A GEOGRAFIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Por VAMILSON SOUZA D`ESPÍNDOLA | 18/08/2011 | Educação

A GEOGRAFIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL¹


Vamilson Souza D`Espindola²



RESUMO: A história não se escreve fora do espaço, e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social. (Milton Santos) Há uma pedagogia indiscutível na materialidade do espaço. (Paulo Freire) Este artigo discute a possibilidade e a importância de se aprender geografia nas séries iniciais do ensino fundamental, a partir da leitura do mundo, da vida e do espaço vivido. Para tanto, aborda o papel da geografia nesse nível do ensino e a necessidade de se iniciar, nessa fase, um processo de alfabetização cartográfica. Considera também os conteúdos da geografia presentes nos currículos escolares como uma das maneiras de contribuir na alfabetização da criança. Tendo em vista esse objetivo, discute as exigências teóricas e metodológicas da geografia para referenciar o ensino e a aprendizagem.

Palavras-chave: Geografia. Ensino. Aprendizagem.




INTRODUÇÃO

Este texto trata da possibilidade de a criança estudar a geografia no início de sua escolarização. A educação no Brasil passa por profundas mudanças, talvez não tantas quanto a sociedade atual exigiria, mas sem dúvida significativas. Nesse contexto, a geografia, como componente curricular (tradicional) na escola básica, também se modifica, seja por força das políticas públicas (PCNs, por exemplo), seja por exigências da própria ciência. Assim, pensar o papel da geografia na educação básica torna- se significativo, uma vez que se considera o todo desse nível de ensino e a presença de conteúdos e objetivos que envolvem, inclusive, as suas séries iniciais e a educação infantil.
Consideramos que a leitura do mundo é fundamental para que todos nós, que vivemos em sociedade, possamos exercitar nossa cidadania.
Queremos tratar aqui sobre qual a possibilidade de aprender a ler, aprendendo a ler o mundo; e escrever, aprendendo a escrever o mundo. Para tanto, buscamos refletir sobre o papel da geografia na escola, em especial no ensino fundamental, no momento do processo de alfabetização.
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1 - Trabalho apresentado ao Curso de Pedagogia na disciplina de Educação Especial no ano de 2010.
2- Graduado em Educação Física pela Universidade do Sul de Santa Catarina no ano de 2008.

Uma forma de fazer a leitura do mundo é por meio da leitura do espaço, o qual traz em si todas as marcas da vida dos homens. Desse modo, ler o mundo vai muito além da leitura cartográfica, cujas representações refletem as realidades territoriais, por vezes distorcidas por conta das projeções cartográficas adotadas.
Fazer a leitura do mundo não é fazer uma leitura apenas do mapa, ou pelo mapa, embora ele seja muito importante. É fazer a leitura do mundo da vida, construído cotidianamente e que expressa tanto as nossas utopias, como os limites que nos são postos, sejam eles do âmbito da natureza, sejam do âmbito da sociedade (culturais, políticos, econômicos).
Ler o mundo da vida, ler o espaço e compreender que as paisagens que podemos ver são resultado da vida em sociedade, dos homens na busca da sua sobrevivência e da satisfação das suas necessidades. Em linhas gerais, esse é o papel da geografia na escola. Refletir sobre as possibilidades que representa, no processo de alfabetização, o ensino de geografia, passa a ser importante para quem quer pensar, entender e propor a geografia como um componente curricular significativo.
Presente em toda a educação básica, mais do que a definição dos conteúdos com que trabalha, é fundamental que se tenha clareza do que se pretende com o ensino de geografia, de quais objetivos lhe cabem.
Tendo em vista que as reordenações da educação básica (no quadro das políticas públicas para a educação) consideram aspectos significativos de várias ciências, traduzidos em componentes curriculares absorvidos na complexidade da aula de forma integrada, na busca de um objetivo que é o primeiro ? aprender a ler e a escrever; considerando também o que efetivamente acontece na sala de aula, realidade que se conhece intermédio de várias publicações, pesquisas, diagnósticos e inclusive da observação direta, particularmente por conta de uma pesquisa realizada ("O ensino de estudos sociais na pré-escola e nas séries iniciais"); levando em conta ainda os avanços da geografia como ciência e sua história como disciplina escolar, buscamos vislumbrar o que é possível fazer com esse componente curricular nos anos iniciais da escolaridade. E isso nos remete a uma questão que poderia ensejar definir o papel da geografia nessa etapa da educação básica.

