A Filosofia da Arte de Arthur Danto

Por Antonio Djalma Braga Junior | 06/08/2009 | Filosofia

Por Antonio Djalma Braga Junior

Ao observar objetos banais transfigurados em arte que são visualmente iguais a objetos que permanecem não-arte, Arthur Danto compreende ser mais interessante dedicar-se à Filosofia da arte do que fazer arte. Ele decide abandonar sua significativa carreira como artista do movimento expressionista após assistir a exposição do Brillo Box de Andy Warhol, donde se segue que ele não desenhou nem uma linha a mais sequer.

A questão que ele se pôs era de que, se os objetos são iguais, por que um é arte e outro não? O que torna um objeto arte? Decorre daí a elaboração de alguns termos e conceitos tais como o mundo da arte, experiência estética, percepção e interpretação e fim da arte. Sendo assim, o presente trabalho tem o objetivo de, através das leituras de Após o Fim da Arte, do autor em questão, e de outras fontes pesquisadas, discorrer sobre a filosofia da arte desenvolvida por Arthur Danto.

Em Após o Fim da Arte, Danto diz ser percebido, evidentemente, como um "antiessencialista na filosofia da arte e, portanto, do 'lado dos anjos'" (DANTO, 2006, p. 213), muito embora, o alvo da análise critica dele é a afirmação de que a arte tem uma essência. Desta forma, ele descreve o modo de se pensar a essência sob a ótica de sua intensão e de sua extensão, ou seja, "em relação à classe de coisas denotadas por um termo ou em relação ao conjunto de atributos que o termo conota" (idem, p. 214). Se a suposição dele estiver correta chegar-se-á à idéia de que não existe, de fato, arte, uma vez que ele não se deixou iludir pela heterogeneidade da extensão do termo radicalizada por Duchamp, no seu Fountain, e por Warhol, com o seu Brillo Box. Estes tornaram radical a extensão do termo porque a partir do momento que definiram seus trabalhos como arte, "seguiu-se imediatamente que não mais se poderia dizer quais eram as obras de arte pela observação, nem, conseqüentemente, se poderia chegar a uma definição pela indução sobre os casos" (idem). Danto queria mostrar com isso não só a disjuntividade radical da classe das obras de arte, mas explicitar como essa seria possível.

Para Danto, Hegel foi o único que compreendeu a complexidade do conceito arte, isso porque ele nutria uma visão mais histórica sobre o assunto. Para Hegel, a arte simbólica tinha de ser diferente da arte clássica bem como da arte romântica. Uma obra de arte não é apenas uma fruição imediata, mas também produto do nosso juízo, uma vez que submetemos o conteúdo da arte, os meios de apresentação da obra de arte tal como a adequação ou inadequação de um em relação ao outro, à nossa consideração intelectual (cf. DANTO, 2006, p. 215). Ora, segundo Danto, para que algo ganhe o estatuto de obra de arte, este tem que extrapolar a distinção entre intensão e extensão: ser uma obra de arte é ter um conteúdo de arte sobre alguma coisa e apresentar-se com meios que incorporem o seu sentido de obra de arte. Para que aquilo que Danto chama de "Mundo da arte" reconheça algo como uma obra de arte, requer-se uma classe de razões que impeçam que essas decisões não sejam meramente decretos de vontade arbitrária.

O conceito de arte é atemporal, mas sua extensão é historicamente indexada. Desta forma, Danto observa que "a história pertence mais à extensão do que à intensão do conceito de arte, e, mais uma vez, com a notável exceção de Hegel, praticamente nenhum filósofo levou a sério a dimensão histórica da arte" (DANTO, 2006, p. 217). É justamente por isso que Fountain e Brillo Box não poderiam ter sido obras de arte em nenhum outro momento anterior à qual elas estão inseridas. Essas "eram obras simplesmente realizadas para o fim da arte" (idem, p. 216).

Neste sentido, Danto afirma que o conceito de arte dever ser consistente com tudo o que é arte "segue-se daí que a definição não impõe imperativos estilísticos de espécie alguma, por mais tentador que seja dizer, em momentos de revolução artística, que o que foi deixado para trás 'não é realmente arte'" (idem, p. 218). Ele escreve isso para explicitar que o essencialismo na arte pressupõe um pluralismo que independe de ser percebido historicamente, uma vez que se pode imaginar ocasiões em que as obras de arte sejam coagidas – por questões políticas ou religiosas – a se submeterem a certos padrões.

