A IMPORTÂNCIA DO AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES

Por RENATA CAPRIOLLI ZOCATELLI QUEIROZ | 06/04/2015 | Direito

a importância do afeto nas relações familiares

 

Renata Capriolli Zocatelli Queiroz

RESUMO: Cuida da posse do estado de filho, elemento caracterizador da paternidade socioafetiva é decorrente da função de pai e/ou mãe, bem como do querer ser filho de alguém, ou seja, a partir do momento em que um casal, ou só uma pessoa, se dispõe a cuidar da criança tratando-a como filho, com carinho, respeito, convivência, está presente a posse do estado de filho. Também, a importância do afeto nas relações de família, especialmente nas relações entre pais e filhos que assim se auto denominaram sem que houvesse entre eles qualquer dos vínculos paterno filiais preestabelecidos.

PALAVRAS CHAVES: Paternidade. Afeto. Garantias. Estado de filho.

ABSTRACT: The possession of state child is an element that characterizes the paternity socioaffective, that comes from the exercising of been an parent, as well as wanting to be a son of someone, or still when a couple or one person, is willing to care for a children treating her as son or daughter  through the kindness, respect, harmony, this is the possession of the state’s child. So, this work aims to address the importance of affection in family relationships, especially relationships between parents and children who call themselves in this way without before paternal relationship existing.

KEY-WORDS: Fatherhood. Affection.  Guarantees. State of child.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade é dinâmica e se transforma a cada momento e com isso são criadas novas formas de relacionamentos, estruturas econômicas e políticas que são consolidadas e o direito e sua aplicação devem estar em constante desenvolvimento para abrigar as demandas diversas que surgem durante este movimento de transformação.

Como objeto dessa mudança, o conceito de família, que, antigamente, no Código Civil de 1916 era patriarcal, hierarquizada, fundada exclusivamente no casamento e nos filhos oriundos do matrimônio, onde qualquer concepção fora deste quadro não era sequer conhecida pelo ordenamento jurídico. Todavia, paradigmas foram quebrados e este conceito de família não mais existe, pois, a partir do momento em que nos deparamos com outra realidade social, um novo conceito de família no qual pais e filhos são unidos pelos laços de amor e, a partir de então, passou-se a visualizar os vínculos familiares pela ótica da afetividade.

A Constituição Federal legitimou o afeto, emprestando-lhe efeitos jurídicos a partir do momento que houve o reconhecimento da união estável, que é um vínculo que se constitui pela afetividade. Desde então, o afeto passou a merecer a tutela jurídica tanto nas relações interpessoais como, também, nos vínculos de filiação.

Infelizmente, a solidariedade e a vinculação afetiva não são capazes de gerar, sozinhas, efeitos jurídicos tais como a constituição de nova relação de parentalidade, eis que, nos termos do Art. 1.953 do Código Civil, o parentesco é natural, quando presentes laços de consaguinidade, ou civil, resultante de adoção.

Lamentavelmente, diferentemente do que dispõe a legislação Italiana, a legislação brasileira não contempla o instituto da “posse do estado de filho”. Em que pese tal instituto tem previsão no projeto de Lei nº 2.285/2007 o referido projeto ainda não entrou em vigor.

A posse do estado de filho, elemento caracterizador da paternidade afetiva, é decorrente da função de pai e/ou mãe, bem como do querer ser filho de alguém, ou seja, a partir do momento em que um casal, ou só uma pessoa, se dispõe a cuidar da criança tratando-a como filho através do carinho, respeito, convivência, está presente a posse do estado de filho.

Uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante a proteção aos interesses do menores bem como sua dignidade, quando diante de possíveis conflitos existentes no âmbito familiar, em especial nas relações entre pais e filhos (BRASIL, 2002), cabe a seguinte indagação: é possível a desconstituição posterior da filiação afetiva?

