A (IM) POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS NO BRASIL

Por Lays Leite | 13/05/2011 | Direito

Autoras: Lays de Fatima Leite Lima e Teresa Raquel Maciel Nascimento

Introdução
A concepção de família, com o passar do tempo, transformou-se abrangendo seu significado, podendo hoje ser considerada família a instituição monoparental, somente com irmãos, ou mesmo o casal, não sendo necessária para a constituição familiar a presença de pai, mãe e filho.
Antigamente a família era vista como uma união construída a base de um relacionamento sólido, com afeto, tendo como principal objetivo na sua formação o nascimento da prole que permitiam a progressão familiar ao longo do tempo, sendo, portanto, discriminados aqueles que não se enquadravam neste contexto. Assim, essa concepção sofreu fortes modificações com a difusão dos movimentos que defendiam os direitos dos homossexuais e a mutação social, o que proporcionou transformações na instituição e permitiu a alteração de concepções para que o direito pudesse acompanhar a realidade social.
A adoção nesse aspecto sofreu grandes modificações e contribuiu para que a família fosse constituída independente de preconceitos, baseando-se na afetividade, no amor, no vínculo afetivo independente de laços sanguíneos. Para tanto, esse instituto modificou-se e permitiu mesmo a adoção individual, contribuindo para a formação de famílias monoparentais.

1 A adoção e seus aspectos históricos
Na antiguidade, a entidade familiar era muito respeitada e de fundamental importância para a descendência e continuação daquela família. O casamento, portanto, tornou-se essencial para o objetivo desejado, o nascimento do herdeiro para quem seria passado todo legado da família e dever de continuação.
Assim, Como trata Coulanges (2007, p. 58) o nascimento de um filho era o que almejava o casal que seguia uma religião:

[...] que obrigava o homem a se casar, que facultava o divórcio em casos de esterilidade, substituindo o marido por algum parente nos casos de impotência ou de morte prematura, oferece, como último recurso a família, um meio de escapar a desgraça tão temida de sua extinção; esse recurso consistia no direito de adotar um filho.

Portanto, a procriação era tão importante, que obrigava o homem a se casar e que possibilitava o divórcio no caso da esposa não puder ter filhos, sendo no caso do homem a substituição por um parente próximo. Na verdade, o primordial não seria o amor, afeto, a relação antes do casamento, mas sim, a necessidade e obrigação de ter um filho, de ver sua família perpetuar no tempo.
Quando o filho não nascia e já fossem tentadas todas as possibilidades, havia uma última esperança, o direito de adotar um filho, cujo legado daquela família ele carregaria. A adoção nesse sentido, espelhava a continuação da família, da sua religião.
Assim, esse direito concedido de adoção na antiguidade foi reconhecido pelos códigos da época, que compreendia o Código de Hamurabi, de Harmanu dentre outros presentes nesta época.
No que tange o instituto da adoção não direito brasileiro, se encontrou presente primeiramente no Código de 1916, que determinava que ninguém poderia ser adotado por pessoas que não fossem marido e mulher, bem como deveria ser por maiores de cinqüenta anos e que possuíssem diferença de dezoito anos em relação ao adotado, posteriormente essa previsão sofreu modificações que não se consideravam significativas, diminuindo a idade de cinqüenta para trinta e a diferença em relação ao adotado para dezesseis.
Dessa forma, só se verificou efetivamente uma mudança com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispôs a possibilidade de adotar independentemente do estado civil, com idade superior a vinte e um anos, devendo a diferença de idade entre adotante e adotado ser de dezesseis anos. Assim, com a edição do Código Civil, em nada veio modificar a referida legislação, teve o objetivo primordial de complementar alguma lacuna existente sobre o instituto da adoção.
2 Adoção por casais homoafetivos
A adoção é um instituto ainda controverso quanto a questões polêmicas que surgiram no decorrer do tempo, a principal e que gera muitas discussões na doutrina e jurisprudência é quanto a permissão da criança ou adolescente ser adotado por um casal do mesmo sexo. Deve-se observar no procedimento de adoção, o carinho, afeto, a intenção do casal em constituir uma família, destituindo-se de todos os preconceitos e possibilitando a criança e/ou adolescente uma família, na qual possa conviver e possuir direitos como filho. Como explica Luisa Gockel (2006, p.01)