QUAL É O LUGAR DA GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS?

Aprender a pensar o espaço. E, para isso, é necessário aprender a ler o espaço, "que significa criar condições para que a criança leia o espaço vivido" (Castelar, 2000, p. 30). Fazer essa leitura demanda uma série de condições, que podem ser resumidas na necessidade de se realizar uma alfabetização cartográfica, e esse "é um processo que se inicia quando a criança reconhece os lugares, conseguindo identificar as paisagens" (idem, ibid.). Para tanto, ela precisa saber olhar, observar, descrever, registrar e analisar. Como fazer isso? É certo que, da forma como a geografia tem sido tratada na escola tradicionalmente, ela não tem muito a contribuir.
Aquela geografia chamada tradicional, caracterizada pela enumeração de dados geográficos e que trabalha espaços fragmentados, em geral opera com questões desconexas, isolando-as no interior de si mesmas, em vez de considerá-las no contexto de um espaço geográfico complexo, que é o mundo da vida.
Uma prática tradicional na Escola Fundamental, adotada nas aulas de estudos sociais, mas desenvolvida não apenas sob sua égide, é o estudo do meio considerando que se deve partir do próprio sujeito, estudando a criança particularmente, a sua vida, a sua família, a escola, a rua, o bairro, a cidade, e, assim, ir sucessivamente ampliando, espacialmente, aquilo que é o conteúdo a ser trabalhado. São os Círculos Concêntricos, que se sucedem numa seqüência linear, do mais simples e próximo ao mais distante. Na realidade, esse procedimento constitui mais um problema do que uma solução, pois o mundo é extremamente complexo e, em sua dinamicidade, não acolhe os sujeitos em círculos que se ampliam sucessivamente do mais próximo para o mais distante. Num mundo em que a informação é veloz e atinge a todos, em todos os lugares, no mesmo instante, não se pode fechar as possibilidades em um estudo a partir de círculos hierarquizados. Ainda com relação à velocidade da informação, deve-se considerar que não é a distância o que vai impedir ou retardar o acesso à informação, mas condições econômicas e/ou culturais, inscritas num processo social que exclui algumas (ou muitas) pessoas.
A superação dessa lógica de que a criança aprende por níveis hierarquizados ? no caso do espaço, por níveis espaciais que vão se ampliando sucessivamente ? requer o estabelecimento, pelo menos, de uma clareza de termos. Não estamos considerando que o estudo do meio é inócuo e desligado da realidade. Pelo contrário, ele pode constituir uma interessante possibilidade de ensino e aprendizagem. O que se está questionando é uma postura teórica que dá a referência, a forma de encaminhamento, postura que considera um espaço fragmentado e circular, o qual se amplia sucessivamente.
Partindo do "eu", da família, cria-se uma proposição antropocêntrica ? ou melhor, egocêntrica ? ao redor do "eu". O problema não é partir do "eu", mas sim fragmentar os espaços que se sucedem e que passam a ser considerados isoladamente, como se tudo se explicasse naquele e por aquele lugar mesmo. A dinâmica do mundo é dada por outros fatores. E o desafio é compreender o "eu" no mundo, considerando a sua complexidade atual.
A referência teórica é buscada tanto na geografia ? a qual considera que o espaço é socialmente construído pelo trabalho e pelas formas de vida dos homens ? como na Pedagogia ? a qual considera que a aprendizagem é social e acontece na interlocução dos sujeitos (estejam eles presentes fisicamente, ocupando um espaço próximo, estejam eles distantes, mantendo contatos virtuais, ou sob a hegemonia de determinada condução política, econômica).
Como superar o positivismo da geografia e da educação, em um mundo que está mudado e continua mudando aceleradamente? O que seria possível fazer para engendrar uma nova forma de "ensinar o mundo"?
Se os estudos do meio, considerados a partir do princípio dos círculos concêntricos, não se mostram apropriados para fazer a leitura do espaço ? que deveria conter a possibilidade de perceber o movimento, perceber a cotidianidade da vida dos vários sujeitos e a sua expressão por meio dos grupos de que participam, construindo o seu espaço ? quais as alternativas possíveis? Quais os referenciais teóricos que nos permitiriam construir métodos de análise do espaço geográfico capazes de permitir que os alunos se reconheçam no interior desse espaço? E que se sintam efetivamente produzindo esse espaço? E, nesse sentido, quais as práticas sociais (em especial as escolares) que se apresentariam como eficazes?


