A face oculta e formal do ter
Por George Laurindo de Andrade | 05/11/2011 | FilosofiaAlgumas cenas do cotidiano inflamam nossa curiosidade, e ao mesmo tempo, nos advertem como observadores e protagonistas da sociedade, da fragilidade e superficialidade das relações humanas, num mundo cada dia mais centrado "na busca do ter e na anulação do ser".
Outro dia, ao assistir um noticiário na televisão, uma reportagem abordava as reações dos consumidores e donos de lojas num Shopping-Center do Rio de Janeiro, quando da visita inesperada de um grupo de moradores de uma favela às dependências do referido centro comercial. A reação inicial de grande parte dos lojistas foi de pânico, ao que incontinente, foi ordenado o fechamento de muitas lojas, por parte de alguns proprietários, crentes e temerosos de que estavam se deparando com um "arrastão" perpetrado por arruaceiros e marginais.
Não tão sutil, também foi a reação de muitos consumidores, membros da classes média e alta, freqüentadores do recinto, alguns demonstrando receio e temor afastavam-se, como que incomodados, ante a proximidade e chegada dos "não tão adequadamente trajados habitantes da periferia".
A solução encontrada pela administração do recinto e de alguns lojistas para adequar a cena, e torna-la, no mínimo mais "palatável" aos olhares da mídia e dos favelados, os quais, até se prove o contrário, são seres humanos da espécie homo sapiens, e não animais irracionais, pareceu no mínimo patética e histórica. Como que "embuídos do espírito fraterno", os lojistas determinaram, que o grupo indesejável deveria dirigir-se à praça de alimentação, onde lhes seria servida a "suculenta refeição", traduzida por pão e mortadela, regrada com refrigerante, uma solução deveras "criativa"; um gesto "grandioso, altivo, digno dos mais calorosos aplausos"! O gesto nos fez lembrar a Velha Roma dos Césares e dos tempos imperiais. Nos fez lembrar também, a grande distância existente entre as pessoas, produto da desigual distribuição de renda, traduzida na bestial ação daqueles que só vislumbram o hedonismo consumista, ao mesmo tempo olvidando a dimensão maior do ser humano.
Com certeza nossa sociedade reproduz diariamente, e com maior intensidade hoje, cenas estúpidas como as acima descritas. Mas tenhamos cuidado, não sejamos tão pérfidos e ingênuos ao ponto de recriar no nosso imaginário, a idéia aberrante, de que todo pobre é preto, ou todo preto é ladrão. Ao atravessar a rua, ao ligar a TV, ao votar nas eleições, enfim, talvez devêssemos atentar ao fato de que nem sempre os mais pobres e marginalizados são os mais perigosos. Muitos Políticos, Juizes, Advogados, Executivos, Empresários e tantas outras personalidades "travestidas" de uma indumentária exterior e interior, tida como "perfeita" para os padrões sociais, éticos, e por que não dizer estilísticos, não passam de verdadeiros, larápios, corruptos e gatunos. Assemelham-se aos "abutres a espera da carniça", tramando e perpetrando os crimes mais sórdidos e mesquinhos, as vezes inimagináveis.
Cuidemos pois para não exaltar determinadas pessoas tidas como impolutas em nosso meio, "cidadãos acima de quaisquer suspeitas; honoráveis membros da sociedade capitalista", quando mais próximas deveriam estar do que disse Jesus Cristo, em relação a alguns grupos sociais judaicos em evidência outrora: "São lobos com pele de cordeiro"..."São sepulcros caiados".
As aparências realmente são enganosas no mundo do capital. Um ditado antigo traduz melhor a reflexão descrita acima: "não é o hábito que faz o monge". Lamentavelmente, nem de longe, as idéias que norteiam o Sistema Capitalista, pautadas no individualismo, na sede consumista de lucro e poder, acabam produzindo e reproduzindo miséria, guerra e destruição. Afastam-nos dos conceitos de justiça social, ética, ou mesmo de estética e beleza. Certa feita com muita propriedade um gênio do cinema e do humor, com maestria advertiu a sociedade de seu tempo: "não se mede o valor de um homem pelas roupas que ele veste, nem pelos bens que possui. Mas sim, pela sua personalidade, caráter e nobreza de seus ideais"(Charles Ewald Chaplin).
George Laurindo de Andrade
Professor Universitário e Advogado