A inconstitucionalidade do art. 2º, inciso I, da lei 11.101/2005 frente à supremacia constitucional...
Por Raíssa Daniela Pompeu Oliveira | 31/08/2017 | DireitoA inconstitucionalidade do art. 2º, inciso I, da lei 11.101/2005 frente à supremacia constitucional pelo que dispõe seu art. 173, §1º, II, possibilitando a aplicação do instituto falimentar as sociedades de economia mista e empresas públicas
Adriana Teixeira Mendes Coutinho[2]
Raíssa Daniela Pompeu Oliveira[3]
Humberto Oliveira[4]
Sumário: 1. Introdução. 2. Uma análise do instituto da falência frente à importância das empresas públicas e sociedades de economia mista para a administração pública. 3. A inconstitucionalidade do art. 2º, I, da Lei de Falências em relação a Constituição Federal de 88. 3.1. As consequências da aplicação do instituto falimentar à empresa pública e a sociedade de economia mista. 4. Considerações Finais. Referências.
RESUMO
A proposta do presente artigo científico é discutir quanto a possível inconstitucionalidade do artigo 2º, inciso I, da Lei de Falências frente à supremacia da Constituição Federal pelo que dispõe seu artigo 173, §1º, II. Sendo de suma importância, diante desta contradição da lei infraconstitucional com a Lei Maior, o estudo da possibilidade ou não a aplicação do instituto falimentar às empresas públicas e sociedades de economia mista, que fazem parte da Administração pública indireta. Para tanto, buscou-se auxílio na mais nobre doutrina do Direito Administrativo para a conceituação destas entidades. Será ressaltado ainda, o importante papel destas para o desenvolvimento econômico do país, tendo em vista que funcionam como instrumentos da atuação do Estado no papel de empresário. É ainda relevante pontuar que a pesquisa se pautou nos princípios da supremacia constitucional e no princípio geral da ordem econômica da livre concorrência para fomentar o debate, bem como em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais quanto ao tema em questão.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Lei-de-Falências. Empresas-públicas. Sociedades-de-economia-mista.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 173, §1º, inciso II afirma quanto às sociedades de economia mista e empresas públicas: “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. Todavia, a Lei de Falências, que é uma lei infraconstitucional, prevê em seu artigo 2º que elas não se submetem a tal instituto falimentar.
Diante desta contradição, surgiu o questionamento quanto a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei de Falências em face da Constituição Federal, bem como quais seriam as consequências de sua aplicação às sociedades de economia mista e empresas públicas. Partindo deste pressuposto, verificou-se que há uma polêmica com tema proposto, o que provoca uma discussão acerca do fato.
O objetivo geral fora, justamente, analisar quanto a essa possível inconstitucionalidade da lei infraconstitucional que rege a falência de empresas e a Lei Maior de 1988. Além disso, o debate pautou-se nos princípios da supremacia da Constituição e no princípio geral da ordem econômica da livre concorrência, uma vez que estes foram muito importantes e serviram como balizas norteadoras da pesquisa.
Quanto aos objetivos específicos, convém destacar o estudo da lei de falências no que tange a esse dispositivo em relação a inconstitucionalidade, discorrer acerca da importância das empresas públicas e sociedades de economia mista para a Administração Pública quanto à aplicação dos institutos falimentares e verificar as consequências da aplicação da Lei de Falências a estas entidades pertencentes à Administração pública indireta.
Nesse sentido, o interesse das autoras quanto à pesquisa tem como base a importância dos fatos para a atualidade, assim como para a questão do desenvolvimento econômico do país, uma vez que essas empresas estatais são criadas mediante autorização de lei e possuem capital totalmente público ou misto seja para prestação de serviço público ou exploração da atividade econômica, por delegação ou concessão, dentro dos limites estabelecidos pelo art. 173 da Constituição Federal de 1988.
