usadas pelas Assembleias de Deus no Brasil, que permitiram à denominação se tornar a maior do país, descendem, portanto, dessas estratégias de evangelismo colocadas em práticas pelos pioneiros da missão sueca no Brasil e seus cooperadores que trabalharam no país nas primeiras décadas da denominação. Vingren se dedicava principalmente ao trabalho missionário na capital do Estado. Frequentou um curso de língua portuguesa e tinha estudo formal como pastor, por isso se dedicou, principalmente, a pregação na cidade e ao cuidado pastoral, assumindo a liderança da nascente missão.

Berg, por sua constituição física mais resistente, assumiu a tarefa de evangelizar as margens do rio Amazonas e o interior do Pará, e ao longo da estrada de ferro Belém-Bragança. Ele aliou a prática da colportagem ao evangelismo pessoal. Para isso, carregava certa quantidade de Bíblias, folhetos e outra literatura evangélica, que eram geralmente vendidas para custear o sustento dos missionários e as despesas da viagem. Aproveitava toda abertura pessoal dos eventuais compradores para apresentar a mensagem evangelística, geralmente acompanhada de um convite a participar do culto marcado no lugar mais próximo.

Esse método mostrou sua eficácia ao permitir que, em quase todas as localidades visitadas, começassem a surgir pequenos grupos de crentes, os quais eram encarregados de continuar a obra de evangelização do lugar, espalhando a Evangelho e ganhando novos adeptos. Berg, sucessivamente e com a multiplicação dos pontos de culto, se dedicava à assistência pastoral, que ele proporcionava às diversas comunidades evangélicas durante suas

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viagens missionárias no barco, ao longo dos rios da bacia amazônica, de pé ou de trem, na região da selva e ao longo da ferrovia paraense (BERG, I., 1987).

Muitas foram, na Amazônia do começo do século XX, as dificuldades e privações enfrentadas pelos pioneiros em sua obra de evangelização. Fome, doenças, perigos eram situações do dia-a-dia dos pioneiros em um país estrangeiro. Provavelmente, sua extração operaria e sua precedente experiência como imigrados na América foi de fundamental importância para enfrentar positivamente a obra que (eles eram convencidos) Deus lhe confiara.

Geralmente, as camadas mais pobres e marginalizadas da população eram o alvo preferencial da obra de evangelização dos suecos e de seus colaboradores nacionais. Historicamente, estes segmentos sociais sempre foram os mais receptivos à mensagem do Evangelho. O contexto social, marcado pelas dificuldades econômicas do fim do ciclo da borracha favoreceu tanto a aceitação da mensagem, portadora de esperança e boas novas para os deserdados, como a dispersão geográfica da mesma. A mensagem foi carregada para muitos lugares do Brasil pelos trabalhadores de retorno as suas localidades de origem ou em busca de novas oportunidades de vida (ALENCAR, 2011). Estas estratégias, oriundas das técnicas de evangelização da missão sueca, permitiram que as Assembleias de Deus estivessem presentes em todos os mais longínquos redutos da sociedade brasileira e se tornassem a maior denominação pentecostal do país e do planeta.

4.1.2 O paradigma sueco na estrutura administrativa assembleiana

O primeiro nome sob o qual foram organizadas as igrejas oriundas do trabalho missionário dos dois pioneiros suecos no Brasil foi Missão da Fé Apostólica, por eles se reconhecerem como parte do avivamento que começou com Parham, em Topeka, EUA. Conforme os ideais deste, isso implicava na completa e total aversão a organizações que tomassem decisões referentes à direção da igreja local. Essas estruturas supra-eclesiásticas eram tidas como autoritárias e consideradas obstáculos à manifestação do Espírito Santo, em sua posição de direcionador da atividade do corpo de Cristo.

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Apesar de Berg e Vingren, sobretudo no começo, receberem algum apoio financeiro das igrejas dos EUA, estas nunca tiveram uma efetiva influência sobre as igrejas por eles fundadas no Brasil. Isso coaduna com a tendência de governo congregacional, típico da maioria dos segmentos denominacionais oriundos do avivamento pentecostal. Os ideais congregacionais marcaram, também, o Movimento pentecostal na Suécia, o Pingströrelse, baseado no modelo das igrejas livres, não submetidas a estruturas religiosas e/ou seculares, como a Igreja oficial do Estado, a Luterana. A defesa dessa independência da parte das igrejas pentecostais suecas comportou em perseguições, através de entraves jurídicos, financeiros, culturais e administrativos da parte do Estado sueco e da Igreja oficial, ao menos até o fim da década de 1920, como foi visto precedentemente no capítulo dois.

A concepção congregacional era, também, presente entre os batistas, a denominação de procedência dos dois pioneiros suecos e no meio da qual a missão pentecostal sueca no Brasil começou (MESQUITA, 1940 apud REILY, 1984). Conforme Araújo (2007), em volta do fim do ano 1914, o nome Assembléia de Deus, que acabara de ser adotado pelo Concílio nacional das igrejas pentecostais de maioria branca dos EUA, começou a ser usado pelas congregações da missão sueca em terras brasileiras. Strandberg (1917), em carta escrita em ocasião de sua chegada a Belém, no Pará, em julho de 1917, testemunhou sobre o uso do nome Assembléia de Deus.

Foi, porém, somente no dia 11 de janeiro de 1918, que uma pessoa jurídica com o nome Assembléia de Deus foi registrada no cartório da cidade de Belém, sob o número de ordem 131.448, sob o nome “Sociedade Evangélica Assembléia de Deus”, tendo como sócios fundadores Gunnar Vingren e Daniel Berg, e como co-administrador Samuel Nyström. Este, junto com sua esposa Lina, chegara ao Pará em 1916, enviado pela igreja de Lewi Pethrus, e cooperava com os dois pioneiros na expansão do trabalho nos estados amazônicos. A partir da viagem de Berg à Suécia, em 1914, os pioneiros tinham sido inscritos na secretaria de missões dessa igreja, a Filadélfia de Estocolmo, dirigida por Pethrus, começando a receber sustento regular para si mesmo e a obra no Brasil.

Naqueles anos na Suécia, a aversão do Pingströrelse104 às organizações formais impediu a existência de uma pessoa jurídica centralizada encarregada de assumir o patrimônio nos campos missionários, e o registro feito por Vingren no cartório em Belém parece ser uma estratégia para garantir a propriedade imobiliária dos templos e casas que iam sendo

104 Movimento pentecostal da Suécia.

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construídas com a ajuda recebida do exterior. Paixão (2011) realça a importância, nos termos do Estatuto da Sociedade, do nome de Nyström, emissário da Igreja Filadélfia de Estocolmo. Pethrus, no ano de 1917, já começava a se destacar como líder no panorama pentecostal de seu país, com aspirações de proeminência de facto no Movimento das igrejas suecas livres, e, provavelmente, inspirou a constituição da pessoa jurídica no Brasil, através de seu enviado, Nyström.

O teor do Estatuto recitava que, em caso de dissolução da sociedade, o patrimônio seria destinado a Vingren, Berg e Nyström ou seus sucessores. Foi um meio de garantir a propriedade dos imóveis, colocando-os fora do alcance de eventuais “lobos” (VINGREN, G., 1917b, p. 195, tradução nossa). Pelo fato de os missionários, mais e mais, se dedicarem à abertura de novos trabalhos e a dar assistência, num esforço de coordenação e expansão da missão, reservando para si a direção do trabalho a nível estadual, a partir da capital, as congregações abertas eram entregue, geralmente, a obreiros locais encarregados de dirigi-las na ausência dos missionários.

No ano precedente, muitas das acusações dos dirigentes das igrejas livres suecas, na conferência missionária de Kölingared na Suécia, contra a Svenska Fria Missionen105de A. P. Franklin eram indiretamente dirigidas contra as aspirações centralizadoras, dentro do Pingströrelse, do próprio Pethrus, idealizador desta organização missionária. Pethrus se livrou das acusações tirando seu apoio ao comitê diretivo da organização missionária e permitindo que esta fosse liquidada. Esses acontecimentos refletiram nas decisões tomadas na conferência de Natal, no ano de 1930.

Quatro anos antes, em 1926, a missão pentecostal sueca, sob direção de Gunnar Vingren, organizou uma conferência missionária internacional, com a presença dos missionários no Brasil, na Argentina e do dirigente da Svenska Fria Missionen, no Rio de Janeiro. Foi propositalmente organizada para tratar dos assuntos da estrutura missionária no Brasil. A partir da analise das cartas de Franklin e dos missionários que participaram, emerge uma substancial convergência de ideias dos participantes. Duas foram as questões principais tratadas:

105 Missão Sueca Livre.

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• a relação entre os missionários que foram enviados pelas igrejas americanas e os que vieram da Suécia, e sua respectiva posição ao interior da missão no Brasil;

• a propriedade jurídica do patrimônio da missão.

O primeiro ponto foi resolvido garantindo, a todos os missionários, igualdade e equiparação dentro da estrutura da missão:

Primeiramente, a respeito das relações dos missionários com a América, e dos americanos com a Suécia. Nessa questão, a decisão da conferência foi a seguinte: que os missionários suecos recebam suas recomendações da Suécia e os americanos da América, mas que, contemporaneamente, por causa da cooperação que já foi definida, os missionários suecos, que assim desejarem, possam ter seu nome inscrito na lista nominativa em inglês existente com o titulo “Missionaries in good standing”, e que os enviados da América possam ter seu nome colocado na lista nominativa sueca, sob o titulo “Missionários que cooperam com a Missão Sueca Livre”. Essa última qualificação parece oportuna também para os missionários que pertencem a diversas igrejas na Suécia e estão coligados com a Missão Sueca Livre (FRANKLIN, 1926a, p. 436, tradução nossa).

