A IMPORTÂNCIA DO CURRÍCULO PARA O DESENVOLVIMENTO ÉTICO E SOCIAL
Por Jedida Melo | 03/08/2018 | EducaçãoJoão Moreno de Souza Filho
Prof.ª Dra. Jedida Melo e Prof.ª Dra. Edlucia Turiano
Resumo
O presente artigo opinativo visa analisar, ainda que de forma preliminar, a teoria do currículo sob a perspectiva do desenvolvimento social e ético. Abordaremos o significado do currículo, comentaremos sobre seus objetivos e falaremos sobre a importância de ouvir os professores na elaboração dos currículos.
Introdução
Gostaria de começar esta introdução com algumas perguntas que serão respondidas (ou pelo menos tentarei respondê-las) no desenvolvimento do artigo. São elas:
O que é currículo e para que ele serve?
Como a escola pode utilizar o currículo para desenvolver a sociedade?
Por que o currículo é fruto de um conhecimento especializado?
Por que o poder político e os especialistas em currículo sempre estão na contramão um do outro?
Qual conhecimento deveria compor um currículo?
Para um bom entendedor é possível perceber que as respostas à essas perguntas não são fáceis nem simples, isso mostra, claramente, que o currículo não é um mero ajuntamento de disciplinas, se assim fosse bastaria juntar professores nas escolas para que eles escolhessem as matérias a serem ensinadas aos alunos. Mas não seria eficaz. Há, por trás do currículo um conhecimento especializado, profissional, que passa pelas Universidades. Esse conhecimento especializado (que falaremos mais na frente) é fruto de análise cuidadosa de mestres da educação cuja visão de currículo vai além do conteúdo dado nas salas de aula e responde a várias perguntas, dentre elas a pergunta: “o que os alunos em determinada faixa etária, em determinada região, precisam aprender para o desenvolvimento social futuro?” A resposta à esta pergunta também não é simples nem fácil. Quem se atreve a respondê-la precisa estar calçado (a) com a “sandália da humildade” para evitar o subjetivismo e a imposição de
mundos interiores subjetivos a pessoas que não conhecem.
Desenvolvimento
O currículo pode ser analisado, de acordo com CHAVES e ALENCAR, sob os pontos de vista tradicional, crítico e pós-crítico. Apesar de terem pontos de vista diferentes, todas essas teorias têm a mesma preocupação: “a questão de poder”. Sobre isso poderíamos falar muita coisa, mas, essencialmente, na elaboração e escolha dos currículos existem aqueles que escolhem, apontam caminhos, decidem as matérias que estarão nos currículos escolares. Essas pessoas poderão ser especialistas na teoria do currículo, ou simples políticos que nunca deram aula em sala de aula, mas que opinam e decidem sem a participação dos professores e dos mestres em educação.
Do ponto de vista da etimologia, currículo vem de curriculum, palavra grega que significa “pista de corrida”, indicando, do ponto de vista pedagógico, que há um caminho a percorrer na educação. Nesta maratona é preciso ter um alvo, uma meta, que é respondida pela pergunta: “o que cada aluno deve aprender e saber fazer no final de seus estudos?” Sobre isso, CHAVES citando SILVA (2010), diz: currículo é “uma trilha percorrida pelo homem no sentido de compreender o mundo, a sociedade...”
BREVE ANÁLISE SOBRE AS TEORIAS DO CURRÍCULO – No estudo do currículo nos deparamos com três grupos de teorias: as tradicionais, as críticas e as pós-críticas.
Teorias Tradicionais – Essas teorias, promovidas no início do século XX, foram profundamente influenciadas pelo sistema capitalista, e por isso, os sistemas educacionais influenciados por elas estão em consonância com os sistemas econômicos e industriais. Assim, os alunos são formados para servir ao sistema econômico e não são preparados para a vida. Por isso essas teorias são consideradas mecânicas, pois elas “não se preocupam em discutir, questionar ou problematizar radicalmente as organizações educacionais ... Elas valorizam: ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos.” (CHAVES, ALENCAR, 2015).
Teorias Críticas - Essas teorias nasceram das críticas de diversos movimentos sociais e objetivam tornar as práticas curriculares um espaço de defesa das lutas no campo cultural e social. Seria a perspectiva “libertadora” do currículo, pois os teóricos críticos viam nos currículos tradicionais os interesses e conceitos das classes dominantes. As teorias críticas também são “contra a concepção tecnicista do currículo”, e se levantaram contra os padrões
tecnocráticos nos currículos tradicionais.
