A Força dos Ventos na Navegação Oceânica
Por Julio Cesar Souza Santos | 09/11/2016 | SociedadeQual a Importância dos Cata-Ventos Como Instrumentos de Leitura Marítima? Como Santo Agostinho Foi Influenciado Pelo Imã? Por Que a Bússola Foi um Catalisador na Exploração dos Oceanos?
Independentemente das direções do nascer e do pôr do Sol, as direções mais perceptíveis capazes de ajudar um marinheiro eram os ventos. Já no século I a. C. os Chineses escreviam sobre “estações dos ventos”, organizando classificações complicadas dos 24 ventos e utilizando papagaios de papel para testar os diversos comportamentos.
Daí, não surpreende que tenham feito cata-ventos que foram os pioneiros de todos os instrumentos de leitura, que mais tarde serviram às ciências sociais. Os Gregos estavam tão habituados a usar os nomes dos ventos para indicar as direções de onde vinham que, para eles, a palavra vento se tornou sinônimo de direção.
Os ventos eram objeto de grande interesse e a fonte orientadora da doutrina foi Lúcio Sêneca, preceptor do jovem Nero. Místicos cristãos diziam que os ventos moviam o firmamento de leste para oeste e, de qualquer modo, mantinham em ordem as outras forças do planeta. Sem o movimento dos ventos, os fogos do Sul, as águas do Oeste e as sombras escuras do Norte poderiam cobrir a Terra.
Teorias complicadas atribuíam aos ventos um papel principal na composição dos climas, no movimento dos oceanos e na atividade sísmica. Bóreas do Norte soprava frio e Austro do Sul soprava quente. Os autores de mapas e cartas marítimas da Idade Média adaptaram para os ventos os nomes clássicos. Marinheiros gregos batizaram as 4 principais direções do vento e assinalaram 4 pontos intermediários.
O mundo árabe teve uma boa vantagem na procura da direção absoluta, em virtude de o Islã exigir que suas mesquitas ficassem voltadas para Meca. Só descobrindo orientações geográficas poderiam ter a certeza de que elas estavam orientadas para um lugar distante.
Mesmo durante o tempo que a Europa cristã esteve aprisionada pela sua geografia teológica, cientistas muçulmanos com tendências matemáticas utilizavam a astrologia como uma proto-astronomia, a fim de aperfeiçoarem os cálculos de Ptolomeu no tocante a Latitude e Longitude.
Depois do advento da agulha magnética indicadora de direção (no século XII), a rosa dos ventos foi gradualmente desalojada pela rosa da bússola magnética, com a sua definição mais nítida de 16 ou 32 pontos direcionais. Foi necessário algum tempo para combinar a velha bússola com a nova.
A bússola magnética foi um catalisador da exploração, um novo engodo para o desconhecido. Os marinheiros, abandonando seus esboços de mapas podiam levar agora verdadeiros mapas que os orientariam para todo o Mundo. Os polos magnéticos – traço característico do planeta – não são o mesmo que os polos geográficos à volta das quais a Terra gira.
O motivo da localização dos polos magnéticos continua a ser um grande mistério e o campo magnético da Terra – conforme historiadores – inverteu várias vezes sua polaridade no passado geológico.
Mesmo assim, a bússola forneceu um absoluto universal comparável ao que o relógio mecânico e a hora uniforme forneceram ao tempo. Essas 2 descobertas ocorreram na Europa nos mesmos séculos e, devido à natureza do nosso planeta, a marcação do tempo e do espaço eram inseparáveis.
Quando alguém se afastava grande distância da sua casa para oceanos não cartografados, não podia saber precisamente onde se encontravam, a não ser que tivesse uma forma de calcular quando estava.
Situar-se em todo o planeta equivalia encontrar seu lugar na grelha de latitude e longitude que Ptolomeu começou, antes dos mil anos da geografia cristã da Idade Média. Para a nova era de explorações era necessária a bússola magnética, pois a arte de navegar por aparelhos só apareceu 2 séculos após Colombo. Entretanto, a bússola dava confiança aos marinheiros de conseguirem encontrar o caminho de volta e, além disso, uma bússola poderia ser feita por qualquer um.