Era o ano de 1926. Por “missionários americanos”, entende-se, portanto, os suecos imigrados nos EUA e que deste país tinham vindo para o Brasil, como, por exemplo, Daniel Berg, Gunnar Vingren, Otto Nelson e Nels J. Nelson. Pode, porém, apontar para a definição da decisão da missão pentecostal sueca de permitir a colaboração de futuros missionários americanos no Brasil, a pacto de estes se inserirem na estrutura administrativa dos nórdicos, o que efetivamente aconteceu alguns anos mais tarde.

O segundo ponto, referente à garantia da propriedade dos imóveis da missão, era a questão crucial, que mais desafiava a compreensão missionária das igrejas livres da Suécia e os valores propagados pelo Movimento pentecostal sueco, oriundos dos ideais de W. Taylor, dominados pela “compreensão da igreja como radicalmente congregacional, autossustentável, autogovernada e autopropagadora” do Evangelho (BUNDY, 1997, p. 22, tradução nossa). Os missionários presentes e Franklin encontraram um acordo, que previa a utilização da Sociedade Evangélica Assembléia de Deus, fundada por Vingren, Berg e Nyström em 1918 em Belém, como pessoa jurídica responsável pelos imóveis no Brasil. Escrevera o chefe da Svenska Fria Missionen em relatório a seu país:

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Referentemente aos direitos de propriedade dos imóveis da missão, eu creio que uma solução especialmente boa foi alcançada, e que, para o futuro, vai poupar muitas dificuldades, tanto aos amigos da missão em casa, como aos missionários aqui. Desde o ano 1918, foi aqui constituída, pelos missionários, uma entidade jurídica, a Assembleia de Deus, com direito de administrar os imóveis. Essa instituição já está registrada, conforme as leis brasileiras. A conferência foi da opinião que alguns irmãos brasileiros sejam chamados a servir nessa associação, e que ela expanda sua atividade sobre todo o campo e, onde as igrejas ainda não estejam prontas para administrar o patrimônio, essa administradora tome conta. Isso vale também para as bases missionárias. Uma comissão foi nomeada para aperfeiçoar a questão e propor projetos para uma boa solução. Dessa maneira, a questão foi definida, assim os amigos da missão não precisam ficar preocupados de estar enviando seus recursos para as bases missionárias e as capelas e, possivelmente, arriscar que pessoas particulares possam se assenhorear do patrimônio e, talvez, manipular os crentes. Contemporaneamente, a Missão Sueca Livre e o Conselho Missionário em Chicago são exonerados de responder como proprietários, pelo que der ou vier, do patrimônio no Brasil. A respeito da cooperação entre Suécia e América, através disso, ela será significativamente facilitada, porque ninguém precisará falar “do meu e do teu”, mas da obra de Deus no Brasil. Aleluia! Isso facilitará a passagem do patrimônio, uma vez que estará disponível nas mãos dos brasileiros. As atuais propriedades particulares existentes atualmente no campo serão paulatinamente transferidas para a nomeada entidade (FRANKLIN, 1926, p. 436a, tradução nossa).

Pode-se notar, a partir dos termos deste acordo, a capacidade de visão de Franklin em relação à atuação de uma missão em país estrangeiro. Ele já previa a estratégia que seria utilizada, poucos anos depois, para entrega do patrimônio às igrejas locais e da direção do trabalho aos pastores nacionais, que aconteceu em ocasião da conferência de Natal, em setembro de 1930. Para isso, ele tentou resguardar a missão de eventuais cisões, querendo utilizar a sociedade constituída em Belém pelos pioneiros e encontrando a opinião favorável do contingente missionário sueco no Brasil.

Era uma solução particularmente vantajosa para ambos os lados. Franklin evitava a responsabilidade jurídica da Svenska Fria Missionen sobre o patrimônio no Brasil, conforme os ideais das igrejas livres na Suécia, e os missionários ficavam independentes em sua responsabilidade e direção da obra no Brasil. Em carta conjunta à Suécia, os missionários suecos confirmaram a satisfação pela solução encontrada:

Os missionários que assinaram embaixo, reunidos para a conferência no Rio de Janeiro, conversaram sobre a posição dos missionários no Brasil com a organização para a obra missionária, que foi instituída na Suécia com o nome de Missão Sueca Livre, e, na base do acordo alcançado em seguida à visita do irmão A. P. Franklin ao Brasil, depois de madura consideração e oração, têm feito o seguinte

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pronunciamento: Estamos alegres e agradecidos pela cooperação com os irmãos que servem a Deus na Missão Sueca Livre, e reconhecemos unanimemente a eles o direito de servir, na Suécia, aos interesses da missão no Brasil, no mesmo tempo que nós naturalmente desejamos manter nossa posição como missionários e membros nas respectivas denominações. Nossa carta à Missão Sueca Livre no ano passado foi motivada pela nossa compreensão de que a Missão Sueca Livre quisesse tomar uma posição de força na obra e que, através disso, chegasse a surgir uma sociedade missionária, e pelo fato que nós teríamos que voltar às condições das quais tínhamos partido. Nossa compreensão já tinha sido inserida no protocolo do encontro missionário na Filadélfia, em Estocolmo, nos dias 9 a 10 de dezembro de 1921, no qual está escrito que “a comissão deve estabelecer a organização do trabalho para os campos e deve dirigir o trabalho por lá”, e também que devia administrar o patrimônio. Essa questão podia ter provocado grandes dificuldades e divisões do lado dos brasileiros aqui. Mas, depois do irmão Franklin ter visionado o trabalho, explicou que nenhuma restrição deve ser colocada sobre a direção da atividade aqui no Brasil, e também que os imóveis que devem ser inscritos, sejam-no nas igrejas registradas sob o nome “Assembleia de Deus”. Nessas condições, estamos alegres e agradecidos por oferecer colaboração aos irmãos da Missão Sueca Livre. Referentemente aos irmãos da mesma preciosa fé nos Estados Unidos, que desde o começo tiveram uma grande participação nessa obra do Senhor, desejamos admiti-los nas mesmas condições. Exprimimos nossa gratidão a Deus e aos irmãos pela visita do irmão Franklin nesse país, que já tem sido uma grande benção e que esperamos continue a ser uma benção ainda maior para a causa da obra missionária aqui. Nosso desejo é de sermos continuamente carregados nos braços da oração e de sermos lembrados pelos irmãos na Suécia e na América, pelo tempo que estaremos empenhados pela salvação das almas no Brasil e pelo aperfeiçoamento do povo de Deus, até a volta do Senhor, e para aproveitarmos as muitas portas que agora estão abertas para o Evangelho nesse país. “Porque agora vivemos, se estais firmes no Senhor” (1Ts 3.8). “O amor de Cristo nos constrange”, e com esse amor que nos impele queremos continuar a trabalhar, até que Deus nos conceder a graça. Com fraternais saudações de paz! Rio de Janeiro, Brasil, dia 22 de julho de 1926. Samuel Nystrom, Otto Nelson, Gunnar Vingren, Joel Carlson, Gustav Nordlund, Simon Lundgren, Nels J. Nelson (NYSTRÖM, S. et al., 1926, p. 440, tradução nossa).

Nota-se a ausência da assinatura de Berg, que estava na Suécia para um período de repouso. Reforçava o sentimento de satisfação o casal Vingren:

Foi bom poder encontrar o querido irmão Franklin, no qual todos nós e a obra entendemos ter um amigo. Sim, na verdade, foi bom e precioso termos juntos conselho e conversar da grande causa missionária, e também chegar a um acordo em todas as questões. Gloria a Jesus! Assim, somos gratos ao Senhor por Ele ter tocado o irmão Franklin para fazer essa visita (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1926, p. 461, tradução nossa).

A questão é se realmente os missionários cumpriram os termos do acordo da conferência de 1926 no Rio de Janeiro, colocando os imóveis no nome da Sociedade Evangélica Assembléia de Deus e permitindo aos obreiros nacionais de participarem da direção da sociedade. Pode-se ter uma razoável certeza de que o patrimônio da maior e mais antiga igreja da missão sueca, a de Belém no Pará, estivesse registrado no nome da sociedade,

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que fora propositalmente constituída para esse fim específico, no ano de 1918. Referentemente aos outros campos, as informações disponíveis são escassas. Existe, porém, um relato do missionário Joel Carlson, do Pernambuco, ainda no ano de 1920, que permite uma suposição nesse sentido:

Posso adquirir uma boa casa por 3000 a 4000 coroas, o que seria muito melhor do que pagar 90 coroas ao mês, quer dizer 1080 ao ano, porque com três anos de aluguel poderíamos ter uma casa própria aqui, no meio do Brasil também. É uma sensação difícil quando o dia de pagar o aluguel está perto e, às vezes, não temos o dinheiro necessário. Seria melhor que tudo fosse da missão. Talvez, o Senhor quer nos dar uma casa aqui no Brasil central. Deus é poderoso (CARLSON, 1920, p. 14, negrito nosso, tradução nossa).

É possível, portanto, que Belém respondesse juridicamente pelo patrimônio imobiliário da missão sueca no Norte do Brasil. Araújo informa que:

[...] Samuel Nyström assumiu, em 21 de maio de 1924, o pastorado da igreja de Belém. Nessa ocasião, essa Assembléia de Deus liderava todos os Estados do Norte, Maranhão, Piauí, Ceará e a região nordeste do Mato Grosso (ARAÚJO, 2007, p. 510).

