A INCONSTITUCIONALIDADE DAS COTAS RACIAIS

Por Camilla Barroso Graca | 12/08/2010 | Direito

Camilla Barroso Graça

RESUMO
Analisa-se a inconstitucionalidade das cotas raciais, utilizando a fala de constitucionalistas renomados, de maneira que seja possível mostrar o real efeito das ações afirmativas para os negros.

PALAVRAS- CHAVE

Inconstitucionalidade. Cotas Raciais. Constituição Federal de 1988


1 INTRODUÇÃO

O presente ensaio tem como objetivo analisar as ações afirmativas utilizando a fala de constitucionalistas renomados, de maneira que seja possível mostrar o real efeito das ações afirmativas para os negros, abordando os princípios constitucionais que envolvem o assunto.
Sabemos que o tema abordado é muito complexo e que o presente trabalho não será capaz de esgotá-lo devido as suas limitações, no entanto, procurarei contemplar os aspectos que julgo mais relevantes para um bom entendimento.


COTAS RACIAIS E O SEU REAL SENTIDO

Para alguns antropólogos a reserva de vagas universitárias para os negros demonstra uma clássica conquista política do passado, afinal, é crucial o entendimento de que os negros sofrem preconceitos visíveis e enfrentam, hodiernamente, dificuldades que sem dúvida são conseqüência do passado escravagista brasileiro. Analisando sob um ponto de vista formal, os direitos dos negros estão assegurados quando os mesmos são tratados de forma igual aos membros da população não-negra.
Mesmo sendo incontestáveis as diferenças existentes entre os seres humanos, algumas delas se tornam extremamente relevantes em algumas situações, a partir disso por uma questão de justiça, a Constituição Federal estabeleceu parâmetros de igualdade, que trouxeram verdadeiramente a isonomia entre os cidadãos do estado democrático de direito.
Corroborando com essa idéia José Afonso da Silva diz que: todos os seres humanos apresentam as suas particularidades, entretanto, os mesmos apresentam entre si uma isonomia legal, já que, cada um deles possui "o mesmo sistema de características inteligíveis que proporciona aptidão para existir".
Ainda, de acordo com o art.5º da nossa Carta Magna:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.


Desta forma, todos os cidadãos têm o direito de serem tratados de formas iguais pela lei, em consonância com o ordenamento vigente. Verifica-se então, que qualquer tipo de tratamento diferenciado perante os iguais, será tido como contrário a Constituição Federal vigente, sendo desta maneira inconstitucional.
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

O Princípio da Igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Veda apenas aquelas diferenciações arbitrárias. Assim o Princípio da Igualdade no fundo comanda que só se façam distinções com critérios objetivos e racionais adequados ao fim visado pela diferenciação.


Firmando esse conceito Alexandre Morais diz que:

Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não-discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com os critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos na medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.


Sendo assim, verificamos que a igualdade expressa na Constituição Federal não proíbe tratamento diferenciado, entretanto, prima pelo tratamento igualitário entre aqueles que não possuem diferença relevante para o tratamento desigual.
Dito isso, mister se faz dizer que as cotas podem agravar o preconceito racial, uma vez que institui a consciência estatal da raça, promovendo ofensas arbitrárias ao princípio da igualdade, já que, a raça de maneira isolada, pode ser um critério válido, legítimo e razoável para a diferenciação dos direitos dos cidadãos.
No entanto, o problema central não são os negros, pois, os mesmos não têm os seus direitos violados, não podendo dizer o mesmo das classes economicamente baixas, vale ressaltar que é comum à associação do "negro" com o indivíduo de "baixa renda" e com a figura do "marginal". É necessário que se saiba que a aparência de uma pessoa diz muito pouco sobre a sua ancestralidade, e com isso se coloca por terra a teoria compensatória, que visa á reparação do dano causado pela escravidão, não pode ser aplicada num país miscigenado como o Brasil.
O racismo contamina profundamente as sociedades quando a lei sinaliza às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial, e que seus direitos são afetados por esse critério de pertinência racial, pode-se considerar o tratamento diferenciado da legislação para com determinado grupo como uma forma de "instigação indireta" ao preconceito.
Essas cotas proporcionam privilégios a uma minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, uma estrutura de ensino público arruinado.
Conclui-se com isso, que as cotas raciais violam o princípio constitucional da proporcionalidade, por ofensa ao princípio da adequação, no que reporta-se a utilização da raça como critério diferenciador do cidadão, uma vez que, é a pobreza o critério que diferencia os direitos entre os indivíduos, é a oscilação entre as rendas entre uma classe e outra que influencia no grau de dificuldade que o indivíduo irá encontrar no momento em que procurar uma formação acadêmica ou profissional.
Idéia essa que foi defendida, na ADPF 186:

As cotas raciais violam o princípio constitucional da proporcionalidade,por ofensa ao subprincípio da adequação, no que concerne à utilização da raça como critério diferenciador de direitos entre indivíduos, uma vez que é a pobreza que impede o acesso ao ensino superior. Sugere que um modelo que levasse em conta a renda em vez da cor da pele seria menos lesivo aos direitos fundamentais e também atingiria a finalidade pretendida de integrar os negros


A Constituição Federal de 1988 criou no Brasil um Estado Social que é regido por princípios finalísticos teleológicos, não se trata apenas de se promulgar leis e deixar cada indivíduo da sociedade decidir o destino de suas vidas, trata- se de dar um rumo ao país. Esse rumo é republicano, que visa o bem de todos.
É ideal termos em mente que ao mesmo tempo em que as cotas incluem, elas também excluem aqueles que por mérito estariam dentro das universidades. Sendo assim, a política de cotas quebra o princípio do mérito que é essencial para o ingresso na universidade. Também se faz pertinente considerar que ao ingressar no ensino superior, é indispensável que o sujeito possua uma base de conhecimentos, imprescindível no momento da assimilação de conteúdos mais densos, típicos do ambiente acadêmico. Ao permitir a entrada de pessoas que não possuam essa "base", a política de cotas estará de certa forma prejudicando-as, pois, a qualidade do curso estará comprometida.
Conclui-se desta forma, que até hoje a constituição foi descumprida, ou seja, uma inconstitucionalidade por omissão no que diz respeito à proteção dos negros e pardos, disse-a que isso não resolve o problema da pobreza, mas eficiência ou ineficiência de uma política de cotas não é assunto a ser decidido no STF, pois, ao mesmo cabe dizer se uma lei é constitucional ou inconstitucional.
Por isso a nosso ver o descumprimento do art. 3º da nossa Constituição Federal representa a desfiguração por completo do perfil de justiça social que a mesma tentou imprimir ao Estado brasileiro. Outro óbice das cotas raciais refere-se à finalidade da política de cotas, pois cabe ao Estado promover o bem comum, para que todos os cidadãos venham a conviver socialmente em paz e harmonia.
Para que possa alcançar esses objetivos, o Estado promoveu um conjunto de políticas chamadas de ações afirmativas, que dá o tratamento diferenciado àqueles que vêm sofrendo derrotas seculares na luta pelos bens sociais, ou seja, estipulando cotas para as minorias sociais.
Entretanto, mister se faz saber que o acesso à melhor educação superior oferece momento privilegiado por flagrar alguns dos efeitos da inércia e do preconceito. Mas, oferece também uma oportunidade de escolha fundamental: ou reforça-se o ciclo inercial e de preconceito que se arrasta desde o início de uma sociedade ainda sob signo da escravidão ou procura-se rompê-lo.
Como fragmento da experiência constitucional brasileira, o regime de distribuição de bens educacionais falha no teste da igualdade. Estamos, então, diante de tema vocacionado a ser interpelado por meio de uma teoria constitucional da igualdade republicano-democrática. Outro ponto que merece destaque é que na sociedade brasileira, o acesso a bens e oportunidades de um modo geral e a bens e oportunidades educacionais em particular está associado, dentre outros fatores, a renda, família, geografia, educação, cor e etnia.


REFERÊNCIA


CRUZ, Jacqueline Ferreira da. A inconstitucionalidade do sistema de cotas para a inserção do negro no ensino superior. Presidente Prudente, 2005. Monografia- Faculdade Integrada "Antonio Eufrásio de Toledo", Faculdade de Direito de Presidente Prudente, 2005.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.
HECK, José Nicolau. Sistema de cotas versus exclusão racial: a síndrome do colapso da democracia social. Revista Educação e Filosofia. vol. 17, nº34, jul/dez. 2003.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2006.
SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002.
SILVA, José Afonso. Curso de direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1991.