A INCLUSÃO DE CRIANÇAS AUTISTAS...

Por Jacyrio Marques Martinho Filho | 13/03/2017 | Educação

A INCLUSÃO DE CRIANÇAS AUTISTAS: Contribuições do conceito de Zona de desenvolvimento proximal e das interações sociais para a atuação do professor tutor

 

 

MARTINHO FILHO, Jacyrio Marques[1]

SANTOS, Valério Xavier dos[2]

 

 

RESUMO

Este artigo busca oferecer subsídios para a atuação do professor tutor, discutindo a sua formação e posição na sala de aula. Acreditamos que o ensino regular pode ser um ótimo lugar para a inclusão de crianças autistas e para tanto, procuramos apresentar por meio de uma pesquisa bibliográfica, as contribuições de Vygotsky para a atuação deste professor. Os estudos para desvendar o autismo estão acelerados, no entanto, em pleno século XXI, o medo do desconhecido continua a gerar preconceito e exclusão, por isso, conhecer este espectro deve ser o ponto de partida para que o professor tutor possa entender seus futuros desafios. O tutor tem a missão de ser o mediador nas questões comportamentais e de comunicação, auxiliando a criança a superar suas limitações, desenvolvendo estratégias que favoreçam as interações sociais, e assim, contribuir para o processo de aprendizagem deste aluno. Incluir não significa aceitar a criança deficiente e esperar que ela tenha o mesmo rendimento dos demais da turma, mas intervir na criação e/ou fragmentação de sua Zona de Desenvolvimento Proximal para que ela modifique seus esquemas e alcance seu desenvolvimento.

 

Palavras chave: Inclusão. Autismo. Professor Tutor. Interação social. Zona de Desenvolvimento Proximal. 

 

1. INTRODUÇÃO

Em janeiro de 2016 entrou em vigor a Lei Brasileira de Inclusão, lei 13.146/2015, que traz em seu texto avanços importantes na busca da autonomia das pessoas com deficiência.

            No capítulo IV, Do Direito à Educação, assegura que a inclusão deverá ocorrer em todos os níveis e modalidades de ensino.

Ao estabelecer a adoção de um projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, esta lei traz consigo a exigência de se oferecer serviços e adaptações necessárias ao atendimento às características dos estudantes com deficiência, ao mesmo tempo em que proíbe as escolas, quer sejam públicas ou privadas, de recusarem as matrículas desses alunos, e ainda impede que sejam cobrados valores adicionais para a contratação de profissionais de apoio.

Quem é esse professor que irá acompanhar este aluno?

Quais os conhecimentos que irão nortear sua atuação?

O que ele sabe a respeito das necessidades desta criança?

A seguir, buscamos responder a essas questões que, provavelmente, jamais poderão ser esgotadas dentro do Espectro Autista.

 

.2. AS INTERAÇÕES SOCIAIS E A IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS DO CONCEITO DE ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL NA INCLUSÃO DA CRIANÇA AUTISTA

 

2.1. O QUE É O AUTISMO

            Muitos são os livros que procuram explicar este mistério chamado autismo, sendo assim, este artigo não fará uma longa abordagem sobre o tema, acreditamos que será papel do professor tutor de uma criança autista, buscar maiores informações sobre esse transtorno.

            O autismo não é considerado uma doença, mas um distúrbio no neurodesenvolvimento, por não se conhecer o gene responsável pelo autismo, ele também não pode ser considerado uma síndrome e sim um transtorno, no entanto, a lei 12.764 de 27 de dezembro de 2012 em seu artigo 1º é clara ao estabelecer os critérios que definem uma pessoa portadora do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

 

Art. 1o Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. 

  • 1oPara os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II: 

I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; 

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. (BRASIL, 2012)

           

            Diante deste quadro, o autismo recebe o nome de Transtorno do Espectro Autista, ou simplesmente TEA. A palavra “espectro” refere-se ao fato de que não existe uma única forma de autismo, uma vez que podemos ter autistas que apresentam uma, duas ou mais das características descritas acima, apresentando níveis que vão de leve a severo.

