A falência de sociedade de economia mista e empresa pública
Por Rayssa Antonya de Andrade Ribeiro | 02/08/2017 | DireitoA falência de sociedade de economia mista e empresa pública: A (in) constitucionalidade do artigo 2º, inciso I da Lei de Falências face ao artigo 173 da Constituição Federal.[1]
Rayssa Antonya de Andrade Ribeiro [2]
Tayse Cristina Gomes Guará[3]
José Humberto Gomes de Oliveira[4]
RESUMO
Refletir acerca da (in) constitucionalidade do artigo 2º, inciso I, da Lei de Falências face o artigo 173 da Constituição Federal. Abordar-se-á o conceito e finalidade da sociedade de economia mista e empresa pública. Será tratada também sobre a inconstitucionalidade do artigo 2º, I, da já citada lei, além dos argumentos trazidos pela doutrina acerca do assunto.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Lei de Falências. Sociedade de Economia Mista. Empresa Pública.
1 INTRODUÇÃO
A lei nº 11.101/05, comumente conhecida como Lei de Falências, trouxe em seu artigo 2º, inciso I, a impossibilidade da falência das sociedades de economia mista e empresas públicas. Em contrapartida, o artigo 173 da nossa Constituição Federal prevê a possibilidade da falência dessas empresas estatais.
A discussão jurídica acerca de tal assunto é muito complexa, são poucos os autores que discutem sobre o tema. Sendo assim, é uma questão pouco apreciada pela doutrina e pela jurisprudência.
O presente trabalho tem como objetivo geral apresentar a inconstitucionalidade do artigo 2º, inciso I da Lei de Falências face o artigo 173 da CF. Para tanto, tem-se como objetivos específicos, abordar o conceito e finalidade da sociedade de economia mista e da empresa pública. Comentar sobre os argumentos trazidos pela doutrina para o assunto e analisar a inconstitucionalidade do artigo 2º, I, da Lei 11.101/05.
Para tal estudo, dividiu-se o trabalho em três capítulos: o primeiro abordará sobre o conceito e finalidade da sociedade de economia mista e empresa pública; o segundo sobre a inconstitucionalidade do artigo 2º, inciso I, da Lei 11.101/05 e por fim terceiro analisará os argumentos trazidos pela doutrina acerca do assunto.
A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 CONCEITO E FINALIDADE DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E EMPRESA PÚBLICA
Para que se tenha melhor compreensão acerca do assunto a ser abordado, deve-se primeiramente entender o que são sociedades de economia mista e empresas públicas, bem como quais são suas finalidades e o que as difere.
De acordo com Waldo Fazzio (p.51), a Sociedade de Economia mista integra a Administração Pública indireta, sendo uma pessoa jurídica de direito privado, criada por autorização legal, sendo sua configuração encontrada no Decreto-Lei 200/67, art.5°, III. É uma entidade paraestatal composta pela participação casada do Poder Público e de particulares na construção de seu capital social e da administração.
O inciso III do art.5° do Decreto-Lei 200/67 assim dispõe sobre a Sociedade de Economia Mista:
Sociedade de economia mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas as ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração indireta.
Ou seja, a expressão “economia mista” diz respeito ao capital dessa pessoa jurídica, tendo em vista que abrange tanto o capital público quanto o privado.
De acordo com Thiago Xavier, apesar do aludido inciso só fazer menção à União, deve-se considerar também para efeitos dessa Lei os demais entes federados. São duas principais características da sociedade de economia mista: ter o Estado como acionista majoritário e ter autorização através de lei para ser criada.
Já as Empresas Públicas, segundo Waldo Fazzio, também são criadas mediante autorização de lei específica e sua configuração encontra-se no Decreto-lei 200/67, art.5°, II. Tal ente estatal tem patrimônio próprio e seu capital social é exclusivamente público, tendo como objetivo explorar atividade econômica exercida pelo Poder Público.
2.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º, I, DA LEI 11.101/05.
A lei 11.101/05 trouxe em seu artigo 2º a impossibilidade da falência para a sociedade de economia mista e empresa pública, porém se formos levar em consideração o artigo 173 da CF, podemos considerar o artigo da dita lei inconstitucional.
Para o Dr. Celso:
Admitir que o Estado desempenhe atividade econômica sem reconhecer a possibilidade de falência, além de coroar e incentivar a incompetência, importa em diferenciação injustificável, capaz de comprometer a livre concorrência e impor restrições à liberdade de iniciativa.
