A (im)possibilidade de o amicus curiae recorrer

Por Dérick Macêdo Silva | 27/01/2017 | Direito

A (IM)POSSIBILIDADE DE O AMICUS CURIAE RECORRER

Dérick Macêdo Silva

Amanda Costa Thomé Travíncas

Sumário: Introdução; 1 Amicus curiae: conceito, características e requisitos; 1.1 Conceito; 1.2 Características; 1.3 Requisitos; 2 (Im)possibilidade de o Amicus curiae recorrer. Conclusão. Referências.

RESUMO

Debater-se-á sobre a possibilidade ou impossibilidade de o amicus curiae poder recorrer de quaisquer decisões, incluindo a final, havidas em processos de controle de constitucionalidade. Diante de argumentos apresentados pela doutrina, pros e contras, e das características e requisitos inerentes ao próprio instituto, ver-se-á que a impossibilidade seria dar passos para trás, ao invés de avançar, optando-se, assim, pela possibilidade.

Palavra chave: amicus curiae; características e requisitos; possibilidade e impossibilidade recursal.

INTRODUÇÃO

O instituto do amicus curiae possui bastante peso em prol da democracia. Afinal, por meio dele, a sociedade tem mais participação quando do controle de constitucionalidade pelo STF. Todavia, para que alguém se valha desse instituto, sem sombra de dúvida, deve-se obedecer a determinadas regras, até mesmo para que não se banalize essa participação e, consequentemente, prolongue-se o processo.

A principal norma regulamentadora desse instituto consiste na Lei 9.868/99. Ocorre que, quando da leitura de seu artigo 7º, § 2º, por exemplo, depara-se com a determinação que, caso o relator negue o pedido de atuação de alguém como amicus curiae, esta negatória será irrecorrível. Da mesma forma acontece em relação às outras decisões, interlocutórias ou final, havidas no processo. Se tais determinações de fato prevalecem, pode-se afirmar que a participação da sociedade no processo constitucional fica a mercê do bom humor e da sorte de acerto quando do julgamento realizado pelo relator e pelos outros Ministros, o que certamente não é coerente e correto, sobretudo frente à democracia.

Diante de tais apontamentos, questiona-se: então, há ou não a possibilidade de se recorrer de decisões, interlocutórias ou final, proferidas nas ações direta de inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade e de descumprimento de preceito fundamental?

É de fácil constatação que o tema realmente possui relevância, especialmente social, apenas com o dito até aqui. Contudo, deve-se acrescentar que através do amicus curiae não só se fortalece o princípio da democracia quando do julgamento de processos de controle de constitucionalidade, mas também se pode levar ao conhecimento dos Ministros realidades, de fato, de direito e/ou técnicas, desconhecidas por eles e pertinentes ao caso e, assim, ensejar um melhor julgamento. Eventual privação de que isso ocorra pode ensejar um julgamento errôneo e, consequentemente, prejuízos para boa parte da sociedade, afinal, o objeto da ação diz respeito não a duas ou mais algumas pessoas, mas sim à coletividade, quer dizer, a elevado número de pessoas e suas relações sociais e jurídicas mantidas umas com as outras, incluindo neste número o pesquisador do presente trabalho e suas relações.

Enfim, visando responder a questão acima elaborada, optou-se, como metodologia, pela realização de uma pesquisa acadêmica argumentativa qualitativa apresentando o seguinte itinerário: primeiramente, analisar-se-á a figura do amicus curiae, seu conceito, origem, fundamento político, características e requisitos; obtido este embasamento teórico, debater-se-á sobre a possibilidade ou não de o amicus curiae poder recorrer, apontando argumentos e teorias que fundamentam uma resposta positiva e uma resposta negativa, e; realizadas tais etapas, concluir-se-á, de modo fundamentado, pela possibilidade ou impossibilidade. Veja-se a primeira etapa.

1 AMICUS CURIAE: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS

Não é muito promissor debater sobre algo sem sequer conhecê-lo direito, saber suas características e peculiaridades. Portanto, eis o amicus curiae com certa profundidade didática.

1.1 Conceito

Inicia-se expondo que, embora se use a expressão “intervenção do amicus curiae”, o instituto em apreço não se confunde com a intervenção de terceiros. Caso assim fosse, tal instituto, previsto no artigo 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/99, não poderia, de forma alguma, intervir no processo constitucional, conforme estabelece o caput do mesmo artigo, in verbis:

Art. 7º. Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1º (VETADO)

§ 2º O relator, considerando a matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Nessa linha de raciocínio, cita-se o exposto por Rosa:

Entretanto, não se deve entender que a possibilidade de admissão da manifestação de outros órgãos ou entidades seja uma exceção à regra geral da vedação da intervenção de terceiros.

