A (IN)APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO

Por Amanda Cavalcanti Dantas | 22/06/2018 | Direito

A (IN)APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO 1

Amanda Cavalcanti Dantas 2

Anne Andrews Rocha de Lima 3

Maria do Socorro A. de Carvalho 4

RESUMO

O princípio da insignificância é norma de espécie de aplicação subjetiva, mesmo não previsto legalmente, que leva em consideração as circunstâncias de um determinado fato, mediante critérios que já foram definidos por doutrina e jurisprudência, mas que não apresentam uma vinculação ao intérprete, com isso possibilita avaliações disformes. Sua aplicação a uma determinada conduta a torna atípica, portanto o crime resta inexistente. O patrimônio público é bem jurídico penal de especial natureza, com titularidade difusa, sendo a rigidez de sua defesa motivo de segurança jurídica para ajustamento social. A possibilidade de aplicação do princípio mencionado nos crimes praticados contra o patrimônio público se mostra polêmica justamente pelo caráter supraindividual deste bem jurídico, sendo que, uma aplicação desmesurada pode pôr em risco a segurança jurídica do Estado. A partir desses pressupostos, faz-se uma breve análise da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra o patrimônio público, com ressalvas em recentes decisões acerca da temática, momento em que poderão ser observados evidentes paradoxos, revelando o considerável grau de discricionariedade dos julgadores.

 

Palavras-chave: Princípio da Insignificância. Bem jurídico. Direito Penal. Patrimônio Público. Discricionariedade. Tipicidade. Mensurabilidade do dano.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Princípio da insignificância: fundamentação, conceito e aplicação; 3. (In)aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes contra o patrimônio público: possibilidade de aferição econômica da lesão; 3.1. Efetiva aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra o patrimônio público: uma análise doutrinária e jurisprudencial; 4. Conclusão;

 

 

1 INTRODUÇÃO

O princípio da insignificância, reintroduzido no Direito Penal na Alemanha em 1964 por Claus Roxin, vai ocorrer quando uma determinada ação, tipificada como crime, é praticada por um determinado agente, sendo uma conduta irrelevante, não causando expressivo tipo de lesão ao ordenamento jurídico, à sociedade e nem mesmo à própria vítima. Por tratar-se de uma lesão insignificante, não haverá necessidade de aplicação de nenhuma sanção penal, pois não se tratará de fato punível (TEIXEIRA, 2009).

Assim, percebe-se que este princípio foi elaborado no sentindo de que somente deve-se aplicar a legislação penal quando, no caso concreto, ocorrer uma mínima violação a um bem juridicamente tutelado, afastando a aplicação desta quando o dano configurar-se como inexistente ou irrisório. Com isso, o princípio da insignificância concebeu-se com foco nos crimes patrimoniais, ganhando terreno e defensores quanto à sua aplicação nos crimes contra o patrimônio público (CORRERA, 2014).

Assim como o reconhecimento da insignificância leva em consideração a mínima lesão ao bem juridicamente tutelado, será do mesmo modo importante, tratar este princípio não somente como uma regra simples e o amparo judicial pela aplicação do mesmo com valor exorbitante (nada insignificante, diga-se), mas com o reconhecimento de um princípio.

Por outro lado, a negativa ao reconhecimento deste princípio em relação a uma conduta que fere o patrimônio público considera impossível comparar a extensão entre o dano e a mensurabilidade do mesmo, dizendo não haver como calcular o valor da res publica, dando assim ênfase aqueles delitos em que o bem juridicamente tutelado não apresente características de materialidade. Sendo assim, mostra-se necessário uma maior proteção por parte do Estado a esses tipos de bens, como forma de reflexo de segurança jurídica (MENEGAZZO, 2012).

Portanto, demonstra-se a relevância jurídica penal da questão apresentada, bem como a importância social trazida pela mesma, esclarecendo a existência dos princípios no nosso ordenamento jurídico de forma geral, com ênfase no princípio apresentado no tema deste trabalho, definindo patrimônio público como bem jurídico penal de natureza especial e por fim, observa-se as impliações decorrentes da possibilidade ou não de aplicação da insignificância de acordo com o modo de como a lesão foi reconhecida, sendo feita, através da observação de algumas posições jurisprudenciais mais recente acerca da problemática. 