Se houver a proibição da falência das Empresas Públicas, o que poderá ocorrer em relação aos credores, é que os mesmos somente terão o direito de mover ações individuais para satisfação de seus créditos, não poderão os credores juntar-se para pedirem a decretação da Falência. E de outro lado eles não poderiam recorrer a Recuperação Judicial ou Extrajudicial.
Sendo assim, segundo Requião Rubens (2003), nestas circunstâncias caso o Controlador de tais sociedades (o Estado) as deixariam insolventes, os credores mais ágeis poderiam obter satisfação de seus créditos por meio de eventual penhora de bens e quando estes se esgotassem os demais credores nada receberiam.
A lei de falências prega pela impossibilidade de as sociedades de economia mista e as empresas públicas se submeterem, quando em crise, ao regime jurídico falimentar. Ainda que sejam empresários, por exercerem profissionalmente atividade econômica organizada e dirigida a mercados, jamais deverão ter contra si sua falência decretada. Waldo Fazzio Júnior (2008, p. 36-37) ressalta textualmente que, tanto a sociedade de economia mista quanto a empresa pública não estão sujeitas à recuperação judicial ou à falência. Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 198) conclui:
(...) empresas públicas e sociedades de economia mista, que estão totalmente excluídas do processo falimentar. Como são sociedades exercentes de atividade econômica controladas direta ou indiretamente por pessoas jurídicas de direito público, os credores têm sua garantia representada pela disposição dos controladores em mantê-las solventes. Não é do interesse público a falência de entes integrantes da Administração indireta, ou seja, de desmembramento do Estado.
O artigo 173 da CF, parágrafo 1º equipara as estatais ao mesmo sistema das empresas privadas, prevendo assim a falência a essas empresas. E este dispositivo faz com que estas empresas não tenham vantagem sobre as empresas privadas. A nossa Carta Magna é bem clara ao prever que a empresa pública e a sociedade de economia mista ficarão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (CF, art. 173, § 1º,II).
A análise do artigo 173, §1º, inciso II, da CF, provoca a discussão de que as empresas públicas ou sociedades de economia mista que explorem atividade econômica são equiparadas às sociedades previstas na iniciativa privada, sujeitando-se, então, ao regime jurídico próprio das empresas privadas.
Quando se tem em conta o art. 173 parágrafos 1º e 3º da Constituição da República, considera-se inconstitucional o art. 2º inciso I da lei 11101/05. Assim a extensão às Empresas Públicas do regime jurídico próprio das Empresas Privadas é total, inclusive no campo trabalhista e tributário consequentemente o mesmo se daria quanto a sua recuperação e a falência.
O já citado artigo 173 da Constituição Federal, sujeita as empresas públicas e a sociedade de economia mista que exploram atividade econômica ou prestação de serviços ao regime jurídico das empresas privadas com exceção as empresas públicas e sociedade de economia mista não exploradoras de atividade econômica. Essa sujeição da falência as estatais exploradoras de atividades econômicas é a única forma constitucional de resguardar os direitos dos credores, por isto o dispositivo da Lei de Falências que exclui as empresas públicas e sociedades de economia mista, é inconstitucional. Já quando se trata de empresa pública e sociedade de economia mista prestadora de serviço, segundo Caio Prado (2012), não é cabível a falência, pois incidem os princípios da Administração Pública, tais como os princípios da continuidade dos serviços públicos e o da supremacia do interesse público.
Quando se trata da aplicação desta lei a estas empresas estatais quando estão prestando serviço público o entendimento para alguns se torna diferente, como o caso do Ministro do STF Eros Grau (RDP 79/103) que expôs sua posição pela aplicação da lei falimentar às empresas públicas e sociedades de economia mista apenas que exercem atividade econômica e não quando prestam serviço público.
Já para o autor Newton de Lucca (p.166) a aplicação desta lei deve servir inclusive nos casos de empresas prestadoras de serviços públicos, pois se houver a decretação de falência haveria a chamada reversão de bens, ou seja, caberia ao Estado garantir aos credores até o valor dos bens revertidos. Sendo assim, para o mesmo em qualquer das hipóteses não se justifica a inaplicação do instituto da falência às sociedades de economia mista.