Com base na teoria dos direitos de personalidade, constata-se que uma vez materializado os elementos inerentes a filiação afetiva, notadamente, a convivência, o afeto, a posse de estado de filho, não convém pensar que a relação envolvendo pais e filhos, independentemente de liame biológico, se desconstitui, uma vez que a relação paterna é um fator essencial no desenvolvimento do filho no que tange a formação de sua personalidade.

Com isso o presente trabalho tem como foco analisar a importância do afeto nas relações tuteladas pelo direito brasileiro, bem como tem como objetivo mostrar o valor das relações familiares e do amor existente nestas como fonte modificadora do direito pátrio, em que pese, a legislação brasileira nem sempre tutele de forma concisa os direitos advindos das relações do amor.

2 A FAMÍLIA PATRIARCAL E SUA EVOLUÇÃO ATÉ A ATUALIDADE

 

A família é a base da sociedade brasileira, haja vista ser ancorada primeiramente em laços de afeto, sabendo-se que o amor é o elo da comunhão de vida plena entre as pessoas exercido de forma pública, contínua, e duradoura. Desta forma a família torna-se uma base da sociedade através de regras culturais, jurídicas e sociais.

Venosa (2006, p. 4) retrata que

Em Roma, o poder do pater exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos é quase absoluto. A família como grupo é essencial para a perpetuação do culto familiar. No Direito Romano, assim como no grego, o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros da família. Nem a afeição foram fundamento da família romana. O pater podia sentir o mais profundo sentimento por sua filha, mas bem algum de seu patrimônio lhe poderia legar. A instituição funda-se no poder paterno ou poder marital. Essa situação deriva do culto familiar. Os membros da família eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados.

Observa-se então que, antigamente, a família era baseada em laços econômicos, em que o genitor era responsável pelo sustento de toda a família, porém, a inserção da mulher no mercado de trabalho fez com que ocorresse uma mudança na família, onde a mulher passou a contribuir nas finanças do lar.

Com esse avanço, o vínculo familiar transformou-se, passou a ser afetivo, no qual as pessoas que buscavam a constituição de uma família começaram a se unir pelo afeto. A afetividade é um elemento essencial de suporte na família atual, pois é considerada a base da sociedade.

Nesse sentido Pereira (2001, apud DIAS, 2011, p. 193) descreve que “A família hoje não tem mais seus alicerces na dependência econômica, mas muito na cumplicidade e na solidariedade mútua e no afeto existente entre seus membros.” Ou seja, o ambiente familiar tornou-se um centro de realização pessoal, tendo a família essa função em detrimento dos antigos papéis econômico, político, religioso e procriacional anteriormente desempenhados pela instituição.

Desta forma, a família foi evoluindo e modificando seus paradigmas, transformando-se em medidas que acentuam as relações ligadas aos sentimentos de afeto, felicidade e amor familiar, valorizando as relações ancoradas no afeto.

Segundo afirma Rocha (2009, p. 14)

No Brasil, embora novos princípios tenha ganhado espaço, paulatinamente, durante todo o século XX, a Constituição da República de 1988 é o marco dessas transformações, por ter consagrado a igualdade dos cônjuges, e a dos filhos, a primazia dos interesses da criança e do adolescente, além de ter reconhecido, expressamente formas de família não fundadas no casamento, às quais estendeu a proteção do estado.

Nesse sentido Pinto (1993, p. X ) doutrina que:

A ‘cara’ da família moderna mudou. O seu principal papel, ao que nos parece, é de suporte emocional do indivíduo. A família de hoje, que não mais se consubstancia num grão de areia, praticamente carente de identidade própria, que vai juntar-se ao grupo familiar mais extenso (tios, avós, primos etc.), foi substituída por um grupo menor, em que há flexibilidade e eventual intercambialidade de papéis e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços afetivos.

Desta forma conclui-se que o amor passa a tomar lugar especial nas novas relações familiares, onde o foco principal é a relação afetiva entre os entes.

3 OS TIPOS DE PATERNIDADE TUTELADOS PELO DIREITO BRASILEIRO

 

O termo paternidade, em seu sentido plural, apresenta-se rico em nuanças, que apontam a composição de um mosaico, que é a convivência cotidiana entre pais e filhos, mediante a expressão de seus anseios e objetivos, que perpassam os mais variados aspectos da relação.

