A IMPORTÂNCIA DAS INTERAÇÕES E DA BRINCADEIRA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Por Graciane Carneiro de Oliveira | 07/10/2017 | EducaçãoRESUMO
Este artigo é resultado de um trabalho realizado no Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil – CEDEI oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com o Ministério da Educação, entre os anos de 2015 e 2016, que teve como objetivo pesquisar e compreender a importância das brincadeiras para o processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças na Educação Infantil e qual o papel do professor na mediação dessa atividade. Por não estar atuando diretamente com um grupo de crianças, optamos por realizar um trabalho bibliográfico, procurando embasamento teórico para compreender melhor as relações entre brincadeira, interações, aprendizagem e desenvolvimento, de modo a contribuir com a formação continuada dos/as professores/as que atuam no Núcleo de Educação Infantil Sementes do Amanhã, situado em Balneário Camboriú. Com os estudos realizados, percebemos que o objetivo da Educação Infantil é de proporcionar às crianças a possibilidade de vivenciarem situações de aprendizagens por meio de um ambiente rico em interações, onde as crianças trocam entre si, com os adultos e com os objetos da cultura na qual está inserida.
Palavras-chaves: Brincadeiras; Interações; Aprendizagem e desenvolvimento; Educação Infantil.
1 Este trabalho foi orientado pela Profª Maria Raquel Barreto Pinto. Mestre em Educação – PPGE/CED/UFSC, professora do Núcleo de Desenvolvimento Infantil – NDI/CED/UFSC, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Infância, Educação e Escola – GEPIEE/UFSC/CED/PPGE.mquelbp@gmail.com
2 Graduada em Pedagogia, pós- graduada em Práticas Pedagógicas Interdisciplinares na Educação Infantil e nas Séries Iniciais, Especialista em Gestão Escolar, aluna do Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil – MEC/UFSC/CED/NDI. Administradora Escolar no Núcleo de Educação Infantil Sementes do Amanhã - Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú. gracybc08@gmail.com.
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1. INTRODUÇÃO
Este texto é resultado de um trabalho realizado no Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil – CEDEI oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina em parceria com o Ministério da Educação, entre os anos de 2015 e 2016, do qual participei como aluna. A escolha do tema surgiu após observações realizadas no Núcleo de Educação Infantil onde atuava, situado em Balneário Camboriú. O Núcleo atende, atualmente, aproximadamente trezentos e setenta crianças com faixa etária entre 0 e 5 anos de idade.
Minha função em 2015 era de administradora escolar, portanto não estava atuando diretamente com as crianças em sala de aula. Inicialmente pensei em escolher um determinado grupo de crianças para desenvolver um projeto sobre o tema. Porém, após dias observando as brincadeiras que aconteciam no pátio da instituição percebi que os/as professores/as ficavam alheios/as ao que estava acontecendo, dando pouca importância às atividades de brincadeira que iam se estabelecendo entre as diversas crianças e nos diversos espaços. Parece que para alguns/as professores/as esse é apenas um momento para que as crianças “se distraiam” fora da sala de aula afim de que os adultos que as acompanham possam ficar conversando, sentados, ou na sala do café, sem interagir com as crianças, sem brincar com elas ou, até mesmo, sem aproveitar esse momento para fazer observações que os ajudem repensar a prática pedagógica desenvolvida junto às crianças. Não que isto seja totalmente incorreto, pois todos necessitamos de algum momento para descansar a mente e o corpo a fim de repor as energias, porém, em minhas observações percebi que a grande preocupação da maioria desses profissionais era apenas cuidar para que as crianças não se machucassem, o que causou estranhamento de minha parte visto que a brincadeira é fundamental para o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança e se configura como um dos eixos do trabalho com as crianças na Educação Infantil, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009). Assim como nas DCNEI’s, o documento do Ministério da Educação Intitulado “Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças” (2009) defende a brincadeira como central no trabalho com as crianças nesse nível de ensino, sendo um direito fundamental de
3 A escolha por utilizar o termo professores/as se explica pelo fato de na instituição referida neste texto trabalharem professores do sexo masculino e feminino.
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toda criança. Dessa forma, a instituição de Educação Infantil se torna um lugar privilegiado para essa atividade infantil.
Diante dessas constatações e, como já citado anteriormente, por não estar atuando diretamente com um grupo de crianças, optei por não desenvolver atividades práticas junto a um determinado grupo, mas sim, realizar um trabalho bibliográfico, procurando embasamento para compreender melhor as relações entre brincadeira, interações, aprendizagem e desenvolvimento, de modo que possa contribuir com a formação continuada dos/as professores/as que atuam na Instituição acima mencionada. Ao participar do Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil fui percebendo, a partir das discussões realizadas nas disciplinas, que as reflexões acerca dessa atividade devem ser contínuas, pois passei a perceber e compreender melhor que ela não faz parte de toda a infância, mas sim que cada período de desenvolvimento da criança possui uma atividade que chamamos de principal e uma delas é a atividade da brincadeira.
Assim, pretendo com este trabalho buscar embasamento teórico consistente para compartilhar com o grupo de professores/as com o qual trabalho, buscando maneiras de socializar este conhecimento.
