A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA...

Por Luciane Coelho de Barros | 19/10/2016 | Direito

A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA AFETIVIDADE

Autora: Luciane Coelho de Barros[1]

Orientadora (Coautora): Claudia Regina Althoff Figueiredo[2]

 

RESUMO

A pesquisa tem como objeto a filiação socioafetiva e sua tutela jurídica no direito brasileiro, na perspectiva dos princípios da igualdade jurídica dos filhos e da afetividade. Depois de um processo que perdurou em anos de transformação, a família alcançou um estágio em que hoje há proteção estatal às relações afetivas e nas de relações de convivência. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu a igualdade jurídica de gêneros e entre os filhos, o que implica em profundas transformações nas relações familiares. Atualmente, quando se fala em estado de filiação, cria-se já a perspectiva do direito do filho ao pai. O objetivo geral é investigar sobre a filiação socioafetiva e sua tutela jurídica, tratando as suas transformações no direito brasileiro até a família constitucionalizada, o amparo jurídico no direito brasileiro, os princípios constitucionais e os de isonomia entre os filhos, os tipos de filiação e os efeitos jurídicos da filiação socioafetiva. Destaca-se que o tema é atual e polêmico, uma vez que a afetividade passa a ser objeto da tutela jurídica estatal e surgem novas formas de filiação, como a socioafetiva. O método utilizado no desenvolvimento do artigo foi o indutivo como base lógica e o cartesiano na fase de tratamento dos dados. O resultado da pesquisa assim cumpriu-se, tendo notório reconhecimento os valores destinados à Filiação Socioafetiva. Concluo que este é um direito não apenas do filho, mas da mãe e do pai em decorrência dos direitos fundamentais e do princípio da isonomia, pois o estado de filiação criado no convívio familiar deve ser visível dentro do princípio da afetividade, pois ela é a sua base, força e vigor, não precisando haver o vínculo biológico porque a verdadeira filiação só poderá crescer no terreno da afetividade e da intensidade das relações que unirem pais e filhos, independente da origem biológica ou não, pois é dela, da afetividade, deste princípio tão nobre que revela-se os laços que originarão uma família.

INTRODUÇÃO

O artigo aqui apresentado traz em pauta um tema atual e polêmico, a afetividade juridicamente considerada nas relações entre pais e filhos. A questão central parte da afetividade, que passa a ser objeto da tutela jurídica estatal e que assim surgiram novas formas de filiação, como a socioafetiva, pois é no convívio familiar que se dão as primeiras manifestações de afeto, se concretizam relações emocionais e também jurídicas, referentes às questões materiais e imateriais, como os direitos da personalidade por exemplo. A família atual é afetiva, ou seja, fundamentada no afeto.

Este tema, tem extrema relevância social, na medida em que trata de identificar as possibilidades de filiação, com ênfase na socioafetiva, que hoje possui o reconhecimento jurídico. O que se discute é a tutela jurídica das relações de filiação não biológicas, baseadas no convívio e no afeto. Entende-se que a relevância científica se dá na discussão acerca da melhor interpretação e aplicação da legislação civil, considerando que atualmente os princípios constitucionais e os direitos fundamentais se destacam no sistema de interpretação do direito de família, prevalecendo assim a constitucionalização do Direito Civil.

Os objetivos traçados nesta pesquisa se dão em torno da filiação socio- afetiva, relação de convívio e afeto que passou a ser reconhecida pelo Estado e ter efeitos jurídicos, na perspectiva dos princípios da isonomia e da afetividade, abrangendo o assunto com responsabilidade e consideração à seriedade do tema escolhido. Como hipótese levantada para a realização da pesquisa, tem-se que as relações de filiação socioafetivas são reconhecidas pelo Estado, desde que não se sobreponham às relações biológicas. Como metodologia utilizada na pesquisa será o método indutivo como base lógica e o cartesiano na fase de tratamento dos dados, tendo o intuito de colaborar e contribuir, nessa medida, para a Ciência Jurídica.

1 A FAMÍLIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO, ATÉ A FAMÍLIA CONSTITUCIONALIZADA.

A família no Direito brasileiro passou por uma grande evolução histórica, diferentemente de como são as famílias atuais, com o passar dos tempos a família passou por grandes transformações, como salienta Maluf [3]:

A família foi a primeira forma de organização social que se tem notícia e encontra nos cultos religiosos o seu principal elemento constitutivo, o que era muito valorizado nas sociedades primitivas e sendo nesta concepção antiga a sua formação mais uma associação religiosa do que uma formação natural. Para eles (os antigos), era imprescindível a existência de herdeiros varões para cultuar os mortos e dar continuidade aos cultos, caso contrário poderia haver a extinção de uma família e da religião. A família veio desempenhando diversas funções, entre elas, política em defesa de solo, organização social e econômica, tendo assim uma evolução da espécie.