2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: fundamentação, conceito e aplicação

O pressuposto fundamental do Direito Penal é a Constituição Federal, é ela que estabelece as bases e os limites do jus puniendi Estatal. Por tê-la como basilar, retirando seu fundamento de validade da Constituição, é notório que o Direito Penal tenha suas normas compatíveis com os preceitos estatuídos pela Carta Magna. É sabido, portanto, que, pela supremacia constitucional, qualquer ato que se mostre incompatível como nossa Constituição, será tido como um ato inconstitucional, inválido (RIBEIRO, 2011).

Segundo entendimento do jurista brasileiro Luis Roberto Barroso (2001), uma interpretação jurídica é do mesmo modo uma interpretação constitucional, pois:

(...) qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição. Direta, quando uma pretensão se fundar em uma norma constitucional; e indireta quando se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões: a) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se não for, não poderá fazê-la incidir; e b) ao aplicar a norma deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais.

 

 

A palavra princípio traz em seu cerne uma ideia de “início”, sendo um instrumento que serve de fundamento para outras coisas. Segundo Miguel Reale (2002, p.31 apud Pamplona, 2008):

Princípios, são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes, também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundamentos de validez de um sistema particular de conhecimento com seus pressupostos necessários.

 

O princípio da insignificância, que têm sua origem histórica no Direito Romano, fundado no brocardo: “minimis non curat praetor”, ou, segundo Diomar Ackel Filho (1988), “onde o pretor não cuidava”, referindo-se assim aos delitos de bagatela. Reintroduzido na Alemanha tendo em vista pequenos furtos que, apesar de apresentarem, obviamente, uma ação reprovável e desvaliosa, não configuravam prejuízo excessivo ao patrimônio da pessoa (física ou jurídica). Com isso, havia resultado, porém este não integrava em seu conteúdo um desvalor (ALBANESI, 2010).

Embora não previsto legalmente, o princípio da insignificância é espécie de norma penal subjetiva, ou seja, conforme critérios determinados pela jurisprudência e pela doutrina, leva em conta as circunstâncias de determinado fato. É válido ressaltar que estes critérios não se encontram associados ao intérprete, com isso dão margem a juízos dissonantes. Uma determinada conduta torna-se, portanto, atípica, quando esta recebe aplicação deste princípio, restando inexistente o crime (MENEGAZZO, 2012).

No entanto, o implícito princípio da insignificância é fundamentado em outros preceitos constitucionais, tais como: igualdade, liberdade, fragmentariedade, dignidade da pessoa humana, justiça social, razoabilidade, proporcionalidade e subsidiariedade. Como já foi explicitado, age como excludente de ilicitude em infrações que afetem de forma mínima um bem juridicamente tutelado, agindo como limite tático da norma penal (PAMPLONA, 2008).

Nesse sentido, Rogério Greco (2010) leciona:

“[...] o princípio da insignificância serve como instrumento de interpretação, a fim de que o exegeta leve a efeito uma correta ilação do tipo penal, dele retirando, de acordo com a visão minimalista, bens que, analisados no plano concreto, são considerados de importância inferior àquela exigida pelo tipo penal quando da sua proteção em abstrato”.
 

Cezar Roberto Bitencourt (2007, p. 21), por sua vez, descreve uma análise sobre o princípio da insignificância:

“A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.”
 

Portanto, o que se vislumbra é que o princípio da insignificância atua como ferramenta de defesa do indivíduo, visto que, tratando-se de um Estado Democrático de Direito, desconsiderá-lo, acarretaria em faculdade uma atuação totalitária do próprio Estado. O que se mostra necessário está relacionado à observância do caráter social da insignificância de determinada conduta, isso faz com que o Direito Penal somente atue quando for efetivamente necessário, não implicando na exclusão da incidência dos demais ramos do Direito, evitando com isso o abuso estatal (MENEGAZZO, 2012).

