A inconstitucionalidade da Intervenção Federal no Rio de Janeiro

Por Dara Carvalho Braga | 24/04/2018 | Política

Escrito por Dara Carvalho Braga, aluna da Pontifícia Universidade Católica do Paraná no curso de Direito.

Tendo inicio no dia 16 de fevereiro de 2018, onde o Presidente da República Michel Temer em exercício de seu mandato aponta como um remédio para o aumento da criminalidade no Rio de Janeiro a medida excepcional prevista no Art. 34,35,36 da Constituição Federal dada como Intervenção Federal, que nesse caso se encaixa em seu inciso III onde clama como objeto  “pôr termo ao gravo comprometimento da ordem pública”.

Levando em conta pesquisas apontadas pelos jornais O Globo e Extra, essa medida, no geral, não vem sendo compensada em números onde ambos apontam aumento em roubos a pedestres, veículos, cargas e homicídio durante as 12 ações militares já promovidas no Estado do Rio de Janeiro nos últimos 25 anos. Segundo o colunista da Conjur, Leonardo Streck, a intervenção dificilmente terá seus objetivos concluídos, pois age de maneira equivoca, onde o mesmo compara com o remédio Tylenol: “baixa a febre, mas não cura a infecção”. Outro jurista brasileiro que também se posicionou foi o professor de Direito Penal Salo de Carvalho defendendo que o problema se resolveria aumentando o Estado Social, e não o Estado Penal, como vem sendo proposto.

Podemos concluir  que em tese essa medida interventiva é devidamente autorizada pela Constituição Federal. Mas, do modo e com as intenções que está sendo executada dar-se-á abertura para a então inconstitucionalidade.

Para dar coerência a esta afirmação, começarei pelo apontamento de descuido no Decreto, a maneira genérica que o mesmo foi repassado; A decisão de nomear um general militar para uma intervenção federal, também comentarei a respeito da intenção governamental e da interrupção da medida excepcional por conta da reforma da previdência e para complementar  falarei do uso de militares afim de caucionar a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

O conteúdo mais importante de um decreto, principalmente, interventivo, é a especificidade que o mesmo dá a respeito das suas medidas adotadas, onde há de definir sua natureza e a extensão. Esses aspectos clamam como – imprescindíveis- pois os mesmos são responsáveis por revelar a autonomia estadual e o quanto ela será limitada. O ponto que fere a constituição é a falta de detalhamento que este possui. Afinal limita a nós, a controlar abusos e questionar os limites da intervenção.

Se o decreto interventivo, o qual prefiro me referir como genérico, não nos expõem os detalhes do próprio limite, apenas notificando que as atribuições do interventor serão “aquelas previstas no Art. 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro necessárias as ações de segurança pública, previstas no titulo V”. Tão descuidada é a sua formulação que ao invés de apontar medidas, contenta-se com técnicas de remissão.

Outra inconstitucionalidade é que o decreto foi editado sem o consentimento do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional para que os mesmo se pronunciassem; No artigo 30, inciso  I e 91 paragrafo 1 inciso II atribuem a esses órgãos a competência de opinar. Nestor Gomes se pronuncia sobre e diz que “Apesar de a Constituição não especificar o momento da consulta, a doutrina majoritária entende que a consulta deve ser feita antes da edição do decreto”.