Pode-se resumir os comprometimentos apresentados por uma pessoa portadora de TEA, observando as três áreas mais prejudicadas:

A – Habilidade social

B – Comunicação verbal e não verbal

C – Comportamental

           

2.2. A IMPORTÂNCIA DAS INTERAÇÕES SOCIAIS PARA VYGOTSKY

            A interação da criança com os indivíduos do grupo ao qual pertence, constitui o fator fundamental para a construção do ser humano e sua inserção no social. “...é por meio da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico”. (OLIVEIRA, 2013, p. 38)

Para a teoria sociointeracionista, a linguagem desempenha um importante papel, pois ela está relacionada com a formação, organização e desenvolvimento de pensamentos mais complexo e abstratos. “O ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores”. (OLIVEIRA, 2013, p. 28)

Segundo Vygotsky (1998), a criança que fala tem a capacidade de dirigir sua atenção de uma maneira dinâmica. Ela pode perceber mudanças na sua situação imediata do ponto de vista de suas atividades passadas, e pode agir no presente com a perspectiva do futuro.

            Esta capacidade humana nos permite aprender adquirindo a experiência de outra pessoa, como por exemplo, quando uma criança ao aproximar o dedo de uma tomada, é alertado pela mãe de que irá “tomar um choque” e, imediatamente, recolhe a mão evitando que se machuque, em outra oportunidade ele se lembrará do conselho de sua mãe e não colocará o dedo na tomada, esta atitude só foi possível porque a aprendizagem de que dedo na tomada é igual a choque foi internalizado. De agora em diante, de acordo com Vygotsky (1988), a fala socializada foi internalizada e que, ao invés de apelar para o adulto, a criança passa a apelar para si mesma. A linguagem passa, assim, a adquirir uma função intrapessoal além do seu uso interpessoal.

Lembramos, no entanto, que essas capacidades de interação e de abstração, características do ser humano, encontram-se prejudicadas no autista.

 

2.3. DEFINIÇÃO DE ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

            Podemos entender o conceito de zona de desenvolvimento proximal como sendo a distância entre o que o aluno consegue fazer de forma independente, como resolver um problema ou desenvolver uma atividade, e o que ele consegue fazer com a ajuda de um mediador mais experiente ou competente, isto é, partindo do nível atual de desenvolvimento, que é pautado nos conhecimentos, habilidades e valores já interiorizados pelo aprendiz, e com a ajuda de um mediador, atingir um nível superior de desenvolvimento, conhecido como nível de desenvolvimento potencial, que após um novo processo de interiorização, permitirá que ele esteja pronto para prosseguir sempre em busca de um nível cognitivo mais elevado.

 

Se quiséssemos utilizar uma metáfora para ilustrar esse labor do professor, ou do tutor, talvez pudéssemos compará-lo aos andaimes que suportam exteriormente um edifício que está sendo construído, e que vão sendo retirados à medida que a estrutura em construção se vai tornando capaz de se sustentar sem ajuda. (FINO, 2001, p.9)

 

            A atuação, quer seja do professor ou de um colega mais experiente, se dará sempre na busca da autonomia do aprendiz, segundo Antunes (2002) o que hoje é realizado com assistência de uma outra pessoa, poderá ser realizado, num futuro próximo, sem a necessidade desta assistência.

 

ZDP é um espaço teórico gerado na própria interação entre educador e educando em função dos esquemas de conhecimento sobre a tarefa a ser realizada pertencentes a este último e os saberes, recursos e suportes de apoio utilizados pelo educador. (ANTUNES, 2002, p.29)

 

            A ZDP não é definida pela atividade a ser desenvolvida, muito menos é a mesma para todos os alunos da sala. Ao escolher uma atividade, o professor deverá levar em consideração que ela poderá gerar inúmeras ZDPs à medida que progride para tarefas mais complexas, assim como o fato de que esta atividade poderá não ser geradora de ZDP, por estar direcionadas a um nível de desenvolvimento que já foi atingido pelo aprendiz.

            Todos os conteúdos, Matemática, Português, História, etc., fazem parte do conhecimento socialmente construído ao longo da história, sendo assim, o conceito de aprendizagem dentro da teoria da ZDP, deve ser entendido como um processo social, logo, esta interação não se dará somente entre o professor/aluno ou aluno/aluno, mas também com o meio no qual o aprendiz está inserido.