A paternidade biológica foi, durante muito tempo, a regra geral. Era o vínculo consanguíneo entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida que estabelecia o parentesco.     

Importante se faz lembrar, também, o parentesco civil caracterizado pela adoção, que constitui no ato jurídico pelo qual se estabelece um vínculo fictício de filiação, em que alguém, munido de caráter humanitário, traz, para sua família, na condição de filho pessoa que geralmente lhe é estranha. Cumpre observar que a adoção, além de estabelecer o parentesco civil, é, sem dúvida nenhuma, a prova mais cabal que o amor se faz pela convivência, construindo-se pouco a pouco.

 No que tange a paternidade afetiva esta se assenta no afeto cultivado dia a dia, alimentado no cuidado recíproco, no companheirismo, na cooperação, na amizade e na cumplicidade. Nesse ínterim, o afeto está presente nas relações familiares, tanto na relação entre homem e mulher como na relação paterno-filial, ou seja, no projeto de família atual o afeto é a razão de sua própria existência, o elemento responsável e indispensável para sua formação, visibilidade e continuidade. Este projeto de família tem como alicerce a compreensão e o amor, onde, os membros que a integram formam uma comunidade de vida, mantida pelo sentimento.

Desta forma, a família afetiva é aquela que existe a prevalência dos laços afetivos, em que se verifica a solidariedade entre os membros que a compõem, onde os responsáveis assumem integralmente a educação e a proteção da criança, que, independentemente de algum vínculo jurídico ou biólogo entre eles, criam, amam e defendem fazendo transparecer a todos que são seus pais.

Segundo Assumpção (2004, p. 53) em seu livro: Aspectos da paternidade no novo Código Civil, “A paternidade afetiva deve ser considerada como a mais relevante, pois é a determinada por um construir diário e não por mero fator de sangue”.

Diante do exposto é permitido concluir que a afetividade tem um papel importantíssimo no processo de transformação pelo qual a relação paterno-filial passou.

Dentro da paternidade afetiva é possível afirmar que esta se subdivide em espécies que tem como fundamento o amor, são elas adoção à brasileira, o filho de criação, a filiação por reconhecimento voluntário e judicial.

A adoção à brasileira ocorre quando uma criança é registrada pelos pais afetivos como se filho biológico deles fossem. Lobo (2004, p. 512) conceitua a adoção à brasileira como “declaração falsa e consciente de paternidade e maternidade de criança nascida de outra mulher, casada ou não, sem observância das exigências legais para adoção”.

Importante se faz mencionar que a jurisprudência vem considerando a irrevogabilidade do registro de nascimento sob o argumento de que deve estar caracterizada a paternidade afetiva.

Cumpre observar que uma vez estabelecida a igualdade entre os filhos, pela Constituição Federal de 1988, deve-se considerar a adoção à brasileira nos moldes do Art. 227 § 6º quando observados o princípio da igualdade entre os filhos e o princípio do melhor interesse da criança.

Entende-se por filho de criação, aquele que passa a ser aceito pelos pais afetivos como se filho fosse. Não se trata de adoção, mas sim de uma opção de inserção da criança no âmbito familiar.

Na modalidade de filho de criação também deveria ser aplicado o Art. 227 §6º, ou seja, o princípio da igualdade, sendo proibida qualquer denominação discriminatória no que se refere à filiação. Todavia, em relação aos filhos de criação há claramente uma contradição entre o que dispõe a Lei Maior e as decisões reiteradas dos Tribunais. Há julgados nos quais magistrados entendem que os filhos de criação não podem ser equiparados aos filhos adotivos, nem aos filhos biológicos, pouco importando a incidência das normas constitucionais.

Diante do exposto percebe-se claramente que os filhos de criação possuem seus direitos tutelados pelo simples fato de não haver formalidade legal, no caso a adoção judicial.

O reconhecimento voluntário tem como objetivo declarar que existem filhos que não foram originados do casamento trata-se de um ato voluntário.

Importante se faz mencionar que todas as modalidades têm como fundamento o amor e a vontade de ser filho, desta forma todas merecem tutela dos Arts. 227 e 229 da Constituição Federal e devem ser tratadas de forma não discriminada (BRASIL, 1988).

4 PRINCÍPIOS E DIREITOS TUTELADOS NOS ARTIGOS 227 E 229 DA

   CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

A Constituição Federal tutela em seu Art. 227 que cabe à família, à sociedade e ao Estado assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Os Arts. 227 a 229 da Constituição Federal de 1988 indicam que o princípio da proteção integral é que deve orientar a atuação do legislador, do administrador e da sociedade civil (BRASIL, 1988).

A proteção integral é fundada no pressuposto de que o menor é, antes, titular de direitos próprios e fundamentais, que tem dimensão própria e independente da vontade ou desejo de maiores, ainda que seus representantes legais.

Tal princípio também obriga a intervenção estatal em qualquer situação, não apenas para proteger crianças ou adolescentes que estejam em vias de sofrer violação de direitos, mas para garantir a perfeita concreção dos direitos fundamentais comuns a qualquer pessoa e, em especial, aos menores.

Com a eleição do princípio da dignidade da pessoa humana como princípio da República e do sistema jurídico como um todo, a Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas para o tratamento jurídico da família.

Com essa reordenação de valores, os protagonistas de uma cena jurídica de família previamente desenhada pelo Código ganham destaque em relação ao pano de fundo. Com liberdade para se movimentar num cenário mais amplo e mais “limpo”, mas preparado juridicamente para recebê-los, reconhece-os não só como atores, mas como verdadeiros redatores dos próprios papéis familiares tendo por diretriz os princípios constitucionais.

Uma vez eleita a dignidade como princípio norteador do sistema, coloca-se a pessoa como principal fim de proteção e o desenvolvimento de sua personalidade como objetivo primordial, que se espraia pelo sistema jurídico, vinculando o ordenamento como um todo.

A igualdade de direitos dos filhos, independemente de sua origem, tal como fixada na atual ordem constitucional, representa o último estágio da problemática e traduz tendência universal. Deste modo, derrogam-se todos os dispositivos do sistema que façam distinção da natureza da filiação, ainda que essa revogação não tenha sido expressa.

Desta forma muitos artigos do Código Civil de 1916, do Estatuto da Criança e do Adolescente e de outros diplomas perderam eficácia. A possibilidade do reconhecimento do estado de filiação se faz sem qualquer restrição.

5 PATERNIDADE AFETIVA E A POSSE DO ESTADO DO FILHO

 

            Antigamente ser pai era considerado algo da ordem do natural e da ciência, mas as mudanças sócio econômicas e culturais que consolidaram nos últimos tempos, juntamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mostram que a paternidade requer envolvimento afetivo e primordialmente resguardar a dignidade da pessoa humana e os interesses da criança.

            Com o advento da Constituição Federal de 1988 a filiação passou a ser una, igualitária, qualquer que seja sua origem e com a constitucionalização do Direito Civil a afetividade se tornou um princípio de fundamental importância devido ao fato de não existir mais a preocupação em estruturar uma família com base apenas no vínculo consanguíneo, mas também no afeto, no carinho e no amor.

            Culturalmente vem sendo analisado que a paternidade não é somente um dado, ela se faz, se constrói com o passar do tempo, com dedicação, atenção, respeito, carinho, zelo, etc. Ao abordar tal assunto se faz necessário tratar sobre o que se entendem por paternidade. Saraiva (1998, apud HENNINGEN; GUARESCHI 2002, p. 54) doutrinam que “Paternidade é uma experiência humana profundamente implicada com propósitos sociais e institucionais que a legitima, ou seja, uma construção que deve ser compreendida face ao contexto sócio-cultural de um tempo”.          

              Antigamente havia a verdade jurídica como premissa da paternidade. Já hoje, a filiação é compreendida como uma relação jurídica de afeto com os pais, mesmo nos casos que não há qualquer vínculo biológico pelo qual os pais criam uma criança por mera opção, velando-lhe todo amor, cuidado, ternura.

            No estado de filho afetivo, devem ser cumpridas as mesmas condições do estado de filho biológico, já que a filiação deve ser uma imagem refletida entre pais e filhos, sem discriminação, sem identificar-se com o aspecto sanguíneo ou a voz do coração. (COSTA, 2007).

            O elemento caracterizador da paternidade afetiva é a posse de estado de filho que decorre da função der ser pai ou mãe e também de querer ser filho de alguém, ou seja, a partir do momento que um casal, ou uma só pessoa, se dispõe a cuidar da criança, tratando-a como filho com carinho, respeito e convivência estará caracterizada a posse de estado de filho. A paternidade se faz, se constrói e esta construção ira refletir na afetividade (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007).

            Dias (2006, p. 306) destaca que a noção de posse de estado de filho se estabelece num ato de vontade que se sedimenta no terreno da afetividade, questionando tanto a verdade jurídica quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação. Daí a ideia de que o estado de filho afetivo não se dá com nascimento e sim com a manifestação da vontade.

            Também é esse o entendimento de Fachin (1996, p. 36)

Se o liame biológico que liga um pai a seu filho é um dado, a paternidade pode exigir mais do que apenas laços de sangue. Afirma-se aí a paternidade socioafetiva que se capta juridicamente na expressão da posse do estado de filho. Embora não seja imprescindível o chamamento de filhos, os cuidados na alimentação e instrução, o carinho no tratamento, quem em público, quer na intimidade, o lar revelam no comportamento a base da paternidade. A verdade sociológica da filiação se constrói. Essa dimensão da relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética, que deveria pressupor aquela e serem coincidentes. Apresenta-se então a paternidade como aquela que, fruto do nascimento mais emocional e menos fisiológico, reside antes no serviço e amor que na procriação.

Importante ressaltar que a posse do estado de filho possui três elementos caracterizadores. Trata-se do nome, tratamento e fama, são eles que garantem a experiência de família e o pressuposto do afeto.

A partir do momento em que a paternidade deixa de ter como foco principal o caráter biológico, passando a considerar o campo da afetividade, ocorre o que muitos doutrinadores chamam de desbiologização da paternidade, expressão que passou a obter grande importância no Direito de Família, pois retrata a relação existente entre pais e filhos que convivem independentemente da consanguinidade, conforme afirma Villela (1979, p. 401) “A paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Aqui o fato da natureza é dado por uma relação de causalidade material: a fecundação e seus necessários desdobramentos”.

Importante se faz dizer que toda pessoa tem direito de conhecer sua origem genética, que está relacionada com o direito de personalidade e não com a atribuição de paternidade ou maternidade, ou seja, conhecer a origem genética é diferente de investigar a paternidade, pois, enquanto a primeira está relacionada com o direito de personalidade, a segunda se liga no Direito de Família uma vez que objetiva declarar a paternidade.

No mesmo sentido Lobo (2007, p. 71) afirma que

A origem biológica presume o estado de filiação, ainda não constituído, independentemente de comprovação de convivência familiar. Nesse sentido, a investigação da origem biológica exerce papel fundamental para a atribuição da paternidade ou maternidade e, a fortiori, do estado de filiação, quando ainda não constituído. Todavia, na hipótese de estado de filiação não biológica já constituído na convivência familiar duradoura, comprovado no caso concreto a origem biológica não prevalecera. Em outras palavras, a origem biológica não se poderá contrapor ao estado de filiação já constituído por outras causas e consolidado na convivência familiar (Constituição, Art.227).

Cumpre observar que somente no caso de ausência do estado de filiação a pessoa poderá recorrer ao conhecimento da origem genética, pois, se já estiver presente o estado de filiação, por meio da convivência no âmbito familiar, não é cabível o reconhecimento da origem biológica, uma vez que esta não pode ser contrária ao estado de filiação já definido.

