A Ilegalidade da Prisão em Flagrante no Crime de Falso Testemunho

Por José Ricardo Chagas | 05/10/2009 | Direito

Introdução

Segundo o Dicionário Aurélio, testemunhar vem do latim testimoniare, que significa declarar ter visto, ouvido ou conhecido, confirmar, comprovar, demonstrar, ver, presenciar, manifestar, expressar, revelar. Sem dúvida alguma, é um dos comportamentos humanos mais questionados desde os primórdios das relações humanas, tendo em vista a constante incoerência ao descrever fatos ocorridos perante o narrador e a sua narrativa.

O falso testemunho

O Código Penal em seu art. 342 descreve a tipificação do crime de falso testemunho ou Falsa Perícia, onde: fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1º- As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 2º - O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

Apenas para pincelar o estudo sobre falsidade, encontramos duas correntes, quais sejam, a objetiva e a subjetiva. Para a corrente objetiva, falso será o testemunho que não encontra correspondente ao que efetivamente ocorreu, enquanto para a corrente subjetiva, falso será o que não corresponde ao que a testemunha percebeu.

O falso testemunho é uma conduta positiva em que o agente aduz declaração diversa ou inversa a sua percepção dos fatos, ou mesmo se nega a contar os fatos que teve conhecimento, chamada reticência, sendo então um crime comissivo por omissão. Neste, há certa dificuldade em demonstrar seu dolo. Porém, torna-se atípica a conduta do agente que por erro ou mesmo por uma falsa percepção da realidade, declara de forma diversa do real.

Uma vez consumado o crime de falso testemunho, nada obsta a propositura da ação penal. Destarte, uma vez sobrevindo oportuna retratação, conforme descrito no § 2º do art. 342 - O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade, extingue-se a punibilidade, deixando de existir o jus puniendi do Estado. O art. 107 do mesmo diploma legal também expressa o preceito no mesmo sentido, extinguindo-se a punibilidade "pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite".

  A retratação do agente só é admitida para fins de extinção da punibilidade até a sentença de primeiro grau, ou seja, na fase da pretensão punitiva que se estende até a decisão de primeiro grau de jurisdição. Ou seja, a qualquer momento poderá o agente, réu, retratar-se, desde que antes da sentença.

Sobre o estado de flagrância

Art. 301 - Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 302 - Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Para que se justifique a prisão em flagrante, além de incorrer o agente nos artigos acima elencados, deve sua prisão obedecer aos pressupostos da prisão cautelar preventiva. Ou seja, são imprescindíveis a prova da materialidade do crime e indícios suficientes da autoria. Ainda, há a necessidade da existência de um dos fundamentos autorizadores da preventiva, quais sejam, garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e asseguramento da aplicação da lei penal, sem os quais não está autorizada a prisão preventiva, concomitantemente, a prisão em flagrante também não está.

Conclusão

Ora, não consigo vislumbrar onde a prisão em flagrante do crime de falso testemunho encontra respaldo nos pressupostos autorizadores para a prisão preventiva. Assim, sempre será relaxada a prisão em flagrante, consubstanciada na ausência dos pressupostos de admissibilidade da prisão preventiva - art. 311 e seguintes do CPP, por crime de falso testemunho. Isso é um fato. Então, por qual motivo se proceder à feitura do flagrante? Com a devida vênia, é totalmente descabida e ilegal a prisão em flagrante pelo crime de falso testemunho, uma vez que admite até a sentença a retratação do agente, conseqüência jurídica que faz desaparecer da seara penal a pretensão punitiva do Estado.

Corroborando com o quanto posicionado neste artigo, eis jurisprudência de nossos tribunais:

TRF4 - HABEAS CORPUS: HC 30678 RS 2003.04.01.030678 - FALSO TESTEMUNHO. RETRATAÇÃO DO AGENTE.COMUNICABILIDADE AOS PARTÍCIPES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.- Extinta a punibilidade no crime de falso testemunho por força da retratação realizada oportuno tempore, não subsiste a punibilidade em relação aos demais agentes, já que restaurada a verdade sobre os fatos juridicamente relevantes.- Ordem concedida.

Acórdão Nº 70028187631 de Tribunal de Justiça do RS - Quarta Câmara Criminal, de 12 Março 2009. FALSO TESTEMUNHO. RETRATAÇÃO. Se o agente se retrata ou declara a verdade, antes da sentença no processo em que ocorreu o falso testemunho, o fato deixa de ser punível, nos termos do § 2º do art. 342 do CP. Absolvição decretada.

STJ. HC 36287 / SP - HABEAS CORPUS 2004/0087500-0. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 342, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. RETRATAÇÃO DA TESTEMUNHA. EXTENSÃO À PACIENTE, DENUNCIADA POR ORIENTAR, INSTRUIR E INFLUENCIAR AQUELA.

I - É possível a participação no delito de falso testemunho. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).

II - A retratação de um dos acusados, tendo em vista a redação do art. 342, § 2º, do Código Penal, estende-se aos demais co-réus ou partícipes.

Writ concedido.

Ilhéus, outubro de 2009.

José Ricardo Chagas