A Função Social da Posse e o Direito Fundamental à Moradia no Brasil

Por ALESSON RICARDO MENDES ARAUJO | 21/06/2018 | Direito

RESUMO

A Constituição Federal de 1988 em três passagens dispõe sobre a função social da propriedade. No entanto, a função social da posse está implicitamente disposta no texto da Carta Magna. Surge aí a função social da posse em detrimento da função social da propriedade. Se o proprietário não utilizar a sua propriedade com fins de beneficiar a coletividade e algum possuidor o fizer, este poderá adquiri-la após os trâmites definidos em lei. A função social da posse implícita na Carta Magna possui estreita ligação com o Direito Fundamental a Moradia no Brasil, pois consubstancia as prerrogativas necessárias para que possuidores de boa-fé possam ter seus direitos atendidos. Dessa forma, o Paper apresenta inicialmente a função social da propriedade, a interpretação constitucional feita a partir da função social da posse e sua ligação com o Direito Fundamental à Moradia; passa a descrever as possibilidades de intervenção dos três poderes em relação a função social da posse; expõe as principais teorias acerca da posse; levanta questões como a tensão entre posse e propriedade e as invasões e ocupações coletivas;  por fim, destaca o papel do ministério público e sua intervenção como legítimo defensor de interesses coletivos e difusos da sociedade civil brasileira.

INTRODUÇÃO

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com o surgimento de um Estado Democrático de Direito, surgiram novas propostas de interpretação constitucional, devido diversas modificações sociais, econômicas, políticas e culturais do país. Diante de tais propostas, houve a necessidade de uma maior aproximação entre o texto constitucional e os anseios sociais, que consequentemente trouxeram sérias transformações também nas prerrogativas infraconstitucionais, apresentando assim um rol de mudanças significativas, entre elas, a função social da posse.

Nesse contexto, a posse compreendida como fenômeno social deve satisfazer necessidades básicas da sociedade brasileira como moradia e trabalho, efetivando assim Direitos Fundamentais Sociais, bem como um de seus objetivos primordiais, que é o atendimento ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana inserido na Carta Magna. Assim, a Constituição de 1988 deu um grande passo para que a sociedade brasileira pudesse de fato pleitear seus direitos. Com o advento do novo Código Civil em 2002, um grande avanço foi observado também no âmbito infraconstitucional, pois o aspecto individualista e patrimonialista do código anterior passou a ter um caráter mais sociológico em relação à posse. Em tese, esta tentativa de busca ao atendimento do anseio social por parte do novo código busca a efetivação de Direitos Fundamentais e o alcance da realização de um incessante desejo de justiça social neste país de tantos contrastes e discrepâncias sociais, com extensas propriedades que não atendem a sua função social em meio a milhares de famílias que mesmo com direitos estabelecidos na lei maior ainda não possuem um lugar para morar ou até mesmo trabalharem.

De certo, é possível afirmar que a função social da posse em si, não constitui de fato o atendimento ao direito fundamental à moradia quando o Estado e demais entes envolvidos não interpretam ou aplicam as normas de acordo com os anseios sociais e não obedecem aos fins para que foram criadas, isso acontece na prática, quando interesses políticos e econômicos estão envolvidos na questão. Um exemplo disso são as constantes alterações nos planos diretores das cidades que devem ser acompanhados tecnicamente podem inclusive ser objetos de audiências públicas para que não se destinem a fins diferentes dos quais são destinados.

Desta forma, a partir da interpretação da Constituição Federal de 1988, do Código Civil de 2002 e do Estatuto das Cidades. Formula-se o seguinte questionamento: Nesse contexto, a posse como fenômeno social, trazendo consigo o escudo da garantia de direitos fundamentais consegue de fato ser tutelada pelo ordenamento, ou seja, existe a implementação efetiva da função social da posse no Brasil?

É imprescindível, antes de qualquer justificativa acerca desta questão, comentar sobre as principais teorias da posse até hoje, merecendo assim a análise em tópicos específicos.

Considerando as importantes inovações do Código Civil de 2002 no que diz respeito ao tratamento geral da Posse, pode-se afirmar que sua função social enfatiza em grande parte a análise da Carta Magna. A constitucionalização do Direito Civil é a principal tentativa de aproximação do Direito Civil em relação à Lei Maior depois da redemocratização. Hoje, a ciência jurídica busca aprimorar a finalidade dos modelos jurídicos, em detrimento ao modelo positivista, não existe mais um interesse claro em se estudar a estrutura básica dos modelos infraconstitucionais, mas sim entender o seu objetivo em relação às sociedades e em buscar soluções que visem o bem comum.

 A função social se dirige não só a propriedade, aos contratos e à família, mas à reconstrução de qualquer direito subjetivo, incluindo-se aí a posse, como fato social, de enorme repercussão para a edificação da cidadania e das necessidades básicas do ser humano. (FARIAS; ROSENVALD, 2011)

A Constituição Federal de 1988 assim dispõe sobre a função social da propriedade:

No caput do art. 5º é assegurado o direito de propriedade. No inciso XXII garante-se o direito de propriedade, mas, logo em seguida, no inciso XXIII, estabelece que “a propriedade atenderá a sua função social”. No art. 170 tem-se que: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função social da propriedade”. O § 2º do art. 182 dispõe que “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL)

No entanto, diante da interpretação constitucional identifica-se que a função social da posse está implicitamente disposta no texto da Lei Maior como, por exemplo, quando a mesma estabelece que “aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” (art. 191, CF). Tem-se aí a função social da posse em detrimento da função social da propriedade. Se o proprietário não utilizar a sua propriedade com fins produtivos ou não beneficiar a coletividade e algum possuidor assim o fizer, este poderá adquiri-la após o processo legal.

Contudo, é possível afirmar que os dispositivos citados sugerem que a função social da posse possui duas características básicas. De um lado, protege o proprietário e pune o possuidor de má-fé e por outro, pune o proprietário inerte que não faz uso apropriado de seu domínio e acaba perdendo para o possuidor de boa-fé que em alguns casos a utiliza de forma produtiva trazendo benefícios para a toda a sociedade. A função social da posse, portanto, está implicitamente estabelecida na Constituição Federal de 1988.

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