Dois pontos legais devem ser destacados quando o assunto é adoção: o primeiro deles é princípio do "melhor interesse da criança", indicado no artigo 3.º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989). Dessa forma, fica assegurado que o bem-estar da criança deve vir primeiro do que qualquer interesse dos pais.O segundo ponto é a regulamentação do artigo 227 da Constituição através da Lei nº 8.069/90, o famoso Estatuto da Criança e do Adolescente, que materializou o direito da criança e do adolescente de terem asseguradas a convivência familiar e comunitária.

Portanto, deve-se observar o melhor para a criança sempre objetivando a convivência familiar de modo que a criança sinta-se em um ambiente familiar, o que não é proporcionado pelos abrigos. É o interesse da criança que está em jogo, o preconceito deve ficar de lado. A adoção no Brasil ainda é vista com algumas ressalvas, principalmente no que concerne à sua possibilidade pelo casal homoafetivo.

2.1 Como é tratada no Brasil
O Brasil ainda não posicionou-se quanto a possibilidade de adoção por casais homoafetivos no sentido de não haver normas legais que impossibilitem tal adoção, todavia o reconhecimento do casamento e união estável somente por casais heterossexuais inviabiliza a adoção pelo casal do mesmo sexo.
É importante ressaltar que a lei não restringe o homossexual de adotar, a adoção poderá ser feita por um dos parceiros, mas não por ambos, como consta na Nova Lei de Adoção n° 12.010/09, em seu artigo 42 "Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil", ou seja, não é requisito para a adoção que o casal seja casado ou viva em união estável, podendo ser adotado por um dos parceiros. Como relata Sylvia Maria Mendonça do Amaral (2009, p. 17) "Os homossexuais não enfrentam dificuldades na adoção de crianças se o pedido for feito por apenas um indivíduo. Mas, se o cadastro é feito em nome de um casal homoafetivo, via de regra, o pedido é negado". Esse filho adotado só possuirá direitos sucessórios, alimentos, ou outros benefícios, pela parte que o adotou, impedindo que a sucessão ocorra pela parte do outro parceiro. Essa adoção, na qual os direitos sucessórios sobrevenham de ambos, só será possível com o casamento ou união estável, como consta no mesmo artigo, parágrafo 2° "§ 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família." O que ainda não é permitido no Brasil por casais homoafetivos.
Projetos de lei já foram criados para a regulamentação da união de parceiros do mesmo sexo, como é o exemplo do projeto de lei n° 1.151/95 da ex deputada Marta Suplicy e o de n° 580 de 2007 do deputado Clodovil Hernandes, do PTC/SP propondo a modificação do Código Civil de 2002, mas ainda encontram-se em tramitação no Congresso.
A questão ainda gera controvérsia, principalmente pelo argumento de que essa convivência traria para criança influência psicológica quanto a sua sexualidade, sem a presença de um sexo feminino e outro masculino, como enfatiza Maria Berenice Dias ( p.28)

Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos afetivos. Igualmente nada comprova que a falta do modelo heterossexual acarreta perda de referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere patologias nos filhos.

Portanto, não há que se falar em um bom desenvolvimento psicológico pelo fato do casal heterossexual possuir a figura do masculino e feminino na relação familiar, mesmo porque há familias de casais separados e a própria nova lei de adoção, ao sancionar a permissão de qualquer pessoa, independente do estado civil poder adotar viabilizando as pessoas solteiras, já reafirmam o posicionamento de que não é necessário as duas figuras, materna e paterna, para a adoção.
Outra preocupação é quanto ao comportamento dos colegas desse filho adotado, provocando brincadeiras que intimidem ou mesmo provoque "deboches" à criança, a reação ao novo sempre gera muita polêmica, mas o desenvolvimento e a mudança são primordiais para o progresso e abrangência do direito. Ainda persiste o preconceito e essa adoção ainda não é regulada por uma lei.
O artigo 4° presente no ECA, retirado da Constituição Federal da mesma forma como está descrito no artigo 227 no qual ressalta

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.