O PEDAGÓGICO E/NA GEOGRAFIA

Para romper com a prática tradicional da sala de aula, não adianta apenas a vontade do professor. É preciso que haja concepções teórico metodológicas capazes de permitir o reconhecimento do saber do outro, a capacidade de ler o mundo da vida e reconhecer a sua dinamicidade, superando o que está posto como verdade absoluta. É preciso trabalhar com a possibilidade de encontrar formas de compreender o mundo, produzindo um conhecimento que é legítimo.
O professor, as suas concepções de educação e de geografia, é que podem fazer a diferença. E é a interlocução dos saberes (Marques, 1993) que pode permitir esse avanço. "O conhecimento geográfico produzido na escola pode ser o explicitamento do diálogo entre a interioridade dos indivíduos e a exterioridade das condições do espaço geográfico que os condiciona" (Rego, 2000, p. 8).
A clareza teórico-metodológica é fundamental para que o professor possa contextualizar os seus saberes, os dos seus alunos, e os de todo o mundo à sua volta. E, no nível de ensino em que a criança está processando a sua alfabetização, o ideal seria que houvesse "uma unidade em que se supere a fragmentação das disciplinas e das responsabilidades, em práticas orientadas por e para linhas e eixos temáticos e conceituais interdisciplinares, não apenas uma justaposição de disciplinas enclausuradas em si mesmas, mas de uma maneira que, em cada uma se impliquem as demais regiões do saber" (Marques, 1993).
Nesse caminho em que tudo leva a aprender a ler e a escrever, acreditamos que seja fundamental a interligação de todos os componentes curriculares, se somando na busca do objetivo. Mas numa trajetória em que o conteúdo seja, em especial, o mundo da vida dos sujeitos envolvidos, reconhecendo a história de cada um e a história do grupo, combinando "a cadeia dos conceitos e categorias de análise com a trama das experiências e da cultura mesma do grupo envolvido" (Marques, 1993, p. 111).
É nesse contexto que a "possibilidade desse cruzamento entre geografia e educação torna-se sobremodo importante num mundo em crise, crise expressa, entre outros modos, nas concretudes do espaço vivido através dos quais as relações sociais se geografizam" (Rego, 2000, p. 8). Nos demais níveis de ensino, a questão de entrelaçar geografia e educação pode não aparecer com tamanha relevância, mas, nos anos iniciais, é impossível ela não ser considerada. E se, no exercício de pensar e procurar caminhos da geografia para as crianças, fosse encontrada a chave para desvendar as possibilidades de construção de uma geografia escolar mais conseqüente? Seria uma reflexão interessante. Como fazer, então, para superar um ensino tradicional, e um professor igualmente tradicional, trabalhando com conteúdos alheios ao mundo da vida? Como trabalhar com a realidade sem seguir de forma linear as escalas, mas superpondo-as, interligando-as, para conseguir dar conta da complexidade do mundo? Como olhar o local com os olhos do mundo, como ver o lugar do/no mundo?
Partindo dos pressupostos teóricos que balizam nossas concepções de educação e de geografia, como proceder para ensinar geografia nas séries iniciais passa a ser o desafio. E, sendo fiéis a esses referenciais, a busca deve estar centrada no pressuposto básico de que, para além da leitura da palavra, é fundamental que a criança consiga fazer a leitura do mundo.


COMO LER O MUNDO DA VIDA?