Explicamos.

É que a intervenção do amicus curiae não pode ser considerada mera intervenção de terceiros, considerando-se a previsão desse instituto no Código de Processo Civil.

Assim ocorre porque, para que haja intervenção de terceiros, faz-se necessário que este possua interesse jurídico, um dos requisitos para que se possa participar na relação processual como tal e o qual inexiste no processo de controle abstrato de constitucionalidade, já que neste processo não há subjetividade, mas sim objetividade, quer dizer, não há interesses/direitos subjetivos.

[...] o pedido de intervenção assistencial, ordinariamente, não tem cabimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade, eis que terceiros não dispõe, em nosso sistema de direito positivo, de legitimidade para intervir no processo de controle normativo abstrato. Isso porque, o processo de fiscalização normativa abstrata qualifica-se como processo de caráter objetivo.

O amicus curiae consiste em um “colaborador informal da Corte” . Na tradução literária, consiste em um “amigo da corte”.

Amicus curiae é “amigo da Corte”, aquele que lhe presta informações sobre matéria de fato e de direito, objeto da controvérsia. Sua função é chamar a atenção dos julgadores para alguma matéria que poderia, de outra forma, escapar-lhe ao conhecimento. Um memorial de amicus curiae é produzido, assim, por quem não é parte no processo, com vistas a auxiliar a Corte para que esta possa proferir uma decisão acertada, ou com vistas a sustentar determinada tese jurídica em defesa de interesses públicos ou privados de terceiros, que serão indiretamente afetados pelo desfecho da questão.

Note que, na previsão legal e nas citações acima transcritas, há menção expressa à ação direta de inconstitucionalidade, não havendo, nem nelas e nem no restante da Lei 9.868/99, nada que diga respeito ao instituto do amicus curiae na ação declaratória de constitucionalidade e na ação de descumprimento de preceito fundamental. O artigo 18, em seu § 2º, apresentava algo sobre isto, porém, foi vetado, conforme acertadamente lembra Rosa.

Não obstante esse veto e a inexistência de previsão em lei, há autores que alegam ser possível o cabimento do instituto em análise na ação declaratória de constitucionalidade (ADC), apresentando as mesmas características e requisitos existentes em relação à ação direta de inconstitucionalidade (ADI). Assim também ocorre em relação à ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

Autores como Dirley da Cunha Jr. e Cássio Scarpinella Bueno são exemplos dentre aqueles que apontam que o amicus curiae também é cabível na ADPF, valendo-se, basicamente, dos mesmos fundamentos que justificam a existência deste. Contudo, quando do julgamento da ADPF nº 54, o STF afirmou ser incabível tal instituto nesta ação.

Não se adentrará, apontando argumentos pros e contras, na discussão havida dentro da doutrina e desta com o STF acerca do cabimento ou não do amicus curiae em ADC e ADPF, haja vista não ser este o foco do trabalho. Tão somente se adotará a posição que, aqui, acha-se mais coerente, que é pelo seu cabimento em ambas tendo como fundamento a importância do instituto, qual seja, a democratização e a pluralização do debate constitucional. Deste modo, quando do uso do termo “ação” ou “processo”, estar-se-á se referindo às três.

1.2 Características

O instituto do amicus curiae apresenta algumas características: a sustentação escrita e oral, o momento processual próprio para que se solicite atuar como tal e o prazo para manifestações. Veja-se cada uma delas.

a) Sustentação escrita e oral

Quando da leitura do art. 7, § 2º, da Lei 9.868/99, depara-se apenas com a palavra “manifestação”, sem nada a indicar se é oral, escrita ou as duas. Nunca houve divergência quanto à possibilidade de manifestação escrita. Agora, quanto a oral, tinha-se, de um lado, a doutrina defendendo ser possível e, de outro, o STF defendendo o contrário.

