A fazenda Passa Fome

Por Henrique Araújo | 05/06/2009 | Literatura

A FAZENDA PASSA-FOME

 

        A fome é a pior coisa do mundo. Muita gente passa fome neste planeta. Enquanto uns morrem empanturrados, outros nada têm para comer.

          Já passei muita fome por este chão de Deus. É que vim de família pobre e humilde. Nós, porém, não lastimávamos da sorte e Deus nos ajudou a suportar aquele tempo duro.

          Eu apareci em uma fazenda para trabalhar, enganado pelo capataz. Dizia ele que a fazenda daria um bom salário, comida razoável, descanso semanal, etc e tal. Só faltou oferecer a mulher dele para poder nos levar para o mato. Quando chegamos a tal fazenda, era tudo completamente diferente. O serviço era a servidão branca. Quem entrasse ali, não saía mais. Ia direto para uma cova qualquer. Depois de muitos anos de trabalho, se não morresse, eles matavam. E ali eu fui parar.

          No começo as coisas até que andaram bem. Só que o trabalho começava às 5 da manhã e terminava às 6 da tarde. Ainda havia arroz com feijão na fazenda. Nada mais havia. Depois acabou o arroz ficamos só no feijão bichado. Mais bicho que feijão. Era o único tipo de carne que havia. Eu já não agüentava mais. Eu era o cozinheiro. Cozinheiro de quê? Não tinha o que cozinhar. Era só colocar o feijão e atiçar a lenha e pronto. Nada podia dizer a peonada. Havia muitos jagunços. Quem falasse algo, podia esperar a cova. A jagunçada comia na sede da fazenda e lá o peão não ia. Várias vezes fizemos planos de fugir, mas não havia saída. O jeito era morrer ali mesmo. Enfrentar, muitos enfrentaram, mas morreram.

          Um dia pus o feijão no fogo com muita água e fui roçar um pouco. Trabalhei até às 11 horas quando deu um temporal enorme e todos vieram correndo para o rancho. Entrei no embalo. Assim que entrei correndo no barraco, o chinelo escapou do meu pé e desapareceu. Era um chinelo de couro semi-novo que eu trouxera da cidade. Procurei por todo canto e não o encontrei. Como tinha outro, não liguei muito. Esperamos o temporal terminar para voltar ao trabalho.

          O temporal só passou às duas horas da tarde. Como estávamos em casa mesmo, resolvemos comer o feijão bichado. Coloquei o panelão na mesa e começamos a retirar com a concha quando apareceu aquele enorme pedaço de carne. Éramos em 15 homens. Fiquei pensando que carne era aquela, pois eu não pusera nada na panela. Como a confusão aumentava, intervim dizendo:

          - Esperem aí, eu sou o cozinheiro, portanto eu tenho mais direito. Vou comer esta carne, nem que seja na marra.

          Imediatamente meti a mão, segurei fortemente e lasquei o garfo na coisa.

          - Estou com tanta vontade de comer carne que vou comer este pedaço com uma dentada só.

          Segurei bem firme, abri o bocão e quando ia dar a dentada, levei uma pancada enorme na cabeça. Foi a minha mulher que me deu um pé de ouvido e gritava:

          - Você vai comer a minha orelha com uma dentada só nada, seu sem-vergonha.

          De um pulo só eu já estava em pé. Estava agitado e suando. Que pesadelo enorme. Por um pouquinho não comi a orelha de minha mulher.

          Segundo ela, eu havia segurado  a  parte  de  cima  e  de  baixo da orelha dela e já ia

mordendo mesmo.

          O que fico encabulado é a carne que apareceu no panelão. Como meu chinelo não apareceu na fazenda, estou firmemente pensando que aquela carne era o meu chinelo.