A Importância da Educação Nutricional na Escola como Instrumento de Prevenção no Aumento da Obesidade Infantil
Por Lisa Minari Hargreaves | 22/01/2020 | EducaçãoRESUMO
No presente trabalho trata-se da importância da psico educação nutricional na escola como instrumento de prevenção no aumento da obesidade infantil. No primeiro momento (capítulo 1) é descrito o panorama epidemiológico atual da obesidade infantil (dados estatísticos) enfatizando as causas (físicas, emocionais e psicológicas) e as consequências (físicas, emocionais e psicológicas) da obesidade infantil e de seu aumento no Brasil e no mundo. Em um segundo momento (capítulo 2) é apresentada a importância da psicoeducação alimentar nutricional (EAN) na escola como ação de prevenção no combate da obesidade infantil. Em um terceiro momento (capítulo 3) são apresentados projetos de ações psicopedagógicas nutricionais desenvolvidas na escola, voltadas para a prevenção da obesidade infantil. A pesquisa é desenvolvida a partir de uma revisão bibliográfica sobre o assunto visando salientar as causas e as consequências do aumento epidemiológico da obesidade infantil e a ação preventiva psico educacional nas escolas. O trabalho se estrutura a partir da necessidade de entender melhor causas e consequências do aumento da obesidade infantil no Brasil e no mundo. Apresenta desta forma, propostas de EAN voltadas para o espaço institucional educacional. À luz das propostas desenvolvidas no decorrer da pesquisa, pode-se constatar a importância de conscientizar as crianças e suas famílias a respeito de uma correta alimentação. Neste contexto, a implantação de ações psico educacionais nas escolas voltadas para a EAN se torna fundamental no processo de prevenção no aumento da obesidade infantil.
Palavras-chave: Obesidade infantil; Educação Alimentar Nutricional (EAN); Escola; Prevenção.
Introdução
Segundo os dados da Organização Pan-Americana de Saúde da SBEM (2012) os inquéritos populacionais têm registrado um alarmante aumento na incidência da obesidade infantil no mundo e no Brasil. Os dados mostram que a obesidade infanto-juvenil subiu 240% nas últimas duas décadas, contribuindo para o aumento expressivo de doenças (comorbidades) tanto físicas, como psicológicas, relacionadas ao aumento excessivo de peso.
Neste contexto, CASTRO (2015) afirma que atualmente se torna necessário investir na reeducação dos hábitos alimentares voltados para a população infantil, enfatizando que a proposta não deve se restringir somente às crianças acima do peso, mas ao público infantil em geral. Os espaços educativos podem assim tornar-se espaços lúdicos de prevenção voltados para a divulgação e o incentivo da educação nutricional infantil, focando nas mudanças de estilo de vida tanto das crianças quanto de suas famílias.
A escola, importante espaço educacional reconhecido institucionalmente, precisa investir em ações preventivas que apoiem a promoção da qualidade dos hábitos alimentares de seus alunos. Propostas de palestras, cursos e oficinas são assim estratégias psicoeducacionais eficazes no combate ao aumento da obesidade infantil e na promoção de saúde.
À luz dos fatos analisados, pretende-se neste Trabalho de Conclusão de Curso fazer uma revisão bibliográfica a respeito das causas e das consequências da epidemia da obesidade infantil, frisando a importância da educação nutricional psicoeducativa no processo de prevenção e conscientização infantil. Tendo em vista a importância dos recursos nutricionais e pedagógicos, serão também analisadas, após revisão bibliográfica, diferentes estratégias preventivas de atividades desenvolvidas no espaço educacional escolar.
Capítulo 1
Aumento da Obesidade Infantil: causas e consequências
De acordo com HERNANDES e VALENTINI (2010), a obesidade infantil “é um distúrbio nutricional e metabólico caracterizado pelo aumento da massa adiposa do organismo, que se refere ao aumento do peso corpóreo”. Devido ao fato de que a composição corporal sofre alterações ao longo do crescimento, a classificação de obesidade em crianças e adolescentes é feita através de percentis de valores de referência específicos para idade e sexo. A forma mais comum de classificação é a utilização dos padrões de referência da Organização Mundial de Saúde, que consideram obesos os indivíduos com percentil a partir de 97% acima do valor de referência para a idade em que se encontra (SETH & SHARMA, 2012; WHO, 2006).