Parece, então, que a situação imobiliária já fora predisposta por Franklin e os missionários para a futura e previsível entrega às igrejas locais brasileiras. Essa estratégia era de conformidade com os ideais e o ethos do Movimento pentecostal sueco, como visto precedentemente. Segundo Pethrus, porém, em seu relatório à Suécia dos trabalhos da Conferência de Natal em 1930, essa pessoa jurídica somente atuou no Pará, e somente nos primeiros anos da missão de seu país no Brasil:

Durante os últimos anos, nós na Suécia temos sido ensinados sobre a necessidade de que a missão no Brasil deveria ser estruturada numa grande e comum organização. Os que têm levado adiante isso nos têm contado que essa organização tinha sua sede no Pará, e que desde o início era composta de somente três missionários, mas que depois se expandiu para englobar a obra missionária no inteiro Brasil. Também foi dito que essa organização seria a proprietária de um grande numero de bases missionárias. O contingente missionário reunido me pediu que, se eu puder, ao escrever sobre a missão no Brasil, na maneira mais resoluta possível refutasse todas essas afirmações e comunicasse aos amigos na Suécia como esta coisa na verdade se encontra. A situação é que, quando a primeira casa da igreja no Pará foi adquirida, três dos missionários constituíram uma sociedade conforme as leis, algo correspondente a uma secretaria de obras, para permitir à igreja do lugar possuir a

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casa, enquanto as condições não permitir registrar o imóvel no nome da igreja. Esse comitê foi somente subscrito para a congregação no Pará, e, portanto, tem servido somente uma única igreja. Quando A. P. Franklin, alguns anos atrás, visitou o Brasil, ele insistiu muito para que esse pequeno comitê de obras fosse expandido até se tornar uma organização que compreendesse a missão no inteiro Brasil. Mas esse projeto nunca foi realizado pelos missionários, pelo fato da suposta organização nunca ter existido. Assim, a conversa sobre a organização missionária brasileira é uma verdadeira história fantasiosa, para a qual se tem astutamente tomado como base o pequeno comitê de construção da igreja no Pará, para a história parecer verdadeira. Os missionários no Brasil estão, referentemente à questão da organização, completamente e totalmente na mesma situação das igrejas livres na Suécia. Eles expressaram unanimemente sua aprovação para o pensamento bíblico das igrejas livres, entre as quais, com certeza, uma cooperação espiritual e não organizada deve existir, mas sem uma organização formal e institucionalizada, pela qual eles agora estão sendo acusados de ter aprovado ou até praticado (PETHRUS, 1930b, p. 722-723).

Pode-se perceber um tom de ataque pessoal entre as linhas dessa carta de Pethrus, remontante aos acontecimentos do Franklinstriden106, e à pressão das decisões tomadas pelas igrejas pentecostais da Suécia na conferência missionária de Kölingared, em 1929, diante das quais Pethrus queria se justificar.

No Brasil, as reservas dos missionários suecos, referentemente à passagem da direção dos trabalhos, eram, provavelmente, relacionadas à preparação dos obreiros nacionais para o pastoreado. O pioneiro Vingren, considerado o líder da missão no Brasil, que viajou e trouxe Pethrus para uma tentativa de mediação na conferência de Natal, em 1930, não considerava a maioria dos dirigentes nacionais aptos para o pastoreado (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1929b). Ele era o único missionário pentecostal sueco no Brasil com curso formal de teologia de quatro anos. Não é de estranhar, portanto, que os parâmetros de seu padrão de avaliação ministerial fossem mais exigentes. Não se sabe a respeito da inserção de líderes nacionais no comitê administrativo da sociedade fundada em Belém.

De qualquer jeito, a realidade é que, com a aprovação dos suecos, o trabalho e o patrimônio foi entregue aos pastores nordestinos, conforme as decisões tomadas em Natal, sem maiores reticências da parte dos missionários e de Pethrus. Este considerava chegado o tempo para a mudança de liderança e queria blindar sua posição diante dos questionamentos de outros líderes do Movimento pentecostal na Suécia:

106 O “Conflito Franklin”.

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Quando essa questão foi colocada em discussão, eu tomei a palavra e me dirigi aos participantes, explicando que era tempo que as igrejas brasileiras e os obreiros nativos assumissem a direção e a responsabilidade pela obra nos estados setentrionais do país. [...] a missão deve ter como um de seus alvos preparar obreiros locais para que estes possam, o mais cedo possível, assumir a atividade. Através disso, os membros da igreja local são levados a ter um diferente senso de responsabilidade para com a obra, com um maior espírito de sacrifício [...] Durante a guerra mundial, mostrou-se que grandes dificuldades surgiram nos campos missionários, quando eles foram expulsos de seus campos de trabalho por serem cidadãos estrangeiros, deixando dessa maneira a obra sem direção e cuidado. Essas dificuldades poderiam ser evitadas ou ao menos amenizadas, se, no tempo certo, se tivesse tentado entregar os trabalhos aos obreiros locais. Portanto, desse ponto de vista a passagem de liderança é desejável. [...] essa passagem de direção, acima apresentada, fosse oportuna e que as igrejas e os obreiros locais estão prontos para tal passo. Foi também evidenciado pelos missionários que, referentemente aos locais de culto e às outras propriedades da missão, estes serão entregues às respectivas igrejas brasileiras sem algum custo, onde isso já não tenha acontecido, e que isso deve acontecer logo que for possível, para que a questão seja encerrada até o dia 1 de julho de 1931 (PETHRUS, 1930a, p. 708-709, tradução nossa).

A questão principal da crise entre os missionários suecos e os pastores nordestinos, portanto, não parece ser a do patrimônio imobiliário. Apesar de este estar na mão dos suecos, foi entregue sem custos. Ainda considerando que entregar a direção, mas não entregar os templos podia obstaculizar, e muito, os projetos dos dirigentes nacionais. Existe a possibilidade que a questão tivesse nuances mais radicais. Uma testemunha ocular daqueles acontecimentos, Ivar Vingren, o filho do pioneiro, nos dá algumas indicações:

Devido ao fato que a experiência dos pastores brasileiros tinha aumentado, surgiram atritos a respeito da liderança, tanto local como nacional. Agora, foi formulado o pedido que os missionários deixassem toda responsabilidade. Entre o grupo dos pastores, existiam duas opiniões. Uma parte pedia que os missionários, concomitantemente com a entrega dos trabalhos, deixassem o país. A crise se fez aguda e algo devia ser feito. Por isso, pastores e missionários concordaram em participar da conferência de Natal, em 1930 (VINGREN, I., 1994a, p. 74, tradução nossa).

Havia pastores que viam nos suecos uma ameaça à suas ambições de liderança e queriam, radicalmente, que sumissem do Brasil. Essa consideração pode explicar a necessidade de Gunnar Vingren e dos demais missionários de buscar a ajuda de Pethrus, cuja igreja era a maior mantenedora da missão sueca no Brasil. A radicalização foi confirmada pelo próprio Pethrus, que considerava "que, se não houvesse um entendimento, todo o trabalho seria dividido" (PETHRUS, 2004, p. 221).

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Nesse sentido, pode-se entender, entre as linhas da ata final das reuniões de Natal, a ênfase sobre o vínculo fraternal entre missionários e pastores e o desejo destes que aqueles continuassem, ainda que em outras regiões, no Brasil, num amoroso trabalho em conjunto. Foi uma obra prima de mediação e costura de Pethrus, que conseguiu abafar a crise. Os termos e o resultado do sigilo continuam ainda nos dias de hoje.

Naturalmente, a solução proposta pelo pastor da Filadélfia de Estocolmo foi a esperada pelos obreiros nacionais, que recebiam em suas mãos a liderança dos trabalhos mais desenvolvidos e antigos do país, como se pode perceber entre as linhas do relatório de Pethrus:

Quando a questão foi suficientemente exposta e ficou clara para os obreiros locais de que se tratava, a maioria deles foi tomada pela emoção. Eles não podiam entender, disseram, como os queridos missionários pudessem se separar deles e deixar as igrejas organizadas, os belos locais de culto e uma obra estabelecida aos obreiros nativos para ir para novos e não trabalhados campos. Mas eles entenderam que os missionários tomaram essa decisão por causa do amor a Jesus e aos seus compatriotas, e que da mesma maneira eles amariam os missionários. Eles não colocaram objeções, ao contrario, concordaram com o projeto dos missionários (PETHRUS, 1930a, p. 708-709, negrito nosso, tradução nossa).

Existem autores que consideram as decisões tomadas em Natal como a efetivação de um “golpe”, uma tomada à força da direção da obra no Norte e Nordeste pelos obreiros nacionais (ALENCAR, 2010). Bundy é, ao contrário, convencido que:

[...] Pethrus fez a histórica peregrinação à América do Sul, em 1930, para discutir os assuntos com os missionários por lá e, de maneira importante, informar os pastores brasileiros que suas igrejas não eram igrejas dependentes da missão, mas igrejas em posição igualitária às de Estocolmo, empoderadas pelo Espírito Santo para encontrar seu próprio ministério em seu próprio contexto. As igrejas suecas deviam ajudar, mas não dominar as igrejas brasileiras, e Pethrus evidenciou como o oposto fosse também verdadeiro, que as igrejas brasileiras podiam, também, se engajar na atividade missionária. Mais uma vez, o Evangelii Härold publicou os relatórios da viagem e os sermões pregados. Esta foi uma conclusão para a questão que poderia deixar Taylor e Barratt contentes, apesar do processo de solução, a respeito do qual eles não se sentiriam orgulhosos. O Pentecostalismo sueco tinha retornado às suas raízes teóricas (BUNDY, 1997, p. 16, tradução nossa).

