A História da Ascensão dos Relógios no Ocidente
Por Julio Cesar Souza Santos | 17/10/2016 | SociedadeEm Que Momento da História a Hora Marcada Pelo Relógio se Tornou Importante Para a Humanidade? O Que Era Conhecido Como a “Ciência do Calendário”?
Na Europa, durante a Idade Média, o relógio se tornou rapidamente uma máquina pública. As igrejas esperavam que seus paroquianos se reunissem regularmente para rezarem e as cidades reuniam as pessoas para compartilharem uma vida de comércio e entretenimento.
Quando os relógios ocuparam as torres das igrejas e campanários das cidades, eles entraram numa fase pública. Aí se proclamaram a ricos e pobres, despertando o interesse até daqueles que não tinham nenhuma razão pessoal para respeitar as horas.
Nenhuma cidade europeia poderia prescindir de um relógio público que chamava os cidadãos para se reunirem a fim de defender, festejar ou chorar. Daí, uma comunidade capaz de concentrar seus recursos num relógio público era muito mais comunidade. O sino tocava para todos e o soar dos sinos da comunidade era um lembrete de que “eu faço parte da humanidade”.
Antes mesmo de terem esgotos ou abastecimento de água, muitas comunidades ofereciam o relógio municipal como serviço público. Dessa forma, cada cidadão quis ter seus próprios relógios (para casa e uso pessoal) e, quanto mais pessoas tinham relógios pessoais, precisavam de os ter também para corresponderem ao que os vizinhos esperavam delas, no tocante a culto religioso, ao trabalho e ao divertimento.
Os primeiros relógios europeus alertavam monges para suas orações, mas quando eles se mudaram para a torre das Igrejas e depois para os campanários das cidades, transferiram-se para o mundo secular. Com um público cada vez maior, o relógio passou a ser exigido para todos os programas cotidianos das pessoas.
E, quando a energia do vapor, a energia elétrica e a iluminação artificial mantiveram fábricas funcionando 24 horas, a hora marcada pelo relógio se tornou o regime constante para toda a gente. Sendo assim, a história da ascensão do relógio no Ocidente é a história de novos modos e de campos alargados de publicidade.
O contraste com a China é profundo e educativo, pois lá as circunstâncias conspiravam para evitar a publicidade. Os primeiros relógios da China não foram feitos para marcar a hora, mas sim o calendário. Ou seja, era a “ciência do calendário”, a qual foi restrita pelo secretismo governamental. Daí, para encontrarmos pistas por que a “mãe das máquinas” se revelou tão infecunda devemos recordar algumas características da vida na China.
Uma das primeiras realizações chinesas foi um governo centralizado e bem organizado. Em 221 a. C. o precoce rei Zheng aos 13 anos, conseguiu em um espaço de 25 anos, unificar meia dúzia de províncias num grande império com uma vasta hierarquia de burocratas. Padronizou as leis e a linguagem escrita, estabelecendo pesos e medidas e fixou o comprimento dos eixos das carruagens, a fim de se ajustarem aos sulcos abertos para as rodas.
Desde os tempos primitivos um observatório astronômico era essencial no templo cosmológico, o qual se tornou o teatro ritual dos governantes. E, à medida que o governo se fortalecia e se organizava, a astronomia chinesa se tornava mais governamental, em contraste com a da Grécia ou da Europa medieval. Isso significou que a astronomia chinesa se tornara burocrática e esotérica, pois lá, a tecnologia do relógio foi a tecnologia dos indicadores astrológicos.
Assim como no Ocidente a maquinaria para cunhar moedas, imprimir papel-moeda ou fabricar pólvora era rigorosamente controlado e, na China, acontecia o mesmo com instrumentos de tempos calendários.
Os ritos imperiais exigiam que o Imperador definisse os quatro pontos cardeais, mediante observações da Estrela Polar e do Sol. Daí, o Astrônomo Imperial tinha a obrigação de observar a noite da torre do Imperador, interpretando mensagens do céu para o destino do povo. Diga-se de passagem, esses astrólogos estatais elaboraram o mais notável registro dos fenômenos celestes, antes do advento da moderna astronomia.
O registro chinês de um eclipse do Sol em 1361 a. C. deve ser o mais antigo registrado por qualquer povo. Outros registros chineses abrangem longos períodos para os quais não dispomos de nenhuma outra crônica precisa dos acontecimentos celestes. Portanto, a necessidade de relógios que mostrassem a posição dos corpos celestes a cada momento era óbvia, a fim de garantir a sucessão dos imperadores melhor qualificados.
Daí, as casas soberanas da China não obedeciam à regra dos primogênitos e, teoricamente, somente os filhos da Imperatriz podiam vir a ser imperadores, o que deixava o Imperador com um grande número de jovens príncipes que ele deveria escolher como herdeiro.
Um Imperador tinha obrigação de prestar atenção aos augúrios astrológicos do momento em que cada príncipe era concebido e, registrar esses fatos com exatidão, era dever das damas-secretárias. Mas, essas curiosidades da corte imperial tinham pouco a ver com a vida dos agricultores. Não se esperava que a comunidade sondasse as profundezas da astrologia estatal, nem tirasse proveito dos dados de instrumentos de medição de tempo calendarial.
Em contraste com o que acontecia na China, a difusão do relógio no Ocidente resultou das necessidades da comunidade, o que significava a necessidade de publicidade. O aperfeiçoamento foi progresso do relógio acionado por pesos para o acionado por molas. Pesos e pêndulos que os acompanhavam enraizavam um relógio no lugar onde tinham inicialmente sido colocados.
Mas, um relógio portátil acionado por mola era versátil no seu habitat. Para os europeus, o relógio marítimo do século XVIII era uma máquina de exploração; isto é, um catalisador para cartógrafos, viajantes, botânicos e navegadores. Com o tempo, o relógio de bolso – e depois o de pulso – colocariam um instrumento de medir o tempo na pessoa de milhões de indivíduos.