A inconsistência jurídico tributária dos Arts 3o. e 4o. da LC 118/2005

Por Ana Cristina da Rocha Monteiro | 26/06/2011 | Direito

A INCONSISTÊNCIA JURÍDICO TRIBUTÁRIA DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 3O E 4O DA LEI COMPLEMENTAR 118/2005

Assim dispõem os artigos 3o e 4o da Lei Complementar 118/2005:

Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 ? Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 ? Código Tributário Nacional.

O Código Tributário Nacional garante ao sujeito passivo o direito de ser restituído do tributo pago indevidamente (art. 165, I, CTN). O artigo 168, inciso I, do CTN, mencionado no art. 3o da LC 118/05, determina que o prazo para que a restituição seja pleiteada é de cinco anos contados a partir da data da extinção do crédito.

Ao determinar que nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, a extinção do crédito ocorre no momento do pagamento antecipado, o Art. 3o da LC 118/05 limita no tempo o prazo que o sujeito passivo teria para pleitear uma restituição. Esta, aliás, é a intenção da alteração legislativa, limitar direitos ao contribuinte e, por via oblíqua garantir mais dinheiro nos cofres públicos para servir aos interesses políticos do governo.

Pior que mudar o direito tributário vigente de modo a limitar no tempo direito dos contribuintes, é pretender que tal regra seja retroativa! Este o objetivo do art. 4o da LC 118/05.

Há regras claras dispostas no CTN a respeito da constituição do crédito tributário, de sua extinção e do direito do sujeito passivo em restituir o que por ventura tenha pagado indevidamente; assim como também há regras claras a respeito da possibilidade de aplicação retroativa de lei nova. Toda a questão está centrada em entender-se o momento da extinção do crédito tributário relativamente aos tributos cujo lançamento de dê por homologação.

1) Entendendo o Lançamento por Homologação

O "Lançamento" de um tributo é ato vinculado através do qual a Administração Pública constitui e declara o seu crédito tributário. O Lançamento tem natureza constitutiva, na medida que apura e constitui o quantum de tributo o contribuinte deve obrigatoriamente pagar aos cofres públicos, e também tem natureza declaratória uma vez que declara/oficializa o montante de tributo a ser pago.

No Lançamento por Homologação, o contribuinte ajuda o Fisco apurando o valor a ser pago e adiantando este pagamento. Mas é o Fisco que deve declarar, expressamente ou tacitamente, ou seja, de ofício, ou pelo decurso do prazo, se o valor apurado, declarado e pago está correto ou não; homologando a apuração e a correção do pagamento antecipado e extinguindo definitivamente o crédito tributário.

O art. 150, e seu § 1º, mencionado no art. 3o da LC 118/05, trata de Crédito Tributário, mais especificamente da Constituição do Crédito Tributário. Então temos que ler o art. 150 e seu § 1º sob a perspectiva da constituição do crédito tributário. Mas antes de atentar para o art. 150, faz-se necessário observar o disposto no art. 142 do CTN:

CTN
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
...........
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
.............
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Raciocinando juridicamente temos como premissas que:

? se a constituição do crédito tributário, que ocorre pelo lançamento, é competência privativa da autoridade administrativa,
? se, no caso do lançamento por homologação, este ato privativo da autoridade administrativa opera-se quando a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade exercida pelo obrigado, expressamente a homologa, sendo este ato de homologação a condição resolutória da extinção do crédito,
? e considerando ainda que, de acordo com o § 4º do art. 150, no caso de não haver homologação expressa da autoridade administrativa no prazo de cinco anos, tal homologação e consequente extinção do crédito dá-se tacitamente ao final dos 5 anos;
? então o único raciocínio jurídico tributário que se pode extrair como conclusivo é que:


 a constituição do crédito tributário dos tributos cujo lançamento se dê por homologação só ocorre com a efetiva homologação da autoridade administrativa relativamente aos procedimentos adiantados pelo contribuinte. Momento em que, concordando a Administração com os procedimentos, apurações e montante pago pelo contribuinte, homologa expressamente os procedimentos adiantados pelo contribuinte, o que significa também a extinção definitiva do crédito, posto que já houve o pagamento.

 Não havendo homologação expressa no prazo de cinco anos, ocorre a homologação tácita, que representa uma aceitação das apurações feitas pelo contribuinte, pelo decurso do tempo, com a extinção definitiva do crédito tributário já pago.

 Portanto, a condição resolutória referida no § 1o do art. 150 e que se refere à extinção do crédito tributário é a homologação do pagamento, e não o pagamento antecipado.

O pagamento antecipado pelo sujeito passivo nos tributos sujeitos a lançamento por homologação não extingue definitivamente o crédito tributário, pelo menos não extinguia antes da esdrúxula alteração trazida pelo art. 3o da Lei Complementar 118/2005.

