A importância hermenêutica no constitucionalismo moderno brasileiro
Por Carlos Vinícius Lauande Franco | 18/05/2012 | DireitoGabriel Carvalho e Neves[1]
Carlos Vinicius Lauande Franco[2]
RESUMO
Este paper vislumbra analisar a aplicação da hermenêutica constitucional, como instrumentos de justiça, na busca por uma garantia dos direitos fundamentais do homem, respeitando de forma efetiva a dignidade da pessoa humana. Buscou-se, primeiramente, entender a essência do significado da interpretação, o labor do intérprete-aplicador, analisando a hermenêutica jurídica e constitucional. Demonstrou-se a evolução das teorias interpretativas, sua inserção na Constituição Federal Brasileira e sua aplicabilidade. Finalizou-se a efetividade dos direitos fundamentais de forma a efetivar os direitos individuais e sociais em nossa sociedade.
PALAVRAS-CHAVE
Hermenêutica. Sistema jurídico aberto. Neoconstitucionalismo. Direitos fundamentais.
Introdução
Com a evolução da sociedade e a passagem de uma Constituição liberal a um neoconstitucionalismo, a função da hermenêutica constitucional ganhou um papel de destaque na aplicação dos direitos fundamentais do homem.
Dessa forma, buscar compreender a origem, a evolução ao longo da história e a importância, hodiernamente, dos direitos fundamentais, principalmente no que tange a sua aplicabilidade prática na vida dos indivíduos e da sociedade em geral.
Tendo em vista a amplitude do tema, cumpre ressaltar a necessidade de expor questões atinentes a hermenêutica, conferindo destaque a função do intérprete-aplicador do direito, aos métodos da hermenêutica jurídica e, fundamentalmente, a especificidade da hermenêutica constitucional.
1 As teorias positivistas
A teoria do ordenamento jurídico, que tem Hans Kelsen como principal idealizador, é uma caracterização marcante do positivismo jurídico. Essa teoria e outras tantas teorias positivistas possuem características fundamentais a elas atribuídas, quais sejam: a unidade, a coerência e a completude. Assim sendo, essas teorias buscam fechar o ordenamento jurídico, tratando-o como um sistema hermético capaz de solucionar todo e qualquer caso juridicamente relevante.
A partir da nomenclatura “juridicamente relevante” as teorias positivistas negam a existência de lacunas da lei, ou seja, sempre haverá uma lei que regule um fato relevante. Se não existe uma norma que regule um fato, é porque ele é juridicamente irrelevante e pertence ao “espaço jurídico vazio” que está além da esfera jurídica[3].
Outra teoria positivista defende que onde há uma norma que regule determinado fato há uma outra que está implicitamente autorizando todos os outros fatos cujas formalidades não são necessárias. Estas últimas, chamadas de normas de clausura, estão implicitamente autorizadas remetendo ao adágio onde tudo que não é proibido é permitido[4]. Dessa forma, para essa teoria, o sistema se torna completo.
Para esses positivistas, não interessa contextualizar o signo jurídico às diferentes circunstâncias que se apresentem. Adequá-las aos variados contextos seria realizar uma vontade subjetiva de cada direito, o que comprometeria a segurança jurídica, já que o texto legal é o único que manifesta o interesse da comunidade.
De sorte que essas teorias tiveram seu ápice num momento em que a importância dos princípios nem sequer era cogitada, cabendo ao intérprete autêntico[5] somente reproduzir a vontade do legislador através de decisões objetivas dentro de um sistema jurídico concebido como sistema fechado.
A questão é que quando os juristas usam o termo lacuna, eles não estão se referindo ao termo técnico-jurídico, mas ideológico que repousa na idéia de justiça. Nesse caso, a discussão se volta a outra questão, a interpretação jurisprudencial.
2 O surgimento das teorias interpretativas
A evolução da sociedade e da própria ciência jurídica após profundas mudanças políticas e econômicas ocorridas entre o século XIX e XX trouxe consigo a necessidade de uma releitura das teorias positivistas.