Neste sentido consignou Albuquerque (2006, p. )

A desconstituição do registro civil de uma relação já consolidada no tempo acarretará muito mais danos que benefícios aos envolvidos. Importa na vitória da desconsideração e do desprezo à segurança jurídica das relações familiares. (...) a desconstituição do registro civil colide frontalmente com a tábua axiológica e principiológica do melhor interesse da criança, da convivência familiar, do direito a um ninho (lar) e da paternidade responsável.

Assim constata-se que uma vez materializado os elementos inerentes a filiação afetiva, notadamente, a convivência, o afeto, a posse de estado de filho constituído está o vínculo afetivo e consequentemente a identidade da prole. Assim, não convém que a relação envolvendo pais e filhos, independentemente do liame biológico, se já desconstituída, uma vez que a relação paterna é um fator essencial no desenvolvimento do filho no que tange a formação de sua personalidade.

Além do mais o próprio Código Civil, em seu Art. 1.696 proíbe a descriminação entre filhos conforme as formas de aquisição da paternidade vejam “Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 2013, p. 575 ).

Ao analisar o referido artigo, há de se observar que a vedação de qualquer discriminação estende-se também para “outras origens” como formas de aquisição de paternidade, estas previstas pelo Art. 1.593, que diz assim: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” (BRASIL, 2013, p. 574).

Neste contexto, verifica-se que o liame afetivo é primordial quando se objetiva esclarecer possíveis conflitos envolvendo as relações de paternidade, ou seja, a filiação afetiva é a base para se estabelecer direitos, buscando sempre o bem estar da prole. Por isso, independentemente de qualquer situação a filiação afetiva não se desconstituirá, uma vez que a família é a base para a formação do indivíduo. Conquanto ainda não existe um dispositivo tutelando expressamente essa nova espécie de filiação, a Constituição Federal de 1988 prevê a igualdade entre os filhos, e sendo ela superior a qualquer legislação ordinária seus preceitos devem ser observados.

CONCLUSÃO

Importante abordar a importância do afeto nas relações de família no contexto atual. É através dele, do amor, que as relações se constroem e se solidificam, criando assim a base da sociedade brasileira, a família.

Com as mudanças que ocorreram na família ao longo dos anos há de se compreender que, atualmente, a família brasileira pauta-se nas relações estabelecidas pelo afeto, como exemplo, temos a aceitação da CF de 1988 da União Estável, relação pautada estritamente na relação de afeto entre o casal.

Além do reconhecimento da importância do afeto no cenário atual necessário se faz mencionar sua impossível interrupção, pois, uma vez criado o vínculo afetivo não há de se falar em sua extinção, seja, ou não, através de processo judicial.

Diante do exposto e da análise apresentada pelo presente artigo científico se torna possível concluir que a desconstituição da paternidade, com fundamento do no Art. 1.601 do CC, quando analisado sob perspectiva constitucional, Art. 5º, 227 e 229, contrastados com o princípio do melhor interesse da criança junto com o da dignidade da pessoa humana, se torna inconstitucional tal ação, de modo que, em que pese comprovada possível não vinculação biológica esta não pode sobrepor-se aos valores morais e afetivos decorridos da relação existente entre o infante e o adulto em questão.

Existe, portanto, a necessidade do jurista fazer uma análise mais profunda do que a simples análise do laudo do exame de DNA, ao passo que, devem ser observadas a vontade e a conduta do pai e do filho, uma vez construídas firmam convenientemente a chamada filiação sócio-afetiva, ou seja, está presente a posse do estado de filho.

Sendo assim se o afeto persiste de forma que o pai e o filho constroem uma relação de mutuo auxílio, respeito e amparo cumpre ao Estado valer-se de todos os instrumentos para fazer valer o melhor interesse da criança não permitindo assim a desconstituição da paternidade uma vez presente a posse do estado de filho.

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