O ethos das igrejas suecas livres sobrepujou os outros aspectos nas decisões da conferência de Natal. Os missionários suecos entregaram o trabalho no Norte e Nordeste e se

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dirigiram para o Sul do Brasil, onde a obra estava começando. Conforme o pedido dos pastores nacionais, os dois trabalhos continuaram unidos. A partir de Natal 1930, as Assembleias de Deus vem expandindo grandemente sua presença no território nacional, se tornando a maior denominação pentecostal do país. Sua estrutura administrativa é uma mistura do modelo congregacional com o episcopal. As influências suecas nesse sistema são inegáveis. Referentemente à influência do Movimento pentecostal sueco, deve-se considerar que:

Formou-se bastante precocemente certa cultura de liderança unitária nas igrejas pentecostais. O traço democrático não era, em muitas igrejas, tão significativo como a nível denominacional, onde os membros frequentemente se expressavam a favor ou contra os projetos que os dirigentes apresentavam. Os líderes das igrejas pentecostais, sobretudo os presidentes, tinham, em força de sua posição, uma autoridade que intimidava os membros na eventualidade que estes tivessem pontos de vista críticos aos projetos sobre os quais eles tinham que tomar uma posição. Muitos reagiram contra essa situação, mas, simplesmente, não ousaram se exprimir. Outros pensavam que o fato do assunto ter sido colocado em discussão pelos irmãos garantia que o projeto estivesse conforme a vontade de Deus. Ivar Ramström escreveu, no ano de 1947, que “é motivo de ação de graças, quando a situação dentro da igreja é tal que qualquer dos projetos planejados pelo ministério é recebido pela inteira assembleia com um amém de coração, sem nenhuma discussão ou contraproposta, que não sempre são muito úteis” (GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2010, p. 23 , tradução nossa).

Ribeiro (2006) descreveu o sistema da sociedade rural do período dos senhores dos engenhos de açucar, o sistema das fazendas, com sua elite praticando uma liderança de cunho caudilhista, no qual poder político, religioso e econômico se entrelaçavam, sobre o substrato étnico indígena, luso e africano, e cooperavam na construção de uma nova sociedade, brasileira e católica. Esta era uma herança do sistema das capitanias hereditárias, caracterizadas pela centralidade do chefe: homem, absoluto e vitalício (ALENCAR, 2010). O sistema unitário de liderança das igrejas pentecostais suecas, descrito acima, se amalgamou com a concepção da liderança coronelística das regiões do Nordeste. Essa simbiose deu origem ao sistema de liderança mais presente nas Assembleias de Deus no Brasil, descrito por Freston (1992) como conceito de liderança sueco-nordestino.

Na Assembleia de Deus no Brasil, as igrejas locais têm, geralmente, seus pastores filiados a uma convenção estadual, que tem poder de nomear e transferir os líderes das igrejas, sem previa consulta das assembleias dos membros da igreja local. Essas organizações

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estaduais confluem na Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, a CGADB107. Pode acontecer que, em vários estados, existam várias organizações estaduais, os assim chamados “ministérios”. Tratam-se, substancialmente, de reservas de território, ou, como os definiu Alencar (2010, p. 128), “reservas de mercados” impostas a outros trabalhos de missão, que passam a serem vistos como competidores na obra de evangelização e, sobretudo, de implantação de igrejas e arrebanhamento dos crentes. Neste aspecto, os suecos tinham traçado o caminho, impondo aos missionários americanos, que chegaram posteriormente aos nórdicos, restrições na América do sul.

Este sistema se difundiu, também, ao interior das Assembleias de Deus no Brasil. O melhor aluno dos suecos foi, nesse sentido, Paulo Leivas Macalão. Originário da classe alta, nacionalista e não disposto a se submeter aos suecos, estabeleceu seu próprio estilo e domínio. Para isso, fundou, inicialmente, sua obra de evangelização num bairro, o da Madureira, da então capital federal, Rio de Janeiro, obtendo um crescimento notável. Posteriormente, expandiu a atividade ao restante do país, sobretudo nas regiões sul, sudeste e no centro. Isso fez que seu ministério, as Assembleias de Deus de Madureira, chegasse a ter cerca de 30% dos membros a nível nacional de toda a denominação. A competição entre os lideres dos ministérios levou ao conflito de poder com os outros ministérios constituintes a CGADB, com a exclusão do ministério Madureira do rol de membros da convenção nacional, que aconteceu definitivamente no ano de 1988.

O poder de escolha da liderança local, delegado aos líderes das convenções estaduais, substancialmente com poderes de “bispos”, deu origem a muitas lideranças familiares, nas quais o cargo bispal é passado aos descendentes. Atualmente, em muitos casos, a denominação transformou-se numa substancial dominação dos “bispos” e seus afiliados sobre a massa dos fieis, incentivados a abandonar qualquer posição crítica à liderança (READ, 1967 apud ALENCAR, 2010). Essa prática implica no surgimento de personalidades investidas de fama e poder sobrenatural, supostamente derivado da “unção divina” sobre a pessoa do líder, que se torna mais importante do que a mesma organização. Aliás, este é favorecido pelo ethos congregacional, vital para o Pingströrelse108, que aborrecia eventuais organizações fiscalizadoras acima da igreja local. Nesse sentido:

107 Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, que reúne os ministérios ligados à e/ou originados a partir da missão sueca.

108 Movimento pentecostal da Suécia.

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O ministério pastoral relaciona-se ao trabalho religioso prestado à comunidade. Por meio da socialização, as crenças e as práticas sugeridas pelo agente religioso ou sacerdote são incorporadas pelo grupo. Tornar-se um agente religioso é tornar-se dominante de um conjunto de esquemas de pensamento e de ação referentes ao sagrado (BANDINI, 2009, p. 14).

É um retorno à fase carismática, onde a figura do líder é tudo para todos (WEBER, 2009). Em muitos casos, nas Assembleias de Deus a institucionalização não é consequência do desaparecimento do líder, antes, este convive com a nascente instituição, personificando-a, por meio da autoridade mística à qual ele reivindica seu cargo, e dominado-a no nível administrativo, financeiro, religioso e humano (ALENCAR, 2010). No líder assembleiano, em geral, a figura do profeta não dá lugar à do sacerdote. As duas encontram-se juntas na mesma pessoa. Esse paradigma espelha, atualmente, a maioria das lideranças da denominação.

4.1.3 Os modelos da imprensa assembleiana

A começar de novembro de 1917, foram publicadas duas edições do jornal “Voz da Verdade”, editadas pelos brasileiros Almeida Sobrinho e João Trigueiro da Silva. No janeiro do ano seguinte, Vingren iniciou a publicar o “Boa Semente”, então órgão oficial da igreja de Belém, Pará, contando com a colaboração de Nyström. Já no Rio de Janeiro, no ano de 1929, Vingren começou a publicação do “Som Alegre”, em colaboração com sua esposa Frida, com fins evangelísticos e apologéticos. Os modelos encontravam-se no jornal pentecostal sueco-americano de A. A. Holmgren “Sanningens Vittne”109 ((VINGREN, G., 1916b), e, na Suécia, no “Brudgummens Röst”110, no “Månadskriften”111 e no “Evangelii Härold”112, este segundo fundado por Pethrus, em 1916, para ser o órgão oficial da Igreja Filadélfia de Estocolmo e para servir o Movimento pentecostal do país, e que já publicara diversas cartas e relatórios dos missionários suecos do Brasil.

O “Boa Semente” e o “Som Alegre” foram publicados paralelamente até a decisão tomada na conferência de Natal de 1930, quando foi decidida a supressão de ambos e a

109 Testemunha da Verdade.

110 A Voz do Noivo.

111 O Escrito Mensal.

112 Arauto do Evangelho.

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constituição de um novo e único órgão oficial das Assembleias de Deus no Brasil, o jornal “Mensageiro da Paz”, no Rio de Janeiro, publicado até o dia de hoje. Envolvido no trabalho de redação do “Boa Semente”, Nyström muito se esforçou, durante sua gestão em Belém, para potenciar a abrangência e capacidade produtiva da tipografia que servia a igreja do Pará, em colaboração com Nels J. Nelson. Em carta à Suécia, comunicou:

A primeira viagem que fiz, foi até as ilhas, onde eu visitei as igrejas durante um mês. Na mesma ocasião, comprei uma nova maquina para imprimir com material. Depois, passei quatorze dias em casa, no Pará, e organizei dois números do nosso jornal. [...] Cheguei a casa bem a tempo para o Natal e, então, foi completamente submerso pelo trabalho, porque a edição do jornal estava atrasada por causa da minha ausência e eu percebi a necessidade de imprimir os textos da escola dominical junto com o texto do jornal, e então comecei essa tarefa também, e trabalhei todos os dias e uma grande parte das noites também para isso, e foi somente pela graça de Deus que não sucumbi. Na mesma ocasião, uma prensa foi colocada a venda por um preço barato, assim a comprei e nossa pequena gráfica foi aumentada, podendo agora trabalhar com folga. Custou, com uma pequena casa incluída no negócio, menos de 2000 coroas suecas (NYSTRÖM, L.; NYSTRÖM, S., 1924, p. 340, tradução nossa).

As aquisições de material tipográfico permitiram a Nyström a publicação de uma gama de literatura, como lições bíblicas, opúsculos, panfletos, calendários e hinários, além do jornal. Esse trabalho, junto a sua liderança na obra no Pará, o campo maior e mais antigo, colocou as bases para a reputação de ensinador e doutrinador de Nyström nas Assembleias de Deus, tornando-o o natural substituto de Vingren na liderança da missão sueca no Brasil.

4.1.4 A herança sueca na ação social

A ação social foi outra iniciativa do contingente sueco. O modelo era a obra de engajamento social do Movimento pentecostal sueco e, em particular, da Igreja Filadélfia de Estocolmo, a capital do país nórdico, que mantinha a assim chamada “räddningsmission”113, um conjunto de ações sociais para a população necessitada e marginalizada. Alimentação para os desempregados, abrigo noturno e nos invernos para os desabrigados, assistência medica às faixa de baixa renda, recolhimento de crianças órfãs ou abandonadas, acolhimento dos imigrados das zonas rurais etc.