É válido mencionar o que Fredie Didier Jr. leciona sobre o assunto, pois explana muito bem o porquê de a doutrina optar pela possibilidade, in verbis:

Em primeiro lugar, o § 2º do art. 7º da Lei federal 9.868/99, fonte normativa para a intervenção do “amigo”, não estabelece forma para a sua manifestação. Não havendo previsão legal a respeito, o ato processual (manifestação) pode ser efetivado por qualquer forma (oral ou escrita), desde que atinja a finalidade (que, no caso, é a de ajudar o tribunal no julgamento). Vale, pois, a regra do art. 154 do CPC.

Em segundo lugar, a permissão de sustentação oral conferida aos representantes judiciais da requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato (art. 10, § 2º, Lei federal n° 9.868/99) não pode servir como argumento de que, ipso facto, fica proibida a manifestação oral deste especial auxiliar do juízo. Parece que a sustentação oral é algo esdrúxulo, excepcional, que somente pode ser permitido em situações de absoluta necessidade. Estranho isso; notadamente quando se sabe que as decisões colegiadas normalmente dão ensejo a calorosos debates orais, cujas armas de convicção, certamente, não ficam restritas à palavra escrita, e cujo teor, quase sempre, não é reduzido a termo. Ora, é da própria natureza dos julgamentos colegiados o manejo da palavra falada.

Em terceiro lugar, também não se pode dizer que a concessão da palavra prejudicará a celeridade do julgamento. [...] Se a sustentação oral serve ao esclarecimento dos magistrados; se o julgamento colegiado caracteriza-se pelos debates orais; se a participação do amicus curiae no processo é um fato de aprimoramento da tutela jurisdicional, pois atua como um auxiliar do juízo, não há nenhum sentido na proibição que esse auxílio se dê pela via da palavra falada.

Quando do julgamento da ADIn nº 2.777-SP, rel. Min. Cezar Peluso, Informativo STF nº 331, havido em 2003, o STF alterou seu posicionamento. A partir de então era possível a sustentação oral. Esta, de acordo com o voto do relator, deveria obedecer as regras expostas no artigo 131, § 3º, do Regimento Interno do STF:

[...] o amicus curiae, uma vez formalmente admitido no processo de fiscalização normativa abstrata, tem o direito de proceder à sustentação oral de suas razões, observado, no que couber, o parágrafo 3º, do artigo 131 do RISTF, na redação conferida pela Emenda Regimental 15/2004.

b) Momento processual próprio para que se solicite atuar como amicus curiae e prazo para manifestação

Na previsão legal do amicus curiae (art. 7º, § 2º, Lei nº 9.868/99), faz-se menção ao prazo estabelecido no § 1º do mesmo artigo, o qual foi vetado, e que, por sua vez, fazia menção ao prazo de 30 (trinta) dias previsto no artigo 6º, parágrafo único, da mesma lei. Não se deve confundir tal prazo com o momento processual próprio para que se solicite atuar como amigo da corte. Os 30 (trinta) dias consistem no prazo para sua manifestação do amicus curiae, os quais só podem ser contados após publicação do despacho favorável do relator.

Vale ressaltar que, não obstante a previsão legal desse prazo de 30 dias, o STF já admitiu manifestação posterior a ele, isto é, ainda que já transcorrido, desde que antes do julgamento.

Pensamos, portanto, que nada impede transpor à hipótese o prazo de 30 dias previsto no art. 6º, desde que, contudo, o dies a quo seja o do deferimento do pedido de manifestação do amicus curiae.

Nada obsta, ademais, que o STF adote outro prazo para manifestação, mesmo menor, haja vista o silêncio da lei. O que não se pode admitir é que o veto ao § 1º imponha solução que torne ineficaz o § 2º do art. 7º, esvaziando quase que completamente seu conteúdo.

Quanto ao momento processual, prevalece o entendimento que este pode ser a qualquer tempo, desde que antes do julgamento. Valendo-se de Edgard Silveira Bueno Filho:

[...] a intervenção do amicus curiae pode se dar a qualquer tempo, antes do julgamento da ação. É que tal como na assistência o amicus curiae pegará o processo no estado. Desse modo, se o julgamento já tiver se iniciado com a leitura do relatório, não poderá promover a sustentação oral. Entretanto, será admitida a entrega de memoriais aos demais julgadores.

Em suma, quanto ao momento processual e prazo para manifestação, tem-se o seguinte:

Dessa forma, a oportunidade processual para a admissão do amici curiae nos termos do art. 7º, § 2º, não se exaure com o término do prazo para as autoridades prestarem informações (art. 6º, parágrafo único). Decorre da sistemática da lei que o amicus curiae poderá ser admitido a qualquer tempo, antes de iniciado o julgamento final da ação. O prazo a que se refere o § 2º do art. 7º não é para a definição do momento processual da admissão do amicus curiae, mas para a apresentação da sua manifestação escrita a partir da data da decisão positiva do relator.