Sendo assim, é importante ressaltar que as sociedades de economia mista devem ser constituídas sob a forma de sociedade anônima e que as empresas públicas podem se constituir por qualquer formato societário, inclusive, sociedade anônima. Sabemos que a sociedade anônima sempre será empresária independentemente do seu objeto. Em sendo empresária e tendo personalidade jurídica de direito privado, devem se submeter ao mesmo regime das empresas privadas, sujeitando-se ao regime jurídico falimentar, em seu total, ou seja, podem ter deferida a recuperação judicial ou declarada à falência.
E em relação à elas serem prestadoras de serviços estas empresas, as sociedades de economia mista e as empresas públicas realizam tais atividades em razão de concessão ou de outorga legal. Havendo a declaração da falência, extingue-se tal concessão, voltando o serviço público a ser desenvolvido diretamente pelo Estado (art. 195, Lei nº 11.101/05).
3. ARGUMENTOS TRAZIDOS PELA DOUTRINA PARA O ASSUNTO.
Em relação aos argumentos trazidos pela doutrina acerca da (in) constitucionalidade do dispositivo da Lei de Falências frente ao artigo 173 da CF/88, parte da doutrina considera inconstitucional tal dispositivo da Lei de Falências por considerar que ele traz uma certa vantagem aos entes estatais aqui abordados em prol das empresas privadas, tendo em vista que veda a falência das empresas públicas e sociedade de economia mista.
No entanto, alguns autores, tal como Waldo Fazzio, considera que submeter as sociedades de economia mista ao regime falimentar poderia comprometer interesses nacionais envolvidos nessa espécie societária, posto que essas empresas precisam preservar sua competitividade por meio da diminuição dos riscos, dos quais a insolvência é o mais destacado (p.52, 2006). Ou seja, como a sociedade de economia mista é uma sociedade anônima criada para fins de interesse nacional, precisa ser preservada e ter seus riscos diminuídos, o mesmo aplicando-se às empresas públicas.
O que diz respeito ao fato de tais sociedades serem consideradas “empresas” estatais, de o seu capital ser público (na totalidade ou na maioria) e de os empresários ou administradores societários ficarem sujeitos a restrições que não se adequariam aos representantes do Estado naquelas sociedades. Fran Martins (1985, p. 237) se posiciona acerca do assunto, para ele:
(...) a sua isenção do processo falimentar não se origina no fato de serem elas consideradas sociedades estatais, já que estão sujeitas à lei das sociedades anônimas, e, assim, deverem ser consideradas sociedades privadas. Grande parte da doutrina, como já foi visto, reputa as sociedades de economia mista como sociedades de direito privado.
Celso Antonio Bandeira de Mello (1998, p. 129) e Hely Lopes Meirelles (2003, p. 353) sugerem que devem ser analisadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista segundo o objeto social. Assim, teríamos soluções diversas a depender se estivermos diante da empresas estatais que desenvolvam atividade econômica ou prestem serviços públicos. As estatais que desenvolvessem atividades econômicas deveriam se submeter à falência, sendo certo afirmar que o art. 242 da Lei nº 6.404/76 (hoje, o art. 2º, I, da Lei nº 11.101/05) deveria ser aplicado, apenas, às empresas estatais que tenham por objeto a prestação de serviços públicos
Para o autor Haroldo Malheiros (2011), que defende a possibilidade da falência, mas não da recuperação judicial das empresas públicas e sociedades de economia mista, o Estado jamais deveria permitir que uma entidade estatal controlada por ele fosse considerada insolvente perante os seus credores, pois toda empresa pública ou sociedade de economia mista, que é prestadora de serviço público ou exploradora de atividade econômica, é criada para promover um interesse público.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BUENO, Ana Cristina Álvares. A Falência e as sociedades de economia mista e empresas públicas. Disponível em: . Acesso em out. 2015.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005.
DANTAS, Maria Fernanda. Falência das Empresas Públicas. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2163/Falencia-das-empresas publicas>. Acesso em: set. 2015.
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
PRADO, Caio. Análise da aplicabilidade dos institutos da falência e da recuperação judicial às empresas públicas e sociedades de economia mista. Disponível em: . Acesso em: ago 2015.
XAVIER, Thiago. Sociedade de Economia Mista e Empresa Pública: Aspectos Relevantes no Direito Empresarial Brasileiro. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33438-43018-1-PB.pdf >. Acesso em: out. 2015.
ZAGO, Felipe. A falência das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Disponível em: . Acesso em: set. 2015.