Essas iniciativas proporcionaram sentimentos de pertencimento às pessoas que deixaram seus lares no interior, sobretudo durante a depressão econômica de 1929, e

113 Missão de resgate.

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permitiram ao Movimento pentecostal na Suécia de adquirir aceitação dentro da sociedade. A missão sueca no Brasil seguiu esse exemplo, se dedicando às obras de assistência social. A maioria das pessoas alcançadas pela mensagem pentecostal nas primeiras duas décadas do século XX eram de extração social baixa ou muito baixa. Muitos eram analfabetos. O fim do ciclo da borracha deixou muitos trabalhadores desempregados. Era comum que as bases missionárias abrigassem pessoas doentes, pobres e sem meios de sustento (VINGREN, F., 1919).

Primeiramente, a igreja de Belém, impulsionada por Nyström, em colaboração com Nels J. Nelson, fundou alguns entes caritativos, como a Caixa mortuária, a Caixa Beneficente e a Caixa das viúvas. Uma das mais impactantes pragas sociais era o abandono de criança, comum nas cidades brasileiras. Os missionários tentaram, apesar da exiguidade dos recursos que recebiam, amenizar o problema com iniciativas várias, como, por exemplo, Joel Carlson, no Recife:

Estamos preparando a roupa para vestir um grupo de crianças. A pobreza é grande e as pobres crianças órfãs perambulam pelas ruas, sem ter uma casa nem um abrigo. Temos conduzido a missão de resgate desse jeito, vestindo as que precisam de roupa e dando farinha, feijão e arroz para as famintas etc. É comovente a alegria com a qual elas manifestam sua gratidão (CARLSON, 1922, p. 99, tradução nossa).

Carlson começou a atividade no final do ano de 1922, com cinco ou seis crianças abandonadas, recolhendo-as num orfanato. Contava com a colaboração das missionárias que vieram solteiras da Suécia, entre elas Ester e Augusta Andersson, Elisabeth Johansson, Anna Carlson. Em 21 de março de 1927, esse orfanato hospedava dezoito crianças (JOHANSSON, E.; ANDERSSON, A., 1927).

A assistência aos casais não casados no âmbito civil, para que pudessem regularizar sua situação, era outro campo de atuação da missão, como relatado pelas missionárias no Pernambuco:

Um casamento custa, geralmente, 20 ou 25 coroas e essa é uma grande quantia para os irmãos e irmãs pobres, que frequentemente têm uma multidão de crianças para cuidar. Agora, não são menos de que três, os casais aos quais tivemos que negar o batismo, até que eles sejam regularmente casados. Quando os outros sete desceram ao rio, esses ficaram a distancia, chorando amargamente. Se alguém sentir a direção de Deus para ajudar esses irmãos e irmãs com recursos, então não demore, mas envie o que puder! (ANDERSSON, I., 1927, p. 590, tradução nossa).

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Muitos dos recursos financeiros iniciais empregados nas obras de assistência social levadas adiante pela missão pentecostal sueca vieram da Escandinávia, apesar da Suécia não ter, naqueles anos, a desenvolvida economia de hoje. O espírito do wellfare state114 fez e ainda faz parte dos ideais social-democráticos dos países escandinavos, e influenciou os protagonistas da missão pentecostal no Brasil, passando à cotidianidade das atividades das igrejas que dela descenderam. Apesar de que alguns setores da denominação sejam propensos a um discurso platônico, referentemente à missão da Igreja Cristã, as Assembleias de Deus no Brasil são hoje protagonistas de uma ampla variedade de iniciativas sociais, a nível local, regional e nacional.

4.1.5 A influência sueca na compreensão do ministério da mulher

Um dos traços peculiares do avivamento pentecostal, desde seu surgimento nos EUA, era a marcante presença feminina. Agnes Ozman foi a primeira a receber o batismo no Espírito na escola bíblica de Parham. A pastora Lucy Farrow foi uma das protagonistas dos acontecimentos na Azuza Street. O Movimento na Suécia herdou essa característica. Samuelsson (1997 apud SWANDE, 2010)), é da opinião que a grande presença feminina no Movimento dependia da ênfase na compreensão carismática, que dava às mulheres um novo status, não relegado somente ao lar. O entendimento de que o Espírito seria derramado sobre “filhos e filhas” permitia-lhes profetizar, testemunhar, pregar e ensinar. As possibilidades abertas às mulheres, de pregar e testemunhar em lugares fechados aos homens, favoreceram a expansão do Movimento (NILSSON, 1996 apud SWANDE, 2010).

Na Suécia, a igreja Filadélfia, no começo da década de 1920, contava com uma membresia composta por cerca de 80% pelo sexo feminino, a maioria mulheres solteiras (GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2010). Essa proporção, porém, não se refletia na liderança eclesiástica. Dos 103 signatários da declaração de Kölingared de 1919, que reuniu as lideranças das igrejas pentecostais e espelhava os ideais do nascente Pingströrelse115, somente cinco eram mulheres.

A interpretação literal dos textos bíblicos, influência da corrente fundamentalista e conservadora, via a mulher e, consequentemente, sua posição e possibilidade de trabalho, como “diferentes”, por causa dos dons e capacidades que Deus teria infundido nas pessoas de sexo feminino. Uma das causas predominantes para o desenvolvimento desta hermenêutica

114 Estado do bem-estar.

115 Movimento pentecostal da Suécia.

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conservadora se encontra na influência recebida dos movimentos batistas fundamentalistas dos EUA, em lugar da influência das denominações mais evangélicas e carismáticas, como, por exemplo, as Assemblies of God americanas (NILSSON, 1996 apud SWANDE, 2010). Esta denominação ordenou pastoras precocemente em sua história.

Esse entendimento teológico foi ratificado pela conferencia de Berlim, no ano de 1917, cujos ideais programáticos foram transcritos, na Suécia, no livro Pingstväckelsens riktlinjer116. Suas diretrizes referentes à posição da mulher seriam, sucessivamente, um dos modelos das decisões que foram tomadas sobre o assunto em Natal, no ano de 1930. Para maior facilidade, são reproduzidos aqui os parágrafos da obra acima citada que recitam a respeito da questão feminina na igreja:

Aqui não é lugar para tratar principalmente da questão do trabalho das irmãs. Desejamos somente expressar nossa convicção que, para a edificação da igreja, uma peculiar tarefa tem sido destinada às irmãs, através das Escrituras que tocam a respeito de seu gênero. Queremos lembrar aqui, de muitas maneiras, a respeito dos falsos entendimentos que penetraram no Cristianismo. De um lado, os homens têm limitado, por muito tempo, o serviço da mulher na igreja, restringindo sua vocação somente ao ambiente familiar. Pois que um excesso chama o outro, do outro lado não têm faltado tentativas de equipar, dentro da igreja, o trabalho das irmãs com o dos irmãos. Ambos esses extremos são não naturais e antibíblicos. Possa, portanto, o Espírito Santo nos dar as oportunas diretrizes que foram propriamente definidas para o sexo feminino e, contemporaneamente, deixar que a multiforme vocação para o serviço no Evangelho, “a obra do Senhor”, possa se tornar plenamente em benção para o corpo de Cristo. De qualquer jeito, não queremos errar a respeito do abençoado trabalho feminino, que santas irmãs desempenham, nesse tempo, entre nós. Nós, porém, refletimos sobre as seguintes passagens bíblicas: Lc 8.1-3; Mc 15.41; 16.7-11; Jo 26.17,18; Ap 1.14; 9.36-41; 18.26; 21.8-9; 1 Co 11.1a; 14.34, 35; Rm 16.1-4, 6, 12; 1 Tim. 2.8a; 5.3a; Tt 2.3-5; Êx 15: 20, 21; Jz 4 e 5. Considerando esses textos, pode-se ver que grande tarefa as nossas irmãs receberam para a edificação da igreja de Deus na terra. De que forma o trabalho das irmãs deva ser efetuado, em todas as ocasiões, em referimento as diretrizes dadas, uma vez por todas, pelo Espírito Santo, o Senhor há de mostrar à sua igreja através da unção em varias circunstâncias (PINGSTVÄCKELSENS RIKTLINJER, 2009, p. 53-54, tradução nossa).

A ideia de que Deus tivesse dado à mulher capacidades e dons diferentes dos que deu ao homem gerou o conceito do “Genuskontrakt117”, que estabelecia tarefas e vocações diferentes para os dois sexos, tanto no âmbito secular e familiar, como no ambiente eclesiástico (HIRDMAN, 2003 apud SWANDE 2010). No ano de 1923, a Suécia concedeu a maioridade jurídica e política às mulheres. Isso reverberou num aumento de oportunidade para o sexo feminino na sociedade sueca, que provocou sentimentos de medo na população

116 Diretrizes do Avivamento pentecostal.

117 “Contrato de gêneros”, em sueco.

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masculina, sobretudo na classe operária, que era a base majoritária da membresia masculina das igrejas pentecostais.

A mudança colocava no mercado do trabalho um enorme contingente de possíveis e temidas concorrentes. Esses sentimentos se traduziram, dentro do Movimento pentecostal sueco, numa aversão da parte dos pastores e líderes conservadores à expansão do trabalho das mulheres na igreja. A possibilidade dos homens de perder sua influência como cabeça da mulher os levou a valorizar, dentro do âmbito eclesiástico, as posições conservadoras (SWANDE, 2010).