1.3 Requisitos

Para que se atue como amicus curiae, faz-se necessário, conforme estabelece o próprio § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99, o preenchimento de dois requisitos, a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes.

a) Relevância da matéria

Quando da leitura deste requisito, sem maior esclarecimento, parece redundante requerer que a matéria tenha relevância. Em se tratando de processo constitucional, tem-se o julgamento acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma, fato que influencia uma considerável gama de pessoas e relações sócias e jurídicas e que, sendo assim, por si só, sempre é relevante.

Todavia, este requisito implica não só na análise da relevância da matéria a ser tratada, mas também da matéria a ser apresentada pelo amigo da corte, entendendo-se por matéria, neste último caso, como “informações, conhecimentos, elementos, fatos e outras coisas do gênero”. Valendo-se de Cássio Scarpinella Bueno, tem-se:

Mais do que isso, somos do entendimento de que por “relevância da matéria” também deve ser entendida a necessidade concreta sentida pelo relator de que outros elementos sejam trazidos aos autos para fins de formação de seu convencimento. [...]

O que é importante para seu preenchimento, acreditamos é que a “relevância” seja indicativa da necessidade ou, quando menos, da conveniência de um diálogo entre a norma questionada e os valores dispersos pela sociedade civil ou, até mesmo, com outros entes governamentais.

Há ainda quem afirme que essa análise deve ser feita considerando a relação entre a atividade daquele quem almeja ser amicus curiae e a matéria objeto da ação.

Temos para nós que por relevância da matéria o legislador quis que o postulante demonstrasse a relação de relevância entre a matéria discutida e a atividade perseguida pela instituição. Primeiro, porque, se o processo está em andamento é porque é relevante a matéria. Com efeito, não se pode imaginar um processo de controle de constitucionalidade de matéria irrelevante.

Binenbojm, por sua vez, quando do estudo desse requisito, também trás outra visão, apontando como parâmetro a magnitude dos efeitos. Afirma ele:

Na análise do binômio relevância-representatividade, deverá o relator levar em conta a magnitude dos efeitos da decisão a ser proferida nos setores diretamente afetados ou para a sociedade como um todo, bem como se o órgão ou entidade postulante congrega dentre seus afiliados porção significativa (quantitativa ou qualitativamente) dos membros do(s) grupo(s) social(is) afetado(s).

O certo é que, independente de quais dos modos de analisar acima expostos, deve-se atender ao requisito “relevância da matéria”.

b) Representatividade dos postulantes

O próprio título do requisito já diz muita coisa. Aquele quem postula atuar como amicus curiae deve possuir representatividade, quer dizer, “congregar dentre seus afiliados porção significativa (qualitativa ou quantitativamente) dos membros do(s) grupo(s) social(is) afetado(s)” , conforme se retira da última citação realizada.

Vale dizer que, embora a citação acima transcrita traga em seu bojo apenas “órgãos e entidades”, estes não são os únicos quem pode postular atuar como tal. Os legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade, expostos no artigo 2º da Lei nº 9.868/99, desde que não estejam atuando como autores, assim também podem fazer, conforme leciona Gilmar Mendes e Yves Gandra Martins.

Nelson Nery Jr. Rosa Maria Andrade Nery conceituam o presente requisito de outra forma, inclusive classificando o rol de amici curiae de forma mais ampla. Afirmam:

O relator, por decisão irrecorrível, pode admitir a manifestação de pessoa física, jurídica, professor de direito, associação civil, órgão e entidade, desde que tenha respeitabilidade, reconhecimento científico ou representatividade para opinar sobre a matéria objeto da ação direita”.

Não obstante tais conceitos, vê-se, aqui, o conceito dado por Cássio Scarpinella Bueno como o mais completo. Ele abarca a idéia da “finalidade/interesse institucional”.

[...] Para nós, terá “representatividade adequada”, toda aquela pessoa, grupo de pessoas ou entidade, de direito público ou de direito privado, que conseguir demonstrar que tem específico interesse institucional na causa e, justamente em função disso, tem condições de contribuir para o debate da matéria, fornecendo elementos ou informações úteis e necessárias para o proferimento de melhor decisão jurisdicional. Meros interesses corporativos, que dizem respeito apenas à própria entidade que reclama seu ingresso em juízo, não são suficientes para a sua admissão na qualidade de amicus curiae.

