A INFÂNCIA DEFINHA QUANDO MATAMOS AS FADAS
Por Jedida Melo | 20/07/2018 | PsicologiaFrancimar Costa
Introdução
Este artigo é resultado de uma revisão literária sobre o brincar, inserido na leitura da sociedade contemporânea. Aborda ainda as ferramentas digitais substituindo a questão lúdica e criativa bem como a postura dos pais na atualidade.
Desenvolvimento
A infância é o período da vida até a puberdade, esta chega em torno dos 12 anos, logo é uma estação intensa. Compreende ainda o período de formação da personalidade. Época da criação do alicerce socioemocional. Todos os conteúdos vividos durante esta etapa serão anexados na formação da pessoa.
Como esta fase tem sido vivida na contemporaneidade? Como estão as necessidades infantis?
Hoje vivemos uma avalanche de afazeres, pais ocupados em produzir para receber e investir, crianças assoberbadas em um numero cada vez maior de atividades para a manha dá o retorno do investimento. E a infância roubada será ressarcida? Qual o impacto desta questão no adolescente? Preparamos para o futuro destruindo o agora, projeta-se o que não se teve e que não se é em quem está se construindo, logo, furtamos a possibilidade de uma identidade livre. O brincar, que está relacionado apenas com a formação e elaboração da criança, pois não é apenas uma atividade de lazer por também frustrar, é sequestrado e substituído pelo: inglês, ginastica, balé, kumon, murakami, e também outros.
Cury 2003 “Bons pais procuram dar o mundo exterior para seus filhos, pais brilhantes procuram dar seu próprio mundo para eles.”
Ao final de uma jornada exaustiva de trabalho como ficará o tempo empregado no bem afetivo que são os filhos? As leituras, contação de histórias, brincadeiras tem espaço frente ao cansaço e ao celular?
Há preocupação com menores abandonados nas ruas e orfanatos, mas existe um número maior ainda de abandonados afetivos, crianças com moradias singelas, genitores, escola, alimentação, vestuário; com grife e luxo, casas bem aparelhadas com empregadas e babás, mas sem lar, vazias de pais, uma fábrica de mendigos emocionais, realidade que independe da classe social.
Parimos bebês e criamos adultos, abafamos a primavera onde as cores e o perfume das flores trazem prazer e alegria, em nome de um futuro que é apenas projeto, pois ao chegar, se dilui no presente, é uma violência silenciosa.
De acordo com GUTFREIND 2014 “Na contemporaneidade, as fadas estão sendo mortas cedo demais, já não há tanta latência, período de elaboração entre a infância e a puberdade. As próprias crianças deveriam calar as fadas quando achassem que é a hora. “Os conteúdos inseridos de forma precoce fazem os contos serem sem graça, os príncipes saem da fantasia e viram realidade, a puberdade teima em chegar cada vez mais cedo.”
Luiz Gonzaga na música Xote das meninas canta: “... toda menina quando enjoa da boneca é sinal de que o amor já chegou no coração” (1953). Nossas meninas hoje, raramente brincam de bonecas, as mesmas foram trocadas pelo celular, ipad,iphone, Instagram, Facebook; as antigas cantigas de roda substituída por FANK E HAPPY de conteúdo e movimento sexual e violento. Os saltos, a maquiagem e a progressiva chegam antes da puberdade.
Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, publicada no jornal do Estado de São Paulo, em maio de 2018, são 220 milhões de celulares no Brasil, já há mais de um smartphone ativo por habitante, até junho terá 306 milhões de dispositivos portáteis como notebook, tablets e celulares. Significa a pesquisa que, dos lares mais simples aos mais abastados, o produto digital é popular. Mesmo numa era de tanto lazer na tecnologia, temos uma geração muito triste, frágil diante das frustrações, jovens e crianças inteligentes, mas emocionalmente não suportam a rejeição a frustração, Insatisfação, preferem à morte. Há uma intoxicação digital matando o processo criativo, sem as telas vem a abstinência, irritação, tédio, a inquietação, ansiedade e tristeza.
Freud coloca que, os contos populares são fundamentais para a criança por trazer representações. Assim trazia o Sítio do Pica Pau Amarelo de Monteiro Lobato, transportava a criança para o mundo imaginário, recheada de significados, com o bem e mal em lados opostos bem definidos, dando um banho de ética, elaborando medos, trazendo o alimento como afeto através da vovó Benta e a tia Anastácia, fábulas riquíssimas que hoje simplesmente não daria audiência podendo cair no ridículo com a inversão de valores vivida.
Para VYGOTSKY 1998 “A criação de situações imaginárias na brincadeira surge da tensão entre o indivíduo e a sociedade, a brincadeira libera a criança das amarras da realidade imediata, dando-lhe oportunidade para controlar uma situação existente, a realização das tendências que não podem ser imediatamente satisfeitas, portanto promove o desenvolvimento infantil”.
As brincadeiras de mãe e filho, de casinha, comidinhas estão relacionadas com as fantasias Edípicas, o desejo expresso é traduzido no concreto, a criança representa nos papéis e se relaciona com o significado a ele atribuído.
O mundo de faz-de-conta, organiza o caos interno, expõe a conflitiva para elaborar.A ferramenta brincar, auxilia no processo de desenvolvimento do pensamento e expressão dos significados. A brincadeira faz parte do processo pedagógico emocional. O desenvolvimento humano é um processo mutável, marcado por ciclos diferentes e que poder ser determinados pelas atividades mediadoras como a brincadeira.
Considerações finais
A infância é o período mais importante da construção do sujeito, estação da semeadura, o cuidado, o afeto são ingredientes necessários à saúde mental e para tal é indispensável o equilíbrio. A diferença entre o remédio e o veneno está na dose. A tecnologia tem papel importante na evolução, na aprendizagem, mas em excesso traz prejuízo na interação social, no processo de criação e na alimentação afetiva.
O distanciamento dos genitores, seja qual for justificativa, está provocando uma geração com uma parcela de crianças órfãs de pais vivos.
As crianças serão amanhã nosso patrimônio, eles servirão enquanto profissionais a nós que estaremos idosos. Desta forma terão um mundo interno caótico, suas crianças interiores feridas, indefesas, desamparadas. Esta será a realidade se nada for feito, transformado, a infância pede socorro.
Bibliografia
CURY,AUGUSTO. Pais Brilhantes,Professores Fascinantes. Rio De Janeiro: Sextante 2003.
GUTFRIENO,CELSO. A Infância Através Do Espelho;A Criança No Adulto, A Literatura Na Psicanálise. Porto Alegre 2014 Artmed.
JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO 19/04/2018 MARIANA LIMA.
TIBA,IÇAMI. Conversas Com Içami Tiba:Volume 3. São Paulo:Integrare Editora, 2008.
VYGOTSKY L. A Formação Social Da Mente. São Paulo 1998 Martins Fontes.
WINNICOTT, D.W. A Família E O Desenvolvimento Individual/ D.W. Winnicott. São Paulo:Martins Fontes 1993.
Psicóloga Clínica,Especialista em Saúde Mental,Mestranda em Educação com Ênfase em Saúde – FICS