A metodologia utilizada para a realização do trabalho consistiu em estudos bibliográficos referentes ao tema em questão, principalmente aqueles que tomam como referencial a Teoria Histórico Cultural. Entre os autores estão VIGOTSKI (1998); MELLO (2007); KUHLMANN JÚNIOR (1998) entre outros. Também foram utilizados documentos oficiais como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) e Critérios para um Atendimento em Creches que respeite os Direitos Fundamentais das crianças (2009).
O texto que apresentaremos neste trabalho está divido em cinco partes. Na primeira parte traremos um pouco da história da Educação Infantil no Brasil, principalmente como o processo de reestruturação das políticas brasileiras e os movimentos capitalistas contribuíram para o surgimento da mesma em nosso cenário. Além disso, discutiremos como a criança era vista em outras décadas e como era atendida antes da inclusão da Educação Infantil como parte da Educação Básica e quais os documentos legais que garantem o atendimento das crianças de 0 a 5 anos de idade na Educação Infantil, documentos estes que precisamos ter conhecimento ao longo de nossa trajetória docente.
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A brincadeira como atividade principal da criança na pré-escola é apresentada em seguida com base no texto da autora Suely Amaral Mello que, tendo como base a Teoria Histórico Cultural, defende o processo de humanização como um processo de educação. Também pontuaremos algumas ideias de Vigotski, principalmente sobre a importância das interações para o processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Ainda na segunda parte, veremos quando a brincadeira torna-se a atividade principal da criança e qual a atividade que predomina em cada período do desenvolvimento infantil, levando em consideração que este desenvolvimento varia de criança para criança, dependendo muito das relações e interações presentes no ambiente em que vive.
Não poderíamos deixar de expor neste trabalho a importância que a brincadeira ocupa no processo de ensino e aprendizagem da criança na Educação Infantil, pois é neste período que ela aparece com mais relevância, tornando as Instituições de Educação Infantil, na sociedade em que vivemos, em espaços privilegiados para que a brincadeira aconteça e se desenvolva. Porém, neste contexto de sociedade, precisamos considerar que há diferenças regionais, demográficas e culturais que ainda não permitem a concretização deste ideal de Educação Infantil. O papel do professor também está expresso no texto, mostrando como o/a professor/professora pode e deve intervir para que a brincadeira seja garantida no interior das instituições de educação infantil, sendo um/a mediador/a entre a criança, o seu desenvolvimento e o conhecimento.
A quarta parte do texto mostra como a realização deste trabalho está influenciando em minha prática diária, o quanto está colaborando para socializar novos conhecimentos. Traz, também, as dificuldades e possibilidades de a brincadeira se estabelecer como eixo do trabalho pedagógico.
Por fim, apresentamos as considerações finais.
2. PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
Para compreendermos a importância que a Educação Infantil ocupa no atual quadro educacional brasileiro, precisamos conhecer um pouco de sua trajetória histórica.
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De acordo com Kuhlmann Júnior (1998) até o final do século XIX, a maior parte da população brasileira se concentrava na zona rural e o cuidado e educação das crianças até os seis anos de idade eram realizados pelas próprias famílias. Naquele contexto histórico, as famílias mais carentes, principalmente de agricultores, muitas vezes levavam as crianças para as lavouras e campos, enquanto as famílias abastadas contavam com escravas para auxiliar ou desempenhar a função de cuidado de seus filhos, pois quase não havia instituições formais para cuidar e educar crianças.
No início do século XX, a revolução industrial e a mecanização no campo em substituição da mão de obra humana provocou uma verdadeira fuga de famílias da zona rural para os centros urbanos, o chamado êxodo rural. Essas famílias estavam em busca de trabalho e melhores condições de sustento para seus membros. Essa verdadeira corrida para a Zona Urbana foi responsável pelo aumento do consumo e do ritmo da atividade industrial e essas mudanças ocorridas na organização social e familiar modificaram a educação das crianças, havendo uma transformação significativa no cenário da infância.
Com a industrialização do país, a mulher precisou entrar para o mercado de trabalho, mais precisamente nas indústrias têxteis, para auxiliar no sustento da família, especialmente nas classes menos favorecidas, visto que esta antes desempenhava somente tarefas domésticas e de cuidado das crianças. Estas transformações motivaram a procura dessas famílias por locais para deixar seus filhos. Muitas vezes o atendimento a essas crianças era realizado por mulheres da comunidade, em casas de famílias, que aceitavam a tarefa de cuidado em troca de auxílio financeiro que provinha das indústrias que empregavam mulheres com filhos pequenos. Sendo assim, não havia exigência de formação adequada na área. Mas com o passar do tempo, o aumento demográfico nos grandes centros urbanos, provocado pelo processo de urbanização do país, alavanca a procura das famílias por locais adequados para deixar seus filhos e as “creches domésticas” deixam de ser suficientes.
Também nesse período, a partir dos estudos realizados, a criança passa a ser vista como ser humano em desenvolvimento, que possui uma história de vida e capacidade de aprender, que precisa de orientação, educação e ensino para se desenvolver integralmente, o que não acontecia em séculos passados, quando não eram reconhecidos seus direitos. Surge então, a necessidade da criação de espaços onde as crianças pudessem ter um atendimento com qualidade, ou seja, com garantia de direitos essenciais ao seu desenvolvimento.