É direito constitucional assegurar a criança e ao adolescente uma convivência familiar, livre de todo preconceito e discriminação e atentar para o interesse da criança e do adolescente para que lhe proporcionem o direito a vida, saúde, alimentação, educação, lazer, etc. Para tanto, o respeito a essas normas e a promulgação de uma relativa a esse assunto, tornam-se viáveis para seu regulamento, que atualmente encontra-se amparado em algumas decisões de juízes que decidiram acerca do assunto formando jurisprudência.
A adoção por casais homossexuais já é legalizada em outros países e nada obsta que o seja no Brasil também, principalmente pelo fato de que o abrigo no qual convivem todas essas crianças tornam-se lugares impessoais e, geralmente, não conseguem abrigar de forma acomodável o grande número de crianças que lá se encontram.
Carlos Hee (p.02) destaca que "o primeiro país europeu que permitiu a adoção por casais de gays foi a Holanda, em 2001.". Na Europa, a Holanda tornou-se pioneira no que tange a legalização da adoção por homoxessuais. Ele ainda destaca outros países como a Alemanha, Islândia, Noruega, Reino Unido, Suécia, Finlândia, Israel, alguns estados dos Estados Unidos, dentre outros. Na América do Sul somente o Uruguai permite essa adoção legalizada em 2009, como o próprio autor pontua.
A adoção por casal homoafetivo, além de melhorar o cenário do abandono infantil possibilita aos parceiros a formação de uma família e sucessão familiar, não descriminando as novas possibilidades de união.

3 As transformações sociais e a nova perspectiva diante do caso concreto
O direito é responsável por regular a sociedade em geral, sendo assim determinado pelos fatos sociais e conseqüentemente pelas transformações sócias. Assim, o direito de família tem como objetivo dispor sobre um determinado grupo de pessoas, que antes so compreendia o instituto do casamento e a prole que deste resultava, porém com o decorrer das transformações sociais o direito de família vem assim regulando também a possibilidade de reconhecimento de união estável, do divorcio e do reconhecimento de filhos concebidos fora do casamento.
Contudo, ainda há lacunas em nosso ordenamento no que diz respeito a adequação do direito as transformações sociais, posto que não há previsão em nossa legislação de união homoafetiva e nem de adoção por estes, sendo assim só determinado por algumas jurisprudências, o que gera muitas polemicas, principalmente no que diz respeito a adoção.
Entre os motivos que determinam a não inclusão no sistema jurídico pátrio da positivação do reconhecimento de união de pessoas do mesmo sexo, é a prevista pela carta magna que é a união de pessoas heterosexuais, o que foi estabelecido desde os primórdios pela igreja e que ate hoje predomina, já que esta não permite a união de pessoas do mesmo sexo. Sendo que para esta concepção a homosexualidade é considerada uma forma de relacionamento avesso ao que foi determinado por Deus, que rege tudo, tendo este entendimento uma aceitação da grande maioria da sociedade, o que gera de certa forma um preconceito já pré-estabelecido, que já vem sendo combatido pelos movimentos que defendem os direitos dos homossexuais.
Sobre estes movimentos Maria Berenice Dias (p.29) afirma

O movimento passou a considerar como seu insight mais importante a constatação de que muito mais prejudicial do que a homossexualidade em si é o avassalador estigma social de que são alvo gays, lésbicas e travestis. Trata-se de indivíduos que, se experimentam alguma forma de sofrimento, é originado pela intolerância e injustificado preconceito social.