Confrontando o desenvolvimento da sociedade sueca pelas reformas que possibilitaram às mulheres se tornar independentes e em posição igualitária aos homens, com a posição dos líderes eclesiásticos conservadores, então se pode entender o tamanho da revolução social. Na tentativa de serem bíblicas e conservar a “ordem natural”, a lideranças masculinas se opuseram a equiparação dos sexos nas igrejas. Existia, todavia, quem refletisse sobre a posição e vocação das mulheres, dentro do Movimento pentecostal e nas igrejas. As dificuldades vinham do fato que foram os homens que se encarregaram de interpretar a questão, influenciados por seus pressupostos patriarcais e sem a mediação de uma hermenêutica que pudesse corrigir eventuais interpretações erradas, advindas da leitura literal da Bíblia.

A atuação pública da mulher só era aceita em casos de absoluta necessidade, ficando, pelo restante, restrita ao ambiente familiar. Tudo isso foi reforçado pela separação do Pentecostalismo do contexto social, que produziu uma estagnação na teologia e na questão feminina A única abertura em relação à posição das mulheres dentro do Movimento pentecostal sueco houve na igreja de Örebro, dirigida por John Ongman. Esta, porém foi sobrepujada precocemente pela influência de Lewi Pethrus e sua igreja, a Filadélfia de Estocolmo, a nível nacional.

O Movimento pentecostal sueco, então, cristalizou com características sectárias e uma forte liderança nacional, com Pethrus á sua frente, que, no debate entre os anos de 1925 a 1930, sancionou os ideais conservadores, de que a mulher é dependente do homem e deve a este submissão. Somente no ano de 1995 é que foi ordenada a primeira pastora dentro do Movimento pentecostal na Suécia. Essa compreensão a respeito da questão feminina se

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reproduziu, sucessivamente e através da missão sueca, nas Assembleias de Deus no Brasil (SWANDE, 2010).

Como visto no capitulo três, a componente feminina era majoritária no contingente missionário pentecostal sueco no Brasil, representada pelas esposas dos missionários e pelas missionárias solteiras. Todas elas se dedicaram ativamente à obra missionária. Acompanhavam, por exemplo, o casal Berg no barco na evangelização ao longo do rio Amazonas, sem se escusar, antes enfrentando as dificuldades da região (ANDERSSON, I., 1922). Participavam de viagem de evangelização no interior dos Estados, como Elisabeth Johansson, que fazia dupla com Lily Johnson, uma missionária inglesa que se juntou por um tempo ao contingente sueco (JOHANSSON, E., 1922).

Elas abriram trabalhos e começaram igrejas, como testificava Anna Carlson em carta:

As irmãs Ingrid e Ester Andersson estão, desde o começo de outubro, no Ceará, um estado longe em direção sul. O Senhor as tem maravilhosamente ajudado e, agora, elas têm uma casa, com um salão para os cultos. Possa o Senhor abençoá-las ricamente na obra (CARLSON, A., 1923, p. 56, tradução nossa).

Muitas mulheres, dentro da missão no Brasil, se entregaram à obra eclesiástica com todas suas forças (VINGREN, I., 1994a). Praticamente, enfrentavam os mesmos desafios que seus colegas masculinos. Como nos outros campos da missão do Movimento pentecostal sueco ao redor do planeta, desempenhavam o mesmo trabalho dos missionários (SWANDE, 2010). Não todas se sentiam chamadas para ser simplesmente dona do lar e ajudar seus maridos. Segundo Bandini:

A lógica social da ideologia dominante assumida pelas instituições religiosas reforça a noção de "ordem eterna da natureza" (HUBBARD, 1999) ao identificar como vontade divina uma "vocação específica" para as mulheres: o cuidado com a família. Neste sentido, o 'enovelamento' das categorias sociais (gênero, idade, classe, raça e estado civil) permite evidenciar os diferentes modos de subjetivação e de sujeição a que as mulheres pentecostais estão submetidas (BANDINI, 2009, p. 1).

Entre as que lutaram para quebrar esse paradigma conservador restritivo, estava Frida Vingren. Era uma mulher de inteligência superior, com curso universitário, decidida e resoluta, dotada de acentuada capacidade literária e musical, e de uma oratória invejável. Com

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as frequentes viagens e doenças do marido, Frida se esmerava na direção dos trabalhos na igreja, pregando e pastoreando. A firmeza de suas atitudes, porém, não agradava a todos (ARAÚJO, 2007). Adina Nelson era uma exîmia pregadora e frequentemente ensinava na igreja dirigida pelo marido, além de efetuar viagens evangelísticas, Ester Andersson e Beda Palm eram fundadoras de igrejas, e as missionárias solteiras no Pernambuco dirigiam um orfanato (VINGREN, I., 1994).

Não todos os colegas viam favoravelmente essa liberdade. Existia uma divisão na direção da missão sueca no Brasil a respeito do trabalho permitido as missionárias. Escrevia Ingrid Andersson logo antes da conferência de Natal:

Nós irmãs temos nos visto constrangidas a nos retirar de todas as atividades, exceto as domesticas. É difícil, mas o Senhor nos tem sustentado e permitido, durante esses tempos, participar de sua obra em muitas maneiras (ANDERSSON, I., 1930 apud VINGREN, I., 1994a, p. 80, tradução nossa).

Gunnar Vingren era a favor de um amplo ministério feminino, Samuel Nyström era contrário. O pioneiro, na convivência cotidiana com sua esposa, podia ver nela a capacitação de uma verdadeira missionária e pastora, completamente dedicada á vocação ministerial. Vingren era, portanto, favorável ao pastoreado feminino. Fortalece essa afirmação o pastoreado de facto que sua esposa Frida estava exercendo. A contingência da situação, à luz da piora das condições de saúde do Gunnar, e a abrangência da responsabilidade deste em referimento à missão sueca, em seu papel de coordenador nacional, rendia necessária uma maior presença e envolvimento ministerial de sua esposa.

Vingren, por isso, via as mulheres como perfeitamente capacitadas para assumir todos os cargos eclesiásticos. Coerentemente com sua posição sobre os dons ministeriais femininos, ele foi o primeiro missionário sueco (e único) a separar para o Evangelho uma mulher evangelista:

Um casal de evangelistas, marido e mulher, foram separados, e também outro irmão. Os primeiros tinham assumido a atividade num novo lugar e, com um ano de tempo, uma igreja com duzentos membros surgiu no lugar. Ambos trabalham. Cada um deles tem um cavalo e, às vezes, rodeiam até montanhas para testemunhar do Senhor. A esposa foi a primeira mulher brasileira separada para o Evangelho. Não podemos deixar de lembrar uma Ceia tão maravilhosa, como aquela em que

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aconteceu a separação desses obreiros. Foi uma maravilhosa decisão do Espírito. O poder de Deus caiu, alguns riam, outros choravam, outros ainda caíram debaixo do poder de Deus. Sim, nunca vimos algo parecido no Rio de Janeiro. É bom, quando o Espírito Santo pode agir como Ele quiser. Alguns crêem que o Espírito Santo vai se conformar com a tradição de seus pais, mas é errado (VINGREN, G., 1929b, p. 615-617, tradução nossa).

Percebe-se, pela dinâmica das palavras dessa carta, que foi uma formal consagração ministerial, e não simplesmente uma assunção de facto do cargo, pelo fato de ser esposa de um evangelista. Essa compreensão é reforçada pelas críticas que o sueco endereçou aos que querem que o Espírito Santo se conforme, em suas decisões, com a tradição de seus pais (a linha conservadora). Isso indica uma ruptura com o paradigma então vigente (até o dia de hoje), que via somente os homens destinados aos cargos ministeriais formais. Infelizmente, ele não cita o nome da evangelista em sua carta. Não parece se referir, porém, a “Emília Costa”, separada “para diaconisa, a única que ocupou esse cargo na igreja” nos ministérios ligados à CGADB e consagrada por Vingren à sua chegada ao Rio, provavelmente em 1925” (CONDE, 1960a, p. 229).

Otto Nelson concordava com a concepção do pioneiro. Em carta a Paul Ongman118, respondeu às reticências deste sobre o ministério feminino:

Pode ser que tenhais essa compreensão na teoria, mas não na prática, porque se a tivésseis não enviaríeis irmãs solteiras para o campo missionário, pois acontece frequentemente [...] que as irmãs fiquem sozinhas nas bases missionárias para trabalhar segundo a graça que Deus lhes deu, e o Senhor abençoa o trabalho delas, mas se, então, elas não deveriam ensinar os crentes ou se ocupar com a direção, como deveria ser? (NELSON, O., 1930 apud VINGREN, I., 1994a, p. 80-81, tradução nossa).

Percebe-se um teor pessoal na sua declaração acima. Como já mostrado, a esposa dele, Adina, dirigia cultos e doutrinava os membros. Samuel Nyström, enviado por Pethrus ao campo missionário, ao contrário, refletia exatamente a compreensão deste e do Pingströrelse, o Movimento Pentecostal na Suécia, referentemente ao ministério feminino.

O assunto foi um dos temas debatidos na conferência de Natal, em setembro de 1930. Pethrus propôs um estudo escriturístico para dirimir a questão. Em seu relatório à Filadélfia, informou:

118 Era filho de John Ongman, da igreja Filadélfia de Örebro.

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Durante os últimos tempos, um assunto referente à participação da mulher na atividade ministerial pública tem levantado algumas diferências de opinião entre nossos amigos no Brasil. Depois de um período de estudo na Bíblia sobre essa questão, todos chegaram a uma geral compreensão nesse problema. O protocolo, escrito por um evangelista local, exprime de maneira concisa a decisão que foi tomada nesse assunto, conforme o seguinte: “Uma moção foi proposta para que se tomasse uma decisão a respeito do trabalho que as mulheres são permitidas de desempenhar em suas igrejas. Os participantes decidiram que as irmãs têm direito de participar do trabalho de evangelização, pregando sobre Jesus e Sua salvação, e também a fazer pregações que contenham ensinos, se for necessário. Ao contrário, foi decidido que o dever da mulher não é ter a função do doutrinador e pastor da igreja, mas que naturalmente podem ser feitas exceções a essa, como outras regras, conforme a Bíblia nos dá exemplo (Mt 12.3-8). Isso especialmente em lugares onde faltar um irmão apto a ser dirigente e ensinador” (PETHRUS, 1930b, p.722-723, tradução nossa).