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Diante desse cenário, no início da história da Educação Infantil no Brasil o atendimento às crianças pequenas nos espaços institucionalizados era realizado principalmente com a preocupação de cuidado em relação à alimentação, higiene e a prevenção de doenças, mesmo havendo intenção pedagógica/educacional (KUHLMANN JÚNIOR, 1998). E para as mães, a creche era um lugar onde podiam deixar seus filhos para que pudessem trabalhar, o que era uma exigência dos tempos modernos que se implantavam no Brasil naquele momento histórico. Porém, este quadro de assistencialismo existia predominantemente para as famílias menos favorecidas, pois para as crianças das famílias com maior poder aquisitivo existiam os jardins de infância que, além de cuidar e zelar pelo bem estar das crianças, também lhes passavam instruções para futura escolarização, para que assim já tivessem uma breve noção dos conteúdos referentes a diversas áreas do conhecimento.
Este cenário foi modificando-se ao longo dos anos com a implantação de Políticas Públicas para a Educação Infantil.
A Educação Infantil brasileira percorreu um longo caminho até alcançar o cenário que hoje conhecemos. Dentre outros aspectos, podemos apontar marcos legais que contribuíram para a constituição da Educação Infantil como uma etapa da Educação Básica no Brasil.
Em 1943, o governo federal instituiu a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT, Lei nº 5.452, promulgada no dia primeiro de maio de 1943), em vigor até os dias de hoje e que preconizava os direitos da mãe trabalhadora que amamentava (art. 389), indicando que toda a empresa com mais de 30 mulheres, funcionárias, na faixa de 16 a 40 anos, era obrigada a manter creches próprias ou manter convênio com entidades especializadas.
As empresas tinham grande dificuldade em tratar as creches como direito do trabalhador; em muitos casos eram consideradas um ato de benemerência.
O período de 1945 a 1964 foi caracterizado pelo populismo e marcado pelo otimismo resultante da esperança de um desenvolvimento acelerado. Nesse período há nova mudança do modelo econômico, porque o desenvolvimentismo, que até então fora marcado pelo nacionalismo, começa a entrar em contradição com o início da internacionalização da economia, resultante da instalação em maior número das multinacionais, no Governo Kubitschek (1956-1961).
No campo da educação, ocorria o debate a respeito do anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que levou 13 anos para ser homologada.
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Na década de 1960, com o aumento da industrialização e a urbanização no país há um grande aumento de mulheres no mercado de trabalho.
Neste período foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4024/61), pela primeira vez, incluindo os jardins-de-infância no sistema de ensino. A referida lei estabelecia que:
Art. 23 – A educação pré-primária destina-se aos menores de até 7 anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância.
Art. 24 – As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativas próprias ou em cooperação com poderes públicos, instituições de educação pré-primária (LDB, 1961).
Embora tenham sido incluídos os jardins-de-infância em um registro legal percebemos que não seriam exclusivamente da alçada do poder público. Desta forma, a educação infantil continuaria como vinha sendo oferecida.
A educação da criança pequena começa a se alterar com o governo militar, pós-64. Com a Lei 5692, aprovada em 1971, segunda LDBEN, novamente é mencionada a educação infantil, e nesta é ressaltado o que já estava no artigo 24, da Lei 4024. O parágrafo 2º, do art. 19, afirma que: “os sistemas valerão para as crianças de idade inferior a 07 anos de idade que recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins-de-infância ou instituições equivalentes” (BRASIL,1971).
Sendo assim, o acesso à educação tornou-se obrigatório dos 07 aos 14 anos, porém a educação infantil ainda não era considerada parte da educação básica.
Neste período histórico podemos conceituar escolas maternais, jardins de infância e creches; tais termos se diferem pela classe social em que a criança está inserida, ou seja, maternais e jardins de infância para crianças de famílias mais abastadas e creches para crianças de famílias menos favorecidas. Contudo, as famílias que necessitavam de um local para deixar seus filhos com idade inferior à acima citada, contavam com instituições mantidas pela Assistência Social e, em alguns casos, pela igreja católica.
Em 1972, existiam muitas crianças matriculadas nas pré-escolas em todo o país, mas o descaso à educação infantil enquanto política educacional continuava. O grande embate de ideias tinha como centro a questão: se a educação de crianças de 0 a 6 anos deveria continuar com uma finalidade assistencialista ou deveria ter um cunho pedagógico, ou seja, educacional, embora muitas instituições de ensino infantil já apresentassem várias características pedagógicas.
Com base no documentário virtual “Luta das Mulheres pelo Direito a Creche”, no final dos anos 70 e, sobretudo na década de 80, surgiu em São Paulo o “Movimento de Luta
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por Creches”, organizado pela sociedade civil e com forte influência do feminismo. Isso criou novos canais de pressão sobre o poder público. O resultado desses movimentos foi o aumento do número de creches e pré-escolas mantidas pelo poder público e a multiplicação de creches e pré-escolas particulares conveniadas com os governos municipais, estadual e federal.