Aproveitando a exposição de atribuições do interventor, de acordo com o decreto, a intervenção do governo federal do Rio ficará limitada a segurança publica. Dessa maneira, o governador Luiz Fernando Pezão, continua do comando administrativo, mas não tem competência no combate à criminalidade, que ficará nas mãos do general Walter Souza Braga Netto, chefe de o comando militar do Leste, nomeado interventor. Substituindo o secretário de segurança, Roberto Sá, o militar liderará as policias civil, militar e os bombeiros. Temos então outra inconstitucionalidade. O paragrafo único do artigo 2° do decreto deixa claro que o cargo do interventor é de categoria militar, mas a intervenção federal descrito no artigo 21, inciso V, da constituição exige um interventor civil. Digo isso apoiada nos argumentos da professora Eloisa Machado de Direito Constitucional da FGV-SP em que a mesma diz “A intervenção trata de substituição temporária e excepcional de uma autoridade estadual civil por uma federal civil. Não de uma autoridade civil por outra militar. O interventor tem poderes de governo, e governo, pela constituição, até agora, só é civil”.  Deixar que as decisões do interventor durante o tempo da intervenção sejam submetidas à jurisdição militar é atentado à constituição, ao poder civil e à democracia. Com isso, levantamos uma questão, se toda segurança pública do Estado está sujeito ao general, o Ministério Público perderá o controle externo sobre à policia civil, dando a entender que seria uma medida para suspender a própria constituição. Em momento algum a constituição alega que o cargo de interventor seja de natureza militar, se as próprias forças armadas são sujeitas a um ministro civil (Ministro de Estado da Defesa), seria mais conveniente que a segurança pública também fosse. Essa maneira de atuação levantou diversas “possibilidades” de intenção governamental, uma delas é que o interventor nomeado não responda a crimes cometidos de cargo na Justiça comum,  o interventor pode até ser militar, mas deve se submeter à jurisdição civil. Deixar nas mãos da Justiça Castrense o julgamento dos atos intervencionais é um verdadeiro atentado à Constituição, pois subtrai o Poder Judiciário atos de autoridade civil. Em regra os membros da policia civil respondem perante a Justiça comum, então como o seu comandante  não vai responder também?

Essa medida de atuação militar na segurança pública por decreto do Presidente da Republica torna a intervenção muito excepcional, além do mais o decreto estabelece o longo prazo de 31 de dezembro de 2018, podendo se estender por todo o ano, sem nem se quer considerar a evolução da situação. Em um ano eleitoral, medidas impactantes como esta tendem a influenciar resultados. Estipular apenas o final do ano como prazo, sem levar esses desdobramentos em conta, mostra-se o quão escandalosamente é desproporcional.

Passemos então a dar relevância para a intenção, pois um dos aspectos que intriga no decreto é que a intervenção será “pausada” por conta da votação da reforma da previdência, a questão é que uma vez suspensa, não pode ser retomada logo em seguida; Uma PEC é um todo, desde sua proposta até a afirmação final, não é só votação. Segundo o procurador de São Paulo Olavo Alves Ferreira, diz que o maior problema é a intenção que Michel Temer revela ter, por revogar o decreto temporariamente se ele conseguir votos para aprovar a reforma da previdência, pois a intervenção, por ser uma medida excepcional, impede qualquer reforma constitucional e se ele seguisse o plano cometeria fraude a constituição, cabendo nesse caso um mandado de segurança para controle judicial preventivo pelo Supremo Tribunal Federal.

Concluímos com essa decisão que as medidas foram precipitadas, principalmente de colocar a segurança publica no âmbito militar, sendo o mesmo de uso restrito e restritivo, que internamente podem atuar com logística, inteligência, comunicação e instrução, fora disso o uso torna-se inconstitucional. O criminalista Fernando Augusto Fernandes determina que o uso de militares para patrulhar as ruas do Rio de Janeiro “é uma inconstitucionalidade continuada e reiterada” que deu inicio no Eco 92 e repetidas em grandes eventos como Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. E mais, a medida ganha de destaque por ter traços de ditadura militar que vigorou por 21 anos nos país, aponta.

Se ao menos tudo tivesse devidamente previsto, com disposições legais, garantido o poder da sociedade a ter controle sobre o que é situado, não promovendo insegurança e enfraquecendo as franquias constitucionais, porém como essas garantias não são nos dadas, granjeamos de considerações e exemplo melhor de decretação, onde esclareça a real intenção da medida tomada, visto que a União tem como colaborar efetivamente no enfrentamento da crise de segurança pública no Rio de Janeiro sem que fosse preciso adotar a medida drástica da intervenção federal que nos impede de promover melhorias governamentais e causa uma "falsa" ideia de organização.

 

Referências

 

[i] Decreto 9288 disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9288.htm> acessado 3 de Abril de 2018.

[ii] Constituição Federal - Artigos 34,35 e 36

[iii] PINTO FILHO, Francisco Bilac Moreira - A intervenção Federal e o Federalismo Brasileiro - 1° Edição 2002

[iv] ConJur - Anuário da Justiça do Rio de Janeiro

[v] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo - Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal no Brasil

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