 

2.4. A formação do professor tutor diante das necessidades da inclusão

            Pudemos observar que com a legislação vigente e diante da necessidade de se trabalhar com todos os tipos de deficiência, as escolas estão sendo obrigadas a contratar professores que irão garantir a aprendizagem desses alunos, no entanto, o custo dessa contratação não pode ser repassado aos pais, recaindo sobre a escola o ônus da seleção, contratação e custeio desses profissionais, o que resultou em recursos por parte do sindicato das escolas particulares, fato amplamente divulgado pela mídia.

            O direito do deficiente de frequentar uma escola regular está muito bem delineado na Declaração de Salamanca que afirma: “As crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades”. (UNESCO, 1994, p.7)

             As recomendações acima foram referendadas pela Constituição Federal em seu inciso III do artigo 208.

 

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

[...]

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. (BRASIL, 1998)

 

Com a derrota no STF, as escolas públicas e privadas deverão adequar-se às novas necessidades educacionais, adaptando seus espaços físicos e capacitando seu corpo docente.

 

Tais mudanças colocam a instituição escolar com o foco central de atenção ao autismo, envolvendo todos aqueles que nela atual: gestores, equipe, professores e alunos. (SCHMIDT, 2013, p. 19)

 

No que diz respeito ao recrutamento e capacitação a Declaração de Salamanca recomenda:

 

  1. Recrutamento e treino do pessoal docente:

[...]

  1. É preciso repensar a formação de professores especializados, a fim de que estes sejam capazes de trabalhar em diferentes situações e possam assumir um papel-chave nos programas de necessidades educativas especiais. Deve ser adotada uma formação inicial não categorizada, abarcando todos os tipos de deficiência, antes de se enveredar por uma formação especializada numa ou em mais áreas relativas a deficiências específicas. (UNESCO, 1994, p.32)

 

 Não podemos negar o fato de que a falta de experiência e a má formação, poderá limitar a atuação deste tutor em sala de aula, portanto, acreditamos que caberá a este profissional, diante da necessidade de atender o seu aluno, refletir sobre sua formação e atuação, buscando meios de conhecer as limitações e potencialidades deste ser humano que se apresenta para seus cuidados, esforçando-se em prover uma verdadeira inclusão, adequando sua prática pedagógica de forma ética e fundamentada, visando uma educação de qualidade, libertadora e compromissada com a autonomia do aprendiz.

 

2.5. A atuação do professor tutor

            A lei 12.764/12 (BRASIL, 2012) estabelece que as pessoas portadoras de TEA têm direito ao acesso à educação, ao mesmo tempo em que define as punições em caso de recusa de matrícula.

Trata-se, desta forma, de um caminho sem volta, a inclusão se tornou uma realidade e segundo as Diretrizes Nacionais para a educação especial na educação básica. (BRASIL, 2001, p.77, apud TOLEDO e MARTINS, 2009, p.5) não basta receber tais alunos para a mera socialização, o que seria mais uma forma de exclusão, e essa visão nos obriga refletir sobre a postura dos que estão envolvidos nesse processo, no sentido de definir quais atitudes que serão tomadas para garantir o desenvolvimento desses alunos.

             O primeiro contato com uma criança se fará com foco em suas limitações, no entanto, Silva (et al., 2012, p. 11) afirma que não devemos nos deter nas suas dificuldades, mas sim viabilizar as potencialidades, sempre visando a independência, autonomia, socialização e autorrealização de quem vive e se expressa dessa maneira tão peculiar. “Nenhuma criança cujo desenvolvimento se há complicado por um defeito, não é menos desenvolvida que seus coetâneos normais, é uma criança desenvolvida de outra forma”. (VYGOTSKY, 1989, apud VALDÉS, 2012, p. 3.)

 

2.5.1. dificuldadeS que interferem no desenvolvimento cognitivo.

Para Vygotsky (1998) a aquisição do conhecimento se dá do interpessoal para o intrapessoal, no entanto, a relação interpessoal é uma das áreas prejudicadas dentro do espectro autista, exigindo que a escola tome iniciativas que possibilitem o desenvolvimento desta habilidade.

            A seguir, apresentaremos alguns pontos a serem observados pelo professor.

           

I – As convenções sociais.

            O autista apresenta dificuldade em entender as convenções sociais, o que exigirá da equipe escolar e dos colegas de sala o conhecimento de que isso é uma das características deste transtorno e não apenas um caso de falta de educação.

A criança poderá passar diante das pessoas e não responder aos cumprimentos e acenos, por não entender que estes gestos devem ser acompanhados de uma retribuição.

            O professor tutor deve então acompanhar o seu aluno e incentivar a comunicação espontânea e funcional, atuando de acordo com Mousinho (et al, 2010) no desenvolvimento da reciprocidade social, verificando se a comunicação foi efetiva, assim como repará-la e persistir no ato comunicativo.

 

O julgamento social dessas crianças muitas vezes só melhora quando as suas regras são aprendidas. Não tenha medo de ser explícito; as crianças estão se esforçando para ir além das aparências, sua compreensão de situações sociais geralmente é imatura e muito prática. (MOUSINHO; et al, 2010, p. 101)

 

II – A necessidade da rotina.

            As escolas, em geral, possuem alguma forma de ritual para se entrar e sair da sala de aula, como por exemplo, formar filas, rezar, cantar o hino, ouvir orientações da direção, comemorações cívicas e datas especiais como o dia das mães, dia dos pais, dentre outras; a existência de rotina é benéfica para estas crianças, mas comemorações em datas específicas poderão ser interpretadas como um quebra na rotina, trazendo um desconforto para o autista, principalmente se vieram acompanhadas de música alta e aplausos repentinos. “O paciente autista pode se sentir incomodado por pequenas mudanças em sua rotina diária, o que resulta muitas vezes em violentos ataques de raiva”. (TEIXEIRA, 2013, p. 175)

            Toda mudança de atividade precisará ser feita com muita calma, avisando com antecedência que a atual está terminando e qual será a atividade seguinte, evitando assim um momento de ansiedade, como alerta Mousinho (et al, 2010), o professor tutor deverá estar atento ao calendário escolar e solicitar e o planejamento semanal da turma, e assim, antecipar as atividades a serem realizadas, confeccionando um quadro de rotinas das atividades com esquemas de fotos, figuras ou por escrito de momentos específicos, pessoas ou lugares, possibilitando que ela compreenda o que vai acontecer.

 

III – A compreensão das emoções do outro.

            Uma das condições necessárias para o convívio social é a capacidade de reconhecer as emoções, porém as crianças autistas, em geral, possuem esta capacidade prejudicada, cabendo ao tutor trabalhar no sentido de desenvolver esta percepção, podendo, segundo Mousinho (et al, 2010), utilizar recursos visuais de expressões faciais, ensinando a criança a detectar pistas que indiquem as emoções. “Ensinar a perspectiva e pensamentos dos outros usando jogos dos papéis encenados pelas pessoas e jogos de instrução, estimulando a criança a parar e refletir sobre como a pessoa se sente antes dela falar”. (MOUSINHO et al, 2010, p. 101)

 

IV – A participação em atividades de grupo.

            O contato interpessoal poderá ser um fator complicador para a criança autista em sala de aula, devido as dificuldades de entender as convenções sociais já mencionadas, no entanto, segundo Mousinho (et al 2010), ciente de que é a partir da interação entre as pessoas e da troca de experiência que a aprendizagem ocorre, o professor tutor deverá agir no sentido de estimular a interação, e reforçar sempre que houver êxito nas ações da criança.

 

Ensinar a criança a olhar para o grupo e a observar o comportamento das outras pessoas estimulando assim a imitação. O mediador pode direcionar o olhar da criança, apontando, virando delicadamente o rosto da criança ou falando baixinho ao seu ouvido. (Mousinho et al, 2010, p. 99)

 

            No relacionamento interpessoal são necessárias certas habilidades que ficam prejudicadas, como afirma Cunha (2015), tais como pensamentos abstratos, jogos imaginativos e simbolização, sendo assim necessário explicar a intencionalidade da atividade que será realizado e qual o papel de cada membro do grupo.

 

V – O desenvolvimento da linguagem.

            O desenvolvimento da linguagem, de acordo com Cunha (2015), trará consigo a socialização, possibilitando as trocas com os colegas e a mediação do professor, ambas necessárias para a formação de zonas de desenvolvimento proximal e consequentemente a internalização de novas aprendizagens, no entanto, esta é uma área na qual os autistas apresentam comprometimento.