No ano de 1988, durante o governo de José Sarney, foi promulgada a Constituição Federal (CF/88), lei maior em nosso país, que pela primeira vez garantia o acesso de crianças de 0 a 6 anos de idade às creches e pré-escolas4. Em seu artigo 208, inciso IV, afirma que [...] O dever do Estado com a Educação será efetivado [...] mediante garantia de atendimento em creches e pré-escolas às crianças de até 05 anos5 (BRASIL. Constituição Federal, 1988). O texto da Constituição Federal abriu caminho para que fossem criadas e ampliadas novas leis que garantissem a Educação Infantil como direito das crianças. Neste contexto histórico a criança já era vista como parte integrante e participativa da sociedade como sujeito de direitos.
Em 1990, o então Presidente da República, Fernando Collor, sanciona a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, “Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)” que reafirma o direito da criança de 0 a 6 anos de idade à educação.
Já no ano de 1996, em 20 de dezembro, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, é promulgada a terceira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDBN 9.394/96 que dá garantia de acesso à Educação Infantil, entendida como primeira etapa da Educação Básica e fazendo parte do Sistema Nacional de Ensino, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança de 0 a 5 anos e 11 meses6 de idade, conforme texto a seguir:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I- Creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II- Pré-escolas, para as crianças de quatro a cinco anos de idade7 (LEI nº 9394. BRASÍLIA, 1996).
4 Considerava-se creche o atendimento de crianças de 0-3 anos de idade e pré-escola o atendimento de crianças de 4-6
5 Alterado pela lei 12.796/2013
6 Alterado pela lei 12.796/2013
7 Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013.
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Em 1998, foram elaborados os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI). As orientações contidas no documento eram apresentadas em três volumes, foi elaborado de maneira a servir como um guia de reflexão sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças de 0 a 6 anos de idade.
Com todas estas mudanças, a educação infantil, agora fazendo parte da educação básica, possui caráter educativo, de ensino e de desenvolvimento da criança em todos os seus aspectos, inclusive associados ao cuidar e, para que estas exigências se concretizassem, fez-se necessário também que houvesse formação profissional inicial e continuada das pessoas que realizam este atendimento, ou seja, dos (as) professores (as).
O Ministério da Educação (MEC), no ano de 2009, lançou a Resolução Nº 05 de 17 de dezembro, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs). Esta norma tem por objetivo estabelecer as diretrizes a serem observadas na organização de propostas pedagógicas nessa etapa educacional. Este documento define a Educação Infantil como:
[...] primeira etapa da Educação Básica, oferecida em creches (0-3 anos) e pré-escolas (4 a 5 anos), as quais se caracterizam como espaços institucionais educacionais públicos ou privados, não domésticos, que educam e cuidam de crianças de até 5 anos de idade, no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social (BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, 2009).
Com base neste documento, há que considerarmos a definição de dois eixos norteadores do trabalho pedagógico na Educação Infantil. São eles: as Interações e as Brincadeiras. E ainda, para que se cumpram as diretrizes, os aspectos relacionados ao cuidar e educar devem estar sempre vinculados como ações para que se efetive com qualidade o atendimento na Educação Infantil.
Outra grande conquista recente para a Educação Infantil foi o Plano Nacional de Educação – PNE (2014) que diz em sua meta 1:
“Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE”.
Considerando que o PNE foi aprovado em 2014, o tempo previsto para atender as crianças de 0 a 3 anos de idade é excessivamente longo e, no nosso entendimento, este atendimento não deveria ser de apenas 50%, mas sim, de 100%.
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Como podemos observar ao longo desse texto, na história educacional de nosso país a Educação Infantil sofreu muitas e importantes mudanças ao longo dos anos, principalmente o reconhecimento por parte do poder público de que esta é uma etapa da Educação Básica, reconhecendo as crianças como seres sociais, histórico-culturais e de direitos, bem como, valorizando os profissionais de Educação Infantil e as práticas pedagógicas inerentes ao desenvolvimento integral das crianças.
Mais especificamente, podemos considerar que garantir a brincadeira e as interações como eixos norteadores do trabalho pedagógico na Educação Infantil configura-se um grande avanço, pois sinaliza a compreensão de que a atividade da brincadeira é fundamental para o processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças.
3. A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADE PRINCIPAL DA CRIANÇA
Como vimos, a Educação Infantil no Brasil, passou por grandes mudanças, originadas por novas exigências sociais e econômicas. Com elas, a criança começa a acompanhar os ritmos da história e fazer parte da mesma, já que em outros tempos esta era considerada um ser quase invisível. Atualmente a criança começa a ser considerada, legalmente e no meio acadêmico, em sua especificidade, com identidade pessoal, histórica e cultural, que deve ser valorizada, e seu desenvolvimento, em todos os períodos, a ser observado, pesquisado, registrado e avaliado. Nesse trabalho, estamos considerando a criança como:
(...) sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, DCNEIs, 2010).
Conforme Mello (2007), todo ser humano, como ser social, vive em constante interação com o meio. É nessa interação que os seres humanos se constituem como pessoas, construindo as relações que estruturam suas vidas (relações sociais, afetivas, entre outras). Este princípio de desenvolvimento estudado por Vigotski e seus seguidores é abordado pela Teoria Histórico Cultural como um processo dialético e complexo de inter-relações que se tecem entre o meio social e as bases biológicas e que promovem o desenvolvimento cognitivo e social em interação.