A agulha magnetizada para navegação ocorreu na China no ano 1000 a. C., mas a 1ª referência a ela só apareceu nos escritos 2 séculos depois. Ignora-se como chegou à Europa, quando, como e por quem foi inventada, mas ao contrário das bússolas utilizadas pelos marinheiros, as que eram usadas pelos astrônomos europeus apontavam para o Sul.
As agulhas chinesas foram marcadas assim durante séculos e talvez seja um indício de que elas foram transmitidas da China para o Ocidente e, mais tarde, foi adaptada pelos marinheiros europeus que a apontaram para o Norte.
Ao observarem os extraordinários poderes da pedra imã as pessoas associavam-na às forças obscuras e, na China, por exemplo, os poderes do imã eram usados na “arte de adivinhar a sorte”. Santo Agostinho espantou-se ao constatar as características magnéticas dessa pedra que atraía o ferro, dando-lhe a capacidade de atrair outro ferro e mantê-los unidos.
A capacidade de a agulha magnetizada encontrar o Norte era considerada “magia negra” por muitos marinheiros e, durante décadas, muitos capitães consultavam-na em segredo.
Tudo isso torna difícil descobrir a história e origem da bússola na Europa, mas ajuda a explicar a origem da “bitácula” (caixa para guardar bússolas). Durante os séculos em que foram considerados instrumentos ocultos, o piloto conservava-a fora das vistas públicas e colocava-a dentro dessas pequenas caixas.
Depois de a bússola perder o sabor oculto e se tornar um instrumento quotidiano do marinheiro, veio para a luz, embora no tempo de Colombo muitos pilotos que utilizassem a bússola se arriscavam a ser acusados de “comércio com Satanás”.
Depois, ela se tornou tão indispensável que o próprio comandante levava consigo agulhas magnetizadas. Fernão de Magalhães levou 35 delas para substituir a que se encontrava sob a carta circular da bússola, se essa perdesse o Norte.
Assim como o relógio libertou a humanidade da necessidade de medir o tempo pelo Sol e pelas estrelas, a bússola orientou a humanidade no espaço e alargou as épocas e as estações de viajar por mar.
Em dias cobertos, sem bússola no Mediterrâneo até marinheiros experientes se arriscavam a perder-se e, por essa razão, o tráfego marítimo entre pontos distantes no Mediterrâneo ainda era interrompido no Inverno. No século XIV a bússola fortaleceu o tráfego marítimo no Mediterrâneo, pois já não havia a necessidade de ficar confinado ao porto por causa de tempestades e era possível fazer duas viagens. Além disso, os ventos do Mediterrâneo eram tais que havia vantagens em navegar durantes os meses enevoados.
Em contrapartida, no Oceano Índico os ventos eram tão regulares – visto mudarem com as estações – que faziam as vezes de uma espécie de bússola. Os pilotos se orientavam pelos próprios ventos. Por razões diferentes, os marinheiros do Mar do Norte e do Báltico demoraram mais tempo a sentir a necessidade da bússola magnética, pois sua navegação fazia-se em águas baixas e os marinheiros encontravam suas rotas tateando o caminho ao longo do fundo. No noroeste da Europa a imensa extensão da placa continental originava marés fortes, de grande alcance e, conhecer a profundidade, era uma questão de sobrevivência.
Depois do aparecimento da bússola, os pilotos das costas norte-europeias se sentiram mais confiantes, podendo combinar o novo dispositivo com sua antiga sonda – tão segura, de chumbo e cabo. Os livros ingleses de pilotagem davam ênfase às marés, ás profundidades e aos leitos, diferentemente dos italianos que punham a tônica na distância.
Mas, foram os marinheiros mediterrâneos que melhor acolheram a bússola, acrescentando nova precisão às antigas técnicas de “cálculo a olho nu” e desde então ela se tornou o principal, se não o único, instrumento essencial à navegação.