A Organização Mundial de Saúde (2009) ressalta que atualmente, a cada dez crianças no mundo, uma é obesa, o que representa cerca de cento e cinquenta e cinco milhões de crianças. Nos Estados Unidos, país com uma das maiores incidências mundiais de obesidade, a prevalência de excesso de peso em crianças até 2 anos de idade é de 8,1%, e em crianças de 2 a 19 anos, a prevalência chega a 31,8% de excesso de peso, sendo que, destes, 16,9% já se encontram na faixa de obesidade (ODGEN ET AL, 2014). Segundo a ABESO (2010), a obesidade infantil triplicou três vezes nos últimos vinte anos, podendo-se tornar o principal problema de saúde do século XXI e a primeira causa de doença crônica do mundo.
No Brasil, o percentual de crianças afetadas pelo sobrepeso é de 18% sendo que deste valor, 5% são obesas (ABESO, 2010). Neste contexto, nos últimos 30 anos, o número de crianças obesas no Brasil subiu de 4% a 18% (IBGE, 2010) apontando para o surgimento de novas doenças desenvolvidas cada vez mais cedo.
A obesidade tornou-se uma verdadeira pandemia que atinge entre adultos e crianças mais de um bilhão de pessoas no mundo inteiro, acarretando diversos tipos de comorbidades, tanto físicas quanto psicológicas, até então não correlacionadas ao universo infantil. Problemas ortopédicos, respiratórios, cardíacos, e gastrointestinais, assim como derrames, enfartes, e problemas no colesterol estão acometendo pessoas cada vez mais jovens. “Doenças crônicas como diabetes tipo 2 e a hipertensão já estão afetando o público mais jovem e também distúrbios psicológicos como isolamento social estão afetando crianças e adolescentes” (HERNANDES e VALENTINI, 2010).
Segundo SANDERS (2015):
A obesidade infantil traz consequências na saúde a curto prazo, que se reflete em efeitos deletérios a longo prazo, carregados para a vida adulta.
Para BESELER (2007), as principais causas da obesidade infantil são: nutricionais, psicológicas, ambientais (sociais) e hormonais. SETH & SHARMA (2012) citam, ainda, como fatores de risco relacionados à obesidade infantil, consumo de alimentos muito calóricos, falta de atividade física e excesso de tempo em frente à TV, além de fatores genéticos, pré-natais e socioculturais.
Outros fatores também parecem ser relevantes no contexto do desenvolvimento da obesidade infantil. Revisões da literatura citam como potenciais fatores de risco o nascimento por parto cesárea (KUHLE et al, 2015) e a falta de aleitamento materno (LEFEVBRE & John, 2012). O uso de antibióticos, tanto na vida intrauterina (utilizados pela mãe), como em crianças nos primeiros anos de vida, também é associado a aumento do risco de obesidade infantil. Estes três fatores (parto cesárea, falta de amamentação e exposição a antibióticos) podem prejudicar a colonização do intestino do bebê por bactérias benéficas e, com isso, trazer efeitos deletérios para a microbiota intestinal. Esse desequilíbrio é, por sua vez, associado com o aumento do risco de obesidade e outras comorbidades associadas (PIHL et al, 2016).
Em alguns casos, a obesidade também pode ser causada por fatores não ambientais, sendo nesse caso classificada como obesidade patológica. SETH (2012), cita como principais causas: a) desequilíbrios endócrinos, como hipotireoidismo, deficiência de hormônio do crescimento, síndrome de Cushing, entre outros; b) síndromes genéticas associadas ao dismorfismo, atraso de desenvolvimento e baixa estatura; e c) obesidade monogênica, causada por mutações em genes ligados ao metabolismo, o que resulta em obesidade por uma ineficiência metabólica.
No entanto, com exceção de casos de obesidade patológica (minoria), fatores ambientais parecem exercer a maior influência no contexto da obesidade infantil. Fatores genéticos são responsáveis por menos de 5% dos casos de obesidade, sendo que a alimentação exerce um papel muito mais relevante nesse contexto. O consumo de fastfood, lanches não saudáveis, bebidas açucaradas e tamanho exagerado de porções contribuem para o aumento de risco. Os pais muitas vezes oferecem esses tipos de alimentos, por serem de fácil acesso, práticos, baratos e prazerosos para os filhos. Além disso, os hábitos alimentares dos pais refletem no consumo dos filhos; se os pais ingerem pouca variedade de alimentos nutritivos, ou se dentro de casa os filhos não têm acesso a esse tipo de alimento, mas há disponibilidade de comidas não saudáveis, com o tempo as preferências e hábitos alimentares da criança serão moldados, culminando em maior consumo de alimentos que contribuem para o quadro de obesidade (SAHOO et al, 2015).
