A GUINADA JURISPRUDENCIAL DO STF NO HC 126.292/SP E A ADC Nº 43 E ADC Nº 44.

Por Karla Alessandra Salim Magluf Marques | 27/06/2017 | Direito

Anteriormente trabalhou-se a respeito do que vem a ser a execução provisória da pena, sendo este um instituto jurídico, em que se antecipa a sentença condenatória, antes do trânsito em julgado, após análise e confirmada a condenação em segunda instância.

Ao levar em consideração que os recursos extraordinário e especial, tal demanda não terá a matéria de fato e nem de direito como mérito de discussão. Tendo apenas como objetivo, conforme Luiz Marinoni e Sérgio Arenhart (2013), a aplicação do direito objetivo.

Dito isso, faz-se importante, um breve histórico do posicionamento dos tribunais superiores a respeito da aplicabilidade da execução provisória da pena.

Destarte para início, decisão proferida em 2009 no HC nº 840878/MG, em cujo acórdão se formou no entendimento pela inconstitucionalidade da aplicação do instituto da execução provisória da pena.

Conforme o voto do Min.Eros Grau, com respaldo em sua fundamentação na Lei de Execução Penal, no art. 105, condicionou a aplicação da execução penal tão somente após o trânsito e julgado. Conforme o voto de Min. Eros Grau, no HC nº 84078/MG:A Lei de Execução Penal --- Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1.984 --- condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 1052), ocorrendo o mesmo com a execução da pena restritiva de direitos (artigo 1473). Dispõe ainda, em seu artigo 1644, que a certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado valerá como título executivo judicial.(BRASIL, Lei de Execução Penal, nº 7.210/84)Observa-se que através da Lei de Execução Penal, estipulou-se que só será admitida prisão, em casos de prisões cautelares, como é o caso da prisão preventiva, prisão em flagrante, ou seja, situações pré estabelecidas pela lei, vetando por tanto, qualquer decisão que permita a execução provisória da pena, antes do trânsito em julgado.

essa maneira, nota-se que no teor do HC nº 84078/MG, o relator deixou claro, ser inviável qualquer pronunciamento que decrete a execução provisória da pena, pois primordialmente viola direito constitucional, conforme o art. 5, inciso LVII[1]. Destaca-se trecho:

Aliás a nada se prestaria a Constituição se esta Corte admitisse que alguém viesse a ser considerado culpado - e ser culpado equivale a suportar execução imediata de pena -anteriormente ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Quem lê o texto constitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei, nem qualquer decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao que dispõe o inciso LVII do seu artigo 5º. (BRASIL, HC nº 84078/MG, 2009)           

     Importante trazer também dois julgados do STF que ocorreram antes do HC nº 84078/MG em 2009, em que a execução provisória da pena era considerada aplicável e não era considerada uma violação da presunção da inocência. Como argumento principal  utilizado no HC nº 74.983/97, o então relator Ministro do STF Carlos Velloso, alegou: "os recursos especial e extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem o cumprimento de mandado de prisão” (HC 74.983, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 30/6/1997).

Outro caso julgado pelo STF a favor da execução provisória da pena é o HC nº 68.726/91, em que o relator Min. Néri da Silveira alega:

Habeas corpus. Sentença condenatória mantida em segundo grau. Mandado de prisão do paciente. Invocação do art. 5º, inciso LVII, da Constituição. Código de Processo Penal, art. 669. A ordem de prisão, em decorrência de decreto de custódia preventiva, de sentença de pronúncia ou de decisão e órgão julgador de segundo grau, é de natureza processual e concernente aos interesses de garantia da aplicação da lei penal ou de execução da pena imposta, após o devido processo legal. Não conflita com o art. 5º, inciso LVII, da Constituição. De acordo com o § 2º do art. 27 da Lei nº 8.038/1990, os recursos extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo. Mantida, por unanimidade, a sentença condenatória, contra a qual o réu apelara em liberdade, exauridas estão as instâncias ordinárias criminais, não sendo, assim, ilegal o mandado de prisão que órgão julgador de segundo grau determina se expeça contra o réu. Habeas corpus indeferido. (BRASIL, HC nº 68.726/91, Rel.Min. Néri da Silveira, 1991)

Dito isso, após sete anos, o STF resolveu modificar seu posicionamento a respeito da execução provisória da pena. E para se compreender a respeito dessa modificação de entendimento, utilizar-se-á como material de estudo o HC nº 126.292 de 17 de fevereiro de 2016.

Com o advento da nova decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 126.292/SP, voltou-se a discutir no ordenamento jurídico, sobre a legalidade/constitucionalidade da execução provisória da pena nos casos concretos. Como anteriormente comentado, a execução provisória da pena, se trata de um instituto que visa à antecipação da execução da pena, antes do trânsito em julgado, após a análise em 2ª instância, pelo órgão competente.