Uma Crítica às Teorias Críticas - Criticar as teorias tradicionais do currículo pela tecnicidade e acusar a dominância cultural nos currículos é muito simplista. Precisamos entender que o ser humano está inserido em um contexto cultural e social que foi estabelecido por séculos. De que maneira os currículos prepararão as crianças e os adolescentes para serem inseridos na sociedade sem a influência da ideologia dominante? É impossível excluir a ideologia social do currículo, uma vez que a ideologia e a cultura influenciam os pensamentos e as práticas de todos os entes sociais.
Se o currículo excluir a tecnicidade presente diariamente na sociedade e a ideologia social, ele estará, também, excluindo os alunos da própria sociedade. A menos que haja uma revolução social e cultural (uma guerra), e isso não é objetivo da teoria do currículo. Não nos esqueçamos que os teóricos críticos também foram afetados por ideologias libertadoras porém, ao criticarem as teorias tradicionais do currículo eles estão também impondo seu modo de ser, e ao criticarem a imposição da classe dominante sobre o currículo os críticos tornam-se incoerentes, pois eles querem impor suas ideologias no currículo e querem, assim, dominar as teorias curriculares com suas ideologias.
Teorias pós-críticas – Nascidas nas décadas de 1970 e 1980, essas teorias criticaram as teorias tradicionais e rejeitaram o pensamento crítico, pois foram além das questões de classes sociais. As teorias pós-críticas olharam para o cerne da questão, o sujeito, e por isso não aceitaram conceitos como: alienação, emancipação, libertação, autonomia. Isso é muito importante, pois diferentemente do pensamento crítico, não há autonomia absoluta na sociedade. Todos são interdependentes.
Enquanto as teorias críticas rejeitaram a ideia de poder, as teorias pós-críticas não rejeitaram a ideia de poder, rejeitaram, sim, a ideia do poder centralizador. Para os teóricos críticos, o poder deve ser descentralizado e não pode emanar somente do Estado. É preciso que na formação do currículo haja um envolvimento de mais agentes sociais e não somente o Estado. Vemos, com isso, que as teorias pós-críticas foram além, em sua visão, conforme disseram CHAVES, ALENCAR (2015): “As teorias pós-críticas posicionaram-se na busca por um currículo multicultural (identidade, alteridade e diferença), currículo este que implica na capacidade de entender, respeitar e apreciar a outra cultura mesmo está sendo a cultura diferente. São teorias baseadas nas ideias de aceitação, de prestígio e familiaridade amigável entre e com as diversas culturas existentes.”
A Importância da Teoria do Currículo - Saindo da arena das teorias sobre o
currículo, precisamos entender a importância do currículo para a prática pedagógica em sala de aula e comentar, ainda que com limitações, sobre a formação dos currículos.
Na prática educativa concordar com Young: Não há questão mais importante do que o currículo. A razão disso é que o currículo deve responder à pergunta: “O que todo aluno precisa saber ao deixar a escola? Outro ponto que torna o currículo tão importante é que a teoria do currículo se aplica a toda instituição educacional, diferente de outras instituições como Governo, hospitais, empresas, etc. As pessoas podem até estudar livros e fazer cursos específicos, mas se elas quiserem um estudo mais sério que as levem a um “destino” educacional, elas irão procurar uma instituição educacional que tenha um currículo e mostre onde ele irá chegar após o fim do seu curso.
A importância da teoria do currículo é resaltada quando a comparamos com o conhecimento cotidiano do senso comum, “o aprendizado de todo dia”. As pessoas que não frequentaram escola regular não são “burras”, mas têm conhecimento suficiente para que vivam, sustentem (ainda que precariamente) suas famílias, saberem ir e vir. Porém o conhecimento do dia-a-dia não é suficiente para levá-las a um conhecimento mais especializado. É nesse momento que elas pessoas precisam de um currículo que as direcionem ao aprendizado especializado. Sob este aspecto, o currículo é um conhecimento de ponta, especializado, produzido nas universidades, e, de acordo com YOUNG (2014), “compõe os programas educacionais dos primeiros anos até os mestrados e doutorados.”
Young ainda diz que a teoria do currículo é conhecimento especializado em dois sentidos: primeiro, em relação às fontes disciplinares, pois ela trabalha com conhecimentos produzidos por especialistas nas diversas áreas do conhecimento: Física, Química, Filosofia, etc. A teoria do currículo não produz esses conhecimentos, mas um teórico do currículo é capacitado para apontar, nessas áreas, quais conhecimentos são ideais aos alunos em determinada faixa etária e em contextos específicos.
O segundo sentido no qual a teoria do currículo é conhecimento especializado é em relação aos diferentes grupos de aprendizes. Assim, o teórico do currículo leva em consideração os contextos que envolvem os aprendizes e seus conhecimentos adquiridos anteriormente. Assim, o conhecimento que deve ser passado no ensino médio deve levar em consideração os conhecimentos que os alunos aprenderam nos anos anteriores.
Diante do que foi dito, acima, podemos apresentar a definição dada por Young para os “teóricos do currículo”. Para Young, eles são “especialistas em uma forma específica de conhecimento aplicado – conhecimento que é aplicado para torná-lo tanto “ensinável” como
“aprendível” por alunos de diferentes etapas e idades.”
OS PAPEIS CRÍTICO E NORMATIVO DA TEORIA DO CURRÍCULO - YOUNG (2014) apresenta em seu texto “Teoria do Currículo: O Que é e Porque é Importante”, dois papéis importantíssimos da teoria do currículo. O primeiro é o papel crítico, no qual os teóricos do currículo analisam os pontos fortes e fracos dos atuais currículos e apontam caminhos para a melhora. O segundo papel é o normativo, indicando que a teoria do currículo apresenta normas que orientam a elaboração e a prática do currículo. Porém até que ponto essa normatividade é saudável para a prática educativa em sala de aula?
Precisamos entender que os papeis normativo e crítico se completam, pois uma normatividade sem uma crítica torna-se vazia, por outro lado uma crítica que não aponte caminhos torna-se ineficaz. Por isso acertou YOUNG (2014) ao afirmar: “dizer aos professores o que fazer, sem uma visão crítica, torna a teoria do currículo apenas tecnicista.”
A Normatividade e os Professores – As normatizações da teoria do currículo atingem, diretamente, os professores, pois são eles que em última instância darão a praticidade à educação. Surge então uma pergunta: O papel normativo da teoria do currículo não engessa e enfraquece o papel do professor? Tal pergunta surge na arena daqueles que defendem a autonomia total do professor como se este fosse a fonte principal de todo o saber. Sobre isso YOUNG (2014) esclarece que o papel da teoria do currículo não é enfraquecer os professores, mas validar a autoridade dos docentes:
Nenhum professor quer soluções da teoria do currículo – no sentido de “ser instruído sobre o que ensinar”. Isso é tecnicismo e enfraquece os professores. Contudo, como em qualquer profissão, sem a orientação e os princípios derivados da teoria do currículo, os professores ficariam isolados e perderiam toda autoridade. Em outras palavras, os professores precisam da teoria do currículo para afirmar sua autoridade profissional.
Sobre esse tema, CHAVES E ALENCAR (2015), no artigo Teorias do Currículo: Concepções, Verdades e Contradições, publicado na II CONEDU em Campina Grande-PB, dizem que “o currículo deveria ser organizado coletivamente pelos membros da comunidade escolar: gestores, professores, alunos, pais, etc.” Todos eles, seguindo os princípios da teoria do currículo, poderiam elaborar e escolher o currículo escolar. Porém, ao incluir os pais e alunos fica uma dúvida: será que eles estão preparados para saberem o que os alunos devem aprender para determinado momento e em determinada faixa-etária? Acredito que os alunos não têm esse preparo pois como poderiam pensar no futuro no qual ainda não viveram? Somente professores que passaram por onde os alunos passarão podem avaliar a caminhada
futura dos alunos. Sobre os pais, é evidente que muitos deles não têm preparo sequer para ensinar seus filhos, em casa, especialmente nos interiores de muitos Estados brasileiros e nas periferias das grandes cidades do Brasil. Esse papel, o da organização do currículo, recai, principalmente, nos ombros dos gestores e professores que, seguindo as orientações da teoria do currículo, poderão organizar e implementar o melhor currículo para os alunos, em determinada época e para determinada faixa-etária.
