A função social da posse como mecanismo de regularização fundiária através dos programas habitacionais

Por Perla Rodrigues Mourão Sousa | 26/11/2018 | Direito

DELIMITAÇÃO DO TEMA: A função social da posse como mecanismo de regularização fundiária através dos programas habitacionais.

  1. CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA

A desigualdade estrutural fundiária brasileira, oriunda de uma colonização pautada na monopolização de terras, em decorrência dos grandes latifúndios, ainda configura um dos principais problemas sociais a ser enfrentado. Devido à falta de perspectiva no campo, a população rural começou a migrar para as grandes cidades, atraída pelo surto da industrialização iniciada no começo do século XX. No entanto, a inexistência de políticas de habitação social, por motivos políticos, sociais, econômicos e culturais, proporcionou a formação de áreas urbanas ilegais e irregulares.

Embora a Constituição Federal preveja em seu Art. 6 o direito à moradia como fundamental, e faça referência à regularização fundiária, o acesso à moradia ainda se mostra como uma grande contradição institucionalizada, principalmente para a classe mais pobre, devido a mínima efetivação de tal garantia. Destarte, o acesso à moradia deve ser proporcionado com base na dignidade da pessoa humana, com o intuito de promover a função social da posse e da propriedade, através do oferecimento e legalização da moradia.

É nessa conjuntura, que a promoção de políticas habitacionais, realmente voltadas para a reparação de uma desigualdade estrutural construída ao longo da história, mostra-se como um instrumento de garantir a função social da posse, prevista constitucionalmente. Dessa maneira, mediante a análise apresentada, questiona-se: de qual maneira a regularização fundiária pode promover a função social da posse e o acesso ao direito fundamental a moradia através de políticas habitacionais?

  1. JUSTIFICATIVA

O presente trabalho é importante para que se possa compreender como a função social da posse está diretamente ligada a um dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro: o direito à moradia (o qual é instituído constitucionalmente). A busca pela igualdade é o elemento garantidor essencial desse direito. Assim, vê-se por meio da regularização fundiária e programas habitacionais fornecidos por governantes uma oportunidade de efetivação da moradia a todos. A temática despertou o interesse das pesquisadoras devido sua grande relevância no âmbito acadêmico, assim como jurídico e social. 

  1. OBJETIVOS

  1. Geral:Analisar a função social da posse como instrumento garantidor da regularização fundiária por meio dos programas habitacionais e do direito fundamental à moradia.

  2. Específicos

- Identificar a construção do conceito de posse relacionado a promoção da sua função social;

- Explicitar a relevância da regularização fundiária em detrimento do interesse social;

- Explanar acerca da função social da propriedade adquirida através de programas habitacionais como forma de garantir o direito fundamental à moradia.

  1. REFERENCIAL TEÓRICO

  1. A construção do conceito de posse relacionado a promoção de sua função social

A temática “posse”, atualmente, alcança diversos parâmetros de discussões, sejam eles no ramo antropológico, sociológico, no âmbito jurídico e diversos outros. O Código Civil, em seu artigo 1.196 optou por falar do possuidor, assim afirmando: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. O legislador define, por conseguinte, que possuidor é aquele que possui todos os exercícios plenos sobre a propriedade.

Por outro lado, duas teorias acerca do tema predominam a doutrina: a teoria subjetiva, de Savigny, e a teoria objetiva, de R. Von Ihering. Rodrigues (2007, p. 17-18) explica que:

Os romanos, juristas práticos que eram, embora conhecendo o instituto da posse e disciplinando a defesa da situação possessória, não perquiriram sua natureza jurídica nem sistematizaram as regras sobre a matéria. Em compensação, entre os modernos, muitas coisas surgiram procurando explicar o instituto. Dentre estas, merecem especial destaque a teoria subjetiva de SAVIGNY e a teoria objetiva de IHERING.

A teoria de Savigny foi proclamada no Tratado da posse, em 1803, por meio de um livro, de modo tão magnifico que até mesmo seu maior opositor, Ihering, a elogiou. Essa teoria considera que posse é o poder concreto sobre a coisa, dispor dela fisicamente, com o intuito de tomar a coisa como sua, possui-la e defende-la da interferência de outrem. Para Savigny a posse resultava de um elemento material, o corpus, no qual constata-se o poder físico sobre a coisa e do elemento intelectual, o animus, o qual representa o desejo de ter como sua a coisa. Assim, os elementos caracterizam uma relação de dependência sobre a posse pois se faltar o animus não existe posse, mas sim uma comum detenção. (GOMES, 2002).