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O processo de formação na criança, inicia-se no nascimento, mas para desenvolver-se, é necessário que as interações sociais que estabelece com o meio e com outros sujeitos, oportunizem sua aprendizagem e impulsionem seu desenvolvimento. Por isso, é fundamental acreditar que toda a criança tem capacidade de aprender, cada uma com seu ritmo, no seu tempo e à sua maneira (Orientações Curriculares para a educação Infantil, Balneário Camboriú, 2013).
O processo de humanização é como chamamos o processo de apropriação das qualidades tipicamente humanas, ou seja, a linguagem, o comportamento social, o pensamento organizado, etc. Todos nascemos com funções biológicas já definidas, por exemplo, ouvir, ver, imitar, alimentar-se, entre outras. Porém, a função do processo de humanização, segundo a Teoria Histórico-Cultural, é justamente fazer com que o indivíduo, ou seja, a criança, se aproprie das qualidades inerentes ao ser humano através da apropriação dos objetos da cultura histórica e criados pela sociedade ao longo do tempo.
Esta apropriação das qualidades humanas se dá pela interação com sujeitos mais experientes e inicia-se na família, como primeiro contato social da criança, e tem continuidade na escola, onde a criança inicia seus primeiros contatos com a socialização, interação, estimulação social, intelectual e emocional, de maneira sistematizada. Sendo assim, a escola deve ser o espaço principal para apropriação das qualidades humanas na nossa sociedade. Através de leituras realizadas no texto “Infância e humanização: algumas considerações na perspectiva histórico-cultural”, de Suely Amaral Mello (2007), concordamos com a autora quando cita a afirmação de Leontiev de que “o processo denominado processo de humanização, é um processo de educação (LEONTIEV, 1978 apud MELLO, 2007)”.
Somente com este processo denominado de humanização nos tornamos verdadeiramente humanos. Por exemplo, se uma criança ao nascer for deixada na natureza, em uma floresta ou em outro lugar que não seja a sociedade organizada que conhecemos, irá adquirir as qualidades dos seres que terá contato, como a história de “Oxana” que viveu dos 3 aos 8 anos de idade em um canil, na Ucrânia, e o vínculo com os cães desenvolveu nela qualidades e habilidades caninas8.
Com base na Teoria Histórico Cultural, compreendemos que há uma regularidade no processo de desenvolvimento das funções tipicamente humanas - como a linguagem, o pensamento, a memória, a imaginação - em cada período do desenvolvimento da criança.
8 Vídeo disponível em: http://www.hypeness.com.br/2014/04/conheca-a-historia-de-5-criancas-que-foram-criadas-por-animais/
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Durante a infância, em cada idade da criança há uma atividade dominante, que ela passa mais tempo praticando, essa atividade que também chamamos de atividade guia pode lhe dar algum prazer, mas também pode causar frustração. Assim ela vai atribuindo sentido e significado ao que vê e vive. Segundo Mello (2007):
O estudo da criança nas diferentes idades mostra que, em cada idade, condicionadas pelo desenvolvimento orgânico, e pelo conjunto de vivências sociais por ela acumuladas, surgem novas formações no processo de desenvolvimento (p.96).
Isso quer dizer que quando a criança chega ao final de cada período de desenvolvimento vai deixando de lado a atividade que mais tempo praticava, então, surge uma nova atividade e uma nova fase, iniciando um novo período de desenvolvimento.
Portanto, a atividade principal na criança varia de acordo com sua idade, com o meio social em que está inserida, com seu desenvolvimento orgânico, ou seja, depende de seu desenvolvimento motor, intelectual, afetivo-emocional e social. Para o professor é de suma importância conhecer profundamente as características de cada período do desenvolvimento da criança de acordo com sua faixa etária para, que assim, possa planejar atividades significativas e desafiadoras que levam a criança a evoluir para um novo período do seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.
Segundo Mello (2007), no primeiro ano de vida a atividade principal da criança é a comunicação emocional com os adultos, que se dá através do choro, do olhar, de movimentos corporais, de sorrisos e balbucios. Nesta fase, ela percebe as emoções e intenções do adulto por meio do toque, da fala e do olhar. Para Vigotski , traduzido por Zoia Prestes (2008, p. 24), no primeiro ano de vida a atividade que mais proporciona satisfação na criança está relacionada com o processo da sucção, por exemplo, ao chupar a chupeta ou sugar o seio da mãe mesmo que não haja saciedade (necessidade nutricional) causa uma satisfação funcional. Essa necessidade de sucção vai diminuindo no final do primeiro ano de vida e assim a criança passa para o próximo período de desenvolvimento. Nesse período ainda não há a presença da brincadeira.
Ao final do primeiro ano, a criança adquire novas formações, como o andar, o início da compreensão da linguagem e o despertar da vontade própria. É na primeira infância que tem início a exploração dos objetos, a exploração do meio ambiente e o desenvolvimento da linguagem verbal.
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A exploração e o tateio dos diferentes objetos a que tem acesso e as descobertas que realiza nesse tateio movem seu desenvolvimento até próximo dos três anos de idade, pois, por meio dessa experimentação, a criança observa, se concentra, cria modelos de ação que também servem ao seu pensamento, interage com as outras crianças que estão à sua volta, tenta resolver as dúvidas que a manipulação dos objetos gera e, com isso, envia importantes estímulos ao seu cérebro. Nessa atividade com objetos, a criança descobre características e propriedades; ampliando o conhecimento do mundo ao seu redor, exercita sua percepção, sua comunicação, seu desenvolvimento motor, acumula experiências e cria uma memória, exercita e desenvolve a atenção, a fala, o pensamento e faz teorias, ou seja, interpreta e explica o que vai conhecendo. (MELLO, 2007, p.96-97).
