A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
Por Thaynara Amaro Alves De Alencar | 31/10/2024 | Direito
CENTRO UNIVERSITÁRIO PARAÍSO
ANA KAROLINE ALMEIDA LIMA
LUCAS MAGALHÃES CAVALCANTE
THAYNARA AMARO ALVES DE ALENCAR
A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
JUAZEIRO DO NORTE - CE
2022
ANA KAROLINE ALMEIDA LIMA
LUCAS MAGALHÃES CAVALCANTE
THAYNARA AMARO ALVES DE ALENCAR
A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
Trabalho apresentado à disciplina Teoria da Pena, do 2º ano branco matutino do curso de Direito do Centro Universitário Paraíso, como requisito para obtenção de nota ao 1º Trabalho Discente Efetivo.
ORIENTADOR: Professor André Dantas Oliveira
JUAZEIRO DO NORTE – CE
2022
RESUMO
O presente trabalho busca discorrer sobre os pressupostos usados pelo STF no julgamento do HC 126.292 e das liminares concedidas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) nº 43 e 44, quando decidiu ser possível a execução da pena depois de decisão condenatória confirmada em segunda instância, bem como analisar sobre a constitucionalidade ou não deste entendimento. Além disso, abordar acerca das Propostas de Emenda à Constituição números 410/2018 (Câmara dos Deputados) e 05/2019 (Senado). E, não menos importante, expor entendimento sobre o julgamento ocorrido em novembro de 2019 pelo plenário do STF das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, onde, por maioria, julgou-as procedentes para confirmar/declarar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, em que consagra a garantia fundamental do cidadão de ser considerado inocente até que não seja mais possível reverter eventual condenação, afirmando que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos.
Palavras-chave: constitucionalidade, julgamento, entendimento, condenação, “segunda instância”.
ABSTRACT
The present work seeks to discuss the assumptions used by the STF in the judgment of HC 126.292 and the injunctions granted in the Declaratory Actions of Constitutionality (ADC) nº 43 and 44, when it decided to be possible the execution of the sentence after a conviction confirmed in the second instance, as well as analyzing the constitutionality or otherwise of this understanding. In addition to addressing the Proposed Amendments to the Constitution numbers 410/2018 (Chamber of Deputies) and 05/2019 (Senate). And, not least, to present an understanding of the judgment that took place in November 2019 by the plenary of the STF of the Declaratory Actions of Constitutionality 43 and 44, where, by majority, it upheld them to confirm/declare the constitutionality of article 283 of the Code of Criminal Procedure, in which it enshrines the fundamental guarantee of the citizen to be considered innocent until it is no longer possible to reverse a possible conviction, stating that the fulfillment of the sentence can only begin with the exhaustion of all remedies.
Keywords: constitutionality, judgment, understanding, condemnation, “second instance”.
INTRODUÇÃO
Estimando o julgamento do HC 126.292 e das medidas cautelares nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, bem como as Propostas de Emenda à Constituição (PEC’s) números 410/2018 e 05/2019, que envolvem a compreensão e os limites de presunção de inocência segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), que serão elencadas neste trabalho, percebeu-se que, no meio jurídico, há considerável controvérsia entre argumentações e posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto.
Nesse sentido, o presente artigo pretende analisar alguns aspectos dessas decisões. Mostrar a relevância do assunto, que se constitui num tema atual e de extrema importância, haja vista que as mudanças de posicionamentos do STF não estão distantes da atual realidade e ainda segue uma forte divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Foi por meio desse embate que nasceu a alegação de impacto sobre a proteção a direitos fundamentais em âmbito penal e processual pena. E ainda tratar da importância do tema, que se renova com a (constante) crise do precário sistema penitenciário brasileiro, fazendo-se necessário uma visão apurada para a construção argumentativa da decisão, uma vez que conseguiu mudar a jurisprudência da Corte, quando retroagiu em sua jurisprudência mitigando a efetividade de um direito fundamental.