 

Podem ser incapazes de compreender que a palavra macaco signifique simultaneamente, um animal e um acessório de carro. Adicionalmente, esses indivíduos tendem a ser extremamente literais, manifestando dificuldades em compreender metáforas, ironias e outras formas de linguagem. (SCHMIDT, 2013, p. 148)

           

Cunha (2015) adverte que, dependendo do comprometimento da fala apresentado pelo aluno, deverá se buscar o desenvolvimento de habilidades com diferentes meios de comunicação.

            Um recurso de fala muito usado pelas crianças autistas é a ecolalia. “A criança pode repetir frases antigas gravadas em sua memória, fala de um desenho animado, ou ecoar frases que um adulto acabou de dizer”. (SILVA, et al, p. 64, 2012)

Outra característica do autismo, no que diz respeito à linguagem, é falar na terceira pessoa.

 

- A Márcia quer comer.

- Ela está com fome.

Elas ouviram, desde bebês, seus pais dizerem frases assim, quando se referiam a comida. Por serem recompensadas com o alimento, aprenderam que, para conseguir coisas, basta utilizar expressões assim. (SILVA, 2012, et al, p. 66)

 

            Caberá ao professor tutor buscar um significado para essas estereotipias verbais, pois trata-se de uma tentativa de estabelecer contato, ao mesmo tempo em que deverá orientar a criança quanto a forma correta de se expressar.

 

VI – Os movimentos estereotipados e repetitivos.

            Os movimentos repetitivos constituem a característica clássica do autismo para a maioria das pessoas, no entanto, elas podem ter vários significados de acordo com Cunha (2015), como alegria, ansiedade, frustações e excitação, o que exigirá de seu tutor uma cuidadosa investigação dos fatos que desencadeiam este comportamento. “O mediador escolar trabalhará auxiliando a criança na sala de aula e em todos os ambientes escolares [...] corrigindo rituais e comportamentos repetitivos e acalmando o estudante em situações de irritabilidade e impulsividade”. (TEIXEIRA, 2013, p. 179-180)

            Toda tentativa de controle das estereotipias deverá ser feita com muito cuidado e sensibilidade.

 

Sempre dizer o que se espera do comportamento da criança em cada situação problema.

[..]

Auxiliar o grupo no qual a criança esteja inserida a não valorizar, ou a ignorar movimentos estereotipados ou outros comportamentos inadequados que a criança realize. (MOUSINHO et al, 2010, p. 100)

 

2.5.2. O desenvolvimento cognitivo e as Zonas de Desenvolvimento Proximal

Como responder à grande questão: Como ensinar uma criança autista? Cremos que não exista uma única resposta, pois o espectro é extenso, mas sem dúvida, o primeiro passo será a análise do diagnóstico da equipe multidisciplinar: Neurologista, Psiquiatra, Psicólogo, Fonoaudiólogo, Terapeuta Ocupacional, enfim, todos que participam de seu tratamento.

 

Com base em um diagnóstico, é necessário que haja uma customização do aprendizado. Cada criança com autismo deve ser ensinada de um modo diferente. É importante identificar qual é o foco de interesse de cada criança em particular, pois ele pode ser o único canal entre o educador e o educando, em se tratando de autismo. (SCHMIDT, 2013, p. 58)

           

            Como afirma Antunes (2002), o professor, em seu processo de intervenção, deverá apresentar desafios que mobilizem as estruturas internas de seus alunos na busca de soluções, e assim, consigam atingir estágios superiores de desenvolvimento, no entanto, para que isso ocorra, não poderá ter como foco aquilo que o aluno já sabe ou faz, ele deverá direcionar seus esforços para as coisas que o aluno não conhece suficientemente, porém são possíveis de serem conhecidas. “A ajuda fornecida pelo professor necessita estar intimamente associada aos esquemas de conhecimentos que os alunos possuem, posto que são esses, que irão permitir atribuir significados aos novos saberes que recebem”. (ANTUNES, 2002, p. 23)

            Caberá ao professor, garantir um ambiente organizado e com os recursos necessários para que sua atuação resulte na criação de Zonas de Desenvolvimento Proximal. “O mediador deve estar aberto para as respostas do mediado que fornece indicações de cooperação e de envolvimento no processo de aprendizagem”. (CUNHA, 2015, p.106)

            O professor não irá intervir na ZDP do aluno para que ele aprenda extensas quantidade de conteúdo, mas sua atuação se dará na busca de dar significado ao conteúdo em questão.

 

A ZDP se mostra mais eficiente quando se descobrem meios de ajudar os alunos a recontextualizar e reconceituar o que foi aprendido, reorganizando suas experiências e seus conhecimentos em termos de novos significados. (OLIVEIRA, 2014, p. 3)

 

            Ciente do conteúdo que será abordado, bem como das estratégias que serão utilizadas pelo professor da sala, o professor tutor deverá, diante das dificuldades apresentas pelo aluno, fragmentar o conteúdo, estabelecendo metas, definindo tempos e saberes a serem mobilizados, como nos lembra Antunes (2002), sem que jamais se perca a ideia do todo, e assim atuar na ZDP de seu aluno, reduzindo-a, para que por meio de saltos menores, que respeitem suas limitações, ele possa atingir o máximo de suas potencialidades.

 

Construa ou busque construir um ambiente de afetividade com o aluno, progressivamente, fazendo com que ele identifique no professor um ajudante na construção de conhecimentos, disposto a fazê-lo caminhar com segurança e passe a confiar em você. (OLIVEIRA, 2014, p. 3)

 

2.6. METODOLOGIA

            Este artigo apresenta como metodologia a pesquisa bibliográfica, onde foram analisados livros, revistas especializadas e artigos pulicados na internet.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Buscamos descrever algumas das dificuldades que o professor tutor possa encontrar em seu trabalho de acompanhamento de um aluno com o Transtorno do Espectro Autista, bem como algumas das possiblidades de intervenção.

Gostaríamos de alertar que o tutor não deve se esquecer que a turma, incluindo o aluno com o qual atua, possui um professor que não pode se sentir invadido, mas que perceba na figura do tutor um parceiro que o ajudará na missão de ensinar diante da adversidade, e que possam construir um ambiente de aprendizagem e de verdadeira inclusão.  

 

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Celso. Vygotsky, quem diria?! Em minha sala de aula: fascículo 12. Petrópolis: Vozes, 2002

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 06 de agosto de 2016.

BRASIL. Lei 12.764 de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Acesso em: 26 de julho de 2016.

CUNHA, Eugênio. Autismo e inclusão: psicopedagogia e práticas educativas na escola e na família. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2015.

FINO, Carlos Nogueira. Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três implicações pedagógica, 2001. Disponível em: <http://www3.uma.pt/carlosfino/publicacoes/11.pdf>. Acesso em: 20 de junho de 2016.

MOUSINHO, Renata. et al. Mediação escolar e inclusão: revisão, dicas e reflexões. 2010 Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862010000100010>. Acesso em: 18 de junho de 2016.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 2013.

OLIVEIRA, Sergio Wagner de. Vygotsky e a ZDP, 2014. Disponível em: <http://www.nadp.ufla.br/2013/wp-content/uploads/2014/02/Folhetim-28-Vygotsky-e-a-ZDP.pdf>. Acesso em 25 de julho de 2016

SCHMIDT, Carlo (org). Autismo, educação e Transdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 2013

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. et al. Mundo singular – entenda o autismo. Rio de Janeiro: Fontanar, 2012.

TEIXEIRA, Gustavo. Manual dos transtornos escolares: entendendo os problemas de crianças e adolescentes na escola. Rio de Janeiro: BestSeller, 2013.

TOLEDO, Elizabete Humai de; MARTINS, João Batista. A atuação do professor diante do processo de inclusão e as contribuições de Vygotsky, 2009. Disponível em: < http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/3298_1675.pdf>. Acesso em: 08 de julho de 2016.

UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: < http://redeinclusao.web.ua.pt/docstation/com_docstation/19/fl_9.pdf> Acesso em: 12 de julho de 2016.

VALDÉS, Maria Tereza Moreno. A educação na perspectiva de Vygotsky, 2012. Disponível em: <https://introedunb.wordpress.com/2012/10/23/a-educacao-especial-na-perspectiva-de-vygotsky/>. Acesso em: 10 de maio de 2016.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

 

 

[1] Engenheiro Mecânico, Matemático e Pós-Graduado em Educação Matemática pela Universidade de Taubaté/SP e Pedagogo pela Faculdade Maria Augusta de Jacareí/SP. Artigo apresentado como trabalho de conclusão de Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional.

[2] Orientador de trabalhos acadêmicos do Centro Universitário Internacional UNINTER.