Este princípio vem sendo recepcionado pelos tribunais pátrios de forma crescente, lembrando que seu reconhecimento varia de acordo com o bem jurídico tutelado, com isso, as controvérsias são grandes e o entendimento jurisprudencial, por vezes, torna-se vago e em certo ponto, até mesmo contraditório.

 

2.1 O princípio da insignificância: Direito Penal, tipicidade penal e o uso de valores subjetivos em sua aplicação prática

 

O Direito Penal é um conjunto de normas jurídicas que estabelece limites ao poder punitivo do Estado, estabelecendo infrações e sanções penais correspondentes, além das próprias regras atinentes à sua aplicação. Por se tratar de uma via punitiva institucionalizada que resolve as ações conflitivas, o sistema penal é considerado como um meio de controle social. O operador do direito, quando aplica determinada regra ao caso concreto, acaba por deparar-se com situações em que a punição não é razoável em relação à conduta praticada. O Direito Penal deve ser a última ratio, e há casos em que, por não trazerem grave ofensa ao bem jurídico, não devem ser considerados crimes, por não deterem a relevância para a tutela do Direito Penal (SEIBEL, 2014).

O princípio da insignificância, que deve ser analisado em consonância com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem como já mencionado, o sentido de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material. Tal postulado considera necessária na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de alguns vetores como: mínima ofensividade da conduta praticada pelo agente, inexistência de periculosidade social da ação, reduzidíssimo ou nenhum grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada (ACKEL FILHO, 1988).

Neste mesmo sentido, leciona a doutrina de Cezar Roberto Bitencourt (2010, p.51):

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio da bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.

 

O uso de critérios subjetivos neste princípio, remete à críticas e dissonâncias doutrinárias: de um lado, autores que concordam com a descaracterização deste crime bagatelar quando o caso tratar-se de réu reincidente ou reiteração da conduta; do outro lado, discordância da aplicação destes critérios, referentes ao sujeito do acusado, pois, tendo em vista a insignificância tratar-se de uma excludente de tipicidade, não cabe a análise do requisitos subjetivos apresentados pelo STF (vetores acima mencionados), conquanto referem-se a culpabilidade do agente. Pode-se dizer que os critérios objetivos conglobam a ofensividade da ação, do resultado ou de ambos. Admite-se que há um juízo de valor na aferição desta ofensividade, contudo, é fundamentada em critérios objetivos: o que é valorado é a conduta, se causa ou não grave prejuízo, seja por não haver desvalor da conduta ou do resultado (SEIBEL, 2014).

Portanto, infere-se que a utilização de meios subjetivos pode caracterizar uma confusão hermenêutica, frente ao princípio da insignificância, para o qual há o emprego de critérios que são relativos ao agente, pois sua valoração ocorre no momento da aplicação da pena. No entanto, ao fazer uso de elementos da culpabilidade, antes mesmo de verificada a tipicidade penal, acaba por abarcar em uma arbitrariedade que não conseguiu ser suficientemente fundamentada nas decisões judiciais, pois não há uma resposta clara do motivo de punição de um delito que se revela atípico, seja pela falta de desvalor da conduta, do resultado ou de ambos (VICO MAÑAS, 1994).

 

3 (IN)APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO: possibilidade de aferição econômica da lesão

Patrimônio público é todo o complexo de bens e direitos de valor econômico, social e moral, estético, artístico, turístico pertencentes à União, ao Distrito Federal, aos Estados e Municípios, que, através de administração direta ou indireta e funcional, tenham conservação vinculada ao interesse público e difuso, tendo participação direta do erário e de entidades subvencionadas pelos cofres públicos, estando, portanto, não só os administradores, como os administrados, inteiramente ligados à sua proteção e defesa (PAZZAGLINI et al, 2012).

Com isso, uma conduta será efetivamente considerada como crime quando esta, necessariamente, partindo de um conceito denominado analítico, apresentar uma ação que seja, ao mesmo tempo, típica, antijurídica e culpável. Miguel Reale (2000) considera o delito um ato axiologicamente negativo, portanto, uma conduta que notoriamente encontra-se em conflito com uma determinada legislação. O que levará uma ação a ser considerada como crime não será somente a consideração de sua identidade entre as condutas paradigmática e concreta, mas, como já foi explicitado, deverá partir de um ato antijurídico e culpável.