ANÁLISE CRÍTICA SOBRE OS PRESSUPOSTOS USADOS PELO STF NO JULGAMENTO DO HC 126.292
No dia 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus (HC) 126.292, demandado contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que negou a concessão de liberdade ao réu do caso concreto ligado a este fato e que fora condenado a uma pena de cinco anos e quatro meses de reclusão pela prática do crime de roubo majorado (Artigo 157, §2º, incisos I e II do Código Penal).
No que tange a defesa do réu, foi interposto recurso de apelação pela discórdia da decisão, pois foi negado deferimento ao recurso pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que expediu mandado de prisão para o condenado. Dessa forma, foi requerido HC no STJ que o negou, levando o caso até o STF (STF, 2016, p. 2).
O Habeas Corpus (HC) 126.292 ficou conhecido por “suavizar” o Princípio da Presunção de Inocência, prestigiado pela CFRB no art. 5º, inciso LVII, onde dispõe que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Dessa forma, o condenado tem direito a esgotar todos os graus recursais antes de dar início ao cumprimento da pena. Isso porque logrou sete votos a favor contra somente quatro em contrário.
Até 2009 era entendido, pelo STF, ser possível a execução provisória da sentença, isto é, uma vez condenado já poderia ir para prisão, mesmo estando ainda pendentes a apreciação de Recurso Especial (REsp) e Recurso Extraordinário (RE), por razão do texto do art. 637 do Código de Processo Penal atribuir expressamente a semelhantes recursos apenas o efeito devolutivo, não atribuindo o efeito suspensivo (STRECK, 2016b, p.2).
Essa mudança de posicionamento acarretou na alteração da Lei nº 12.403, de 2011, em seu art. 283, do Código de Processo Penal, onde adéqua a legislação ordinária às disposições constitucionais, ofertando uma maior segurança jurídica ao ordenamento. Este artigo, bem como o inciso LVII do art. 5º da CRFB, dispõe que ninguém poderá dar início à execução de sentença, sem que esta ainda não tenha transitado em julgado (BRASIL, 1941).
Porém, em fevereiro de 2016, mais uma vez o Tribunal mudou seu posicionamento passando a reconhecer a possibilidade do cumprimento provisório de sentença penal condenatória confirmada por tribunal de 2ª instância, sem que fosse mais necessário esgotar os recursos aos quais tem direito o condenado para poder começar o cumprimento da pena de prisão (STF, 2016). Fato ocorrido após o julgamento do HC 126.292.
Tendo por justificativa para esta última mudança, o Tribunal argumentou que, mesmo o art. 637 do CPP atribuir apenas o efeito devolutivo ao Recurso Extraordinário e ao Recurso Especial, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe algo novo ao ordenamento jurídico nos artigos 995 e 1027, que passou a conceder aos referidos recursos os efeitos devolutivo e suspensivo (BRASIL, 2015). Dessa forma, seria possível, em regra, a execução provisória da pena, em razão de o Código de Processo Civil de 2015 ter, a princípio, revogado o disposto no art. 283 do Código de Processo Penal, sem atingir, contudo, a Constituição do Brasil.
Em vista disso percebeu-se que para sustentar essa mudança de posicionamento, o STF utilizou-se de uma questão processual, acabando por levar em conta a realidade de o princípio da presunção de inocência ser uma garantia constitucional, não indagando a questão material. O Tribunal não conseguiu validar a inadequação jurídica de seu posicionamento anterior, baseado integralmente na análise constitucional do preceito envolvido.
Contudo, a inovação que trouxe o Código de Processo Penal de 2015 diz respeito apenas à criação de um procedimento específico: uma simples petição, cuja capacidade é atribuir efeito suspensivo ao RE e ao REsp, diferente do que vigorava anteriormente (Enunciados 634 e 635 do STF).