Sem dúvida, partindo do lugar, considerando a realidade concreta do espaço vivido. É no cotidiano da própria vivência que as coisas vão acontecendo e, assim, configurando o espaço, dando feição ao lugar. Um lugar que "não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de experiência sempre renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o presente e o futuro. A existência naquele espaço exerce um papel revelador sobre o mundo" (Santos, 2000, p. 114).
Ao partir de uma concepção de lugar, deve-se considerar que ele não se restringe aos seus próprios limites, nem do ponto das fronteiras físicas, nem do ponto de vista das ações e suas ligações externas, mas que um lugar comporta em si o mundo. "Os lugares, são, pois, o mundo, que eles reproduzem de modos específicos, individuais, diversos. Eles são singulares, mas também são globais, manifestações da totalidade-mundo, da qual são formas particulares" (idem, ibid. p. 112).
Do ponto de vista da geografia, esta é a perspectiva para se estudar o espaço: olhando em volta, percebendo o que existe, sabendo analisar as paisagens como o momento instantâneo de uma história que vai acontecendo.
Essa é a leitura do mundo da vida, mas que não se esgota metodologicamente nas características de uma geografia viva e atual, assentada em categorias de análise que supõem a história em si, o movimento dos grupos sociais e a sua interligação por meio da ação ou até de interesses envolvidos. Há que se pensar também no paradigma de educação capaz de acolher, ou de referenciar, esse tipo de análise. "Exige-se, em todos os estágios da prática educativa, que se combine a cadeia dos conceitos e categorias de análise com a trama das experiências e da cultura mesmo do grupo envolvido" (Marques, 1993, p. 111).
Nesse processo de aprender a ler, lendo o espaço, não há uma regra, um método estabelecido a priori, nem a possibilidade de elencar técnicas capazes de dar conta de cumprir o exigido: "articulam-se a teoria e a prática, os pressupostos ético-políticos da educação, os conteúdos conceituais e técnicas do ensino, com as características grupais e pessoais dos sujeitos em interação, nas condições concretas, conjunturais, de operacionalização" (idem, ibid.).
Pedagogicamente, portanto, o que importa é o estabelecimento e o exercício contínuo do diálogo ? com os outros (professor, colegas, pessoal da escola, família, pessoas do convívio); com o espaço (que não é apenas o palco, mas também possui vida e movimento, uma vez que atrai, possibilita, é acessível ao externo); com a natureza e com a sociedade, que se interpenetram na produção e geram a configuração do espaço.
Essa capacidade de interlocução (de saber ouvir, falar, observar, analisar, compreender) pode ser desenvolvida desde a educação infantil, e tornar-se assim um método de estudo ? de fazer a leitura do mundo. Ao partir da vivência concreta, busca-se a ampliação do espaço da criança com a aprendizagem da leitura desses espaços e, como recurso, desenvolve-se a capacidade de "aprender a pensar o espaço", desenvolvendo raciocínios geográficos, incorporando habilidades e construindo conceitos.
Compreender o lugar em que se vive encaminha-nos a conhecer a história do lugar e, assim, a procurar entender o que ali acontece. Nenhum lugar é neutro, pelo contrário, os lugares são repletos de história e situam-se concretamente em um tempo e em um espaço fisicamente delimitado. As pessoas que vivem em um lugar estão historicamente situadas e contextualizadas no mundo. Assim, o lugar não pode ser considerado/entendido isoladamente.
O espaço em que vivemos é o resultado da história de nossas vidas. Ao mesmo tempo em que ele é o palco onde se sucedem os fenômenos, ele é também ator/autor, uma vez que oferece condições, põe limites, cria possibilidades.
Cada lugar combina variáveis de tempos diferentes. Não existe um lugar onde tudo seja novo ou onde tudo seja velho. A situação é uma combinação de elementos com idades diferentes. O arranjo de um lugar, através da aceitação ou da rejeição do novo, vai depender da ação dos fatores de organização existentes nesse lugar, quais sejam, o espaço, a política, a economia, o social, o cultural. (Santos, 1988, p. 98).

Esse é o meio em que vivemos, em que nosso aluno começa a ter a sua vivência fora da sua casa e da família. Não é naturalmente constituído, é construído no dia-a-dia. O lugar é
o ponto de encontro de lógicas que trabalham em diferentes escalas, reveladoras de níveis diversos, e às vezes contrastantes, na busca da eficácia e do lucro, no uso de tecnologias do capital e do trabalho. O lugar é o ponto de encontro de interesses longínquos e próximos, locais e globais. (Santos, 1994, p. 18-19)