Diante disso, todo aquele que, seja por ação ou omissão, gera uma lesão ao patrimônio público, ou ainda, de maneira ilícita, se apropria do mesmo, está sujeito a responder pelo crime de Improbidade Administrativa, previsto na Lei n.º 8.429/92. Assim, aquela que ocasiona uma lesão ao patrimônio público, terá como pena o ressarcimento integral do dano. Por outro lado, sua apropriação de forma ilícita gera ao sujeito, sem prejuízo de outras sanções penais, civis ou administrativas: perda daqueles bens que foram acrescidos de forma ilícita e da função pública; suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos; pagamento de multa e ainda proibição da contratação do Poder Público pelo prazo de cinco anos (LOPES, 2006).

 Todavia, os crimes praticados contra o patrimônio público, lembrando que este é composto por vários bens tanto de cunho material quanto imaterial, merecem atenção quanto à característica de impossibilidade de averiguação econômica de alguns deles. Além de que, retirando-se seu caráter supra individual, o que demandaria por parte do Estado maior proteção, mesmo que alguns danos permitam avaliação financeira, por não terem o caráter financeiro da lesão levado em conta, como forma de segurança jurídica, pela importância desses bens (MENEGAZZO, 2012)

Sendo assim, o patrimônio público englobando bens de diversas naturezas terá em relação às lesões praticadas aos bens públicos uma extensão determinada que leve em conta, se possível, o valor econômico do bem lesionado, aliada as características individuais do mesmo, as quais irão depender do caso concreto para avaliação do tamanho do prejuízo, podendo, com isso, aumentá-lo ou diminuí-lo. Essa avaliação de extensão do dano terá realização na fase de instrução processual, podendo ser até mesmo objeto de perícia. Portanto, em tese, essa avaliação permitirá uma análise sobre a possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio público (MARTINS, 2009).

 

3.2 Efetiva aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra o patrimônio público: uma análise doutrinária e jurisprudencial

 

O princípio da insignificância, sendo um tema recorrente nos tribunais pátrios, é um instrumento de interpretação que discrimina aqueles tipos de condutas que somente apresentam tipicidade formal (adequação do fato à norma), ou seja, não apresentam efetiva lesão aos bens jurídicos. Seu reconhecimento ocorre da mesma forma de qualquer outro princípio, levando em consideração, por isso, sua hierarquia e notável carga de subjetividade.

Por sua vez, essas características acabam por refletir o considerável grau de discricionariedade do julgador quando este faz aferimento à insignificância, acarretando na variação de aplicabilidade. Sendo assim, muitos juízes acabam por levar em conta o desvalor do resultado, outros o desvalor da ação e da culpabilidade, e há aqueles, estes considerados de posição mais extrema, que não o aplicam (GOMES, 2008)

Com caráter visivelmente crítico, Marco Aurélio Dutra Aydos (2004) sentencia sobre a utilização do princípio da insignificância, além de reivindicar pela criação de dispositivos legais específicos a fim de que sejam definidas bases sólidas para sua aplicação:

A “praga” da insignificância, se nasceu como remédio bom no solo do Direito Penal que imaginava “coibir” delitos culturais como os crimes ambientais em geral, os crimes fiscais e outros, pela “ameaça” da pena severa e do regime fechado, hoje torna-se erva daninha num sistema que procura adequar-se ao valor formulado por Aristóteles: todas as causas devem ser conhecidas, sejam grandes ou pequenas.

(...) Ao intérprete e aplicador profissional da legislação criminal, enquanto não vem a legislação que corrija essas distorções, a recomendação, em face dos inúmeros demonstrados, é pela não-aplicação do princípio da insignificância fundado em padrões abstratos de significação.