Do mesmo modo, os ministros tutelaram o argumento de que, por se tratar de um princípio, a presunção de inocência não suporta aplicabilidade absoluta, fraquejando à medida que o trâmite processual progride. Defendem que após a condenação em segunda instância, as questões de direito já teriam sido esgotadas, permitindo aos recursos posteriores cabíveis apenas um parecer de questões processuais.
Como já é sabido, o texto do art. 5º, inciso LVII, é taxativo ressaltar a necessidade da existência do trânsito em julgado para condenação, não sendo passível de dúvidas ou de mitigação. Tentar impor a efetividade da lei penal a qualquer maneira, através da condenação e restrição da liberdade dos acusados, é incompatível para um Estado Democrático de Direito. Ao judiciário não é concedida uma desatenção às normas, tampouco um estado de desordem às garantias constitucionais em nome de uma ilegítima efetividade penal.
Por essa razão, fica claro que o STF, no julgamento do HC 126.292/SP, fragilizou o princípio constitucional da presunção de inocência sem, contudo, ponderar de maneira constitucional do tema, fundamentando-se somente em delicados arranjos do legislativo ordinário. Aqui o judiciário atuou além da sua competência, se intrometendo na esfera do poder legislativo para alterar o sentido de norma.
Sobre as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44, seu relator o ministro Marco Aurélio, ao votar disse que "[.] a Carta Federal consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória. A regra é apurar para, em execução de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender. [.]”. Ao editar o dispositivo em jogo, o Poder Legislativo, mediante a lei 12.403/11, limitou-se a concretizar, no campo do processo, garantia explícita da lei Maior, adequando-se à compreensão então assentada pelo próprio Supremo".
Assim, é possível concluir que ao declarar a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, a grande parte dos ministros da Suprema Corte consolidou um entendimento na expressão "trânsito em julgado", que violou claramente a CF e o referido dispositivo processual penal, dando vez a denominada fraudem legis.
Porém, em sete de novembro de 2019, restabeleceu-se, mesmo que por uma pequena maioria, a garantia fundamental do cidadão de ser considerado inocente até que o trânsito em julgado, ficando claro que o artigo 283 do CPP não viola o texto constitucional.
Antes do julgamento das ADCs, o país possuía uma média de 5 mil presos, segundo o CNJ, por condenação em segunda instância, isto é, cerca 0,6% da população carcerária brasileira que ainda aguardava recursos nas instâncias superiores. Em outras palavras, os presos que não tinha em seu desfavor uma sentença penal condenatória transitada em julgado.
2. SOBRE A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DAS PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO (PEC’S) NÚMEROS 410/2018 (CÂMARA DOS DEPUTADOS) E DA 05/2019 (SENADO).
Está claro na Constituição da República a impossibilidade desta ser emendada na vigência de intervenção federal (art. 60, §1º, da Constituição), e mesmo assim a PEC 410 foi apresentada ao Congresso em 27 de março de 2018 pelo Deputado Federal Alex Manente, com proposta de mudança na redação do art. 5º, LVII da Constituição Federal, que diz que “Ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” A novidade é para possibilitar a prisão logo após o réu ser condenado na segunda instância, fazendo com que as possibilidades de recursos em contrário a decisão judicial sejam apresentados com o réu já em cumprimento de pena. O novo texto traz que “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.
Para justificar a Proposta de Emenda à Constituição, os deputados, entre outros argumentos, sustentaram que a presunção de inocência, já garantida pelo fato de que cabe à acusação ônus das provas para a condenação de eventual acusado de um lado, e do outro, as chamadas questões de fato já estariam concluídas pelas decisões de segundo grau – ou seja, que a partir dos graus extraordinários (STJ/STF), a discussão se daria somente sobre “o direito” e não mais sobre “os fatos”.
O texto da PEC 410/18 acabou por inverter o ônus argumentativo, inerente ao acusador, violando a ampla defesa e o contraditório. Com isso, sendo a execução antecipada de uma pena sem que haja decisão definitiva, a condenação em segunda instância, teria o próprio acusado que comprovar a sua inocência.