Danto percebe que a conjunção entre essencialismo e historicismo nos ajuda a captar a essência da arte em um momento que tudo é possível para os artistas, onde não há mais um limite da história. Todavia, mesmo em uma época pós-histórica, o autor de Após o Fim da Arte pensa que a idéia de que tudo é possível deve ser consistente com o pensamento de Wölfflin de que nem tudo é possível, pois cada artista encontra uma série de possibilidades visuais às quais está limitado, ou seja, por mais original que este seja, não pode fugir dos limites de sua contingência histórica, do seu tempo. Demanda daí a tarefa do último capítulo da obra de Danto, Após o Fim da Arte, que será estabelecer as distinções entre tudo o que é possível e tudo o que não é.

Mas, afinal, o que é possível e o que não é possível em arte? O que quer dizer a expressão fim da arte? O fim da arte representa a idéia de que qualquer coisa visível pode ser um trabalho de arte visual, em outras palavras, tudo é possível. O artista pode apropriar-se dos elementos próprios da arte rupestre, clássica, barroca, ou ainda de qualquer uma das outras diversas expressões artísticas de cada tempo. Não há restrições a priori sobre isso, sobre como apresentar o seu trabalho e defini-lo como arte. No entanto, este tudo é possível, cabe somente aos artistas desta época pós-histórica. Já o que não é possível "é estabelecer uma relação recíproca com estas obras do mesmo modo como fizeram aqueles em cujas formas de vida essas obras tiveram o papel que tiveram" (DANTO, 2006, p. 220). Aqueles que viveram em outras épocas, vivenciaram as formas de vida que lhes eram presentes. Os artistas de hoje possuem todas as formas de arte já criada. Conseqüentemente, todas as formas lhes são acessíveis, eles a possuem. Tudo é permitido a eles. Entretanto, a forma como eles estabelecem esta relação é parte do que define nosso período, não podendo existir uma reciprocidade nesta relação.

Como foi observado por Wölfflin, alguém que possuísse características lineares não conseguiria dizer o que queria dizer com traços pictóricos. "Este 'dizer o que tinha a dizer' vai além da história da visão (...). A visão tem uma história somente porque as representações visuais pertencem a formas de vida elas próprias historicamente uma à outra" (idem, p. 222).

O fato é que artistas antigos nem sequer poderiam imaginar expressões artísticas como cubismo e dadaísmo.Contudo, hoje podemos conhecer as expressões artísticas do passado, mas não podemos vivenciá-las. Elas podem ser conhecidas, mas não vividas. Assim, as obras de arte feitas na antiguidade, foram feitas a partir da maneira que elas eram significativas para o povo daquela época, em termos mais precisos, imaginar uma obra de arte antiga é imaginar uma forma de vida. Sem levar em conta esta forma de vida, pode-se perguntar seriamente qual é a questão e o propósito de tal arte, pois é a forma de vida na qual a obra está inserida que dá sentido à mesma. É desta forma que se pode imitar a obra e seu estilo, mas não vivenciar o sistema de significados que sua forma original apresenta, "a não ser e até que possamos encontrar um meio de adequá-la à nossa forma de vida" (DANTO, 2006, p. 226). Tendo em vista a distinção entre uso e menção, Danto vai afirmar que todas as formas de vida são nossas para serem mencionadas em muitos casos, mas não para serem usadas.

Portanto, ao denunciar o fim da arte, Danto não queria dizer que os artistas pararam de produzir, mas, antes, ele estava se referindo ao fim da historia da arte (cf. DEGEN, 2005), onde os artistas passaram a representar o mundo de forma pluralista, caracterizado pela ausência de qualquer semelhança com alguma escola ou movimento. Se o Brillo Box de Warhol é arte, então qualquer coisa pode ser arte, não há um critério geral de ser da obra de arte, conseqüentemente, podemos prescindir da história. Essa liberação trouxe consigo a idéia de que uma definição filosófica de arte não poderia excluir nada, tudo era possível a partir de então. Um objeto interpretado corretamente torna-se arte.

BIBLIOGRAFIA

DANTO, A. C. Após o Fim da Arte. São Paulo: Odisseus/Edusp, 2006;

DEGEN, Natasha. A filosofia da arte: entrevista com Arthur Danto. Entrevista publicada na versão eletrônica da revista The Nation em 18 de agosto de 2005 (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002005000300009).

AITA, Virginia. O fim da Arte e após. Entrevista concedida por Arthur Danto à Virginia Aita em fevereiro de 2006. Disponível em: http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevistas/danto