De acordo com Vigotski, traduzido por Zoia Prestes (2008, p. 25), na primeira infância (0 a 3anos) a criança já não se interessa tanto pelas atividades que anteriormente deixavam-na satisfeita. Nessa fase ela é imediatista e não compreende quando seus desejos não são atendidos e satisfeitos imediatamente, pois manifesta a tendência para a resolução e a satisfação imediata destes desejos. Conforme este autor, quando não é atendida, sendo uma criança mimada, faz escândalos e fica resignada. Sendo ela uma criança obediente e acostumada a abdicar de seus desejos, se afastará ou se contentará com uma demonstração de afeto da mãe ou um mesmo com uma bala abrindo mão, assim, de seu desejo imediato. Este comportamento terá reflexo direto na idade pré-escolar, quando esses desejos não satisfeitos são expressos através das brincadeiras, e é nesse período que surgem, além de todas as características supracitadas, a imaginação, a fantasia, o pensamento lógico-matemático, a concentração, a atenção, a memória, a coordenação motora, a linguagem oral, orientação espaço-temporal, a imitação, e a reprodução (a sua maneira) de experiências do cotidiano. Sendo assim, a brincadeira tem início para a criança e seu interesse pela interação com outras crianças e para o compartilhamento de objetos e brinquedos fica evidenciado, mesmo que isso provoque conflitos, entretanto é uma característica do período. O faz-de-conta torna-se a atividade principal do período.
Porém, devemos lembrar que cada criança tem seu tempo, não há um tempo exato para o aparecimento de certas características, em algumas crianças elas podem surgir mais cedo do que em outras.
Podemos então dizer, que a atividade principal que se manifesta de maneira explicita na criança na idade pré-escolar é a brincadeira e que ela é fundamental para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de todas as funções importantes do ser humano, que serão para toda a vida.
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Vigotski, em tradução de Zoia Prestes (2008, p. 24) afirma que:
“Conhecemos brincadeiras em que o próprio processo de atividade também não proporcione satisfação. São aquelas que prevalecem no final da idade pré-escolar e no início da idade escolar e que trazem satisfação somente quando seu resultado revela-se interessante para a criança; por exemplo, os jogos relacionados a resultados, quando seu término é desfavorável para a criança, provoca um sentimento de insatisfação”.
4. A IMPORTÂNCIA DA BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
A Educação Infantil deve ser compreendida como um espaço privilegiado para o desenvolvimento da atividade da brincadeira pela criança. Segundo Gilles Brougère, em entrevista à Revista Nova Escola:
“Brincadeira é uma atividade que não nasce com a criança, mesmo que tenha elementos naturais ela necessita de interação e relação sociais significativas. E, sendo essas relações de qualidade a criança aprende a brincar e pratica essa atividade desde muito pequena (2010, p. 35) ”.
Como a criança é um ser em desenvolvimento, sua brincadeira vai se estruturando conforme vai adquirindo habilidades e seu desenvolvimento avançando, ou seja, em cada período vai ampliando sua forma de atuar no mundo.
Sendo, assim, a Educação Infantil é o espaço institucionalizado onde a criança interage com outras crianças, com adultos, com objetos e elementos da cultura onde está inserida. Tem como objetivo proporcionar tempos, espaços e situações de aprendizagem para que a mesma se desenvolva integralmente, bem como propiciar a ela diferentes formas de sentir e expressar-se.
Diante disso, compreendemos a necessidade de ampliar e qualificar nossas ações e práticas pedagógicas para que possamos atuar com mais segurança, comprometimento e intencionalidade no processo educacional.
Assim, os/as profissionais da Educação Infantil, em especial professores e professoras, devem buscar desenvolver na criança a capacidade simbólica do pensamento, considerando a atividade principal da criança (de acordo com o período em que se encontra). É necessário proporcionar às crianças espaço para que elas possam expressar sua forma de pensar, organizar, desorganizar e construir o mundo. É pela imaginação que a criança consegue
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demonstrar seus sentimentos, vontades, insatisfações, frustrações e fantasias. Mais uma vez cabe ao/a professor/a criar espaço e possibilitar que a criança brinque e, através dessa brincadeira, aprenda e desenvolva cada vez mais a capacidade simbólica de seu pensamento.
O brincar, nas palavras de Adriana Friedmann (2016)9
“ (...) vai muito além de uma simples ação, uma atividade, uma experiência, um tempo, um lugar. Brincar é a possibilidade de ser, de expressar-se, de compartilhar, de descobrir, de viajar a outros mundos, de reencantar a vida”.
Concordamos com as palavras acima citadas. Por mais simples que pareça a brincadeira, ela traz consigo possibilidades de revolução no desenvolvimento de uma criança e deve ser valorizada em todos os momentos, principalmente, deve ser considerada eixo do trabalho pedagógico nas instituições de Educação Infantil.