Dessa forma, se baseado não somente no §1º (proibição de emendar a Constituição durante intervenção federal), como também no §4º, do art. 60, da Constituição, que proíbe sequer ser objeto de deliberação proposta de ementa tendente a abolir direitos e garantias individuais, seria cabível um controle de constitucionalidade da tramitação da PEC 410/2018, seja por ADPF, para impedir um processo legislativo de reforma constitucional que vulnere o sentido constitucionalmente adequado da presunção de inocência como garantia individual, seja pela impetração de mandado de segurança por parlamentar.
O fato é que a referida PEC é natimorta, de forma que, na Constituição Federal, todo o art. 50 é uma grande cláusula pétrea, bem como o seguinte, art. 60, § 4º, inciso IV, que salva de forma objetiva que não se faz Emenda Constitucional que tenha por objetivo mitigar direitos e garantias fundamentais.
No que diz respeito a PEC 05/2019, igualmente inconstitucional, cuja autoria é do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), idealizava inserir o inciso XVI ao artigo 93, da CF, com redação de que "decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos", para estrategicamente falando incluir a prisão em segunda instância no artigo citado, cujo objeto é ordenar os princípios básicos do Estatuto da Magistratura.
Cláusulas pétreas, conforme já mencionado anteriormente, são normas que não podem ser modificadas, sob pena de desvio de finalidade e abuso de poder. Sob essa perspectiva, o ministro do STF, Carlos Ayres Britto entendeu que:
“A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de "originário") não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas.” (ADIn 2.356 MC e ADI 2.362 MC, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 25-11-2010, P, DJE de 19-5-2011).
Portanto, pode-se perceber que o senador Oriovisto não fez qualquer referência direta ao inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição, prevista nos direitos e garantias individuais, demonstrando somente uma vontade de dar entendimento contrário ao que o plenário do STF decidiu acerca da impossibilidade de execução provisória da pena após confirmação em 2ª instância.
Perante o exposto, viu-se que a sadia origem constitucional do artigo 283 do CPP foi mantida pelo STF, e que qualquer ação para incluir na Carta Magna algum dispositivo que ataque o princípio da não culpabilidade, por se tratar esta de cláusula inserida em direitos e garantias individuais, caracterizando fraude à Constituição podendo, assim, ser declarada inconstitucional.
CONCLUSÃO
Ao logo da pesquisa sobre o tema aqui estudado, foi possível observar que a Constituição Federal de 1988 consagrou como cláusula pétrea o Princípio da Presunção de Inocência (art. 5º, LVII/CF), um direito que, como corrobora Norberto Avena, é “um dos mais importantes alicerces do Estado de Direito” e, portanto, é merecedor de relevante observação, seja numa avaliação probatória, no curso de um processo, ou numa instrução processual. E tendo isso como base, notou-se a fragilidade incontestável dos argumentos apresentados pela Suprema Corte para justificar a autorização da execução antecipada da pena, violando a Constituição por marginalizar seus dispositivos.
Ficou clara a inobservância do STF as evidentes consequências dessas mudanças em suas decisões, de “ora sim, ora não”, em um curto espaço de tempo, que fere a Carta Magna do Estado Brasileiro e retira os créditos de sua competência superior como guardião dela, já que cogita a ideia de permitir as prováveis injustiças que podem vir acontecer, antes do julgamento de todos os recursos cabíveis, sem a devida culpa comprovada do agente.
Diante do exposto neste artigo, é plausível dizer que as tomadas de decisões da Suprema Corte resultaram em ações inconstitucionais dentro do Estado Brasileiro, haja vista que o princípio da presunção de inocência, como cláusula pétrea que é não pode ser relativizado, nem pelo STF e nem pelos parlamentares, pois estariam colocando a Constituição Federal contra ela mesma em caso de aprovação das PECs 410/2018 e 05/2019, bem como das liminares concedidas nas ADCs nº 43 e 44.
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