A HISTÓRIA DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL: DESMETODIZAÇÃO

Por Mayara dos Santos | 16/12/2016 | Educação

Mayara dos Santos[1]

Daiana Cristina Luhm[2]

Ananda Blauth[3]

Jocineli Polis Colombo[4]

Daniely Ienerich Kaktin[5]

  1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo elencar uma breve análise acerca da história dos métodos de alfabetização no Brasil, em torno dos quais existem inúmeras discussões, principalmente no que se refere aos que tiveram e têm maior eficiência e/ou eficácia no ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, especialmente na escola pública. Um olhar histórico sobre a alfabetização escolar no Brasil revela uma trajetória de sucessivas mudanças conceituais e consequentemente metodológicas.

Mortatti (2006) com o intuito de entender os sentidos atribuídos historicamente ao que se considera ser um instrumento privilegiado, de acesso ao saber, e como o método de alfabetização passa a ser um problema do qual se ocupam educadores, legisladores e administradores, subdivide esse período no país em quatro momentos:

1º momento: Metodização (1876);

2º momento: A institucionalização do método analítico (1890);

3º momento: A alfabetização sob medida, a disputa dos métodos misto x analíticos (1920);

4º momento: A Desmetodização (1980).

Buscar-se-á fazer uma breve caracterização dos três primeiros momentos, explicitando as principais ideias de cada um, porém nos deteremos na análise do quarto momento que se refere à Desmetodização que é o foco do trabalho.

  1. Metodização (1876)

Por volta dos anos de 1875, quase ao fim do Império Brasileiro, a educação era organizada pelas famosas “aulas régias”. Havia poucas escolas que eram, na verdade, salas adaptadas, que abrigavam alunos de todas as “séries” e funcionavam em prédios pouco apropriados para esse fim. As condições e os materiais disponíveis para tais aulas eram precárias.

O ensino da leitura se iniciava com as chamadas Cartas de ABC, ou as cartilhas como são conhecidas hoje. As "cartas de ABC" representam o método mais tradicional e antigo de alfabetização. Os métodos de ensino da leitura de acordo com Mortatti (2006) nesse período se organizavam da seguinte maneira:

Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha sintética (da "parte" para o "todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras. (MORTATTI, p. 5, 2006).

            Mortatti elege o ano de 1876 como marco inicial desse período de Metodização, ou seja, a instituição de métodos de alfabetização (aprendizagem da leitura e da escrita, enfatizando-se a leitura). Isso ocorre porque especificamente nessa data, houve a publicação da Cartilha Maternal ou Arte da Leitura, escrita pelo poeta João de Deus. A partir do início da década de 1880, o “método João de Deus” contido nessa cartilha passou a ser divulgado sistemática e programaticamente, principalmente nas províncias de São Paulo e do Espírito Santo.

O “método João de Deus” ou “método da palavração” propunha iniciar o ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras. Esse primeiro momento o qual Mortatti denomina de Metodização, se estende até o início da década de 1890 quando se inicia uma discussão entre aqueles que defendiam o "método João de Deus" e aqueles que continuavam a defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração, fônico e da silabação.

Com essa disputa, funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente, relacionado com oque ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem linguística (da época). (MORTATTI, p.6, 2006).

  1. A Institucionalização Do Método Analítico (1890)

A partir de 1890, o estado de São Paulo implementou uma nova reforma para a educação pública. Essa reforma além de reestabelecer o ensino também tinha como intencionalidade servir de modelo para os demais estados brasileiros, no qual reestruturou-se as Escolas Normais, e criou-se uma Escola-Modelo onde era composta também por turmas de Jardins de Infância.

Mas, quais foram as reais mudanças decorrentes desta reforma? A principal mudança, mas não única, pautou-se em um novo método de ensino, que tinha como origem a pedagogia norte-americana que intitulava-se método analítico. Este trazia consigo uma nova maneira dos professores alfabetizarem. Diferentemente e totalmente contrário a do sintético, o método analítico pressupõe que o ensino da leitura deveria ser iniciado do todo, para as partes. O todo constitui-se de uma historieta, que após trabalhado seria decomposto em frases, conseguinte de palavras, chegando as silabas e as letras.  

Acreditava-se que a escrita era somente uma questão de caligrafia, e esta poderia ser desenvolvida com treino, mediante exercícios de cópia e ditado. Nesse contexto as cartilhas para a alfabetização produzidas neste período, passam a se basear essencialmente no método analítico. Porém, essa mudança desencadeou uma disputa entre os dois métodos, visto que alguns professores defendiam o novo e revolucionário método analítico e outros que continuavam a defender o tradicional método sintético. 