Com o emprego da expressão “interesse institucional” queremos designar, [...] que o pretendente à intervenção na ação direta de inconstitucionalidade deve ser legítimo representante de um grupo de pessoas e de seus interesses, sem que, contudo, detenha, em nome próprio, nenhum interesse seu, próprio, típico de qualquer interessado no sentido tradicional, individual, do termo. Ele precisa guardar alguma relação com o que está sendo discutido em juízo, mas isso deve ser aferido no plano institucional, de suas finalidades institucionais, e não propriamente dos seus interesses próprios no deslinde da ação e das conseqüências de seu julgamento.

Enfim, conhecido o instituto do amicus curiae, adentra-se agora no debate foco do trabalho.

2 (IM)POSSIBILIDADE DE O AMICUS CURIAE RECORRER

Conforme dito quando da introdução no presente trabalho, quando do estudo da Lei n. 9.868/99, nota-se que não há alusão à recorribilidade de decisões, mas sim à sua irrecorribilidade, a exemplo do artigo 7º, § 2º, que trata do instituto do amicus curiae, e do artigo 26 da lei, in verbis:

Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1º (VETADO)

§ 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

Em razão desse fato, parte da doutrina, como Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Fredie Didier Jr . e o próprio STF, diga-se de passagem, em várias decisões (ADI 2581 AgRg/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 11.04.2002. DJ 18.04.2002, p. 12; ADI AgRg 2130/SC, rel. Min. Celso de Mello, j. 03.10.2001, p. 31; ADI 1498/RS, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 12.03.2003, DJ 19.03.2003), defendem a impossibilidade de o amicus curiae recorrer.

Todavia, outra parte da doutrina defende que, tanto em se tratando de decisão proferida pelo relator como em se tratando de quaisquer decisões, interlocutória ou final, desde que haja prejuízo ao amicus curiae, é sim possível.

O primeiro argumento apresentado por essa parte da doutrina consiste na leitura literal do artigo 7º, § 2º. Ora, se nele está determinado que, caso o relator admita a intervenção, esta decisão será irrecorrível, a contrario sensu, caso a decisão seja desfavorável, quer dizer, negue ao postulante a intervenção como amicus curiae, esta é recorrível, desta ele está legitimado à recorrer.

A previsão da irrecorribilidade da decisão do relator se aplica, por óbvio, àquelas decisões de conteúdo positivo, pois o dispositivo menciona expressamente apenas como “despacho irrecorrível” (rectius: trata-se de decisão interlocutória, e não de mero despacho) a decisão que admite a manifestação do amicus curiae. As decisões de conteúdo negativo – indeferitórias do ingresso formal do amicus – podem, à evidência, ser impugnadas pelo interessado através do recurso cabível de agravo regimental.

Tem-se, neste argumento, a “[...] regra elementar de hermenêutica segundo a qual as exceções demandam previsão expressa e devem ser interpretadas restritivamente”.

O segundo argumento se baseia na lógica e sistemática processual. Quando do prejuízo causado ao amigo da corte, isto é, caso haja agravo a um suposto direito, este tem o direito de ver tal decisão revista pelo colegiado. Nas palavras de Cássio Scarpinella Bueno:

Para nós, o melhor entendimento é aquele que entende ser recorrível essa decisão, aplicando-se à hipótese a diretriz do sistema processual civil de que toda decisão monocrática proferida no âmbito dos tribunais é recorrível por intermédio do recurso de agravo, aqui na sua modalidade “interna”. E nem poderia ser diferente, considerando o inegável prejuízo que a decisão que indefere o ingresso do amicus curiae tem aptidão para lhe causar, revelando-lhe, assim, seu interesse recursal.

Fortalecendo tal argumento, porém agora incluindo outras decisões, interlocutória ou final, menciona-se ainda que:

O art. 499 do Código de Processo Civil assegura legitimidade recursal ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado. Reconhecendo, hoje, a doutrina e a jurisprudência, a natureza jurídica de terceiro especial ao amicus curiae, não há como se lhe negar a legitimidade recursal para manifestar sua insurgência contras as decisões que não acolherem seus argumentos.

