A Importância das Atividades Lúdicas na Educação Infantil: Implicações para o Desenvolvimento Holístico e a Construção da Identidade Cultural

Por Armando Chicoca Candanda | 14/08/2024 | Educação

A Importância Das Actividades Lúdicas Na Educação Infantil: Implicações Para O Desenvolvimento Holístico E A Construção Da Identidade Cultural

The Importance Of Playful Activities In Early Childhood Education: Implications For Holistic Development And The Construction Of Cultural Identity

Armando Chicoca Candanda

candanda1992@gmail.com

Mestre em Metodologia de Educação de Infância pelo Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla-Angola e Licenciado em Ciências da Educação na Especialidade de Magistério Primário pela Escola Superior Pedagógica do Namibe afecta a Universidade Mandume ya Ndemufayo-Angola

Resumo

Este artigo investiga com base na literatura actual e na observação das práticas educativas nos Centros Infantis, a importância das actividades lúdicas na educação infantil em Angola, analisando suas implicações para o desenvolvimento holístico das crianças. Apresenta uma abordagem que que releva os aspectos cognitivos, emocionais, sociais e culturais. Busca-se entender como o lúdico não apenas facilita a construção de conhecimento, mas também promove a construção da identidade cultural e a socialização. O estudo examina as práticas educativas actuais, identificando os desafios enfrentados por educadores na implementação dessas actividades. Além disso apresenta estratégias para integrar efetivamente o lúdico no currículo da educação infantil, destacando sua relevância como ferramenta pedagógica essencial para o desenvolvimento integral das crianças angolanas. Ao final propõe-se um modelo de intervenção que visa fortalecer o papel das actividades lúdicas na formação de cidadãos críticos, reflexivos e criativos.

Palavras-chave: actividades lúdicas, desenvolvimento holístico e identidade cultural.

Abstract

Based on current literature, this article investigates the importance of play in earlychildhood education in Angola, analyzing its implications for children´s holistic development. It presents na approach that highlights cognitive, emotional, social and cultural aspects. It seeks to understand how play not only facilitates the construction of knowledge, but also promotes the construction of cultural identity and socialization. The stude examines current educational practices, identifying the challenges they faced by educators in implementing these activities. It also presents strategies for efectively integrating play into the early childhood education curriculum, highlighting its relevance as na essential pedagogical tool for the holistic development of angolan children. At the end, na intervention model is proposed wich aims to strengthen the role of play activities in the formation of critical, reflective and criative citizens.

Keywords: play activities, holistic development and cultural identity.

 

Introdução

A educação é um fenómeno muito complexo, convertendo-se em objecto de estudo para muitas disciplinas, como a Pedagogia, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia e outras, inclusas nas Ciências Pedagógicas. Essa complexidade exige uma profunda reflexão sobre o acto educativo como um processo multidimensional e interdisciplinar. O Estado Angolano no que concerne as políticas educativas visa assegurar a qualificação e o bom desempenho de professores do Ensino Superior para a formação de formadores em Educação de Infância, nos cursos de formação inicial em todas as províncias (Decreto Presidencial n.º 205/18 de 3 de setembro, 2018). Neste contexto é necessário que se forme profissionais que sejam capazes de promover uma prática educativa de qualidade e responder os desafios actuais da educação pré-escolar, com vista ao desenvolvimento holístico da criança. Para que este desiderato se cumpra, é preciso que se atue em equipas multidisciplinares, planificando, coordenando, executando e avaliando actividades relacionadas com a Educação de Infância (Varela, 2013).

Não obstante as políticas educativas estarem bem traçadas, ainda se verifica um certo fosso entre o que se almeja e o que se realiza por parte dos educadores nas instituições de educação infantil em que os educadores de infância encaram para as actividades lúdicas como mais um passatempo para as crianças e que em muitas vezes não as realizam tendo em conta uma intencionalidade educativa. Porém, as actividades lúdicas em muito contribuem no desenvolvimento holístico da criança e do futuro cidadão que se almeja, isto é, um cidadão mais reflexivo, mais crítico, inovador e capaz de responder com as demandas da sociedade.

O presente estudo tem como objectivo compreender a importância das actividades lúdicas para o desenvolvimento holístico e a construção da identidade cultural da criança, se convertendo num contributo para as práticas dos educadores e futuros educadores de Infância. É um estudo de natureza qualitativa baseada na metodologia de revisão de literatura sobre o lúdico bem como na observação das práticas educativas nos Centros Infantis.

A importância das actividades lúdicas na Educação Infantil: Implicações para o desenvolvimento holístico e a construção da identidade cultural

Segundo Roa e Filho (2022, p. 11), “o desenvolvimento do processo educativo em contexto institucional e comunitário é concebido como um processo em espiral e contínuo que, na medida em que permite à criança avançar no seu processo de crescimento e desenvolvimento”, contribui para a realização de diversas acções que antes não era capaz de fazer, tendo como base o enfoque lúdico como actividade fundamental nesta etapa. Sob esta perspectiva, a importância das actividades lúdicas na Educação de Infantil, consubstancia-se na formação integral (Bruner, 2015). As actividades lúdicas possuem fortes implicações nas seguintes esferas do desenvolvimento do indivíduo:

a) Desenvolvimento motor

O desenvolvimento motor é definido como a alteração contínua do comportamento do indivíduo ao longo da vida, efectuado por meio da relação entre as necessidades biológicas e as condições do ambiente em que se encontra o ser (Gallahue et al., 2013; Niles & Socha, 2014). Segundo o Decreto Presidencial 129/17 de 16 de junho, que aprova o Estatuto do Subsistema de Educação de Infância de Angola, é necessário prover à estimulação da criança através de actividades lúdicas e jogos, no sentido de exercitar a sua capacidade motora, fazer descobertas e iniciar o processo de literacia.

b) Desenvolvimento cognitivo

Varela (2012), define o termo “cognição” como a capacidade humana de entender, julgar e interpretar o mundo. Por outro lado, o desenvolvimento cognitivo é a relação entre os processos pelos quais os seres humanos passam para que estas capacidades se efectivem.

No contexto da actividade lúdica, o educador tem consciência do valor dos jogos para o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança. A criança gosta de brincar, uma vez que o brincar em si mesmo exerce um papel importante no seu bem-estar e desenvolvimento, pois brincando as crianças aprendem, desenvolvem-se, experimentam e interagem, relacionam as suas vivências, observam, estabelecendo relações essenciais à construção do seu conhecimento, ou seja, a sua aprendizagem ocorre de modo significativo (Delvalle et al., 2021).

c) Desenvolvimento emocional e social

Para Vygotsky (1998), o desenvolvimento sociocognitivo decorre das trocas entre parceiros sociais através de processos de interacção e mediação. As aprendizagens fazem parte do processo de desenvolvimento emocional e social, dado que todo o processo educativo se desenvolve numa sociedade, a que pertence e para a qual deve contribuir, fazendo um percurso participativo no encontro das crianças com as crianças e das crianças com os adultos (Clérigo et al., 2021).

A cultura é o principal factor que influencia o desenvolvimento sociocognitivo, pois ensina às crianças o quê e como pensar. Por meio da cultura, “a criança adquire grande parte do seu conhecimento através de interacções sociais e dos seus processos de pensamento, o que Vygotsky designava de “ferramentas de adaptação intelectual” (López, 2019, p. 62).

A criança aprende ao participar em actividades da sua comunidade e em interacções de envolvimento mútuo com familiares, amigos, vizinhos e educadores, ao vivenciar situações sociais culturais diversificadas.

d) Desenvolvimento da criatividade e imaginação

Silva et al. (2016), defende que um aspecto essencial que devemos levar em conta para o desenvolvimento da criança é a actividade lúdica. Torna-se essencial a sua prática ao longo da infância, dado que as aprendizagens realizadas se tornam mais frutíferas se houver experiências diversificadas e significativas para a criança.

O educador deve limitar-se apenas a sugerir, estimular e explicar, sem impor, a sua forma de agir, para que a criança aprenda descobrindo e compreendendo, e não por simples imitação. Segundo Assis (2017, p. 23), “o espaço educativo para a realização das atividades deve ser um ambiente agradável, em que as crianças possam sentir-se descontraídas e confiantes”.

As práticas educativas actuais no contexto angolano e não só, nos jardins de infância carecem de uma nova perspectiva de olhar para as actividades lúdicas, uma vez que, os educadores têm enfrentados os seguintes desafios na implementação das actividades lúdicas:

Formação inadequada: em que muitos educadores de infância não possuem formação específica em educação de infância e muitos deles carecem de agregação pedagógica;

  • A escassez de recursos: muitas instituições não dispõem de recursos adequados para realização de actividades;
  • Programas rígidos: muitos programas não dão abertura para flexibilidade, promovendo a autonomia do educador:
  • Necessidade de valorização das tradições culturais e sociais: as actividades implementadas muitas vezes distanciam-se da realidade das crianças bem como da localidade em que se encontra a instituição infantil.

Dado os desafios ora apresentados, entende-se que, as actividades realizadas por muitos educadores de infância são muitas vezes diretivas, passivas e não baseadas na autonomia das crianças, denotando no seu “modus operandi” remetem a uma ideia de escolarização.

Tal como enfatiza Gomes (2014) e Luckesi (2005) afirmam, é necessário que as crianças sejam autoras do seu próprio conhecimento e vivenciem nas actividades propostas a plenitude da experiência. Para que se mude tal paradigma vivenciado e adotados por muitos educadores de infância, é necessário que o educador ou futuro educador de infância adote as seguintes estratégias na sua prática educativa:

  • Envolver activamente a criança no processo educativo;
  • O Educador deve promover a autonomia em que as crianças fazem escolhas e tomam decisões;
  • Basear o currículo em princípios tais como: o planeamento activo, a participação livre, a aprendizagem e a interação de qualidade entre crianças e adultos;
  • Avaliar de forma autêntica e contínua o progresso de cada criança, com base em observações e registos cuidadosos das interacções e actividades diárias;
  • Realizar as actividades lúdicas tendo em conta a realidade local e das crianças de modo que cada criança construa o seu próprio conhecimento e a sua identidade cultural.

Conclusão

Dado o estudo em questão, é percetível a presença constante das actividades lúdicas, representadas pelos jogos e brincadeiras no mundo infantil de todos os povos, nações e culturas, e que apresentam uma inter-relação com o processo educativo e a necessidade de continuar a investir na formação de educadores de infância, investir nos recursos humanos e materiais das Instituições de educação de infância, a valorização das tradições culturais locais bem como a necessidade de dissipar as práticas de escolaridade nesta etapa. Neste sentido, podemos afirmar que o papel do educador é justamente possibilitar experiências embutidas na cultura, para o desenvolvimento da criança, deixando marcas na formação da identidade cultural da criança. Para o efeito, é necessário ainda, que o educador ou futuro educador de infância tenha em atenção o recurso a diferentes estratégias que atendam as necessidades individuais e colectivas das crianças fazendo com que cada uma construa traços peculiares da sua personalidade, sendo, reflexivas, críticas, criativas e inovadoras.

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