Desde então, a diretriz de Natal 1930 sobre o trabalho permitido às mulheres dentro da denominação tem sido mantida até hoje. Do ponto de vista sociológico, o matrimônio, em muitos casos, elimina a autonomia pessoal da mulher em favor da unidade familiar e das aspirações do marido à carreira pastoral, influenciando diretamente a mobilidade social, a consolidação do status e a posição das esposas pentecostais no âmbito ministerial e na sociedade. Geralmente, nas Assembleias de Deus a esposa do obreiro pode exercer alguma atividade desde que não tenha problemas em sua vida conjugal e que seja submissa ao esposo. O primeiro campo ministerial das mulheres é considerado ser o espaço doméstico. A aprovação nesse âmbito permite a atividade feminina no campo religioso (BANDINI, 2009).

A posição de Pethrus e do Pingströrelse119 influenciou diretamente, através da missão sueca no Brasil, a compreensão das Assembleias de Deus sobre o assunto do ministério feminino. Uma opinião negativa da mulher como pregadora, pastora e ensinadora tem sobrevivido na grande maioria dos ambientes pentecostais brasileiros, operando para que fosse comumente difícil para uma mulher no Brasil exercer um papel diretivo nas igrejas. Elas têm majoritariamente se dedicadas às atividades das escolas bíblicas dominicais, aos orfanatos, ao trabalho social, ao louvor e aos círculos de oração, entre outros (VINGREN, I., 1994a).

119 Movimento Pentecostal da Suécia.

100

4.1.6 A influência da missão sueca na teologia das Assembleias de Deus

As Assembleias de Deus esposam, quase que em maneira generalizada, uma teologia pentecostal fundamentalista baseada numa hermenêutica literalista da Bíblia que, paradoxalmente, permitiu interpretações alegóricas dos textos.

Araújo (2007) é da opinião que a identidade teológica das Assembleias de Deus teve a influência direta e exclusiva dos escandinavos desde sua fundação até a década de 1940, sendo eles soberanos na orientação doutrinária. Junto aos ensinos nas igrejas, o meio privilegiado de difusão das doutrinas pentecostais era a imprensa, com os jornais Boa Semente, Som Alegre, e as lições bíblicas. Os suecos monopolizavam os artigos e comentários publicados, cuidadosamente fiscalizando o teor dos poucos artigos de obreiros nacionais ou norte-americanos que aparecem nas publicações da época. É indicativa, nesse sentido, a declaração de Nyström em uma de suas cartas à Suécia:

A gráfica me dá um pouco de trabalho; tenho dois cooperadores fixos. O jornal (o texto para a escola dominical está sendo autorizado agora para a impressão, porque o tempo não permite fazer uma edição aprofundada dos textos para a escola dominical, mas tenho que fazer uma forma mais fácil desses textos, como fazemos na Suécia), a impressão de tratados e outros escritos menores, tudo precisa ser lido por mim, para correção, porque não tenho nenhuma pessoa competente à qual confiar esse trabalho. O cuidado pastoral, numa igreja com cerca de 1.000 membros, fora as viagens e a supervisão das muitas igrejas, cujos obreiros nativos esperam por conselhos e direção. Além disso, a publicação de livros, bíblias, hinários e outros livros de teor espiritual (NYSTRÖM, S., 1925a, p. 17, tradução nossa).

A ênfase pentecostal, importada do Movimento pentecostal da Suécia, gira em volta da contemporaneidade dos dons do Espírito, do batismo no Espírito Santo, com evidência do falar em línguas, das curas divinas (VINGREN, F.; VINGREN, G., 1925c, p. 32). Vingren, que foi o único missionário sueco das primeiras duas décadas a ter formal educação ministerial de quatro anos, condensou sua compreensão teológica na expressão “Evangelho pleno”, em carta à Suécia:

[...] pude assim me alegrar em Jesus junto com aqueles simples filhos de Deus que não se deixaram contagiar pela ilusão russelliana120. Eu acho que aqueles que têm vivido Jesus de perto são os mesmos que creram nas velhas verdades bíblicas: não somente na deidade de Cristo, mas também no inferno eterno, não esquecendo o

120 Charles Taze Russell, americano, foi o fundador das Testemunhas de Jeová. Sua doutrina apresenta a Jesus Cristo como um ser criado, e não como o próprio Deus Eterno e Criador, e ao Espírito Santo como uma força impessoal, e não como a terceira pessoa da Trindade.

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batismo espiritual, o falar em línguas, a profecia e sua expressão em línguas, e da cura física mediante a oração, etc., em uma palavra o Evangelho pleno. Vi mais que, onde a plena verdade é exposta, lá opera Deus com os sinais que acompanham. Sim, pelo poder de sinais e maravilhas (VINGREN, 1916b, p. 11, tradução nossa).

O dispensacionalismo e o darbynismo pré-milenista121 eram e ainda são os paradigmas mais presentes na escatologia assembleiana brasileira122. A volta de Jesus era tida como iminente. Isso impulsionava os crentes pentecostais à conquista das “almas123”, antes da porta da graça se fechar. Cristo não era visto, em sua volta, como Senhor e Juiz, implantador do reino de Deus em sua definitiva plenitude, mas como o Noivo celestial que vem arrebatar sua noiva, a Igreja, para levá-la às bodas do Cordeiro, no céu. Escrevia o casal Vingren (1922, p. 138-139), aludindo ao arrebatamento da igreja: “[...] a alegre mensagem de que Jesus morreu por causa de nossos pecados e ressurgiu para nos justificar, e que Ele está voltando para levar os que o amarem na hora de sua vinda.” Novamente, com alusão ao tribunal de Cristo, depois do arrebatamento e antes das bodas do Cordeiro: “Logo, o dia de trabalho se finda e Jesus volta para levar para casa os seus. Então, os galardões serão distribuídos, segundo a fidelidade com a qual temos servido ao Senhor Jesus” (VINGREN, F.: VINGREN, G., 1923, p. 285).

Nyström foi o primeiro a ensinar sobre o dispensacionalismo na missão do Brasil. Para isso, ele viajava pelo país, muito requisitado para dar estudos bíblicos (ARAÚJO, 2007). Fora ele que organizara a primeira escola bíblica para obreiros nacionais em Belém, no ano de 1922. Nyström e Gunnar Vingren foram os dois maiores ensinadores da missão nos anos de 1910 a 1930, mas outros missionários suecos também se revezavam no ensino doutrinário, entre eles Joel Carlson, Otto Nelson, Nils Kastberg e Nels J. Nelson. Os suecos não estavam muito preocupados com a sistematização da teologia pentecostal. Privilegiavam a compreensão prática das doutrinas fundamentais pelos membros e obreiros, e o aspecto apologético, frente aos ataques e invectivas das igrejas tradicionais contra as doutrinas da denominação.

A maioria dos ensinos vertia em volta das doutrinas da salvação pela graça, da justificação pela fé e da santificação. Esta última era particularmente prezada, e os crentes

121 John Nelson Darby, inglês (1800-1882), um dos mestres dos Irmãos de Plymouth, teórico da doutrina chamada dispensacionalismo. Ensinava que Deus se relacionou, durante seis períodos da história, chamadas dispensações, com a humanidade através de alianças diferentes, e que haverá uma aliança futura durante o período do reinado de Cristo na terra, o milênio. Rejeitava o propósito vicário da obediência de Cristo e sua justiça imputada aos crentes. Na academia, é considerada teologia popular.

122 Ao contrário, depois das primeiras décadas de existência da denominação, as Assemblies of God americanas têm rejeitado essas crenças e não mais ensinam essas doutrinas (ARAÚJO, 2007).

123 Clara influência da filosofia pagã grega, especialmente do platonismo.

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eram incentivados a se separarem de toda atividade considerada mundana. Neste aspecto, as influências do Puritanismo e dos movimentos wesleyano e Holiness são patentes. A ênfase nesse conceito da santificação levou precocemente as Assembleias de Deus a um discurso permeado de platonismo, que via o engajamento do crente na sociedade como algo antibíblico. Em fundo, não valia a pena, na compreensão dos missionários suecos, arriscar de se contaminar com práticas consideradas mundanas, à luz de que a iminente volta de Jesus ia desencadeiar, breve, o fim dessa sociedade corrupta, perversa e perseguidora.

Referentemente à salvação, o arminianismo124 foi o conceito aceito no Movimento pentecostal do país nórdico, revertendo na missão sueca no Brasil e nas igrejas por elas fundadas. Foi somente depois do ano de 1930, que apareceu na denominação uma vertente do calvinismo125, que deu origem à Assembleia de Cristo, na região nordestina, numa cisão liderada pelo obreiro nacional Manoel Hygino de Souza.

À luz de todos estes fatos, pode-se dizer que a identidade teológica assembleiana das primeiras duas décadas de sua história tem uma profunda e indelével marca escandinava, fruto da influência quase que exclusiva dos missionários suecos no Brasil.

4.1.7 As marcas do Pingströrelse no conceito assembleiano de educação

O conceito da educação nas Assembleias de Deus no Brasil foi fortemente influenciado pela concepção do Pingströrelse126 da Suécia sobre o assunto, tanto no âmbito secular como teológico. Como visto precedentemente, o avivamento pentecostal na Suécia se expandiu, majoritariamente, na classe operária, com poucas pessoas que possuíam uma educação formal de nível universitário (GÄRESKOG; GÄRESKOG, 2010). A educação secular era vista como uma possibilidade de ascensão social e, em modo ambivalente, como uma ameaça, por, supostamente, gerar um orgulho que podia impedir a comunhão dos membros e a operação do Espírito.