Sedentarismo também é um dos pilares que contribui diretamente para o aumento da obesidade infantil, no mesmo patamar dos hábitos alimentares. Aumento do tempo em frente à TV, acesso aos jogos de videogame e a internet, e redução de atividades ao ar livre predispõe as crianças a um estilo de vida mais sedentário. Até mesmo o hábito de caminhar ou andar de bicicleta, como meio de transporte, reduziu, dando lugar a o uso de automóveis diariamente (SAHOO et al, 2015).
De todos estes fatores, o tempo de exposição à TV parece ter maior associação com obesidade infantil. Não só pelo fato de ser uma atividade sedentária e reduzir o tempo disponível para a prática de atividades físicas, mas também porque crianças que comem em frente à TV tendem a comer maior quantidade de calorias, por não prestarem atenção no que estão comendo (alimentação passiva).
Outro ponto negativo é a exposição às propagandas de junkfoode outros alimentos não saudáveis, especialmente direcionadas ao público infantil. Quanto maior a exposição à TV, maior será a influência destas propagandas nos hábitos das crianças (SETH & SHARMA, 2012).
Aspectos socioculturais também se enquadram no contexto ambiental que influencia a patogênese da obesidade infantil. Nossa sociedade tende a usar comida como uma forma de recompensa, como forma de controle, e como parte de momentos de socialização, podendo incentivar o surgimento de uma relação não saudável com a comida (SAHOO et al, 2015).
Além disso, percebe-se que ainda existe o hábito de superalimentar crianças, insistir para que comam toda a comida que foi colocada no prato, ou oferecer alimentos altamente calóricos, pela crença de que crianças precisam comer mais para crescerem. Algumas sociedades também têm a visão de que crianças com excesso de peso são mais saudáveis, com uma aparência mais “bem-nutrida”, levando ao incentivo da manutenção do excesso de peso (SETH & SHARMA, 2012). Percebe-se, assim que a família exerce uma influência fundamental tanto no desenvolvimento da obesidade infantil quanto em sua prevenção.
O quadro de obesidade infantil traz sérias consequências, tanto a curto, como a médio e longo prazo. Apesar de a maior parte das complicações só aparecerem depois de décadas, crianças obesas já podem apresentar mais problemas de saúde como pedras na vesícula, hepatites, apneia do sono e aumento de pressão intracranial, a qual pode levar a dores de cabeça e problemas visuais. Anormalidades ortopédicas também são mais frequentes em crianças obesas, além de distúrbios hormonais, como resistência à insulina e menarca precoce. Já a médio e longo prazo, a obesidade infantil leva a aumento no risco cardiovascular, associado a maiores níveis de pressão arterial e colesterol, maiores chances de se tornar um adulto obeso e maior incidência de doenças crônicas não transmissíveis, o que resulta em aumento de mortalidade. (MUST & STRAUSS, 1999).
Além desse aumento de risco cardiovascular e doenças metabólicas (distúrbios hepáticos, Diabetes Mellitus tipo 2, entre outros), a obesidade infantil compromete a qualidade de vida e pode aumentar o risco de quadros depressivos, desordens comportamentais, baixa autoestima e prejuízos na socialização (SANDERS, 2015).
Segundo CHAPUT e TREMBLAY (2006):
As crianças expostas a “estigma de peso” podem ser vulneráveis também a efeitos psicológicos como depressão, e efeitos sociais como o retraimento social. Respostas emocionais inadequadas, distúrbios de identidade e baixa autoestima prejudicam a própria percepção no âmbito tanto íntimo quanto coletivo. Neste contexto é importante lembrar que no ambiente de convivência comunitário, especialmente no espaço escolar, é possível perceber como a discriminação e o bullying atingem as crianças obesas, aumentando desta forma um “círculo vicioso” que configura a tendência a comer demais e a atividades de reclusão sedentárias.
Na maioria dos casos, o tratamento clínico da obesidade infantil, de forma individualizada, pode se fazer necessário, tanto através de acompanhamento médico, como nutricional e psicológico. O foco do tratamento, nesse caso, depende principalmente da idade e do índice de massa corpórea (IMC) inicial, que está relacionado à severidade do quadro de obesidade. Dependendo do indivíduo, a estratégia pode não ser focada na perda de peso, mas sim na manutenção do peso (ou redução da velocidade de ganho), a fim de fazer com que a criança atinja um IMC adequado à medida que a estatura for aumentando (DOLINSKY et al, 2013).