O pagamento antecipado precisa de uma condição resolutória posterior para que o crédito tributário seja considerado definitivamente extinto, e essa condição é a homologação pelo Fisco. Essa homologação pode se dá por ação ou por omissão do Fisco. Homologação por ação, ou homologação expressa, seria nos casos em que o Fisco, dentro do prazo máximo permitido, procede a uma fiscalização e, apurando que os valores pagos estão corretos, expressamente os homologa. Já a Homologação por omissão, ou HomologaçãoTácita, dá-se nos casos em que o Fisco nada faz dentro do prazo permitido.

O prazo máximo para que o Fisco proceda à homologação do pagamento antecipado é de cinco anos (art. 150, § 4o do CTN). Ou seja, se o Fisco não homologar expressamente o pagamento antecipado feito pelo sujeito passivo num prazo máximo de cinco anos, ocorre a homologação tácita, ocorrendo a extinção definitiva do crédito.

Ora, se o contribuinte tem o prazo de cinco anos para pleitear a restituição do que tenha pagado indevidamente, e esses cinco anos são contados a partir da extinção do crédito tributário, por óbvio, esse prazo, no caso dos tributos sujeitos à lançamento por homologação, só pode ter o seu termo de início a partir da homologação, a qual, sendo tácita, confere um prazo dilatado para que o contribuinte pleiteie o direito de restituição (tese dos cinco mais cinco).

2) A extinção do crédito tributário proveniente de tributo sujeito à lançamento por homologação

É certo que o crédito tributário se extingue pelo seu adimplemento. O art. 156 do CTN dispõe a respeito das modalidades de extinção do crédito tributário, sendo o pagamento apenas uma delas. No entanto, há várias modalidades de extinção do crédito tributário. O artigo 156 possui 11 (onze) incisos. E o inciso VII dispõe claramente a respeito da extinção do crédito tributário relativo aos tributos sujeitos à lançamento por homologação. Vejamos:

CTN
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;

VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;

VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI ? a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)


Tem-se, assim, que, nos termos do inciso VII do art. 156, o crédito só é extinto com a ocorrência do pagamento e da homologação, ficando claro que o pagamento apenas, nos casos do art. 150 seus §§ 1º e 4º, não basta para que a extinção ocorra; a homologação é a condição resolutória para a efetiva e definitiva extinção.


3) Das efetivas alterações inseridas pela LC 118/2005 , mudando o direito e não apenas interpretando-o

Fácil perceber que o artigo 3o da LC 118/05 efetivamente pretendeu alterar o direito vigente anteriormente. Pois que pretendeu transferir o momento de extinção do crédito tributário, movendo-o do momento do lançamento (de ofício ou por homologação) para o momento do pagamento antecipado, momento, aliás, em que o crédito tributário sequer fora constituído.

Note-se que a vigorar o disposto no artigo 3o da LC 118/05, estar-se-á afirmando por via transversa que o crédito tributário proveniente de tributo sujeito a lançamento por homologação estará extinto quando pago antecipadamente pelo contribuinte, ou seja, antes mesmo de ser constituído definitivamente pela homologação do Fisco.

Como vimos, a constituição do crédito tributário proveniente de um tributo sujeito a lançamento por homologação é previamente e antecipadamente realizada pelo próprio contribuinte, o qual também antecipa o pagamento; devendo o Fisco homologar o lançamento de forma expressa ou tacitamente, momento em que estará constituído e extinto definitivamente.

No momento em que o art. 3o da LC 118/2005 dispõe que a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado, está negando à própria Administração o direito de constituir o crédito tributário, contrariando e negando vigência ao disposto no artigo 142 do CTN, verbis:

CTN
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Vejam que a aplicação desta nova ordem legal inserida no ordenamento pátrio pelo art. 3o da LC 118/2005 põe por terra a segurança jurídica, inverte a lógica da constituição do crédito tributário, retira da Administração Pública a competência privativa para constituir e consequentemente extinguir definitivamente o crédito tributário, altera a determinação do art. 142 do CTN.

Portanto, indubitavelmente, o artigo 3o da LC 118/2005 altera dispositivo do Código Tributário Nacional, sendo um absurdo jurídico maior ainda pretender dar conotação interpretativa ao referido dispositivo, como se ninguém antes houvesse entendido direito o direito tributário no que concerne à constituição e extinção do crédito tributário!!

A corrente que defende seja o disposto no art. 3o da LC 118/05 norma meramente interpretativa, e por isso aplicada de forma retroativa como dispõe e art. 4o da LC 118/05, é totalmente equivocada, com todo o respeito aos ilustres juristas que assim entendem.

Por outras palavras, é verdade que lei meramente interpretativa pode retroagir no tempo. O que não é verdade é que o disposto do art. 3o da LC 118/2005 contenha teor meramente interpretativo. O disposto do art. 3o da LC 118/2005 modifica a legislação, de modo a atropelar as Normas Gerais de Direito Tributário, que é lei federal.

Por óbvio, o crédito tributário só pode se extinguir após ser constituído; não se pode extinguir algo antes que seja criado, constituído. Assim pergunta-se: em que momento o crédito tributário do tributo apurado e pago antecipadamente pelo contribuinte fora constituído? Quem o constituiu? O contribuinte? Mas a constituição do crédito tributário não é ato privativo da Autoridade Administrativa? (art. 142 CTN).