As teorias interpretativas buscam, a partir da exegese do texto normativo, aliar a realidade política e social da comunidade ao conteúdo formal da lei.
Dessa forma, as teorias positivistas passaram a ser profundamente criticadas, principalmente por estudiosos como Dworkin, Jean Boulanger, Crisafulli, Peter Häberle, dentre outros. Ao contrário daquelas teorias, as teorias interpretativas propõem uma remontagem do signo à coisa significada, isto é, compreender o significado do signo, individualizando a coisa por este significada. Busca-se uma volta aos valores, uma reaproximação entre Ética e Direito. Para isso, os valores materializam-se em princípios, beneficiando-se do amplo instrumental do Direito. Migram da filosofia para o mundo jurídico. Os princípios passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente.
É a partir desses estudiosos interpretativistas que surge a idéia de uma sociedade que seja regida por uma Constituição composta por regras e princípios, por vezes implícitos no texto constitucional, em que não se pode mais estabelecer os dualismos direito e realidade, norma e realidade normativa, como se fossem incomunicáveis entre si, como ocorre no positivismo jurídico. Ao contrário, deve estabelecer uma relação intrínseca entre ambos.
Dessa forma, quer-se demonstrar a necessidade de uma
[...] verdadeira interpretação do direito que é aquela que admite a possibilidade de criação de parte do objeto no momento da aplicação, sempre permitindo a abertura interpretativa da norma e a conseqüente força criadora da atividade hermenêutica. [6]
É nessa perspectiva interpretativa do texto constitucional que pretende-se apontar a necessidade da aplicabilidade dos preceitos da carta magna como uma garantia aos direitos fundamentais do homem.
3 O neoconstitucionalismo
A idéia de neoconstitucionalimo paira na idéia de mudanças sob uma nova percepção da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica em geral.
De fato, a Constituição Federal de 1988 destacou um capítulo aos direitos e garantias fundamentais do homem, porém a aplicabilidade desses direitos não é vista de forma satisfatória. É nessa perspectiva, de aplicação e garantia desses direitos, que o neoconstitucionalismo ganha um papel de destaque.
Faz-se mister que as normas constitucionais possam ser de fato aplicadas e usufruídas pelos cidadãos, onde a interpretação dessas normas representa um processo informal de reforma do texto da Constituição. Nessa esteira, Luís Roberto Barroso afirma que “a interpretação evolutiva – processo informal de reforma – consiste na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificações do seu teor liberal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes”.[7]
4 O papel hermenêutico no neoconstitucionalismo
É de fundamental importância a participação do intérprete, já que a relação dual entre o sujeito e o objeto faz parte da essência do conhecimento, pois uma vez lhe dada uma realidade do universo normativo para decidir um caso concreto, o aplicador do direito finda por construir, a partir de métodos e critérios interpretativos, uma norma de decisão concreta.
De tal sorte, no que diz respeito à interpretação, esta baseia-se na experiência, inexistindo caráter dogmático. Mas não quer dizer ser admissível olvidar os princípios que funcionam como limites que neutralizam o subjetivismo do intérprete, obrigando-o a motivar seu convencimento.
De tal maneira, em face da pluralidade de critérios de interpretação, amplia-se a liberdade do julgador, pois este pode escolher o método seja em função do objeto seja do resultado, que ele estimando correto e justo, objetive alcançar diante de um caso concreto.
4.1 O sistema jurídico aberto
Para que haja uma abertura do sistema jurídico, ou melhor, a contextualização da norma jurídica à realidade é necessária “a democratização do processo interpretativo, que se não cinge ao corpo clássico dos intérpretes do quadro da hermenêutica tradicional, mas se estende a todos os cidadãos”.[8]
O método concretista da Constituição Aberta foi idealizado na Alemanha pelo professor Peter Häberle que entende que, para a democratização da interpretação do sistema jurídico, é necessário que haja a ampliação dos intérpretes da Constituição, não ficando essa interpretação restrita aos operadores do direito, como acontece na interpretação dos positivistas. Enuncia Härble: “Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indiretamente, um intérprete dessa norma”.[9]
A interpretação no sistema aberto não é estritamente estatal, ao contrário, a interpretação constitucional deve considerar todas as forças interpretativas da sociedade pluralista, sejam os órgãos estatais, os entes públicos, a opinião pública e todos os cidadãos.[10]
Por tudo isso, faz sentido pensar, de acordo com a idéia de um sistema constitucional aberto, que não há norma jurídica que não deva ser interpretada.