Também é importante pontuar quanto a importância destas entidades que funcionam como instrumentos importantes da atuação do Estado no papel de empresário. Neste sentido, a escolha do tema também foi bastante pertinente, tratando-se de um tema polêmico e interessante que fomenta a doutrina e a jurisprudência. Portanto, o debate jurídico entre o Direito Empresarial e o Direito Administrativo se encaixa perfeitamente nesse propósito.
Em suma, é válido lembrar que a pesquisa quanto aos objetivos se classifica como exploratória, uma vez que objetiva ampliar os conhecimentos em relação ao tema abordado, e como bibliográfica quanto aos procedimentos, tendo em vista que tem sua base fundamentada em livros e artigos já publicados.
2 UMA ANÁLISE DO INSTITUTO DA FALÊNCIA FRENTE À IMPORTÂNCIA DAS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Para uma compreensão mais efetiva do tema, é de suma importância a conceituação destes entes jurídicos. Di Pietro (2014, p.525) pontua que:
A sociedade de economia mista é pessoa jurídica de direito privado, em que há conjugação de capital público e privado, participação do poder público na gestão e organização sob forma de sociedade anônima, com as derrogações estabelecidas pelo direito público e pela própria lei das sociedades anônimas (Lei. Nº6404/76); executa atividades econômicas, algumas delas próprias da iniciativa privada (com sujeição ao art. 173, da Constituição) e outras assumidas pelo estado como serviços públicos (com sujeição ao art. 175 da CF).
A autora também conceitua empresa pública como “pessoa jurídica de direito privado com capital inteiramente público (com possibilidade de participação das entidades da Administração indireta) e organização sob qualquer forma permitida em Direito” (DI PIETRO, 2014, p.518). Neste caso, também é interessante a análise de conceitos de outros doutrinadores tais como Carvalho Filho (2014, p.500) que, nesta mesma linha de raciocínio demonstra que:
Empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração indireta do Estado, criadas por autorização legal, sob qualquer forma jurídica adequada a sua natureza, para que o governo exerça atividades gerais de caráter econômico ou, em certas situações, execute a prestação de serviços públicos.
E ainda quanto às sociedades de economia mista afirma o mesmo autor (2015, p.500):
São pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração indireta do Estado, criadas por autorização legal, sob a forma de sociedades anônimas, cujo controle acionário pertença ao poder público, tendo por objetivo, como regra, a exploração de atividades gerais de caráter econômico e, em algumas ocasiões, a prestação de serviços públicos.
Partindo destes pressupostos, essas empresas estatais surgiram com a necessidade de intervenção do Estado no domínio econômico, ou seja, fato que justifica a adoção por elas do regime de direito privado com derrogações ao interesse público, justamente para conferir maior eficácia e flexibilidade à máquina administrativa. (TOURINHO, 2006).
Di Pietro (1996, p. 40-41, apud REVISTA DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO RIO GRANDE DO SUL, 2012, p. 13) demonstra que:
É lamentável que o legislador, quando estabelece normas sobre empresas estatais, não leve em conta a distinção. Isto teria que ser feito, por exemplo, quando estabelece normas sobre falência, sobre contratos, sobre seleção de pessoal, sobre direito de greve, sobre dispensa de licitação par ao Poder Público contratar suas empresas, sobre processo de execução e tantas outras matérias em que a diversidade de tratamento se impõe.
Diante desse contexto Hely Lopes Meirelles (2008, p.364) destaca:
As empresas estatais são pessoas jurídicas de direito privado cuja criação é autorizada por lei específica, com patrimônio público ou misto, para prestação de serviço público ou para a execução de atividade econômica de natureza privada. Na verdade são instrumentos do Estado para a consecução de seus fins, seja para atendimento das necessidades mais imediatas da população (serviços públicos) seja por motivos de segurança nacional ou por relevante interesse coletivo (atividade econômica). A personalidade jurídica de direito privado é apenas a forma adotada para lhes assegurar melhores condições de eficiência, mas em tudo e por tudo ficam sujeitas aos princípios da administração pública. Bem por isso, são consideradas integrantes da administração indireta.
