A IGREJA CATÓLICA DE BARCARENA: da Teologia da Libertação na década de 1980 aos dias atuais
Por Rosa Amelia Souza Lima | 11/07/2012 | EducaçãoNa década de 1980,quando o Brasil ainda vivia sob a égide da ditadura militar, um movimento do clero dito progressista, fez com que Igreja Católica deixasse de estar a serviço do Estado, para adotar o engajamento social, lutando contra a opressão. Esse movimento, chamado de Teologia da Libertação, teve grande importância também, para movimentos sociais, como os movimentos estudantis, dos trabalhadores da construção civil, rurais, entre outros. Nessa época se percebia que a igreja católica era grande incentivadora desses movimentos, chegando, muitas vezes, a promover e se envolver diretamente, indo para as ruas, criticando o poder político repressor e tendo grande expressividade diante da sociedade.
No município de Barcarena, a Igreja Católica que até a década de 1990 vinha desenvolvendo atividades sociais de grande relevância para a população, deixou de lado os movimentos sociais e passou a compactuar com o poder político local. Nesse sentido, a Igreja passou a ser percebida apenas como instituição voltada para questões da fé, do estudo bíblico, da catequese, e de estar a serviço da ideologia política do município.
Sendo assim, propõe-se essa pesquisa buscando investigar a atuação da Igreja católica no cenário social do município de Barcarena, buscando compreender o processo pelo qual se constituíram, e dessa forma fazer uma reflexão a respeito da atuação da Igreja no município, contribuindo com a sociedade local.
6. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
6.1 QUESTÕES SOBRE A RELIGIÃO
A questão religiosa sempre esteve presente nas obras de vários pensadores, daí a sua importância e necessidade de discussão e produção teórica. Essas teorias nos proporcionam embasamento que nos possibilitam produzir trabalhos que venham contribuir de forma significativa com a sociedade, já que a questão religiosa é um fenômeno pertinente e objeto de implicações e discussões, e sempre é vista como uma ação coletiva que detém em seus preceitos coisas sagradas:
Definição de religião: “uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem”.(COMTE apud DURKHEIM, 2000, p.322 )
A religião faz parte de um agregado de práticas sagradas que são ignoradas por quem não pertence aquele sistema religioso, mas todos que estão inseridos e envolvidos, no mesmo, devem seguir essas crenças originárias do grupo ao qual pertence e que significam sinal de aceitação e veneração.
Essas crenças religiosas, estabelecidas pela comunidade, funcionam como um conjunto de regras que devem ser respeitadas por todos, e quem ousa-la a desobedecê-las é considerado um desviante, uma vez que não estar de acordo com as normas determinadas pela comunidade a qual pertence. Partindo do pensamento de Durkheim (2000) podemos afirmar que a religião é um conjunto de práticas sagradas consideradas coletivas, uma vez que é praticado por um conjunto de individuas, e isso pode ser estendido a todas as religiões, uma vez que elas se comparam, diferenciando-se apenas em alguns aspectos mais particulares e que tem significados profundos para o grupo social que o prática.
Então, conclui-se que a religião é uma coisa eminentemente social ou, ao menos rica em elementos sociais. Ela exprime e representa a coletividade, através de ritos, que se destinam a manter ou refazer alguns estados mentais de uma determinada coletividade humana. (DURKHEIM, 2000, p. 333)
A religião surge no seio da sociedade, e é praticada por conjuntos de pessoas que estão destinadas a seguir certos preceitos, que funcionam como regra geral para o bom funcionamento social, uma vez que ela é considerada como formadora de seres humanos, tanto no que diz respeito a questão espiritual, como também culturalmente e sociologicamente, isso significa dizer que os preceitos religiosos são importantes na formação cidadã de determinados grupos e respeitá-los significa ser bem aceito e continuar fazendo parte do grupo religioso o qual estar inserido.