No entanto, tendo em vista o grande impacto negativo que a obesidade infantil traz, tanto a nível individual, como no contexto mundial de saúde pública, não basta apenas pensar no tratamento da doença. Estratégias eficazes focadas especialmente na prevenção são necessárias para auxiliar no controle desta epidemia. De acordo com um estudo de revisão conduzido para avaliar a efetividade de estratégias de prevenção da obesidade infantil, estratégias implementadas de maneira isolada, com foco apenas no ambiente familiar ou na comunidade, costumam ser ineficientes. Já aquelas que envolvem o âmbito escolar se mostram mais eficientes e com resultados melhores, tanto na prevenção como na redução da prevalência de obesidade infantil.
A maioria das estratégias teve como foco intervenções dietéticas e/ou de incentivo a atividade física, e envolveu, além do ambiente escolar, a comunidade e a família. Portanto, estratégias mais globais de intervenção, mas que tenham sempre a escola como parte do processo, podem ser a melhor forma de ajudar no combate à obesidade infantil no contexto global (AGENCY FOR HEALTHCARE RESEARCH AND QUALITY, 2013).
Capítulo 2
Educação Alimentar Nutricional: psicoeducação na escola
Para PONTES et al. (2016), a educação nutricional através de uma alimentação adequada e saudável tem por finalidade contribuir para a promoção e proteção da saúde contribuindo de maneira significativa no controle e no avanço da prevalência das doenças crônico-degenerativas.
Segundo o MARCO REFERENCIAL DE EDUCAÇÂO ALIMENTAR E NUTRICIONAL, (2012), a educação nutricional (EAN) é um campo de conhecimento e de prática contínua permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis. Neste sentido, a prática do EAN deve fazer uso de abordagens e recursos problematizadores e ativos que favoreçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais, considerando todas as fases do curso da vida, etapas do sistema alimentar e as interações e significados que compõem o comportamento alimentar.
Os princípios que norteiam a EAN se pautam a partir de uma ação educacional ampla que abrange tanto as práticas alimentares específicas quanto suas repercussões no contexto vivencial da criança, de sua família e da comunidade como um todo. Basicamente os princípios visam a trabalhar:
- Sustentabilidade social, ambiental e econômica;
- Abordagem do sistema alimentar, na sua integralidade;
- Valorização da cultura alimentar local e respeito à diversidade de opiniões e perspectivas, considerando a legitimidade dos saberes de diferente natureza;
- A comida e a alimentação como referências;
- Promoção de autocuidado e da autonomia;
- A Educação enquanto processo permanente e gerador de autonomia e participação ativa e informada dos sujeitos;
- A diversidade nos cenários de práticas;
- A intersetorialidade;
- O planejamento, a avaliação e o monitoramento das ações.
Entre os diferentes campos de ação, no que diz respeito à intersetorialidade, torna-se possível e necessário atuar na área voltada para Educação das Crianças. A escola apresenta-se assim, como espaço educacional por excelência, um local complexo e social voltado para o conhecimento, à formação lúdica e a aprendizagem e onde valores e atitudes são trabalhados constantemente.
Segundo BENITOS (2009):
A proposta de educação alimentar na escola se configura em um processo psicoeducacional norteador de mudança e transformações, já que como afirma PINTO (2002), a escola influencia no comportamento alimentar da criança.
Neste contexto, estas mudanças implicariam, portanto na vivência e no aprendizado de hábitos alimentares saudáveis enxergados como estratégias no combate à obesidade infantil. Para REIS (2011) trabalhar a EAN no ambiente educacional seria uma maneira de reduzir a prevalência da obesidade infantil complementando o conhecimento por meio de ações pedagógicas, visando à promoção da saúde através das políticas públicas. Mesmo tendo ainda poucas referências metodológicas na EAN (PONTES, et al. 2016) torna-se cada vez mais necessário pensar em estratégias didático-psicoeducacionais no desenvolvimento de atividades inseridas na esfera lúdica infantil.
O campo da educação psicopedagógica nutricional envolve assim, o pensar a alimentação como ação prazerosa no âmbito da conscientização tanto coletiva quanto individual com o intuito de tornar a criança um cidadão multiplicador de valores alimentares corretos e benéficos pra ele, para sua família e para a comunidade onde está inserido.
A análise da Proposta Curricular do NEI – CAp\UFRN (Núcleo da Educação da Infância, 2010) ressalta que as ações didáticas voltadas para a educação nutricional são compostas no geral por uma parte teórica, que norteia as questões filosóficas, políticas e educacionais da instituição e uma parte prática que está organizada levando em conta as área do conhecimento e a faixa etária das crianças.
Inúmeros projetos de EAN na escola são desta forma, concebidos, elaborados e concretizados visando à formação deste pequeno cidadão esclarecido rumo ao seu bem-estar físico, psicológico e emocional. [...]