  1. A Alfabetização Sob Medida, A Disputa Dos Métodos Misto X Analítico (1920). 

Por volta de 1920 sucede a “Reforma Sampaio Dória” na qual trazia uma simplificação do tempo de permanência da criança na escola para assim ampliar a oferta de vagas a um contingente maior de alunos, possibilitando também uma “autonomia didática” ao alfabetizador. Em consequência dessa autonomia aumentou-se a resistência dos professores a utilizarem o método analítico, já que esse era o método imposto, e por isso buscaram novas propostas de ensino.

Ocorre, portanto, a disputa entre os métodos misto e analítico. Os defensores do método analítico continuaram a utilizá-lo, pois acreditavam e o divulgavam como um método eficaz. Já os do método misto acreditavam que ao se alfabetizar ensinando a leitura e a escrita (analítico-sintético ou vice-versa), o processo de ensino-aprendizagem tornar-se-ia mais rápido e eficiente. A disputa entre os defensores do método sintético e do método analítico não cessou, mas gradativamente foi se desfazendo à medida que acontece a relativização da importância dos métodos.

Tal relativização também ocorreu pelo fato de que um novo estudo pautado na psicologia para a área da alfabetização veio de encontro com o que o autor Manuel Bergström Lourenço Filho traz em seu livro “Testes ABC para verificação a maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita (1934),” uma “Alfabetização Sob Medida”.

Nesse livro traz resultados de pesquisas realizadas com crianças que frequentavam o 1º ano do ensino fundamental. O intuito era encontrar soluções para os problemas ocorrentes na alfabetização. O livro “Testes ABC” era composto de oito provas que eram realizadas para medir o nível de maturidade necessária para o aprendizado da leitura e escrita. Por meio dos resultados desses testes, os alunos eram classificados e organizados em classes homogêneas, visando a eficiência e racionalização da alfabetização. Por meio dessa prática, “a importância do método de alfabetização passou a ser relativizada, secundarizada e considerada tradicional” (MORTATTI, p.9).

A partir dessa época, a cartilhas de alfabetização eram baseadas nos métodos mistos, e juntamente vinham manuais para os professores assim como se propalou a ideia e a prática do “ensino preparatório”.

Constitui-se nesse momento uma mescla de métodos no processo e no conceito de alfabetização, na qual a aprendizagem da leitura e escrita envolvia obrigatoriamente a questão de medida da maturidade psicológica do aluno e o método de ensino subordinava-se ao nível de maturidade das crianças em classes homogêneas. A escrita ficou sendo entendida como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica e deveriam ser ensinadas concomitantemente com a habilidade de leitura. A aprendizagem de ambas exigia que o aluno passasse por um período preparatório “que consistia em exercícios de discriminação e coordenação viso-motora e auditivo-motora, posição de corpo e membros, dentre outros”. (MORTATTI, p.9). O ensino tornava-se um processo de inculcação de noções e ideias no qual as questões de cunho didático submetia-se às de ordem psicológica. 

  1. Desmetodização

Foi em meados dos anos 1980 que a alfabetização começou a ganhar dimensões políticas. Até esse período, o objetivo maior de se alfabetizar enfatizava fundamentalmente a aprendizagem do sistema convencional da escrita. Pode-se dizer que até esta década, a alfabetização escolar no Brasil caracterizou-se por uma alternância entre métodos sintéticos e analíticos, mas sempre com o mesmo objetivo de estabelecer o domínio de codificação e decodificação de símbolos alfabéticos.

Até 1980 considerava-se que a aprendizagem da criança se dava de acordo com os métodos e/ou técnicas de ensino empregadas. Contudo, os métodos utilizados até o momento estavam sendo fortemente criticados por uma nova abordagem de ‘desconstrução’ dos mesmos, a qual chamamos aqui de Desmetodização. Essa insatisfação e o não atendimento as expectativas fez com que se buscassem novos caminhos que pudessem solucionar esse paradigma existente no momento, pois não era possível se pensar a alfabetização apenas com técnicas, sem uma base teórica.

Diante desse quadro, a teoria Construtivista, tornou-se uma nova referência teórico-metodológica na qual os educadores puderam pautar-se para solucionar tais problemas. Tal abordagem foi difundida pela pesquisadora Emília Ferreiro no Brasil, sendo por sua vez influenciada pela teoria genética de Jean Piaget e pela teoria sócio histórica de Lev Vygotsky. Resulta assim numa concepção que parte do princípio de que o desenvolvimento cognitivo é influenciado e determinado pelas ações dos sujeitos correlacionada ao meio.

Com a implementação das ideias construtivistas, ocorre então à chamada “revolução conceitual”, a qual não trazia nenhum método novo, apenas questionava a maneira com que se efetivavam os até então existentes. O que aconteceu foi o abandono das práticas tradicionais, a desconstrução dos métodos de alfabetização (Desmetodização) e a contestação das cartilhas até então utilizadas.

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