Problemas na Crítica do Currículo – Como dissemos, um dos papéis da teoria do currículo é a crítica. Porém há vários problemas que devem ser evitados, como veremos a seguir:
A – A crítica sem alternativa – Toda crítica curricular deve caminhar para a normatividade pois a crítica sem alternativa gera consequências graves para a educação. Sobre isso YOUNG (2014) pergunta: “O que dizer, então, de uma teoria do currículo que adota um papel crítico sem se sentir obrigada a desenvolver suas implicações concretas?” Em seu comentário ele diz: A consequência das “críticas sem alternativas” é o endosso daquilo que Stuart Hall, prestigiado sociólogo e teórico da cultura, chamou certa vez, ironicamente, de “currículo da vida”. Com efeito, a menos que a vida seja ela mesma um currículo, isso significa não ter currículo e, portanto, não ter sequer escolas.
B – A crítica buscada em fontes erradas – Há teóricos críticos do currículo que baseiam suas críticas na Filosofia, na Ciência Política, na Teoria Literária, etc. De acordo com Young isso é um erro, pois “nenhum desses campos jamais tratou de questões educacionais, muito menos de currículo.” E continua falando da educação como atividade prática “que trata de fazer coisas com e para as pessoas”, diferente da Física, História, Filosofia, etc, campos dos conhecimentos que buscam a verdade sobre nós e o universo em que vivemos.
Young não deixa de apresentar a Educação como atividade especializada e essa especialização se expressa no currículo, conhecimento também especializado, por isso, fazer a crítica do currículo com atividades que não são afins à educação, para Young, é um erro.
O Currículo e o Desenvolvimento Social e Ético dos Alunos – Diante do que foi falado acima, é fácil perceber que o currículo tem o poder de desenvolver os alunos ou aliená-los do mundo. Se a resposta à pergunta: “O que os alunos devem aprender ao final do curso?” não for corretamente respondida, os agentes envolvidos na educação não escolherão, corretamente, os saberes necessários que deverão compor o currículo.
Nessa ação de escolher os saberes que comporão o currículo, YOUNG (2014) fala sobre um termo simples, porém complexo na prática, que é a RECONTEXTUALIZAÇÃO.
Esse termo “Refere-se ao modo como os elementos dos conhecimentos disciplinares são incorporados ao currículo para aprendizes de diferentes idades e conhecimentos anteriores.” Na recontextualização, Young apresentou o choque entre dois discursos: o discurso oficial, o do Governo, que inclui gestores educacionais de gabinete que mal sabem o que é uma sala de aula, e o discurso dos teóricos do currículo, daqueles que defendem a recontextualização, os especialistas em educação. A tensão é evidente, real, porém é preciso que haja cuidado para não haver uma imposição estatal, anulando os especialistas em educação, e também não deve haver um confronto inútil da parte dos envolvidos na educação, o que seria algo improdutivo, de acordo com Young.
O Estado precisa entender que o currículo deve desenvolver os alunos social e eticamente, e quando houver a intenção de reformular o currículo, perguntas devem ser respondidas: Qual é o propósito do currículo? Quais são os conhecimentos que os alunos devem aprender ao terminar o seu curso? Como o currículo auxiliará os professores na correta e eficaz aplicação do conhecimento? Ao responder essas perguntas os gestores estatais precisam entender que no processo de recontextualização curricular, conforme Young, há três processos envolvidos que eles precisam entender, a saber: como o conhecimento é selecionado, como é sequenciado e como ele progride. Por isso é importante o Estado se aliar aos especialistas do currículo para uma eficiente reforma curricular, quando isso for preciso.
Conclusão
Uma recontextualização adequada do currículo contribuirá para a total e plena construção da identidade dos alunos, estimulará suas capacidades e competência e os ajudará no correto discernimento e na eficiente análise do mundo.
A teoria do currículo é um conhecimento especializado e visa legitimar a autoridade do professor.
A teoria do currículo visa apontar caminhos para os professores, jamais engessá-los ou anular a autoridade dos educadores.
É importante que o currículo seja pensado por um grupo de pessoas, especialmente os envolvidos na educação: gestores, professores, etc.
Referências Bibliográficas
CHAVES, Ozinei dos Santos, ALENCAR, Mary Sônia Dutra. Teoria do Currículo: Concepções, Verdades e Contradições. Campina Grande, PB: II CONEDU, 2015.
YOUNG, Michael. Teoria do Currículo: O Que é e Por que é Importante. 2014.