Como considerar o desafio de, ao estudar o lugar, poder compreender o mundo? Como dar conta de tecer a trama de relações no plano da compreensão, assim como está tecida a trama de interesses e de lógicas que orientam e estruturam os espaços à nossa volta? Quais as possibilidades de, superando as concepções tradicionais, encontrar a forma de entender a palavra em todo o seu significado, e compreender o mundo que rodeia a criança? É importante que se considere, na educação, a nova realidade do mundo atual, cujas características implicam que a velocidade da informação supera qualquer distância, e que todos os problemas do cotidiano se entrelaçam em níveis complexos.
Não se espera que uma criança de sete anos possa compreender toda a complexidade das relações do mundo com o seu lugar de convívio e vice-versa. No entanto, privá-las de estabelecer hipóteses, observar, descrever, representar e construir suas explicações é uma prática que não condiz mais com o mundo atual e uma Educação voltada para a cidadania. (Straforini, 2001, p. 56-57)



A CARTOGRAFIA NA LEITURA DO ESPAÇO

Para ler o espaço, torna-se necessário um outro processo de alfabetização. Ou talvez seja melhor considerar que, dentro do processo alfabetizador, além das letras, das palavras e dos números, existe uma outra linguagem, que é a linguagem cartográfica. "Ao ensinar geografia, devese dar prioridade à construção dos conceitos pela ação da criança, tomando como referência as suas observações do lugar de vivência para que se possa formalizar conceitos geográficos por meio da linguagem cartográfica" (Castelar, 2000, p. 31). Será isso possível? Seria o início do processo de escolaridade ou é uma questão que pode permear todo o ensino da geografia?
Independentemente da resposta que encontrarmos, parece-nos claro que a alfabetização cartográfica é base para a aprendizagem da geografia. Se ela não ocorrer no início da escolaridade, deverá acontecer em algum outro momento. Nas aulas de geografia é preciso estar atento a isso. A capacidade de representação do espaço vivido, se esta for desenvolvida assentada na realidade concreta da criança, pode contribuir em muito para que ela seja alfabetizada para saber ler o mundo. "Quando parte do processo de alfabetização utilizando a linguagem cartográfica, o ensino de geografia se torna mais significativo, pois se criam condições para a leitura das representações gráficas que a criança faz do mundo" (idem, ibid., p. 35).
Uma das formas possíveis de ler o espaço é por meio dos mapas, que são a representação cartográfica de um determinado espaço. Estudiosos do ensino/aprendizagem da cartografia consideram que, para o sujeito ser capaz de ler de forma crítica o espaço, é necessário tanto que ele saiba fazer a leitura do espaço real/concreto como que ele seja capaz de fazer a leitura de sua representação, o mapa. É, inclusive, de comum entendimento que terá melhores condições para ler o mapa aquele que sabe fazer o mapa. Desenhar trajetos, percursos, plantas da sala de aula, da casa, do pátio da escola pode ser o início do trabalho do aluno com as formas de representação do espaço. São atividades que, de um modo geral, as crianças dos anos iniciais da escolarização realizam, mas nunca é demais lembrar que o interessante é que as façam apoiadas nos dados concretos e reais e não imaginando/fantasiando. Quer dizer, tentar representar o que existe de fato.
Assim, não basta saber ler o espaço. É importante também saber representá-lo, o que exige determinadas regras. Para fazer um mapa, por mais simples que ele seja, a criança poderá realizar atividades de observação e de representação. Ao fazer um desenho de um lugar que lhe seja conhecido ou mesmo muito familiar, ela estará fazendo escolhas e tornando mais rigorosa a sua observação. Poderá, desse modo, dar-se conta de aspectos que não eram percebidos, poderá levantar novas hipóteses para explicar o que existe, poderá fazer críticas e até encontrar soluções para as quais lhe parecia impossível contribuir. A capacidade de o aluno fazer a representação de um determinado espaço significa muito mais do que estar aprendendo geografia: pode ser um exercício que permitirá a construção do seu conhecimento para além da realidade que está sendo representada, e estimula o desenvolvimento da criatividade, o que, de resto, lhe é significativo para a própria vida e não apenas para aprender, simplesmente.
Para saber ler o mapa, são necessárias determinadas habilidades, tais como reconhecer escalas, saber decodificar as legendas, ter senso de orientação. "A capacidade de entender um espaço tridimensional representado de forma bidimensional, aliado à concepção de que a terra é redonda e, portanto, não há ?em cima? nem ?em baixo?, poderá ser desenvolvida a partir da realização de diversas atividades de mapeamento" (Callai, 2000, p. 105-106).
Essas habilidades são adquiridas a partir da exercitação continuada em desenvolver a lateralidade, a orientação, o sentido de referência em relação a si próprio e em relação aos outros, além do significado de distância e de tamanhos. Elas podem ser simplesmente exercitadas, procurando-se alcançar o seu domínio. Mas o que nos interessa não é simplesmente ter domínios, que o capacitem a viver no mundo, é claro, mas poder, por meio dessa exercitação, dar conta de aprender a ler e viver o mundo. Aprender a pensar e reconhecer o espaço vivido. Não simplesmente como espaço que pode ser neutro, ou estranho a si próprio, mas pensar um espaço no sentido de se apropriar das capacidades que lhe permitirão compreender o mundo, reconhecer a sua força, e a força do lugar em que vive. Aprender para viver, mas aprendendo a buscar a transformação capaz de tornar o espaço mais justo, pelo acesso aos bens do mundo e da vida. Aprender a construir a sua cidadania.