De acordo com Mello (2007) o brincar é parte essencial de seu desenvolvimento. Porém, para que esse processo ocorra de maneira significativa, faz-se necessário que o professor ou professora conheça e considere todas as especificidades de relacionamento da criança com o mundo à sua volta. Neste sentido, o papel principal do/da professor/a é promover o “bom ensino”, considerando que a aprendizagem antecipa e conduz o desenvolvimento. Para a Teoria Histórico-Cultural (Mello,2007 p. 98), o “bom ensino” deve ter professores e professoras conscientes que seu papel é o de orientar as ações das criança. Neste sentido, o/a professor/a deve ser o/a mediador/a que cria desafios, orienta e estimula a criança a superá-los, garantindo que adquiram novas habilidades e aperfeiçoem as já adquiridas, superem seus medos e testem seus limites, avançando assim para uma nova etapa de desenvolvimento. Assim, a criança constrói e reformula o aprendizado, incorporando esse conhecimento para novas situações ao longo de sua vida.
A brincadeira, nas palavras de Vigotski, em tradução de Zoia Prestes (2008, p. 35),
É fonte de desenvolvimento e cria a Zona de Desenvolvimento Iminente (proximal), que é aquilo que ela não consegue realizar sozinha, até que ela as interiorize, e através de situações imaginárias coloca a criança num em um nível mais elevado de desenvolvimento, assim, ela faz um ensaio para futuramente ter autonomia na realização dessas atividades e chegar a Zona
9 Disponível em http://aliançapelainfancia.org.br.
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de Desenvolvimento Real (ZDR), que é o que a criança consegue realizar sozinha, com independência.
Desta forma, o “bom ensino” envolve a mediação do professor ou da professora ou, até mesmo, de crianças mais experientes, e estes necessitam conhecer o que a criança já traz consigo para promover novas aprendizagens e passar para um nível mais elevado de desenvolvimento.
Diversas sociedades reconhecem o brincar como parte da infância. Partindo de concepções teóricas de que a criança tem sua curiosidade despertada por brincadeiras e por meio delas se relaciona com o meio físico e social, de modo a ampliar seus conhecimentos, desenvolver habilidades motoras, cognitivas e linguísticas, a Instituição de Educação Infantil, segundo a Resolução Nº 5, de 17 de dezembro de 2009 em seu artigo 8º, deve garantir à criança:
“(...) o acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças” (BRASIL, 2009).
As crianças fazem das brincadeiras uma ponte para o imaginário, a partir disto, muito podemos contribuir. Contar e ouvir histórias, dramatizar, jogar, desenhar, brincar, entre outras propostas, possibilitam uma diversidade de experiências que ampliam o universo da brincadeira infantil e, consequentemente, o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança.
Os/as professores/as que atuam na Educação Infantil devem ter consciência de que irão trabalhar com as crianças pequenas no seu dia-a-dia em várias situações. Devem ter visão ampla em todos os momentos, procurando sempre fazer as intervenções necessárias ao desenvolvimento da criança no período de desenvolvimento em que se encontra. Deve ser o mediador, o organizador de espaços e tempos para um atendimento de qualidade para a criança durante sua permanência na instituição.
O/a bom/boa professor/a deve sempre estar se capacitando, aperfeiçoando-se, trazendo para sua prática em seu espaço de trabalho na Educação Infantil métodos inovadores que despertem a curiosidade das crianças e levem-na a construir sua autonomia de maneira significativa. Deve ter sua prática pedagógica planejada e registrada diariamente,
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considerando a criança que atende e levando em consideração que as interações e as brincadeiras devem ser os eixos condutores das práticas pedagógicas na Educação Infantil.
5. A BRINCADEIRA COMO EIXO DO TRABALHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DIFICULDADES E POSSIBILIDADES
Como administradora escolar, exerço funções essenciais para o bom andamento administrativo e pedagógico da instituição e preciso zelar pelo cumprimento do Projeto Político Pedagógico (PPP) do Núcleo Sementes do Amanhã, e este PPP contempla a atividade da brincadeira.
Até meados do ano de 2014, a preocupação em organizar o espaço para garantir às crianças o desenvolvimento de atividades de brincadeira era pequena. Havia ambientes internos e externos planejados mais para agradar aos adultos do que para garantir um desenvolvimento de qualidade as crianças; eram ambientes esteticamente agradáveis e bonitos, porém não atendiam com prioridade aos fins da Educação Infantil.
A partir das leituras realizadas para o desenvolvimento desse trabalho, bem como os conhecimentos acessados nas disciplinas cursadas, estou conseguindo aos poucos, juntamente com a equipe gestora, socializar os conhecimentos adquiridos e desconstruir alguns conceitos ultrapassados, levando às reuniões pedagógicas semanais discussões sobre a garantia de qualidade no atendimento às crianças e sobre seus direitos fundamentais enquanto seres participantes da história e da construção da sociedade, sempre orientando para o desenvolvimento de propostas que envolvam a atividade da brincadeira, salientando que esta deve ser uma das atividades eixo no trabalho pedagógico dentro das instituições de Educação Infantil. O aprendizado que adquiri me permite discutir com colegas a importância dos/as professores /as conhecerem e considerarem o período de desenvolvimento da criança para planejar e organizar espaços e tempos que sejam realmente significativos.