Então, há relevância quanto a aplicação da Lei de Falências a essas entidades, uma vez que elas são verdadeiros “instrumentos de atuação do estado no papel de empresário” (CARVALHO FILHO, 2015, p.504). Logo, a importância do tema se volta exatamente por ser uma questão atual, levando em consideração os princípios da supremacia do Constituição e o princípio geral da ordem econômica e da livre concorrência.
A adoção desse regime privado se justifica, uma vez que a ideia original das empresas estatais e conferir uma maior flexibilidade e também uma maior efetividade à máquina administrativa, se valendo para isso dos moldes operacionalizados pelas empresas privadas. Isso ocorreu a partir da década de cinquenta, com as derrogações do poder público, mas logicamente sem perder de vista os fins objetivados. Vale ressaltar também que o surgimento de tais empresas estatais decorreu da necessidade do Estado de intervenção no âmbito do domínio econômico (TOURINHO, 2006).
3 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, I, DA LEI DE FALÊNCIAS EM RELAÇÃO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 88
A priori, é importante tratarmos acerca do conceito de falência:
A falência é a execução concursal do devedor empresário. Quando o profissional exercente de atividade empresária é devedor de quantias superiores ao valor de seu patrimônio, o regime jurídico da execução concursal é diverso daquele que o direito prevê para o devedor civil, não empresário. O direito falimentar refere‑se ao conjunto de regras jurídicas pertinentes à execução concursal do devedor empresário, as quais não são as mesmas que se aplicam ao devedor civil .
Cumpre colocar em evidência ainda, no que diz respeito às normas infraconstitucionais, o que defende Barroso (1999, p. 138): “por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental”.
Ao analisarmos o artigo 2º, inciso I, da Lei de Falências se faz notável a inconstitucionalidade entre o artigo 173, §2º, inciso II da atual Constituição Federal, tendo em vista que a leitura deste último artigo nos permite a interpretação de que as empresas públicas e sociedades de economia mista “que explorem atividade econômica são equiparadas às sociedades previstas na iniciativa privada sujeitando-se ao regime próprio das empresas privadas” (ZAGO, 2010). Essas empresas estatais são criadas mediante autorização da lei e possuem capital totalmente público ou misto seja para prestação de serviço público ou exploração da atividade econômica, por delegação ou concessão, dentro dos limites estabelecidos pelo art. 173 da Constituição Federal.
São inúmeros os doutrinadores que discutem acerca da inconstitucionalidade do dispositivo 2º da Lei de Falências em relação a Constituição Federal, tendo em vista que admitir a falência para as sociedades empresárias e não para as empresas públicas e sociedades de economia mista seria incoerente. Haveria uma discriminação e as entidades paraestatais ficariam em vantagem, uma vez que o objeto delas é o mesmo (ZAGO,2010).
Indaga-se então qual seria a melhor interpretação a se utilizar, uma vez que o art. 2º é enfático ao excluir do rol de falência bem como da aplicação de dispositivos, as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Também é importante pontuar que, a outra interpretação do dispositivo da lei se volta para a constitucionalidade, pois, as sociedades de economia mista e as empresas que realizam serviços públicos se regem pelas normas do direito público devendo distanciar-se das empresas mercantis (ZAGO, 2010).
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 173, §1º, inciso II afirma quanto às sociedades de economia mista e empresas públicas: “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”.
Contudo, a Lei de Falências, que é uma lei infraconstitucional, prevê em seu artigo 2º que elas não se submetem a tal instituto falimentar. Convém ressaltar ainda que, o art. 242 da Lei sobre Sociedades por Ações, que previa a impossibilidade de falência das sociedades de economia mista foi revogado pela Lei 10.303/2001 (ZAGO, 2010).