O homem tem necessidade de religião porque precisa amar algo que seja maior que ele. As sociedades tem necessidade da religião porque precisam de um poder espiritual, que consagre e modere o poder temporal e lembre aos homens que a hierarquia das capacidades não é nada ao lado da hierarquia dos méritos. (ARON, 1982, p.110)
A religião da humanidade será a que contemplar essas necessidades, buscando o verdadeiro amor, a justiça, a bondade e fazendo com que sejamos bons exemplos a gerações futuras, e possamos viver na eternidade, sendo lembrados pelos nossos atos. Aron (1982) diz que Comte, um dos maiores teóricos clássicos, nos “convida a amar e o que os homens tiverem de melhor”. Isso significa dizer que somos capazes de realizações que nos torne imortais, uma vez que seremos sempre lembrados pelas nossas boas ações e pela capacidade de amar o que a sociedade tem de melhor e o que podemos realizar nela.
Para Berger (1985) a religião funciona como um instrumento de manutenção da sociedade vigente, isso significa dizer que ela se torna um elo de justificação das ações humanas, uma vez que o mundo se apresenta um tanto quanto volúvel, é necessário legitimar a religião para fundamentar a ordem estabelecida na sociedade.
A legitimação religiosa acontece através da solidificação dos preceitos religiosos, que são formados a partir das ações humanas e se tornam legítimos perante a sociedade, e assim passam a fazer parte de uma tradição religiosa que perpetuará, tendo como objetivo principal manter a sociedade vigente de forma consistente e explicar os acontecimentos da vida diária.
6.2 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Na década de 1960, a Europa, Estados Unidos e depois a América Latina, surgiram vários movimentos contra regime autoritários, contra a opressão. Era o clamor pela liberdade. O Brasil, quatro anos depois, passou a viver sob a égide do regime militar.
Esse anseio por liberdade foi levado para dentro das Igrejas. A Igreja Católica, por sua vez, vinha passando por grandes mudanças, voltando-se para questões sociais e, aos poucos, deixava de compactuar com a opressão do regime militar; crescia a consciência de que ser cristão era ser também contra o pecado da opressão social, contra o pecado de nada fazer diante da injustiça social; ser solidário com os pobres; lutar por um mundo mais justo. Era a Teologia da Libertação, que segundo Boff (2011, p.1)
[...] a Teologia da Libertação representa uma benção e uma boa nova para os pobres. Sentem que não estão sós, encontraram aliados que assumiram sua causa e suas lutas. Lamentam que o Vaticano e boa parte dos bispos e padres construam no canteiro de seus opressores e se esquecem que Jesus foi um operário e pobre e que morreu em consequência de suas opções libertárias a partir de sua relação para com o Deus da vida que sempre escuta o grito dos oprimidos.
Percebe-se, portanto, que as questões da Igreja não estavam voltadas somente para as questões da transcendência, mas para o social, para o povo, voltando-se contra a opressão e a falta da liberdade. . No Brasil, o clero passa atuar na luta contra a ditadura militar.
De grande relevância crítica foi a releitura da história da América Latina a partir das vítimas, revelando a perversidade de um projeto de invasão coletivo no qual o colono ou o militar “vinha de braço dado com o missionário. Esse casamento incestuoso produziu, segundo o historiador Oswald Spengler, o maior genocídio da história.” (BOFF, 2011,p.2). Surgiram, assim, várias tendências ligadas a Teologia da Libertação: a feminista, a indígena, a negra, a das religiões, a da cultura, a da história e da ecologia, mas cada tendência se deu ao trabalho de conhecer de forma crítica e científica seu objeto, para poder retamente avaliá-lo e atuar sobre ele de forma libertadora à luz da fé.
Para Libanio (2001, p.97), “a teologia da libertação deverá preocupar-se de modo especial com os excluídos a partir dos mais excluídos”. O autor ressalta:
Estar ao lado dos pobres e excluídos no mundo neoliberal da qualidade total. Da alta tecnologia, da globalização, como sinal profético e de esperança, ocupará as energias dessa teologia.
Mais sutil ainda se tem mostrado o sistema dominante. Identificou com o socialismo o procedimento ideológico e arrogou para si a objetividade da ciência. Antes o socialismo se arvorava em ciência e considerava o capitalismo expressão da ideologia burguesa condenada a desaparecer. Inverteram-se os sinais. A ideologia morreu com o socialismo.
É certo que, com a queda do muro de Berlim, a fragmentação da Rússia e a derrocada do comunismo no mundo inteiro, as teologias que de alguma forma estavam associadas ao marxismo caíram em descrédito.
A teologia da libertação, em suas variadas formas, não foi exceção. Embora ainda presente em alguns círculos acadêmicos e eclesiásticos, perdeu no Brasil boa parte da influência que dantes exercera, tanto na Igreja Católica quanto entre protestantes. Por outro lado, conforme Libanio (2001) até então, a teologia da libertação tinha restringido seu campo à preocupação com as estruturas socioeconômicas, diante da situação de pobreza, de opressão do povo, mas, diante de um novo cenário, essa preocupação não deve desaparecer, uma vez que ainda existe pobreza, opressão, descaso social, e voltar a se envolver em movimentos sociais.
6.3 A IGRELA E AS QUESTÕES SOCIAIS
No Brasil, a existência de movimentos sociais, quer para a conservação quer para a transformação, torna-se mais evidente a partir do período nacional desenvolvimentista (1945-1964), o qual coincide com governos de características populistas.
Na luta por hegemonia, os movimentos sociais populares se consubstanciam em expressão de luta no espaço nacional, contribuindo para uma maior socialização da participação política dos indivíduos. Desde meados da década de 1950, o crescimento da organização popular, via sindicatos (criação da Confederação Geral dos Trabalhadores e das Ligas Camponesas), forçou mudanças na diferenciação ideológica do populismo, tornando-o cada vez mais criticado pelas teses da esquerda. (OLIVEIRA, 2011, P.1)
No período da ditadura militar (1964-1985), em especial o período que vai de 1964 a 1974, esses movimentos são obrigados a silenciar e, portanto, buscam se expressarem representados por outros sujeitos políticos coletivos, entre eles a Igreja Católica, especialmente através de seus grupos progressistas.
A igreja, diante da teologia da libertação ganhou força principalmente nas organizações populares no campo e esteve na origem de vários movimentos sociais no Brasil. Porém, desde a década de 1990, uma nova leva conservadora fez com que a teologia da libertação recuasse e que outros movimentos ganhassem espaços nas organizações religiosas.
Neste sentido, assistimos ao crescimento de igrejas pentecostais evangélica, hegemonicamente vinculada ao lado espiritual e pouco preocupada com as lutas políticas comprometidas com a transformação social.
No “combate ao comunismo”, empreendido por João Paulo II e por Bento XVI, a Teologia da Libertação, considerada como “marxista”, foi um dos alvos prediletos dos ataques conservadores. Neste sentido, diversos bispos hostis a Teologia da Libertação foram nomeados no Brasil e na América Latina. Padres e bispos ligados à Teologia da Libertação foram afastados e, mesmo, perseguidos, como o caso do teólogo Leonardo Boff, um dos maiores expoentes dessa corrente, que abandonou as suas funções eclesiais. O atual fundamentalismo do Vaticano é muito próximo das mais conservadoras propostas das igrejas evangélicas que proliferaram no Continente americano nos últimos anos. (SOUZA, PEREIRA, 2010, p.266)
Entende-se, portanto, que a Igreja, diante teologia da libertação, deixou, agora, de participar ativamente dos movimentos sociais no Brasil, mesmo porque, diante de uma sociedade em que o pensamento moderno ou pós-moderno fez crescer o individualismo e emergir o subjetivismo, a procura religiosa de grande parte dos cristãos é por uma espiritualidade também individualista e por milagres que resolvam todos seus problemas pessoais, não há muito compromisso com o social, contexto esse evidenciado no município de Barcarena.