CONCLUSÃO
Aprender a observar, descrever, comparar, estabelecer relações e correlações, tirar conclusões, fazer sínteses são habilidades necessárias para a vida cotidiana. Por intermédio da geografia, que encaminhe a estudar, conhecer e representar os espaços vividos, essas habilidades poderão ser desencadeadas. Mas sempre como caminhos, como instrumentos para dar conta de algo maior.
Por meio da geografia, nas aulas dos anos iniciais do ensino fundamental, podemos encontrar uma maneira interessante de conhecer o mundo, de nos reconhecermos como cidadãos e de sermos agentes atuantes na construção do espaço em que vivemos. E os nossos alunos precisam aprender a fazer as análises geográficas. E conhecer o seu mundo, o lugar em que vivem, para poder compreender o que são os processos de exclusão social e a seletividade dos espaços.
Compreender o lugar da diferença neste mundo, que se diz e se quer globalizado e tende a homogeneizar a todos e a tudo, é um passo para perceber que ainda há o que fazer, e não se pode, nem precisa, ficar só esperando que as ditas determinações aconteçam. É curioso notar que, nas análises e estudos em geral, até bem pouco tempo, as determinações advinham basicamente da natureza. Hoje se quer fazer crer que a globalização define tudo, inclusive o desrespeito para com a natureza.
Construir os referenciais básicos para a análise espacial é ter clareza epistemológica da nossa ciência. E, para saber fazer uma educação com sentido de aprender para ser sujeito da sua vida, é necessário fundamentar epistemologicamente a pedagogia.
Aprender a ler, aprendendo a ler o mundo da vida, e usando para tanto as possibilidades metodológicas da geografia, é pretender que nesse movimento se consiga construir uma metodologia para estudar esse componente curricular, e também que o aluno consiga usar esse aprendizado metodológico para estudar, além do seu espaço vivido ? o lugar em que está ? outros lugares, que podem ser distantes de sua vida diária, mas que estão interferindo na dinâmica geral das sociedades e, ao mesmo tempo, na sua vida ou de seu grupo em particular.
Enfim, a geografia, nos anos iniciais da escolarização, pode, e muito, contribuir com o aprendizado da alfabetização, uma vez que encaminha para aprender a ler o mundo.


REFERÊNCIAS

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CALLAI, H.; CALLAI, J. Grupo, espaço e tempo nas séries iniciais. Espaços da Escola, Ijuí, v. 3, n. 11, p. 9-18, jan./mar. 1994.

CASTELLAR, S.M.V. A alfabetização em geografia. Espaços da Escola, Ijuí, v. 10, n. 37, p. 29-46, jul./set. 2000.

CAVALCANTI, L.S. Geografia, escola e construção do conhecimento. Campinas: Papirus, 1998.

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MARQUES, M.O. Conhecimento e modernidade em reconstrução. Ijuí: UNIJUÍ, 1993.

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SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

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SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo/razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2000.

STRAFORINI, R. Ensinar geografia nas séries iniciais: o desafio da totalidade mundo. 2001. 155f. Dissertação (Mestrado) ? Instituto de Geociencias, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.