Com isso, faz-se interesse destacar os principais pontos levantados no HC nº 126.292/SP, em que o Relator Teori Zavascki. O primeiro o ponto levantado como argumento a aplicação da execução provisória da pena é a inexistência do efeito devolutivo nos recursos extraordinários e especiais.

É sabido que o recurso extraordinário e especial, não possuem efeito devolutivo, dessa maneira o reexame das provas e fatos, são encerrados quando impetrada a apelação junto à segunda instância. Após a análise em segunda instância, os demais recursos não possuem efeito devolutivo, logo, os fatos e provas não serão discutidos. Observa-se o exposto a respeito dos recursos de natureza extraordinária:

Destinam-se, precipuamente, à preservação da higidez do sistema normativo. Isso ficou mais uma vez evidenciado, no que se refere ao recurso extraordinário, com a edição da EC 45/2004, ao inserir como requisito de admissibilidade desse recurso a existência de repercussão geral da matéria a ser julgada, impondo ao recorrente, assim, o ônus de demonstrar a relevância jurídica, política, social ou econômica da questão controvertida. (BRASIL,  HC nº 126.292/SP. 2016)

Tal permite concluir que os recursos extraordinários não servem para garantir o princípio da presunção da inocência, vez que ao chegar nesta etapa recursal extingue-se a fase de discussão da matéria de fato para adentrar na possível discussão do direito objetivo. Como expõem-se no HC 126.292/SP (BRASIL,2016, p. 6):

É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas. (BRASIL, HC nº126.292/SP, 2016)

 Outro argumento utilizado no decorrer do HC em discussão é a devida garantia do principio da presunção da inocência na utilização da execução provisória da pena. Sendo essa garantia exposta não só na Carta Magna, no art. 5, inciso LVII como também na Declaração Universal dos Direitos Humanos[2]. Destaca-se, no art. 11 da DUDH:                                                

1.Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2.Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido. (ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)                                                                                                                                   

Ao verificar o princípio da presunção da inocência e o que fora tratado anteriormente a respeito da matéria dentro do recurso extraordinário ou especial, observa-se que a garantia do princípio está prevista para o julgamento realizado tanto na primeira quanto na segunda instância, bem como o duplo grau de jurisdição.

Dessa maneira, não há que se falar em violação ao princípio da presunção da inocência quanto à aplicação da execução provisória da pena, vez que a utilização deste instituto se dá após o reexame em segunda instância, e como a condenação permaneceu nas duas esferas, não há que se dizer que o réu fora considerado culpado sem ter tido um justo julgamento e uma justa análise de fatos e provas.

Com o estudo do HC nº 126.292/SP a respeito dessa garantia fundamental, que é a presunção da inocência, retira-se o posicionamento de que a utilização da execução provisória da pena, fere a essência do princípio da não culpabilidade , pois a garantia desse direito foi permanecida durante todo o processo realizado em caráter ordinário. Observa-se o exposto no HC nº 126.292 (BRASIL,2015, p. 8):

A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

Ademais, a partir dessa análise do princípio da não culpabilidade, bem como a função dos recursos extraordinários e o instituto da execução provisória, pode-se evidenciar que, uma vez garantido todo o devido processo legal, se garante também o duplo grau de jurisdição e o in dubio pro reo, logo, não há que se falar em inconstitucionalidade na execução penal provisória.

Mais um argumento a ser discutido dentro da análise do HC nº 126.292/SP diz respeito à efetividade da jurisdição penal. Quanto a essa expressão, pode-se dizer que, conforme o exposto na Constituição Federal no seu art. 5º, inciso LXXVIII[3], que deve ser garantido a todo aquele que ajuíza um processo judicial ou administrativo que seu andamento deve tramitar temporalmente de forma razoável e mais célere possível.

A efetividade da jurisdição penal é uma garantia fundamental, que se encontra no rol dos incisos do art. 5º da Constituição Federal. Dessa maneira, tendo em vista a discussão desse artigo, pode-se observar que em inúmeros casos a utilização de recursos na esfera extraordinária é justamente para frear a celeridade processual e em muito dos casos, ocorrer a prescrição do crime.

E é exatamente neste ponto que o HC nº 126.292/SP traz a efetividade jurisdicional penal como um dos argumentos de defesa para a constitucionalidade da execução provisória da pena. É certo que é garantido a todo e qualquer condenado a impetração de recursos para uma possível revisão da decisão proferida ou até uma possível alteração em favor do acusado.

Entretanto, a partir do momento que há má-fé na realização desse direito, em busca de uma protelação, para que ocorra a prescrição do crime, e dessa maneira o não cumprimento do dever punível, observa-se a ineficácia existente na possibilidade de impetração de inúmeros recursos ao próprio andamento processual e na garantia de uma justiça temporal razoável e célere. Daí um ponto importante a ser destacado do HC nº 126.292/SP:

[...]

Artigo completo: