A FADA DO DENTE E A FOTÓGRAFA

Por ADRIANA TEIXEIRA SIMONI | 10/08/2014 | Crônicas

Todos nós sabemos que não há como pular etapas na vida, apesar de ainda não ter uma posição coerente sobre esse tema, mas o que todos temos em comum é que etapas na vida em geral não podem ser puladas, tapeadas ou enganadas.

Outra certeza é que nem todas as etapas são cem por cento fantásticas, assim como também não são totalmente ruins. Hoje já não tenho mais problema com a tal questão de que a cada ano que passa me torno mais “velha”. Teve um tempo que eu abominava falar de idade avançando. E o engraçado disso, é justamente o fato de que nessa época tudo era perfeito, o cabelo, a pele , as unhas, a energia; só o humor que variava mais entre muito mal humorada e menos mal humorada. Essa parte a gente pode pular, afinal isso não é etapa da vida, isso é transformação.

Entre as etapas mais divertidas é quando começávamos a falar: nessa etapa todos falavam com a gente usando vozes estranhas, pronunciando repetidas vezes a mesma frase e o que nos restava a fazer, até compreender o que falavam, era sorrir. E nessa fase era bem interessante, pois apesar deles insistirem com as falas estranhas, eles adoravam quando nós, bebês, riamos. E, na verdade, estávamos rindo das bobagens que eles repetiam. Vai entender! Mas, até que um dia a gente falava papai, mamãe, vovó e todo mundo vibrava e jogava a gente pra lá, pra cá e pra cima. Isso era bom !

Vem uma fase um tanto chata; começava a despontar na boca os dentes, embaixo e encima, e com eles vinha um incômodo muito grande, tanto pra nós bebês quanto para os pais, mas, mesmo assim, eles mostravam pra todo mundo que estavam nascendo os nossos dentinhos de leite como algo maravilhoso, creio que seria a alegria em dispensá-los a nos fazer mamadeiras em todas as refeições.

Passa a etapa de aprender a falar, para a de falar, a cada dia mais, literalmente; aprender a pedir as coisas falando é com certeza muito melhor do que pedir chorando, pois na maioria das vezes tentavam tudo antes de acertarem que nós só queríamos sair daquela posição. Essa etapa do choro não era muito boa: preferível é a fase que já se sabe falar e pedir. Pedir é algo fantástico, todos sempre atendiam até o momento que se aprende a andar.

Quando se ganha a mobilidade de andar, seja gatinhando, seja de pé cambaleando é muito bom, dá até para comparar ao que dizem quando usam entorpecentes , pois a cada passo dado é uma aventura, tudo passa pela gente tão rápido que não é possível pensar, só ir dando um passo, depois do outro, numa direção qualquer, ou para atingir um alvo que, por vezes, a gente não alcançava, caía antes. Mas, levantar pra cair de novo é também algo indescritível até hoje. Porém, como em todas as etapas da vida o andar cambaleante se equilibra e você começa a andar pra cá e pra lá, para desespero dos pais e babás que precisavam de mais energia para nos seguir.

Chega a fase de escolinha, brincar, brincar e brincar . Tinha uma “tia” que sempre era muito legal, mas, às vezes apontava o dedo e falava séria com a gente: aí ela virava professora. Ela sempre falava com a minha mãe, não sei que tanto assunto elas tinham pra conversar. E, chega numa fase difícil, que momentaneamente mexe com a autoestima, mas logo passava, porque todo mundo ficava igualmente banguela entre os 6 e 7 anos. Tem até uma disputa pra ver quem ficava banguela primeiro. Ah! as histórias de como cada um perdeu seu dente também eram únicas. Cada um seguia o rito familiar, logo quando o dente começava a ficar mole, tinha gente que amarrava uma cordinha e puxava, outros mexiam tanto que o dente de leite exausto, caía sozinho quando estavam dormindo. Tem algumas histórias aterrorizantes, mas que eu não acreditava, como a de amarrar uma linha no dente e a outra ponta no para-choque do fusca: acho que era brincadeira pra assustar.

 Enfim, quando eu perdi meu primeiro dente de leite, minha mãe quis que eu o guardasse para fazer um pingente, mas o segundo eu tive que jogar no telhado, para assim nascer o dente permanente rapidamente. Assim me instruíram, e assim eu fiz. Passado alguns dias da queda do segundo dente superior frontal, veio à nossa casa uma fotógrafa, para fazer fotos com a modelo banguela mais linda. Meu pai queria uma recordação dessa etapa da minha vida. Muito bem, fiz todas as poses que a fotógrafa pediu e fui liberada para brincar, enquanto meu pai tratava assuntos financeiros com a profissional.

No dia da entrega do material fotográfico, eu estava na escola e na aula, a professora falou sobre a Fada do Dente e eu, que não havia guardado meu dente no travesseiro, fiquei preocupada, pois a lenda dizia que quem guardasse o dente no travesseiro, à noite ela vinha pegar e a gente ganhava um presente; entretanto eu havia jogado meu dente de leite no telhado, e dessa forma, então eu não ganharia presente algum. Voltei pra casa pensativa e preocupada com essa história, com meu dente de leite e o presente que eu não ganharia.

Quando entrei em casa, meu pai falava em tom severo com a fotógrafa. Aproximei-me para entender o motivo e fiquei sabendo que ela havia desenhado dentes permanentes em todas as fotos que ela tirou. Na verdade, meu pai queria uma recordação da etapa banguela da sua filha. Logo, eu percebi que a fada do dente me deu o presente, mesmo sem ter guardado o dente no travesseiro, ela pegou o meu dente de leite no telhado. Adorei o presente!