 

Por não haver objetiva previsão legal do princípio da insignificância, resta a competência da doutrina e da jurisprudência aplicá-lo frente aos casos concretos. Segundo Barbosa Júnior, et al (2012), serve como ferramenta para uma avaliação da conduta lesiva, somente sendo utilizada em dois âmbitos:

Deveras, se é certo que a mera subsunção do fato ao tipo, com desprezo da ofensa ou perigo ao bem jurídico protegido, não basta para considerar criminosa a ação praticada, não menos concreto é afirmar a impossibilidade o legislador, aos elaborar os tipos penais abstratos, conseguir prever as diversas extensões dos resultados jurídicos decorrentes do ilícito. Inevitavelmente, o modelo abstrato salienta apenas os motivos relevantes que a conduta possa causar à ordem jurídica e social de forma genérica e, por isso, não é capaz de afastar os casos leves dos âmbitos de alcance de norma penal. Daí decorre a imprescindibilidade da aplicação judicial do princípio da insignificância.

 

 

O problema surge quanto aos critérios considerados por cada julgador ao determinar o que pode vir a ser considerado bagatelar. Tais critérios apresentam inúmeras variações, de cunho subjetivo, não se mostrando repetitivos ou uniformes. São essas inconstâncias que têm causado um grande desconforto, mormente nos crimes federais, culminando em uma insegurança jurídica (MARTINS, 2011).

Portanto, o que se observa é que não há, nem mesmo dos próprios Tribunais, uma uniformidade em relação à aplicação deste princípio aos crimes contra o patrimônio público.

Valendo ressaltar que, as dissonâncias envolvendo avaliações financeiras dos patrimônios públicos não são de importância somente do Estado, mas também para a sociedade como um todo, levando-se em consideração o caráter supra individual desse bem jurídico. Por isso, há possibilidade de aplicação do princípio citado, só que se trata de uma questão consideravelmente complexa, devendo este ser aplicado com a devida cautela, dependendo das características do caso em concreto e de correta fundamentação jurídica (MENEGAZZO, 2012).

 

4 CONCLUSÃO

Por todo o exposto neste trabalho, é notável que o tema abordado trata-se de uma problemática complexa, onde, mesmo após uma extensa análise, não há como se chegar a um discurso uníssono para definir como conclusão.

De qualquer forma, através do desenvolvimento dos temas aqui tratados, nota-se que é de suma importância à problemática que envolve a aferição econômica ao patrimônio público, tanto para o Estado quanto para a sociedade como um todo. Com maior ênfase, vê-se que o tema mostra-se mais importante e delicado quando relacionado à aplicação do princípio da insignificância em benefício daquele que prejudica a coisa comum, em decorrência das consequências advindas desta aplicação.

Neste sentido, demonstrou-se a real existência dos princípios no ordenamento jurídico, enfatizando os específicos de Direito Penal, com especial atenção à definição do princípio da insignificância. Logo após, o bem jurídico tutelado pela norma penal foi o tema de abordagem, deixando clara a importância da proteção estatal deste para a sociedade como forma de segurança jurídica à vida social.

Dessa proteção estatal aos bens jurídicos, enfatizou o bem jurídico denominado patrimônio público, momento este que foi definida sua titularidade difusa, o que ergue à grau de proteção mais severa. Restou evidente, portanto, que há a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra o patrimônio público, ou seja, que há é viável reconhecer a insignificância de uma lesão, mesmo quando o bem jurídico penal é o patrimônio público. No entanto, essa assertiva peca pela generalização, sendo que, como já observado, trata-se de uma questão complexa, onde faz-se necessário a observância da espécie de patrimônio público atingida, além de outros requisitos que variam de acordo com o caso concreto.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato. 1ed.  São Paulo, 2008.

 

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

 

LOPES, Kívio Dias Barbosa. Patrimônio Público. São Paulo: 2006. Disponível em: < http://eventos.tmunicipal.org.br/controleinterno/material_didatico/ci_a8_texto_para_estudo.pdf> Acesso em 18 mar. 2015.

 

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MENEGAZZO, Alessandro Frondoloso. A (in)aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes contra o patrimônio público. Rio Grande do Sul: Passo Fundo, 2012. Disponível em: Acesso em 11 mar. 2015.

 

PAMPLONA, Guilherme e Silva. O princípio da insignificância como excludente de ilicitude material. Florianópolis: 2008. Disponível em: Acesso em: 10 mar. 2015.

 

PAZZAGLINI Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Patrimônio Público e Social. Disponível em: Acesso em 11 mar. 2015.

 

 

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