Está sendo uma tarefa difícil desconstruir práticas há muito tempo construídas, pois encontramos rejeição a mudanças.
Sabemos que ainda existem nos dias de hoje, muitos profissionais que pensam, acima de tudo, na sua rotina e não com prioridade ao bom atendimento à criança, indo contra as diretrizes atuais, demonstrando sua ligação com métodos que remetem às práticas associadas ao assistencialismo do século passado que via na criança alguém que necessitava somente de cuidados, dissociados com o educar. Isso demonstra que a atividade da brincadeira, foco desse
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trabalho, provavelmente não era considerada tão importante em outros tempos e para modificar essa concepção se faz necessário uma formação de qualidade para o/a professor/a, tanto inicial quanto continuada.
O Núcleo possui espaços externos amplos, arborizados, com gramado, areia, pátio coberto e descoberto. Mas nem sempre foi assim. Recentemente, com apoio da Associação de Pais e Professores (A.P.P.) e Secretaria de Educação, estes espaços foram revitalizados, ganhando parques acessíveis à todas as faixas etárias atendidas. O jardim foi revitalizado de forma lúdica pelos alunos da pré-escola com auxílio das professoras10 e de um profissional especializado em jardinagem. A intenção desta atividade foi trabalhar a interdisciplinaridade com as crianças e, principalmente, a preservação do meio ambiente a partir do aproveitamento de materiais (pneus, caixas de verduras, troncos de árvores, garrafas, etc.). Destaco aqui esta ação porque foi uma atividade que proporcionou satisfação para as crianças e professoras envolvidas e criou algumas situações imaginárias importantes e curiosas e, ainda, despertou nos pequenos a iniciativa de cuidados com o meio ambiente, com a natureza.
As práticas de educação física também passam por mudanças, pois os professores11 estão trocando atividades mecânicas e sistematizadas por atividades mais dinâmicas, lúdicas, divertidas e atrativas para as crianças, com momentos de brincadeira, embora ainda isoladas, após atividades de estimulação para o desenvolvimento motor e habilidades, próprias da área, embora na nossa opinião, todos esses momentos deveriam se dar pela atividade da brincadeira.
Vários espaços da Instituição estão lentamente passando por mudanças significativas, com cantos temáticos planejados, fantasias e brinquedos ao alcance das crianças, materiais estes que ficavam guardados em armários e só distribuídos para as crianças no momento determinado pelas (os) professoras (os).
A grande inquietação que me levou a escolha deste tema foi ,como dita no início do texto, a pouca importância de alguns (as) professores (as) com relação à atividade da brincadeira e este comportamento ainda permanece em alguns profissionais da instituição.
Penso que para realmente modificar este cenário e para que a instituição de Educação Infantil, em um contexto amplo, seja considerada e pensada como principal espaço de interação e brincadeira para a criança, é necessário proporcionar formação continuada dos docentes e demais profissionais que ali atuam. Além disso, é necessário que as famílias sejam orientadas sobre a importância da atividade da brincadeira para o processo de aprendizagem e
10 As turmas de pré-escola são atendidas no momento por professores do sexo feminino.
11 A instituição possui dois professores de educação física do sexo masculino.
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desenvolvimento das crianças, pois alguns pais, especialmente da pré-escola, preocupam-se muito com a alfabetização da criança, pensando que esta deve ir para o 1º ano lendo e escrevendo. E isso é um grande equívoco! Segundo Mello (2007, p.91), é um encurtamento da infância desnecessário, pois isto se dará no período certo, e o que se pode fazer para que estas habilidades sejam adquiridas ou aprendidas sem frustração é propiciar um ambiente rico em interações e atividades lúdicas. Estas famílias devem ser esclarecidas no sentido de compreender que a brincadeira é capaz de auxiliar muito a criança nesse processo e que a Educação Infantil não possui o objetivo de escolarizar e sim desenvolver integralmente a criança .
A produção deste trabalho me tornou mais segura para auxiliar os/as professores/as da Instituição na elaboração de projetos, planejamentos e até mesmo na avaliação dos alunos, considerando a brincadeira como essencial na Educação Infantil.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste trabalho despertou inquietações. A curiosidade em desvendar as descobertas e ideias de Vigotski e outros autores e pesquisadores acerca de teorias que buscam explicar o desenvolvimento da criança, só aumentou durante a realização do trabalho.
A brincadeira tem um importante papel na trajetória do desenvolvimento da criança, sendo a atividade principal entre 3 e 6 anos de idade. Na medida em que criança vai crescendo a brincadeira vai modificando-se, ficando mais complexa. Vai se tornando mais regrada, mais próxima de situações reais.
Com os estudos realizados, percebemos que, conforme afirmam as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (2010), o objetivo da Educação Infantil é de proporcionar às crianças a possibilidade de vivenciarem situações de aprendizagens por meio de um ambiente rico em interações, onde as crianças trocam entre si, com os adultos e com os objetos da cultura na qual está inserida. E a brincadeira é uma atividade insubstituível e fundamental para o processo de aprendizagem e desenvolvimento integral da criança.
A partir desse estudo, foi possível perceber que os (as) professores (as) de Educação Infantil têm a função de garantir, através das práticas pedagógicas, um direito fundamental da criança: o BRINCAR.
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REFERÊNCIAS
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