Já a teoria de Ihering, parte, preliminarmente do pressuposto de estabelecer a diferença entre posse e propriedade que reiteradas vezes são confundidas pelo fato de que o possuidor de algo é também seu proprietário. A distinção entre as duas, para ele, se dá de forma que a posse é o poder de fato e a propriedade é o poder de direito sobre a coisa, de modo que, geralmente, os dois encontram-se na mão do proprietário, mas podem ser vistos separadamente. Assim, pode-se afirmar que para essa teoria, a posse é a condição para o exercício da propriedade. (GOMES, 2002).

Atualmente, não obstante, o estudo de posse é focado na sua função social. Essa tendência é justificada pelo fato de a sociedade perceber quão desigual é a concentração de propriedades nas mãos de grandes latifundiários. Logo, pode-se dizer que a função social da posse se revelou como uma essencial justiça distributiva. Não pode se afirmar, porém, que esse senso de justiça segue unicamente o objetivo de distribuir bens materiais, mas sim “um aspecto mais amplo, dentro de uma teoria geral de justiça encaminhada de acordo com a estrutura de um completo conceito sociopolítico de justiça”. (CORREA; SOARES).

O art. 170 da Constituição Federal aponta que: “A ordem econômica [...] tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função social da propriedade”. Já o art. 191.Dispõe que: 

 

“Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”

 

Surge assim a função social da posse em detrimento da propriedade. A lei optou por assegurar que se um proprietário de terras não estiver utilizando-as de modo que beneficie a coletividade e alguém o fizer, este poderá adquiri-las por meio de ação na justiça. O proprietário não possui mais direito absoluto sobre sua propriedade. Não mais protegido por leis que lhe garantiam integralmente a posse, o proprietário hoje deve, portanto, destinar a sua propriedade ao objetivo do bem comum, sob pena de outra pessoa o fazer.

 

5.2 A regularização fundiária em detrimento do interesse social

 

A informalidade urbana apresenta-se como um cenário constante na maioria das cidades brasileiras, em decorrência de diversos fatores políticos, sociais, econômicos e culturais, que ao longo do tempo acabaram por impedir o acesso formal de habitação formal, principalmente para a população pobre no Brasil. Com isso, o não acesso a uma moradia de forma digna, fomentou a segregação social já enraizadas desde a colonização, como também obstaculizou o exercício pleno da cidadania. (BRASIL, 2010, p. 8).

Mediante a todo esse paradigma de desigualdade, a Constituição brasileira apresentou-se como marco, ao tratar da política urbana nos Arts. 182-183, e principalmente ao incluir o direito à moradia como fundamental, sendo-lhe atribuído o caráter de direito social, em consonância como Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.  A partir daí, temos o início de algumas políticas de habitação, através da regularização fundiária destinadas a corroborar com o interesse social. Como consequência de tais previsões constitucionais, temos o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que regula o desenvolvimento urbanístico, em prol do interesse coletivo, e mais recentemente a regularização fundiária urbana (Lei Federal n° 11.977/2009). (HOLZ, 2008, p. [?]).

Nesse mesmo sentido, de acordo com as palavras de Holz (2008, p. [?]), podemos entender a importância de tal dispositivo constitucional:

 

“Morar irregularmente significa estar em condição de insegurança permanente; por essemotivo, além de um direito social, podemos dizer que a moradia regular é condição para a realização integral de outros direitos constitucionais, como o trabalho, o lazer, a educação e a saúde. Além de transformar a perspectiva de vida das comunidades e das famílias beneficiadas, a regularização fundiária também interfere positivamente na gestão dos territórios urbanos, já que, regularizados, os assentamentos passam a fazer parte dos cadastros municipais”.

 

 

Dessa forma, de acordo a Lei A Lei Federal nº 11.977/2009, podemos entender a regularização fundiária com sendo:

“Conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes,de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

 

Sendo assim, podemos constatar que regulamentação fundiária, deve ser promovida não somente como um processo de intervenção pública que evolve ditames jurídicos, devendo também interagir com os aspectos sociais, culturais, ambientais e físico espaciais, com a instalação de programas públicos e sociais que visem a promoção do verdadeiro exercício da cidadania. Dessa maneira, mesmo que com efeitos curativos, a regularização fundiária se mostra como um instrumento de consolidação de direitos fundamentais, através da concessão de titularidade. (SANTIAGO et al, 2013, p. 244).

 

  1. Afunção social de programas habitacionais e o direito fundamental à moradia

 

É notório a importância de uma intervenção jurídica como forma de garantir o exercício fundamental do direito à moradia. Dessa forma, políticas públicas de qualidade, como programas habitacionais, tornam-se de suma importância na tentativa de romper um ciclo de desigualdade no que tange ao direito da terra, construído e mantido ao longo da história brasileira. Nesse sentido, Santiago e colaboradores (2013, p. 241) abordam:

 

“ Deste modo, a legalização da posse exercida com fins de moradia, mediante a titulação e o registro imobiliário, é o marco legal do direito de morar para uma população antes ameaçada no exercício desse direito”.

