A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL COMO REQUISITO...

Por Josafá Maia de Oliveira | 20/10/2016 | Direito

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DIRIGIDO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL[1]

Josafá Maia Oliveira e Themis Galgani[2]

Christian Barros Pinto[3]

RESUMO

O presente trabalho busca explanar qual, ou quais possíveis argumentos/posicionamentos a serem considerados para justificar a constitucionalidade e, também, a inconstitucionalidade do requisito de admissibilidade repercussão geral no recurso extraordinários stricto senso, a partir de explanações acerca do cabimento, dos efeitos, dos requisitos genéricos e específicos de admissibilidade de tal recurso e do aprofundamento do instituto da repercussão geral no cenário jurídico brasileiro.

INTRODUÇÃO 

O Supremo Tribunal Federal é considerado como o guardião da Constituição Federal, e como um mecanismo para salvaguardá-la encontra-se o recurso extraordinário stricto senso, que, em tese, trata-se de uma via de acesso à jurisdição do STF, figurando como a principal via de acesso, onde se discute questões de temas constitucionais conforme o art. 102, III, da Constituição Federal.

Visto que o STF é uma instância é extraordinária, então, qualquer meio para acessar essa instância extraordinária se dará por meio de um recurso extraordinário lato sensu. Esse recurso é o recurso de natureza excepcional em decorrência da extraodinariedade do tribunal ao qual é dirigido. Assim, o recurso extraordinário stricto sensu mostra-se um instrumento de natureza excepcional que visa a uniformização da interpretação da constituição e harmonia do sistema constitucional positivo das normas constitucionais. Feitas as considerações iniciais acerca do recurso extraordinário, falar-se-á posteriormente acerca do cabimento, classificação, efeitos, requisitos de admissibilidade e procedimento dos recursos extraordinários stricto sensu, aqueles dirigidos ao STF com viés constitucional.

Os recursos extraordinários lato sensu dependem do esgotamento das vias ordinárias, corroborando para o entendimento de que são eles o último patamar no desenvolver de um processo (DIDIER, 2014, p.256). Contudo, para que sejam admitidos, devem apresentar certas condições de admissibilidade dos recursos em geral – cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, inexistência de fato extintivo ou impeditivo de direito, tempestividade, regularidade formal e preparo – e acerca do recurso extraordinário stricto sensu existem ainda as condições específicas dispostas no art. 102, III, CF:  controvérsia de dispositivo da Constituição, inconstitucionalidade de tratado ou lei federal e lei ou ato de governo local que contrarie a Constituição.

Dessa forma “para que o recurso extraordinário seja considerado cabível, a decisão recorrida deve ter apreciado a questão constitucional discutida neste recurso sob pena de não haver prequestionamento” (CUNHA, 2011, p.12). São os chamados pressupostos de admissibilidade, ou seja, “pré-requisitos que concretizam o direito de recorrer da decisão judicial” (ANTONIO FILHO; CALVALERI, 2011, p.2).

Apesar de aceitos pela doutrina como requisito necessário para a admissibilidade do recurso extraordinário stricto sensu, há discussões acerca da constitucionalidade de um requisito: repercussão geral. Por ser ele exigência de admissibilidade funcionando como instrumento para a racionalização da jurisdição constitucional, exige que o recorrente prove em sede preliminar que a causa recorrida ultrapassa os interesses subjetivos ou inter-partes. Contudo, tal exigência fere princípios processuais há muito arraigados pela doutrina, como o princípio da ação, impedindo que o indivíduo tenha a devida tutela jurisdicional. A discussão acerca da (in)constitucionalidade vai muito além dos princípios que será abordada nos seguintes capítulos. 

1 DO RECURSO

1.1 Considerações dos recursos em geral

O recurso, conforme inteligência de Barbosa Moreira, é o “remédio idôneo a ensejar, dentro de um mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna” (2012, p.233). Dessa forma o recurso “prolonga o estado de litispendência, não instaura processo novo” (DIDIER, 2014, p.17) trabalhando como uma extensão do direito de ação do indivíduo. Por esses conceitos é possível perceber que o recurso se utiliza principalmente de dois princípios: o da ação e do duplo grau de jurisdição, pois, uma vez interposto o recurso, terá o processo a possibilidade de revisão “das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou primeira instância) [...] um novo julgamento, por parte dos órgãos [...] de segundo grau (também denominada de segunda instância)” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2013, p.83).

Essa revisão possibilitada pelo recurso somente pode ser interposta perante decisões judiciais – sentença, decisão interlocutória, decisão monocrática ou acórdão – visto serem elas atos decisórios. A sentença e a decisão interlocutória são as decisões proferidas em juízo singular, de forma que a sentença é a decisão que encerra o procedimento em primeira instância e a decisão interlocutória é toda decisão proferida dentro de um processo sem encerrá-lo. Já a decisão monocrática e o acórdão são aquelas decisões proferidas em tribunais, sendo a monocrática proferida por uma única pessoa – relator, presidente ou vice-presidente – e o acórdão proferido pelo colegiado.

Quanto a classificação, se dividem: i) quanto a extensão da matéria e ii) quanto a fundamentação. A primeira diz respeito à extensão da decisão que será impugnada pelo recurso, podendo ser total – abrange todo o conteúdo da decisão – ou parcial – abrange apenas uma parte da decisão, em que a parte não impugnada fica sujeita a preclusão. A segunda diz respeito à fundamentação utilizada pelo recorrente nos recursos, podendo ser de fundamentação livre – em que está o recorrente livre para, nas razões do recurso, tecer qualquer comentário sem comprometer sua apreciação – ou de fundamentação vinculada – onde a lei limita o tipo de comentário a se fazer acerca da decisão, deve “o recorrente ‘alegar’ um dos vícios típicos para que seu recurso seja admissível [aqui incluído o recurso extraordinário]. Essa alegação é indispensável para que o recurso preencha o requisito de regularidade formal” (DIDIER, 2014 p.24).

Dessa forma, para que o recurso seja admitido deve ele preencher alguns requisitos, o chamado de juízo de admissibilidade. Esse juízo de admissibilidade atua sob o plano de validade do recurso, em que primeiro é verificado a possibilidade do exame do conteúdo da postulação e, se positivo, examina-se a procedência ou não daquilo que se postula. Sendo ele preliminar ao juízo de mérito, uma vez que será nele determinado se o mérito será examinado ou não, por ser ele local onde apura-se a existência ou não de fundamento para a postulação. Nele, examinam-se os requisitos intrínsecos – cabimento, legitimidade, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer – e os requisitos extrínsecos – preparo, tempestividade e regularidade formal. Classificação esta feita por Barbosa Moreira e usada por vasta doutrina.

Didier (2014, p.40) ao falar sobre cabimento resume o exame deste requisito a duas perguntas “a) a decisão é, em tese, recorrível? b) qual o recurso cabível contra esta decisão? Se se interpõe o recurso adequado contra uma decisão recorrível, vence-se esse requisito [...]”. Já como requisito negativo, tem-se a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, ou seja, ao contrário dos demais, se existirem, não poderá o recurso ser admitido. “É o caso da preclusão lógica, que consiste na perda de um direito ou faculdade processual por quem tenha realizado atividade incompatível com o respectivo exercício”, exemplifica Didier (2014, p.50). Para que seja admitido, deve ainda preencher o requisito da regularidade formal, exigidos por lei de que devem constar os recursos.

1.2 Do recurso extraordinário

Ademais aos recursos “comuns” obedientes aos critérios acima explicitados, existem também os recursos excepcionais ou extraordinários, lato sensu, do qual são espécies o recurso extraordinário, stricto sensu, ou para o STF e o recurso especial para o STJ. Salienta-se o fato de que para um recurso chegar a um tribunal superior, deve ter ele exaurido todos os meios ordinários de impugnação além de preencher alguns requisitos de admissibilidade. Algum destes presentes em ambos os recursos, como por exemplo, a fundamentação vinculada, em que suas hipóteses de cabimento estão elencadas no art. 102, III e 105, III, CF.

Entretanto os referidos recursos servem à impugnação de questões de direito e não de fato. Isso porque os tribunais superiores têm um caráter de controle da eficácia do direito objetivo, de forma a não permitir o reexame de matéria de fato ou de prova, visto não se encaixarem em nenhuma das hipóteses de cabimento para a admissibilidade. Dessa forma, somente é possível a interposição de um recurso extraordinário se ele atender a alguma das hipóteses de cabimento elencadas no art. 102, III, CF, quais sejam, decisões que contrariam dispositivo da CF, declarem inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julguem válida lei ou ato de governo local contestado em face da CF, julguem válida lei local contestada em face de lei federal.

Incluído em alguma dessas hipóteses, pode o recurso seguir, passando ao exame dos requisitos de admissibilidade. O prequestionamento, como bem afirma Didier (2014, p.245) “é exigência antiga para admissibilidade do recurso extraordinário”, onde por ele impõe-se que a questão federal/constitucional tenha sido analisada em instância inferior.

Preenche-se o prequestionamento com o exame, na decisão recorrida, da questão federal ou constitucional que se quer ver analisada pelo STJ ou STF. Se essa situação ocorre, induvidosamente haverá prequestionamento e, em relação a esse ponto, o recurso extraordinário eventualmente interposto deverá ser examinado.

Continua Didier (2014, p.247).

Como requisito de admissibilidade para interposição do recurso extraordinário exige-se também o prévio esgotamento de impugnação nas instâncias ordinárias ou na instância única, excluindo qualquer possibilidade de nova impugnação, como aduz o enunciado da Súmula nº 281 do STF.

Existe também, outro requisito de admissibilidade, recentemente incluído pela EC nº 45, que adicionou ao art. 102, o §3º, exigindo que o recorrente, ao impetrar o recurso extraordinário, deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso. Tal exigência, entretanto, é alvo de constantes discussões acerca de sua constitucionalidade. O que a priori parece ser uma exigência viável, visto que estavam os tribunais superiores agindo como primeira instância em decorrência da alta demanda estatal para resolução de conflitos e consequentemente na demora para sua conclusão face à função precípua do STF, qual seja, a uniformização da interpretação jurisdicional, é questionável pela ótica dos princípios processuais – entre eles o da ação – por ser encarada como uma obstaculização à prestação jurisdicional.

[...]

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