Quanto ao teor da Lei 11.101/05 é importante pontuar que esta dispõe sobre direitos e obrigações comerciais, destarte, é coerente pressupor que a sociedade de economia mista deve estar sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas, tendo em vista o interesse econômico e o objeto dessas empresas (XAVIER, 2011). É nessa perspectiva que assevera Bastos (2000, p.67 apud XAVIER, 2011, p. 65):
Na verdade com o propósito de impedir que o Estado, exercendo atividade econômica valha-se de um regime jurídico privilegiado, que torne a sua competição com a empresa privada desastrosa para esta. Em outras palavras, o Estado quer abstrair-se de sua condição de Poder Público para atuar no meio dos particulares, com eles competindo em condições isonômicas. Aliás, essa preocupação é reforçada elo § 2º do mesmo artigo 173, que impede à outorga de privilégios fiscais não extensivos as empresas do setor privado.
Observa-se, portanto, que a norma constitucional não estabelece tratamento distinto ou privilegiado para as empresas, uma vez que é assegurado a livre concorrência, deve-se pensar que as companhias mistas, no exercício de suas atividades, não podem ter qualquer privilégio jurídico ou fiscal, assim como as públicas, defendendo-se a igualdade quanto ao exercício bem como a sujeição dessas empresas ao procedimento falimentar na ocorrência de insolvência (XAVIER, 2011).
3.1 As consequências da aplicação do instituto falimentar à empresa pública e a sociedade de economia mista
Ao afastar a incidência da legislação falimentar às empresas públicas e às sociedades de economia mista pretendeu o legislador estabelecer, a priori, distinções entre os tipos de atividades exercida por estas, iniciando uma verdadeira polêmica no que diz respeito às suas naturezas jurídicas, bem como questionando os motivos de serem tratadas diversamente das privadas. A finalidade de se interpretar e debater este assunto tenta evitar que as estatais e as sociedades de economia mista, diante de mercado, disputem com alguma vantagem em relação as empresas privadas, tornando evidente a disparidade proporcionada pelo art. 2º, I, da Lei de Falências (REVISTA DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO RIO GRANDE DO SUL, 2012).
Para tanto, enfatiza-se que admitir a falência para as sociedades empresárias e não para as empresas públicas e sociedades de economia mista seria incoerente, provocando certa discriminação, uma vez que o objeto delas é o mesmo (ZAGO,2010). Todavia, a melhor interpretação a se utilizar, uma vez que o art. 2º é enfático ao excluir do rol de falência bem como da aplicação de dispositivos,
O art. 2º da Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, é claro a afirmar em seu inciso I que a lei não se aplica a empresa pública nem a sociedade de economia mista, contudo a Lei Maior em seu art. 173, §1º, inciso II pontua que:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
A posição de Hely Lopes Meirelles (2008, p.367) é bastante interessante, ele afirma que as empresas que são exploradoras das atividades econômicas são distintas das que prestam serviço público. Sejam empresas públicas ou sociedades de economia mista ficam sujeitas a falência, como pontua o art. 173, §1º, II da Constituição Federal no que tange aos direitos e obrigações civis comerciais e a sua submissão aos regimes jurídicos próprios de empresas privadas.
Este mesmo autor pontua de forma clara:
A nova Lei de Falências (Lei 11.101, de 9.2.2005, que regula recuperação judicial, extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária) dispõe expressamente no artigo 2 º, I, que ela não se aplica às sociedades de economia mista e empresas públicas. Não obstante, a situação continuará a mesma. Tal dispositivo só incidirá sobre as empresas governamentais que prestam serviços públicos; as que exploram atividade econômica ficam sujeitas as mesmas regras do setor privado, nos termos da Constituição Federal citada, como argumentamos acima. A mesma lei dispõe no art. 195 que a falência de uma empresa concessionária de serviço público extingue o contrato de concessão. Todavia, a disposição a respeito já existe na Lei 8.98795, art. 35, VI em razão pela qual nada muda sobre o tema (MEIRELLES, 2008, p.368).
