A inconstitucionalidade do foro privilegiado

Por Rafael Barros Metzker | 12/11/2011 | Direito

                        O presente artigo tem por objetivo analisar instituto do foro privilegiado adotado pelo Brasil, em determinados casos, em que certas pessoas têm prerrogativas para não serem julgadas no juízo de primeira instância, mas sim em tribunais.

                        Atualmente, a quantidade de processos que congestionam os tribunais superiores devido à prerrogativa de foro, demonstra a com meridiana clareza, a necessidade de ser declarado inconstitucional esse instituto no Poder Judiciário Brasileiro.

                        Com efeito, o foro privilegiado tem como sucedâneo a discriminação de cidadãos que, segundo a CF deveriam ser iguais perante a lei e consiste, ainda, no estimulo a impunidade.

                        Diante disso, com base nas argumentações abaixo, o presente artigo traz a baila diversos argumentos contrários ao foro privilegiado e questiona os motivos que essa questão ainda não foi modificada no nosso país.

                        Primeiramente, cumpre destacar, que nossa Constituição Federal traz em seu art. 5º, um dos mais importantes princípios fundamentais, que é o da igualdade. Diante dessa previsão constitucional, teoricamente, todos seriam iguais e, assim, caso qualquer cidadão não cumpra as leis do nosso ordenamento, todos deveriam ser julgados pelos mesmos juízes, sem qualquer privilégio.

                        Entretanto, a própria Constituição Federal, fez questão de impor exceções a esse principio fundamental, à medida que estabeleceu o foro especial para analise e julgamento de autoridades, sob o argumento de proteger o exercício da função.

                        A titulo exemplificativo, o art. 102, I, “b”, da nossa Carta Maior, estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da Republica, o Vice- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o Procurador Geral da Republica.

                        Ora, nesse ponto, peço analisarem o fato de que na composição do nosso Supremo Tribunal Federal, não existe concurso públicos ou até mesmo promoção por merecimento, pois de fato nossos ministros da Corte Suprema são escolhidos pelo próprio Presidente da Republica e, posteriormente, apenas poderá ser investido na função depois de sabatinado no Congresso Nacional.

                        Com efeito, se não fosse trágico, seria sem dúvida alguma cômico, tendo em vista que esse sistema de composição da Corte gera a incoerência de que o ministro escolhido julgará quem o indicou e, ao mesmo tempo, o aprovou. Assim, questiona-se, existe alguma imparcialidade desse juiz na hora do julgamento? A sociedade brasileira espera que sim.

                        Entretanto, afastando o posicionamento pessoal acima descrito, a justificativa que se encontra para a criação desse instituto é que o julgamento pelo Supremo das pessoas subscritas não consiste em um privilégio pessoal, que atente contra o principio da igualdade, haja vista que a finalidade é proteger o mandato dessas autoridades, ou seja, a prerrogativa é inerente a função e não a pessoa.

                        Ocorre que, no Brasil, na verdade, o foro privilegiado decorre de manobras dos legisladores para proteger determinados cidadãos, no momento em que estes agem contra as regras do País e cometem ilícitos penais. Isso se comprova ainda mais pelo levantamento realizado pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), o qual concluiu o seguinte:

Apenas 4,6% das ações penais abertas no Supremo Tribunal Federal desde 1998 foram julgadas. No caso do Superior Tribunal de Justiça, o índice é ainda menor: 2,2%. Dos 130 processos já recebidos pela mais alta corte brasileira, seis foram concluídos. Todos terminaram em absolvição dos réus. Treze prescreveram antes de ir a julgamento. No STJ, das 483 ações penais ajuizadas no mesmo período, 16 foram julgadas. Houve condenação em cinco casos e absolvição em 11. Do total, 71 ações prescreveram antes do julgamento. Os processos listados no levantamento são investigações contra parlamentares, ministros e governadores, que têm direito ao foro privilegiado, previsto na Constituição.(Levantamento realizado pela AMB)

 

                        Nesse sentido, importante destacar ainda, que o ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, em recente entrevista a Revista Veja, declarou que: “O foro privilegiado foi uma esperteza que os políticos conceberam para se proteger. Um escudo para que as acusações formuladas contra eles jamais tenham consequências”.

                        Ainda na mesma entrevista, o ministro Joaquim Barbosa ainda corroborou sua posição contrária ao foro privilegiado afirmando que: “a criação do foro privilegiado foi uma aposta que se fez na impossibilidade de os tribunais superiores levarem a bom termo um processo judicial complexo. Pense bem: um tribunal em que cada um dos seus componentes tem 10 mil casos para decidir, e cuja composição plenária julga questões que envolvem direitos e interesses diretos dos cidadãos, pode se dedicar às minúcias características de um processo criminal? Não é a vocação de uma corte constitucional. Isso foi feito de maneira proposital.”

                        Por fim, o Ministro ainda faz uma comparação com o sistema norte americano em que qualquer cidadão é julgado pelos mesmo órgãos, até mesmo quando se trata do Presidente, senão vejamos: “O foro privilegiado, como o nome já diz, reflete bem essa distinção cruel que não deveria existir. Uma vez eu chamei atenção para isso aqui no plenário do tribunal. Você se lembra quando o presidente Bill Clinton foi inquirido pelo Grand Jury? O que é um Grand Jury nos Estados Unidos? Nada mais que um órgão de primeira instância, composto de pessoas do povo. Era o presidente dos Estados Unidos comparecendo perante esse júri, falando sob juramento, sem privilégio algum. O homem mais poderoso do planeta submetendo-se às mesmas leis que punem o cidadão comum. O foro privilegiado é a racionalização da impunidade.

                        Diante desse brilhante posicionamento do Ministro Joaquim Barbosa, lúcido e coerente com os princípios do nosso ordenamento jurídico, é certo que não se pode ter um Estado Democrático de Direito que não observe o principio da igualdade. Ressalta-se que nesse aspecto, como já dito anteriormente, a nossa Carta Magna pecou ao instituir o foro privilegiado, pois este não apenas majoram as desigualdades sociais, mas, de fato, impõe um quadro social caótico, no qual quem tem poder politico e financeiro estão imunes ao Poder Judiciário e, como bem disse o Ministro, jamais são efetivamente punidos pelos seus crimes.

                        Ante ao exposto, verifica-se que um instituto como o foro privilegiado claramente antagônico as finalidades estabelecidas pela própria Constituição Federal/88, já era para ter sido declarado inconstitucional há bastante tempo, pois está na contramão da democracia, promovendo a impunidade dos poderosos.