Sendo assim, o que se percebe é que o preconceito que esta presente na sociedade, que é uma herança cultural como já mencionado, influencia de sobremaneira o direito, posto que este é sim determinado pela sociedade, regulando esta.
Partindo desse pressuposto, percebe-se que há uma dificuldade na concessão do pedido de adoção para os casais homoafetivos pelos argumentos acima expostos, mesmo se tendo previsto na Constituição Federal como garantia fundamental que deverá ser promovido o bem de todos sem preconceitos de cor, origem, sexo, raça ou quaisquer outras formas de discriminação.
O que se prevê hoje no que se refere a adoção não é necessariamente a vedação desta para casais homoafetivos, mas é verificada a falta de previsão na legislação pátria, sendo mais uma vez observada tal lacuna na nova lei de adoção (12.010 de 2009) sancionada pelo Presidente da Republica, trazendo esta muitos benefícios para o instituto da adoção, sendo voltada para a paternidade e maternidade afetiva, que garante o direito aos órfãos de voltar as suas famílias ou fazerem parte de uma família substituta, bem como a possibilidade de adoção por parentes próximos, havendo também a vedação de separação de irmãos órfãos. Porém, apesar de todos os benefícios almejados por esta lei, o legislador infraconstitucional mais uma vez deixou a adoção por casais homoafetivos a margem da avaliação de cada caso concreto.
Corroborando com esse entendimento a jurista Sylvia Maria Mendonça (p. 39, 2009) ressalva sobre a possibilidade de adoção por casais homoafetivos

Possibilitar a adoção nesses casos seria garantir um lar a um maior numero de crianças e adolescentes, proporcionando-lhes direitos em relação a ambos, principalmente os sucessórios e alimentícios. Seria uma medida que colaboraria para a redução do tempo de permanência de crianças em abrigos, principalmente se considerarmos que os casais que mantém uma ralação homoafetiva tem se mostrado dispostos a adotar crianças preteridas em função dos interesses dos casais heterosexuais que buscam, em sua grande maioria, bebês de sexo feminino e brancos.
O que se demonstra é que há necessidade de um enfoque mais voltado a melhor qualidade de vida dessas crianças e adolescentes, qual seja, a busca de um ambiente em que estes se desenvolvam de modo sadio e com o maior tranqüilidade possível, o que pode ser muito bem alcançado em um lar que seja composto por pessoas do mesmo sexo, como já fora evidenciado em alguns casos concretos.

Conclusão
A adoção nem sempre foi vista como um meio de constituir uma família através do afeto, amor, carinho, de modo que, antigamente, esse instituto era utilizado para manutenção da família no sentido de sua sucessão, pois o que acarretava, muitas vezes, era a dissolução do casamento devido a impossibilidade da mulher gerar um filho ou do homem dar um filho a ela. Percebe-se que a adoção não estava ligada a constituição de um lar, mas na permanência da religiosidade da família.
Com o passar do tempo, o casamento, a família e mesmo a adoção foram modificando-se, sendo hoje, freqüente a união de homossexuais, mesmo que ainda não legalizada e busca-se, através da melhor condição para a criança, a sua adoção por casal homoafetivo. O legislador brasileiro ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas o ECA e o Código Civil defendem o direito a criança ter uma família. Muitas discussões surgem, dentre elas a de que esse tipo de adoção influenciaria a criança adotada e mesmo provocaria conseqüências psicológicas, contudo diversos outros países já permitem essa adoção e mesmo o casamento entre parceiros do mesmo sexo.



THE IMPOSSIBILITY OR POSSIBILITY BE ADOPTED BY HOMOSEXUAL COUPLES IN BRAZIL


ABSTRACT
This paper will address primarily the adoption and their historical aspects, focusing on later as the adoption by homosexual couples are treated in Brazil and other countries, illustrating how other laws covered the subject. Finally far will an analysis of social ratified by rulings on the Institute on adoption by homosexual couples outlined.


KEYWORDS
Adoption. Homosexual couples. Reports.


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