A gambiarra do voto obrigatório
Por Osorio de Vasconcellos | 23/11/2013 | CrônicasResumo: Se existe aversão a política, o poder nunca será autêntico.
A gambiarra do voto obrigatório
É preciso examinar direitinho a alegada aversão do brasileiro a política. Há aversão? Tudo indica que sim. Aversão uniforme? Não. A tensão varia. Por exemplo, há os que não curtem política, mas não rejeitam. Há os que não curtem e rejeitam. E há ainda os que não curtem, rejeitam e o fazem sistemática e agressivamente.
Seja lá como for, ressalvadas algumas diferenças de estilo, o fato é que, pelo geral, política não dá ibope, assim como nunca deu a Voz do Brasil.
Em outras palavras, o brasileiro típico acha que vai muito-bem-obrigado, na posição de espectador sonolento, virado meio de costas para o cenário onde se desenrolam as ações políticas. De tal modo que se lhe assenta como uma luva a expressão popular: política não é a minha praia.
Mas esse distanciamento não caracteriza uma preferência logicamente articulada. Longe disso o distanciamento assume com frequência o aspecto de um charmoso desdém, de onde corusca o fascínio de ser simultaneamente verdadeiro e inverossímil.
Verdadeiro porque empírico, manifesto, pragmático. Inverossímil porque, apesar de verdadeiro, parece funcionar a contento, como se a rejeição em nada comprometesse o curso da liberdade.
Fascínio temerário. Ilusão perigosa. Delírio suicida.
Porque política, Hannah Arendt que o diga, não surge no homem, mas entre os homens. Entre governantes e governados.
Ora – é possível argumentar - se os governados não querem participar do banquete democrático, essa defecção não priva a política de legitimidade. A legitimidade constitucional está garantida pelo voto.
Este raciocínio, consequente da rejeição, também corusca uma centelha fascinante. Com uma diferença. Lá, na rejeição, como vimos, a verdade é ofuscada pela inverossimilhança. Aqui, na alegação da legitimidade do poder por causa do voto, é a mentira que veste o manto da verossimilhança.
Mentira fácil de desmascarar. O voto pode ser legítimo, mas não é autêntico. Uma gambiarra alimenta o poder constituído: a gambiarra do voto obrigatório.
Quanto ao banquete democrático, quê dizer de um banquete ao qual os anfitriões não comparecem?
Fácil de responder: o banquete perde o sentido, vira festim.
A perda de sentido também pode ser demonstrada esquematicamente na esteira de um encadeamento circular, autofágico: aversão a política > gambiarra do voto obrigatório > poder inautêntico > banquete vira festim > aversão a política.
Para fechar o texto escolho uma expressão de rara densidade filosófica: é isso aí.