O fato é que estamos diante de uma aparente incompatibilidade da lei com o texto da Carta Magna, tendo em vista que esta é considerada superior no ordenamento brasileiro. Sendo assim, torna-se mais óbvio o entendimento de que o art. 2º, inciso I da Lei 11.101/05 deve ser interpretado conforme o que preceitua a Constituição Federal.
No que tange a distinção entre elas, Zago (2010) afirma:
Simplista, pois, é tratá-las igualmente em bloco único e, apenas por serem estatais, entender que não podem falir. É fundamental estabelecer uma diferenciação entre aquelas constituídas para prestar serviço público e aquelas cujo objeto é explorar a atividade econômica, pois, quando uma estatal atua explorando serviço público, não se afigura, para efeitos constitucionais, atividade econômica. Se entendida essa diferença, há solução, pois a estatal prestadora de serviço público não seria empresária, já que lhe faltaria a exploração da atividade econômica; logo, não sendo empresária, não estaria sujeita à falência.
E no que diz respeito a essa diferenciação há jurisprudência de Minas Gerais quanto a tentativa de penhorabilidade de bens de sociedade de economia mista que explora serviço público (ZAGO, 2010):
Para concluir, sempre com as vistas sobre o art. 173 e §§ 1º e 2º: "Somente as empresas estatais que explorem atividade econômica em regime de mercado - setor reservado primariamente para a iniciativa privada - "reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas". Ou seja, tal se dará se o Estado, via seus entes, agir no mercado como Estado- empresário." Recordo, aliás, que a tese já foi expressamente acolhida por este Plenário, com as únicas exceções dos Ministros Marco Aurélio - que a rejeitou - e Rezek - que, no caso, com ela não se quis comprometer. É ver o RE 172816, 09.02.94, relator o em. Ministro Paulo Brossard; no acórdão - para decidir da expropriabilidade pelo Estado de bem afeto ao serviço portuário delegado a empresa mista federal recusou-se a pertinência ao caso do art. 173 e seu § 1º, da Constituição, fundamento do RE, conforme sintetizado na ementa
Nessa perspectiva assevera Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, apud CARVALHO FILHO, 2014) que: “quando se tratar de exploradoras de atividade econômica, a falência terá curso absolutamente normal, como se de outra entidade mercantil qualquer se tratara”.
De fato, o impasse entre os dispositivos, aqui em análise, compromete não só a livre concorrência como também impõe restrições à liberdade de iniciativa. Destaca-se então que as empresas públicas também exercem atividade econômica, ou seja, assim como as empresas privadas. Alguns doutrinadores, todavia, discordam desta posição justificando que as empresas públicas são criadas para atender o interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional, e estariam sob a égide do “princípio da supremacia do interesse público, e consequentemente não poderiam ser decretadas falidas, pois estariam atendendo ao interesse da coletividade” (MARQUES, [s/d]).
Defendendo a inconstitucionalidade do referido dispositivo em discussão, parece coerente, e até mais plausível para alguns doutrinadores, interpretar que as empresas públicas que exploram atividade econômica devem se inserir no mesmo regime que as empresas privadas, aquelas que prestam serviços públicos, em sentido restrito, não praticam atividade econômica para fins constitucionais. Depreende-se então que a aplicação da falência é possível para as sociedades de economia mista, quanto às empresas públicas deve-se observar se há exploração da atividade econômica, justificando, pois o art. 173, §1º, II da CF e afastando a norma da Lei 11.101/05 de uma total invalidade, tornando possível a sua aplicação frente a Carta Magna (REVISTA DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO RIO GRANDE DO SUL, 2012).
Apesar desta linha de pensamento de não decair sobre o interesse privado a questão da falência das empresas públicas, acredita-se que “ao infringirem regras para o regular funcionamento das empresas elas também estão atingindo o interesse público, pois o interesse público nessas empresas é para que elas desempenhem sua função social” (MARQUES, [s/d]).
Se torna clara a incompatibilidade do artigo 2º da Lei 11.101/05, pois se as empresas em questão não podem ter a falência decretada, não se pode beneficiá-las também com a recuperação judicial. Ressalta-se, nesse aspecto, uma disputa desigual, ocasionando ainda a violação do princípio da isonomia. Em suma, partindo desta análise, percebe-se que ao excluir tais empresas desse rol, os transtornos podem ser maiores que as soluções, e os benefícios que almejou o legislador com essa exclusão não ser da forma como se pensara (MARQUES, [s/d]).
Por fim, cabe pontuar no presente trabalho, que se o Poder Público se vale de uma ou outra forma societária e se este opta pelo exercício de atividade puramente econômica, não há razões para não se submeter as mesmas regras aplicáveis às empresas privadas, o que denota uma concorrência mais proporcional. Ou seja, se o Estado desempenha função econômica e não lhe é possível a falência, “além de coroar e incentivar a incompetência, importa em diferenciação injustificável, capaz de comprometer a livre concorrência e impor restrições à liberdade de iniciativa” (REVISTA DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO RIO GRANDE DO SUL, 2012, p. 16).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da contradição existente entre o dispositivo da Lei de Falências, surgiu a discussão a respeito do tema, por isso, o objetivo do presente trabalho foi analisar a inconstitucionalidade do art. 2º, inciso I, da Lei de Falências frente à supremacia da Constituição de 88 pelo que dispõe o seu art. 173, §1º o qual possibilita a aplicação dos institutos falimentares às sociedades de economia mista e empresas públicas.
Para tanto foram estudados os conceitos de falência, de sociedade de economia mista e das empresas públicas, fato que permitiu a verificação de que estas entidades são de suma importância para o estado. Elas funcionam como verdadeiros instrumentos para a consecução de seus fins, e por isso o estudo foi baseado nos princípios da supremacia do Constituição e o princípio geral da ordem econômica e da livre concorrência.
Foi de suma importância a diferenciação delas, pois seria bastante simplista trata-las de modo geral, tendo em vista que é preciso estabelecer a diferença entre as que tem como objeto a exploração da atividade econômica e as que atuam explorando o serviço público. O estabelecimento dessa diferença foi de suma relevância para o entendimento efetivo da questão, uma vez que a estatal prestadora do serviço público não é empresária, logo lhe falta exploração da atividade econômica, e portanto não está sujeita ao instituto da falência.
Também surgiram duas hipóteses relacionadas ao problema em questão. A primeira quanto a inconstitucionalidade do presente dispositivo, com a consequente admissão da falência para as sociedades empresárias e não para as empresas públicas e sociedades de economia mista seria incoerente. Haveria uma discriminação e as entidades paraestatais ficariam em vantagem, uma vez que o objeto delas é o mesmo. E a segunda quanto a constitucionalidade do dispositivo frente à Constituição, uma vez que as empresas públicas e sociedades de economia mista que realizam serviços públicos se regem pelas normas de direito público, afastando assim de sua atuação as regras do direito provado relacionadas as empresas mercantis, pensamento este adotado pela doutrina para não tornar a norma infraconstitucional totalmente inválida.
Diante de todo exposto, a interpretação mais coerente no que tange ao enfrentamento da questão em relação à aplicação do instituto falimentar a estes entes, é a de que tal dispositivo da Lei de Falências questionado na pesquisa só incidirá sobre as empresas governamentais que prestam o serviço público, sendo assim as empresas que exploram as atividades econômicas ficam sujeitas as mesmas regras do setor privado e isso é decorrente do artigo 173, §1º, inciso II da Constituição Federal de 1988. Por fim, acredita-se que todos os objetivos do presente artigo foram alcançados.
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