4.2 Efetividade dos direitos fundamentais
A aplicabilidade da norma constitucional dá-se pela sua vigência – que se deu com a sua regular promulgação e publicação entrando em vigor no dia 05 de outubro de 1988, legitimidade – fundamentada no povo, titular da soberania, do poder constituinte no regime democrático, e eficácia – que, para José Afonso da Silva, se dá em categorias, uma vez que a eficácia de determinadas normas constitucionais não se manifesta na plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte, enquanto não for emitida uma normatização jurídica ordinária ou complementar executória, prevista ou requerida.[11]
Dessa forma, os comandos constitucionais dividem-se segundo o mencionado autor em três categorias: a primeira refere-se à eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral – aqueles dispositivos que possuem normatividade suficiente para sua aplicação; a segunda à eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas não integral – normas sujeitas a restrições podendo vir ser limitadas por regulamentação posterior do legislador infraconstitucional; e a terceira à eficácia limitada ou reduzida – ao entrar em vigor, a norma não produz todos os seus efeitos já que dependem da concretização normativa do legislador ordinário.[12]
Com isso, verifica-se que as normas que regem os direitos sociais, p. ex., necessitam de regulamentação ulterior.
Contudo, em conformidade com o §1º do artigo 5º da Constituição Federal, as normas que definem os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Entretanto, uma aplicação devida desse dispositivo ainda é um grande agravo no constitucionalismo moderno brasileiro.
Conclusão
Pelo acima exposto, constata-se que a questão atinente aos direitos e garantias individuais frente a nossa Constituição, embora resguardados pelo manto da cláusula pétrea, é analisada e efetivada de acordo com a realidade política, social e econômica em que vivemos. Já que precisam acompanhar as transformações cada vez mais complexas que ocorrem no mundo contemporâneo.
De tal sorte, o papel do Estado deve ser o de sempre acompanhar as evoluções e involuções da sociedade.
Dessa forma, a realidade que temos hoje faz com que cada vez mais seja repassada ao Estado a responsabilidade pela prestação de atividades básicas e essenciais que não são comportadas pela nossa economia de mercado, em face de ser um sistema econômico que aprofunda as desigualdades sociais.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.-São Paulo: Saraiva, 2001.
BELLO FILHO, Ney de Barros. Sistema constitucional aberto: teoria do conhecimento e da interpretação do espaço constitucional.-Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi.-São Paulo: Ícone, 1995.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed.-São Paulo: Malheiros, 2003.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes.-Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6 ed.-São Paulo: Malheiros, 2004.
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 18 ed.- São Paulo: Malheiros, 2001.
[1] Bacharel em Farmácia/Bioquímica pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA e acadêmico do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.
[2] Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA e acadêmico do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.
[3] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi.-São Paulo: Ícone, 1995, pág. 208.
[4] BOBBIO, op. cit., p. 209.
[5] Nomenclatura usada por Hans Kelsen, referindo-se ao juiz.
[6] BELLO FILHO, Ney de Barros. Sistema constitucional aberto: teoria do conhecimento e da interpretação do espaço constitucional.-Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pág. 114.
[7] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora.-São Paulo: Saraiva, 2001, pág. 145.
[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed.-São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 509.
[9] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes.-Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, pág. 15.
[10] BELLO FILHO, Ney de Barros. Sistema constitucional aberto: teoria do conhecimento e da interpretação do espaço constitucional.-Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
[11] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6 ed.-São Paulo: Malheiros, 2004.
[12] SILVA, op. cit.