 

Nessa perspectiva a política de regularização fundiária, pautada na promoção de programas habitacionais, deve ser executado concomitantemente com outras políticas sociais, com o objetivo de promover o acesso à moradia de forma digna, possibilitando o desenvolvimento social, como a geração de emprego e o acesso à educação. Vejamos, que esse processo de acompanhamento social deve ser mantido durante todo o processo de regularização, com o intuito de não gerar uma maior segregação social, tendo em vista o espaço físico-social onde os programas habitacionais são desenvolvidos. (ROMEIRO, 2008, p [?]).

Na década de 1980-90, no Brasil, notou-se o crescimento incontrolável da ocupação do espaço urbano ilegal devido à crise econômica que culminou, ainda, com a extinção do Banco Nacional de Habitação. Mediante isso, grande parte da população começou a se espalhar por áreas periféricas e insalubres da cidade, de modo a viver ao acaso, sem uma condição digna de vida humana. Assim, surgiram vários movimentos sociais em prol da regularização fundiária desses espaços ilegais para que se pudesse ter uma moradia decente. (HOLZ, 2008)

Esses manifestos, especificamente nessa década, culminaram a novos valores constitucionalmente instituídos, um novo ordenamento imposto na Constituição Federal de 1988. Ela trouxe garantias às minorias, como a regularização fundiária e o direito fundamental em seu artigo 5 à moradia: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.Holtz (2008), porém, reconhece que essa garantia ainda não tem sua devida efetivação e aborda que:

 

A Constituição [...] reconhece a falência da política habitacional brasileira adotada até então, uma vez que deixa implícita em sua redação a compreensão de que milhares de famílias autoconstruíram suas moradias em terrenos vazios, que não lhes pertenciam, ocupados a fim de exercer o mais elementar dos direitos humanos: a moradia. Tendo em conta que esta realidade atinge milhões de brasileiros e que estes já estão ocupando um espaço urbano e que não há possibilidade de construção de “novas” casas para todos que vivem em situação precária e ilegal, a regularização fundiária passa a ser o centro dos programas habitacionais sociais, onde ocorre a legalização urbanística e jurídica das ocupações, garantindo os preceitos constitucionais da função social da propriedade e direito fundamental à moradia.

 

Assim, pode-se notar que apesar de todos os direitos constituídos em relação à propriedade, o Brasil não avançou tanto na questão da desigualdade social e, consequentemente, a moradia das pessoas ainda não é totalmente digna. Logo, como tentativa de solução desse problema, os programas habitacionais como o “Minha casa, minha vida” surgiram como tentativa de diminuir a injustiça sofrida por milhares de brasileiros.

 

  1. METODOLOGIA

 

A metodologia empregada nesse projeto, caracteriza-se como exploratória, tendo como base a natureza de seus objetivos, por buscar um melhor entendimento acerca do tema proposto, tornando-o explicito e levantando questionamentos ao seu respeito. Com relação aos procedimentos utilizados, a pesquisa assume forma bibliográfica e dedutiva,tendo em vista a busca pelo assunto principalmente em livros que abordam o assunto proposto, sugestões de leituras indicadas na proposta do paper e no plano de ensino, dentre outros. Para complementar e dar foco principal a delimitação do tema, utilizamos também, artigos de diferentes autores disponibilizados na internet com o intuito de complementar e dar foco sobre o entendimento do assunto, exemplificando e esclarecendo melhor as abordagens.

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

Brasil. Ministério das Cidades Regularização Fundiária Urbana: como aplicar a Lei Federal n° 11.977/2009 – Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação e Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Brasília, 2010. 40p.Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/28/documentos/cartilharfcidades.pdf>. Acesso em: 08 de Set. 2015.

CORREA, Claudio Franco; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira. A função social da posse como instrumento da regularização fundiária em favelas. Disponivel em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=843a4d7fb5b1641b> Acesso em 8 set. 2015

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

HOLZ, Sheila.POLÍTICA DE HABITACÃO SOCIAL E O DIREITO A MORADIA NO BRASIL. 2008. Disponível em:<http://www.ub.edu/geocrit/-xcol/158.htm>. Acesso em: 05 de Set. 2015.

ROMEIRO, Paulo Somlanyi. A regularização fundiária de interesse social em áreas privadas – política pública e exigibilidade. Disponível em:<http://nute.ufsc.br/moodle/biblioteca_virtual/admin/files/aula_11_cidades.pdf>. Acesso em: 11 de Set. 2015.

SANTIAGO, Ana Ligia da Silva; SANTANA, M. A; BARROSO, M. R; LEITE, R. C. C. F. A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL: PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. REVISTA. Estudos, Goiânia, v. 40, n. 3, p. 241-247, jun./ago. 2013.

Artigo completo: