A fala, o riso e a orgia segundo Michel Maffesoli: uma perspectiva contemporânea

Por ALINE DE PAIVA MORALES | 03/07/2017 | Educação

MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987 (Biblioteca Vértice, v.7).

A fala, o riso e a orgia: uma perspectiva contemporânea

Em “A fala e a orgia” Michel Maffesoli, sociólogo francês, se detém às formas de expressividade da violência na tentativa de distinguir alguns dos meios por ela utilizados para manifestar-se. Dessa forma destaca a fala, o riso e a festa como exemplos empregados pela violência, ao que também chama “forma social”.

Nessa perspectiva o sociólogo refere-se à palavra (fala) e a sua dinâmica incontrolável, capaz de romper com a estabilidade social, com o esteio do que é instituído, do que é estabelecido. É representativa nas relações sociais, permitindo aos sujeitos a interação, o acordo ou o confronto daquilo que se passa no íntimo do indivíduo, na sua subjetividade, na maneira como vê, sente e pensa a respeito de algo. Sendo assim, a fala é um elemento da violência social, tendo poder para estabelecer ação reguladora do corpo social.

Segundo Maffesoli, a fala pode colocar o poder instituído em perigo, uma vez que prevendo a regeneração social e individual abre caminhos para a troca de ideias, informações, pensamento, discussões. Constitui-se, portanto, como elemento estruturante da relação social, fonte de poder, instável, dinâmica, difícil de ser controlada por uma pessoa ou por um grupo que a utiliza.

É possível localizar na História inúmeros momentos em que a fala foi utilizada como fonte de poder, momentos em que se aspirou por uma outra estruturação social. Sirva-se de exemplo o momento político vivenciado pelo Brasil, em que a palavra assume um discurso revolucionário a fim semear a mudança, a renovação social. “Basta que o discurso revolucionário encontre eco nos afetos, nas emoções, nas imagens de uma relação social mais fechada para que sua eficácia seja assegurada” (MAFFESOLI, 1987, p.63).  

Além da fala, o francês traz também o riso como vetor da violência social, sendo ele uma reação, a expressão de um desejo de viver que manifesta uma subversão, uma resposta ao poder imposto, um desprezo pelo dever-ser.

Ao riso é conferido o poder de subverter a ordem vigente, trata-se de uma explosão de vida, ao que Maffesoli (1987, p.69) acrescenta “[...] o riso, portanto, rompe a clausura, permite o escoamento torrencial de um desejo de viver que se tenta refrear [...] expressão sutil de uma autoconservação que se sabe ameaçada..”

Prosseguindo a abordagem sobre os meios utilizados pela violência para se expressar, Maffesoli apresenta o que chama de orgiasmo (tradição dionisíaca), uma forma de excesso, de efervescência, de excitação coletiva, que por sua vez constitui-se como um elemento da festa. Esse orgiasmo canaliza o sagrado ou não e a parte sombria que constitui o indivíduo e o social a fim de anunciar uma ordem renovada, regenerada.

Segundo o autor em estudo, para compreender o orgiasmo, bem como o prazer coletivo que nele se expressa, é preciso desfazer-se das amarras sociais, tentar compreendê-los a partir de critérios normativos é inútil, pois esse representa a parte sombria ou de crueldade que constitui o conjunto social. A orgia se inscreve num movimento de morte-vida, destruição-expansão, ou seja numa ambivalência que permite a estabilidade social.

A orgia representa manifestações que suplantam a lógica, ultrapassam o que é compreensível socialmente, desejos que não podem ser vividos no cotidiano. Nesse sentido Maffesoli destaca a natureza orgiástica das manifestações coletivas que ao se afastarem das normas convencionadas faz da morte e da vida uma globalidade dinâmica, nas palavras do próprio autor “a relação orgânica que liga a morte e a vida é vivida ritualmente, na crueldade ou na serenidade [...] e esse ritual permite que se estabeleça [...] o que nós chamamos a manutenção social.” (MAFFESOLI, 1987, p.69).

Maffesoli concebe o orgiasmo como irredutível a qualquer forma de racionalização, uma vez que ligado às vivências de lazer e logo, ao prazer por elas proporcionado, manifesta-se de várias formas, num politeísmo de valores. Podemos exemplificar: de um lado o consumo de drogas, o sadomasoquismo, as músicas de cunho apelativo; por outro lado, músicas clássicas, apreciação de obras de arte e teatro. Esse politeísmo é, pois, a base da vida em sociedade.

Finalmente, é possível afirmar que os elementos estruturais descritos por Michel Maffesoli, assim como os meios que eles utilizam para manifestação, são representativos do desejo de comunhão do coletivo. É preciso, portanto, compreender a violência como  necessária ao dinamismo da sociedade, da mesma forma, a fala, o riso e a orgia como formas de enfrentamento utilizados pelos indivíduos para harmonizar a convivência social.

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