O terceiro argumento, por sua vez, tem como fundamento dois princípios basilares da Constituição e para que se tenha o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Não seria constitucional, ainda mais em um processo constitucional (o que torna a idéia da impossibilidade recursal irônica), inadmitir a aplicabilidade de tais princípios e, consequentemente, a referida garantia constitucional mencionada, além de outras.

Por fim, mas não menos importante, tem-se o quarto argumento. Este fortalece, que fortalece os demais, possui como fundamento algumas das próprias características do instituto vistas anteriormente.

Só o fato de o amicus curiae possuir como objetivo “auxiliar” – e não buscar proveitos individuais, próprio – a Corte, concedendo-lhe ou lhe lembrando, em nome de vários ou de modo relevante, fatos e/ou conhecimentos técnicos, jurídicos e/ou sociais, dentre outras inúmeras coisas, tanto que é, na tradução para o português, chamado de “amigo” da corte, e; possuir como conseqüência o fortalecimento da democracia quando do processo constitucional, possibilitando maior participação neste e não apenas, basicamente, dos Ministros, já bastaria para lhe conceder legitimidade recursal, dando-lhe maiores poderes de atuação. Somado isto com as outras características do instituto, certamente há um forte argumento.

CONCLUSÃO

O amicus curiae não é apenas mais um instituto dentre vários. No decorrer do trabalho, mencionou-se, por diversas vezes e não por acaso, a sua importância, seu papel de democratizar, de pluralizar e de legitimar o processo de controle constitucional. De fato consiste em um grande aliado à democracia. Como dito na Introdução, possui bastante peso em prol desta.

Quando do julgamento de ADI, ADC e ADPF, via de regra se restringe às visões dos Ministros, os quais, embora com vasto conhecimento e experiência, principalmente jurídica, desconhecem incontáveis fatos, realidades, dentre outros pontos. O amicus curiae, como lecionado, é o amigo da Corte, um colaborador quem está ali representando pessoas, qualitativa ou quantitativamente, trazendo elementos relevantes para que se tenha o melhor julgamento possível de uma matéria também relevante.

Diante destas explanações, pode-se concluir que, caso a impossibilidade recursal prevaleça, estar-se-á dando com uma mão e reavendo com a outra. Quer dizer, estar-se-á, de um lado, concedendo todos os benefícios do amicus curiae avivados e, de outro, desconsiderando-os, melhor, invalidando-os ao por relator e Ministros no papel de soberanos quando de suas decisões haja vista a impossibilidade recursal.

Fora tais benefícios, há de se levar em conta também os argumentos das correntes que defendem a possibilidade de recurso. Diferente da posição contrária, incluindo nesta o STF, cujas teses, a nosso ver, são insuficientes, fracas – a exemplo da Didier jr que, basicamente, afirma não ser possível porque as decisões nesse tipo de processo são irrecorríveis, ou seja, basicamente, a nosso ver, fala “não porque não” –, a posição favorável traz fortes argumentos. Havendo, expressamente, a afirmação de que somente as decisões positivas do relator são irrecorríveis, não há porque impossibilitar que assim se faça no caso de decisões negatórias. Valendo-se de outro argumento, sendo o amigo da Corte um terceiro especial, também não é coerente, de acordo com o artigo 499 do CPC, prevalecer tamanha impossibilidade. Por fim, ressaltam-se os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, os quais devem ser respeitados, garantindo-se, consequentemente, o devido processo legal.

Assim, em prol de todos esses benefícios e dos fortes argumentos elucidados, conclui-se pela possibilidade de o amigo recorrer de toda e qualquer decisão havida em processo de controle de constitucional.

REFERÊNCIAS

BINENBOJM, Gustavo. A Dimensão do Amicus Curie no Processo Constitucional Brasileiro: requisitos, poderes processuais e aplicabilidade no âmbito estadual. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 1, janeiro, 2004. Disponível em: . Acesso em: 15/11/2016.

BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Constituição Federal, Legislação civil, processual civil e empresarial. Organização do texto: Yussef Said Cahali. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

GONZALES, Carlos Alexandre Domingos. A figura do "amicus curiae" na jurisdição constitucional brasileira. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2494, 30 abr. 2010. Disponível em: . Acesso em: 15/11/2016.

ROSA, Michele Franco. A atuação do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade. [20-].

SOUSA, Douglas Cavallini de; VOLPIN, Lucas Rodrigues. A figura do amicus curiae no controle de constitucionalidade brasileiro à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 56, ago 2008. Disponível em: . Acesso em: 15/11/2016.

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