Na época clássica (Roma), a família tinha uma estrutura patriarcal, onde detinha o total controle da entidade familiar, era como se fosse um organismo fechado, submetido à potesta do pater familiae, sendo que os juristas romanos empregavam dois termos á família: em sentido amplo era um conjunto de pessoas descendentes de um parente comum e em sentido estrito era o conjunto de pessoas que estavam sobre a potestas do pater familiae. Porém com Justiniano foi abolida essa diferença e o parentesco passou a ser apenas o de sangue, onde as mulheres pertenciam ás famílias ou do marido ou do pai, enquanto não casassem e nas cerimônias religiosas o marido no cerimonial tomava posse da mulher e ela ficava sob a potesta do marido e com Constantino, no século IV d.C, dá-se uma nova concepção á família, a concepção cristã, onde a família é formada pelo casal e seus filhos e fundada no sacramento do casamento, trazendo a ideia de igualdade entre os nubentes conforme Gagliano e Pamplona Filho[4].

Já em Roma conhece o casamento monogâmico (heterossexual) que se dá pelo consentimento dos nubentes e já no final do século XIX, o Estado passa a regulamentar o casamento e este passa ser definido como um contrato civil, e assim surge na Europa a família nuclear, a monoparental e passando a existir várias modalidades de famílias, traduzidas na doutrina de Gagliano e Pamplona Filho[5].

Em 1992, tem-se a Lei 8.560, que regulou o reconhecimento de paternidade, em que a família atual constitui a base de organização social no Estado brasileiro, no mesmo pensamento, salientam Gagliano e Pamplona Filho[6], que:

Hoje, no momento em que se reconhece a família, em nível constitucional, a função social    de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da dignidade da pessoa humana.

Diz-se que a família, desde a sua concepção passou por um processo de reciclagem, ou seja, a família “repersonalizou-se”. Aline Karow[7], comenta que a Constituição materializou em alguns artigos uma alavanca de alterações de possibilidades de formação de família, diferentes da tradicional, pelo casamento e ainda expõe que “a família patriarcal foi destronada, nascendo novos conceitos de família, desde a visão básica da comunidade do que é família até as normas jurídicas que tratam das relações familiares”.

As mudanças advindas com o tempo, estão concentradas no art. 226 da República Federativa do Brasil de 1988[8], e seus respectivos parágrafos, importante também destacar o conteúdo do poder familiar do art. 229, que trata do dever dos pais em assistir os filhos, bem como, os filhos aos pais na velhice.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

            O Código Civil, em seu art.1634[9] e seus respectivos incisos, posiciona-se no mesmo sentido á competência ao exercício do poder familiar dos pais em relação aos filhos.

Estes dispositivos constitucionais, demonstram o dever que os pais possuem em criar, assistir e educar seus filhos.

Já a matéria constitucional em relação á proteção integral ao menor foi ratificada com a criação do Estatuto da Criança e do adolescente. Em suma, a Constituição trouxe as principais diretrizes de proteção á criança, o Estatuto esmiuçou e o Código Civil ratificou os deveres pessoais dos genitores ou daqueles que detém a guarda dos menores e o conceito de família amplia-se a cada dia, inclusive pelo reconhecimento de jurisprudências.

Para a autora Nogueira[10] , que trata do enfraquecimento da família tradicional e o surgimento de novos modelos de família a atual está fundada em dois princípios básicos:

A família atual está matrizada em um fundamento que explica sua função atual: a afetividade é, pois, o espaço de sua realização.

Assim, enquanto existir affectio, haverá família (princípio da liberdade), e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão não hierarquizada (princípio da igualdade).

Hoje a tutela constitucional se desloca do casamento para as relações dele decorrentes ou não, dando proteção jurídica àqueles que nela se constituírem, promovendo a dignidade e a realização da personalidade dos seus componentes.

2 A FILIAÇÃO E SEU AMPARO JURÍDICO NO DIREITO BRASILEIRO

Inicia-se este tópico conceituando filiação, que procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com relação aos pais, sendo denominada do ponto de vista do pai e mãe ”paternidade e maternidade”, e é em prol dela que existiram grandes mudanças, como mencionou Carmella Salsamendi de Carvalho[11] .

Uma enorme transformação iniciou no direito de família, com a CRFB/88, trazendo juntamente com ela uma nova mentalidade jurídica, baseada não mais somente naquela família de estrutura baseada somente no matrimônio, mas deixando de fazer referência expressa a determinado tipo de família, conforme afirma-se no art 226, caput da CRFB/88, bem como, protege também outras formas de constituição familiar, como a união estável e a família monoparental, em seus arts. 226 § 3º e 4º.

Assim, finalmente a CRFB/88, estabeleceu uma absoluta igualdade entre os filhos, não se admitindo mais a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.

Diante de tais mudanças expressivas quanto á “famílias” ao longo dos anos, a pluralidade de entidades familiares mostrou-se com características comuns, como, o afeto, a solidariedade, o companheirismo e o respeito entre os entes que as compõem e assim a carta Magna traz em seu art 227, § 6º[12]:

Art, 227 [...]

  • 6º Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações à filiação.
  • [...]
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