A imortal

Por Peu de Andrade | 22/06/2011 | Contos

Descansava tranquilo em meio aos lençóis desforrados daquela cama, que totalmente revirada, revelava sem palavras o que haverá ocorrido ali na noite anterior, entre Joana e o cavaleiro de Metatron, o guerreiro Marcos.
Enquanto se vestia, Joana olhava atentamente para a armadura de seu amante. Nela, havia os símbolos dos guerreiros, aos quais a promessa de sempre lutar contra as forças malignas, deixando de lado todo o resto. Eles haviam dormido juntos, assim como ela fez várias e várias vezes durante os séculos, e provavelmente durante o resto da eternidade, mas que por aquele homem era especial, tanto quanto sua primeira vez com o anjo Amadeu, mas que assim como naquele caso teve seu filho roubado, enfeitiçada por Lúcifer e ganhado a imortalidade, as consequências deste caso seriam trágicas.
O guerreiro correspondia ao sentimento de Joana, mas assim como ela sabia que no meio de uma guerra tão feroz, amores só trariam riscos e perdas ainda maiores dos que a que enfrentavam todo os dias pela simples escolha de seguir o caminho da luz. Estavam confusos, pois se amavam, todavia, um amor louco, entre a feiticeira de luxúria e o cavaleiro de Metatron, dois guerreiros do bem, mas que tinham métodos distintos. Ele, sempre seguindo a forma correta e virtuosa de fazer as coisas, sem nunca desobedecer as ordens de seus superiores, e ela, a guerreira desiludida, que perdera tudo. Joana não tinha mais ideais nem fé, tinha somente ela mesma, mas lutava por pessoas que sofriam, passando por cima de tudo e de todos para cumprir este papel.
Era o dia da tão esperada missão de resgate do garoto iluminado pelo fogo do saber, capaz de saber do passado, sentir fatos presentes e prever o futuro. A arma perfeita para os demônios, e o medo dos anjos, ambos querendo o matar. Os cavaleiros queriam o socorrer da árvore maldita para lhe entregar aos anjos, mas Joana faria algo que contrariaria seus planos, levando-o para junto de sua família. Marcos sabia de seus reais interesses, e contra eles, falou-lhe:
_Joana, eu lhe amo com todas as minhas forças, mas saiba que minha missão como cavaleiro jamais poderá ser posta em segundo plano. Não vou permitir que você se ponha contra os planos divinos, quem deverá decidir o destino daquele garoto será o bem.
Em resposta a seu discurso, Joana declarou:
_Bem... Mas o que vocês entendem sobre bem? Uma mãe vai perder seu filho, e não interessa se é Deus ou o diabo quem vai mata-lo, vai ser errado do mesmo jeito, vai deixa-la arrasada do mesmo jeito e com toda a certeza não vai acabar com a guerra tola entre Metatrom a quem vocês atribuem o papel de Deus mas que só deturba o que esse faria em seu lugar. Se os anjos soubessem mesmo o que esse Deus que vocês descrevem perfeito, que criou tudo e que é a personificação do bem queria, não tirariam de uma mãe um filho, pois não há dor maior que esta.
Marcos passou a olhar para ela como se em sua frente estivesse a própria anticristo. Seu olhar era intenso, e qualquer frase seria desnecessária diante do que os olhos enojados de sua face descreviam por si só. Retirou-se da frente de Joana, e foi em direção a porta, ignorando os sentimentos da magoada mulher. Antes que fechasse a porta, mas sem olhar para ela, disse-lhe:
_Joana, quero que saiba que Deus não tira nada de ninguém, ele leva de volta do lugar de onde veio. E nós não adoramos Metatrom, mas digo-lhe, que se quando formos realizar nossa tarefa você estiver contraposta, considerar-lhe-emos como do lado dos demônios, e você sabe como os tratamos. Disse o determinado rapaz, saindo do quarto, sem deixar demais palavras nem gestos.
Enquanto pensava no que Marcos havia lhe dito, Joana refletia se aquilo que ele falava seria realmente verdade, e nesse momento, o anjo Salatiel, que a tempos vinha lhe aparecendo, surgiu no recinto:
_Você está pensando no que ele lhe falou não é mesmo? Ele tem razão Joana, Deus sabe o que faz, e não foi diferente com você. Lúcifer lhe fez aquilo em um local onde a graça não poderia alcançar, e é certo que nem mesmo os poderes divinos poderiam subjulgar a maldade humana, pois cada humano é um pouco Deus de si próprio. Jeová lhe fez a sua própria imagem, mas se você fizer as coisas de acordo com o que ele lhe pedir, você vai alcançar remissão e poderá descansar em paz_ Disse o anjo, rodeando Joana, com um olhar de superioridade. Ela, no entanto, respondeu-lhe:
_Ele vai me devolver meu filho? Eu não sou como Maria, não sou virtuosa nem nunca serei, mas se ele acha que vai fazer com outra pessoa o que fez comigo está enganado. Eu não vou permitir, se ele não gostar o problema é dele. _ Falou ela, extremamente séria, e com o rosto bem próximo ao do anjo.
Salatiel foi embora, a deixando novamente sozinha, sem anjos ou demônios para lhe atormentar, a não ser os seus próprios, que jamais lhe deixariam. A garota imortal estava em crise, pois como fez em toda a sua existência, estava indo contra Deus e contra os demônios, a favor da humanidade. Esteja certa ou errada, ruim ou boa, não interessa o lado em que se luta, a guerra não constrói nada, nem é boa para nenhum doa lados. Bom ou ruim é somente denominação, não passa da visão de quem as vê de certa forma, a única certeza é aquilo em que acreditamos, e esse deve ser o nosso lado até o fim.