124 Derivado do nome de Jacopus Arminius, teólogo protestante holandês do século XVII. Pregava que a salvação é fruto da cooperação entre vontade humana e a divina, num conceito chamado de sinergismo.

125 Doutrina derivada dos ensinos de Jean Calvin (Calvino), que afirmava que a salvação dependia somente do decreto soberano e incondicional de Deus, e não da vontade humana. Chamado também de monergismo, encontra-se difundida, sobretudo, na igreja presbiteriana.

126 Movimento pentecostal da Suécia.

103

No começo do Movimento na Suécia, a resistência dos pentecostais contra instituições denominacionais organizadas impulsionou o surgimento de grupos de oração nas casas e, sucessivamente, em outros locais. Geralmente, essas “igrejas livres” ofereciam estudos bíblicos ou missionários, que duravam dois ou três dias, com reuniões três vezes ao dia, da durada de duas horas. As pessoas que chegavam para essas reuniões, algumas vindas de grandes distâncias, sobretudo no vasto e pouco povoado Norrland127, eram hospedadas em estruturas provisórias e precárias. Muitos tinham que dormir em colchões colocados no chão. Existiam, porém, privilégios hierárquicos: os pregadores podiam, mas não sempre, dispor de uma cama para seu descanso (OSKARSSON, 2007).

Durante a década de 1920, os evangelistas pentecostais que corriam a Suécia, muitos deles provenientes do movimento Holiness sueco, participavam, ao menos uma vez por ano, de uma escola bíblica de quatro semanas. Eram escolas ideológicas, onde os participantes recebiam uma base de fé comum e compartilhavam relacionamentos e amizades. O número dos alunos era, geralmente, entre quinze e trinta. Algumas igrejas pentecostais maiores começaram a se interessar a essas escolas, em Estocolmo, Göteborg, Malmö e outras cidades no sul do país. A Filadélfia de Estocolmo, que Lewi Pethrus pastoreava, começou seu interesse nesse campo no ano de 1917.

Eram os pastores das igrejas que, geralmente, se improvisam professores desses cursos bíblicos. Alguns se transformavam em professores itinerantes. As igrejas ofereciam, em muitos casos, uma mediação extra-oficial: quem quisesse um evangelista para sua cidade ou região, entrava em contato com os responsáveis das igrejas que apoiavam determinada escola bíblica. O posterior surgimento das “semanas bíblicas” ofereceu aos membros comuns das igrejas a possibilidade de participarem das reuniões, para as quais algum “irmão capacitado para ensinar a Palavra” era chamado (OSKARSSON, 2007, p. 51, tradução nossa).

A participação podia alcançar entre cem e duzentos crentes. As semanas bíblicas eram, também, um meio de alcançar as pessoas externas ao Movimento pentecostal. À noite, eram celebrados, portanto, cultos públicos, nos quais as pessoas podiam pedir oração por suas famílias, por curas e por batismo no Espírito. No julho de 1922, Rikard Fris instalou seu Instituto Bíblico em Högsby, nos arredores de Estocolmo. Era uma escola de alguns meses para pregadores e missionários. As igrejas do Movimento pentecostal entendiam que os

127 Região da Suécia, próxima ao circulo polar ártico. Era a região natal de Frida Vingren.

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pregadores e evangelistas deviam ser simplesmente bons ganhadores de almas, influenciados por uma escatologia que enfatizava a iminente volta de Jesus.

Esses modelos educativos foram transmitidos à atividade da missão pentecostal sueca no Brasil. Apesar do pioneiro Vingren ter uma regular formação teológica e ministerial, nunca houve interesse da parte dos missionários suecos para uma educação teológica de longo curso. O primeiro Instituto Bíblico da denominação seria fundado somente no ano de 1958, pelos missionários João e Dorris Kolenda, provenientes dos EUA.

Apoiada na crença dispensacionalista da iminência da volta de Cristo para arrebatar sua noiva, a Igreja, a educação secular não tinha grande apelo para os crentes da denominação. Concorria para reforçar essa visão o fato de que a grande maioria dos Pentecostais da primeira geração, nas décadas de 1910 e 1920, era de extração camponesa e operária e via a educação formal como exclusiva e classista. Para essa massa proletária, excluída da maioria dos benefícios sociais, a educação era uma ferramenta de reprodução e manutenção da elite dominante, perseguidora e exploradora, tanto no plano secular como eclesiástico.

A missão sueca reproduziu integralmente no Brasil o paradigma educativo próprio do Movimento pentecostal nórdico. No agosto de 1911, logo depois da saída da denominação batista, foi organizada a escola dominical, ainda hoje o único momento educativo teológico para os membros de muitas Assembleias. As primeiras lições impressas para a escola dominical foram publicadas no ano de 1919, no jornal Boa Semente (ARAÚJO, 2007).

A preparação teológica e ministerial dos cooperadores nacionais era realizada através das escolas bíblicas para obreiros. A primeira da qual se tenha notícia foi realizada entre os meses de março e abril de 1922, em Belém do Pará. Belém era a mais antiga e maior igreja da missão sueca da época e tinha a responsabilidade dos outros campos no território brasileiro. Em Belém, estava a sede da missão, onde ficavam Vingren e Nyström, os líderes nacionais da obra. Vingren passou todo o ano de 1922 na Suécia. A organização da escola bíblica foi, portanto, uma iniciativa de Nyström, que assumiu a tarefa de ensinador (NYSTRÖM, S., 1922).

A segunda escola bíblica para obreiros aconteceu no ano de 1924, em Belém, com a presença de Vingren, antes de sua definitiva mudança para o Rio de Janeiro. Participaram dela obreiros dos trabalhos paraense, cearense e potiguar. Vingren organizaria, sucessivamente, a

105

primeira escola bíblica da igreja no Rio de Janeiro, de 5 a 11 de agosto de 1926. Esse modelo educativo para formação e atualização dos obreiros, o das escolas bíblicas semanais e de breve durada, ideado por Nyström e derivado do padrão da Suécia, ainda hoje é praticado pela denominação ao redor do Brasil, permanecendo um marco da influência sueca na identidade das Assembleias de Deus.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maioria dos membros das Assembleias de Deus no Brasil não teria alguma dificuldade a defender a idéia que o surgimento e a expansão da denominação fora e está sendo uma obra de Deus. Estes crentes têm por causa e matriz de sua identidade religiosa a vontade do Espírito Santo, e por modelo a "igreja primitiva", como apresentada no livro de Atos dos Apóstolos. Para muitos de fora da denominação, entre as igrejas tradicionais, ela foi e/ou é uma obra do diabo. O mundo secular e relativista a vê, entretanto, como mais um movimento de fanatismo religioso.

Deixando de lado as implicações espirituais, a análise científica da questão mostra que as Assembleias de Deus têm apresentado, ao longo de mais de cem anos de história, duas matrizes principais que influenciaram a construção de sua identidade: a escandinava e a norte-americana. Essa pesquisa socio-historiográfica evidenciou que, durante as duas primeiras e cruciais décadas de existência da denominação, a influência escandinava, particularmente a sueca, foi praticamente exclusiva e determinante na formação do ethos das Assembleias de Deus no Brasil. Os paradigmas elitários das missões protestantes estrangeiras presentes em solo brasileiro foram substituídos pelo projeto simples e popular dos missionários pentecostais suecos: viver e falar como o povo, para levar o Evangelho, sobretudo, aos pobres do povo.

Nesse projeto, ou, como alguém afirmou, "acidente" (ALENCAR, 2010, p. 156), os modelos nórdicos, presentes no Pingströrelse128 da Suécia, foram reproduzidos quase que integralmente na obra deste no Brasil, através da missão pentecostal sueca. O corpo missionário sueco foi o veículo privilegiado pelo qual o ethos do Movimento Pentecostal do Reino dos Sveas129 foi transmitido e reproduzido no produto de seu trabalho no maior país da América Latina, as Assembleias de Deus no Brasil.

Evidenciou-se, também, que os ideais do ethos pentecostal sueco foram mediados e, ao menos parcialmente, adaptados pelo contexto social, cultural, religioso e econômico brasileiro. O agente mais importante dessa reformulação foi o corpo dos obreiros nordestinos que foram preparados pelos suecos e cooperaram com estes nos trabalhos nas regiões,

128 Movimento pentecostal da Suécia.

129 Tradução literal de Sverige, Suécia em língua sueca.

107

sobretudo, do Norte e Nordeste. Eles assumiram a direção da obra no ano de 1930, graças às decisões tomadas na conferência de Natal, mas trabalharam lado a lado com os escandinavos desde, praticamente, o começo da missão.

O resultado desse processo de construção da identidade assembleiana, em parte forçoso e em parte forçado, talvez não tenha agradado inteiramente aos missionários nórdicos. A síntese dos ideais suecos e nordestinos, todavia, sinergizou os esforços missionários do Movimento das igrejas livres da Suécia. Esse processo permitiu à obra missionária pentecostal no Brasil de se tornar o maior e mais importante campo de atuação do Pingströrelse130 fora de seu país.

Pode-se afirmar, portanto, que a identidade assembleiana, peculiar e persistente ao longo de um século de história, tem suas raízes no processo de amalgamação da influência sueca e do ethos nordestino, que aconteceu especialmente durante os anos de 1910 a 1930 (FRESTON, 1992). Essa identidade hibrida permitiu às Assembleias de Deus de se tornar a maior denominação pentecostal do planeta.

Soli Deo gloria.

130 Movimento pentecostal da Suécia.

108

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