A EXECUÇÃO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA: DEVO, NÃO NEGO, PAGO QUANDO “PUDER”!

Por Ronald de Assis Soares | 01/04/2016 | Direito

A EXECUÇÃO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA: DEVO, NÃO NEGO, PAGO QUANDO “PUDER”!*

 

 

          Marcus Vinicius Santos de Araújo**

Ronald de Assis soares***

 

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A execução em face da Fazenda Pública: o regime dos precatórios; 2.1 A impropriedade executória com base na impenhorabilidade dos bens públicos; 3 A problemática gerada pela “desorganização” estatal; 4 As medidas coercitivas e as possíveis soluções para efetivar o cumprimento da execução; 5 Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

 

O presente trabalho visa destacar as peculiaridades da execução em face da Fazenda Pública, explicitando suas características diferenciadas, que dão a ela uma denominação de execução imprópria. De início terá destaque o estudo sobre regime especial dos precatórios, pois observada a particularidade dos bens públicos, cujo são impenhoráveis e consequentemente inalienáveis, traz para a obrigação um procedimento mais especifico e detalhado em relação à execução civil tradicional. Assim sendo, trabalhar-se-á um viés administrativo que permeia o instituto, comprovando a ligação da crise do judiciário concomitante a má administração pública vigente no país. Então diante todo o descaso do regime de precatórios, que deixam os credores a mercê de uma esperança de pagamento, atenta-se para as sanções positivadas no intuito de combater tal problemática da mora processual e buscar a garantia da obrigação, sendo essas mais um ponto de frustração para a parte credora, fazendo emergir da doutrina possíveis alternativas para satisfação da obrigação protelada.    

Palavra-chave: Execução. Fazenda Pública. Precatórios. Descumprimento da obrigação. Sanções. Alternativas de satisfação.

1 INTRODUÇÃO

A execução civil tem por escopo fazer cumprir aquela obrigação inequívoca quando a parte devedora não age espontaneamente, deste modo a outra parte busca o Estado para através dos meios que dispõe exigir o saneamento da obrigação. Esse instituto é marcado por princípios como o da máxima efetividade, acentuando o caráter garantidor à parte credora que possui por meio de um título executivo a certeza de um direito.

Acontece que nos casos que a Fazenda Pública figurar no polo passivo da execução por quantia certa, as regras são completamente diversas da execução civil normalmente conhecida. Isto devido que uma das principais características do instituto, a expropriação dos bens (penhora), não poderá ser efetivada em tais casos. O Código de Processo Civil nos artigos 730 e 731 dissertam sobre o regime especial aplicado nessa espécie de execução, conectando-se implicitamente ao artigo 100 da Constituição Federal, que trabalha minunciosamente o regime dos precatórios.

Contudo, o mais intrigante diante esse trâmite processual especial que acaba por abarcar o Poder Judiciário e o Poder Executivo, não está nas peculiaridades desse sistema diferenciado, mas sim em sua aplicação e consequências. É sabido que atualmente o regime dos precatórios marca de forma notória uma crise (dentre várias), afetando não somente o campo jurídico, muito pelo contrário, muitos autores confirmam que essa crise vivenciada serve para descarar ainda mais a péssima administração pública sofrida pelo país.

   De qualquer sorte, com a obrigação de se descartar um viés mais romântico de que o Brasil passará por uma reformulação política-organizacional (pelo menos a curto prazo), o trabalho em exposição irá explanar as sanções direcionadas ao descumprimento dos precatórios, dando enfoque na problemática da morosidade processual, e por fim apresentar possíveis soluções (até mesmo, extra sistema) para tentar de alguma forma efetivar o cumprimento da execução.  

2 A EXECUÇÃO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA: O REGIME DOS PRECATÓRIOS

A Fazenda Pública, em processo civil, nada mais é que a administração pública em juízo, isto é, quando no polo passivo figurar apenas pessoas jurídicas de direito público (a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios e os seus respectivos entes derivados). E em se tratando do processo de execução quando esta é o devedor, acaba por se diferenciar da execução civil de particulares. Esse procedimento executório contra a fazenda pública é caracterizado basicamente por um preceito: o de que os bens públicos são inalienáveis e por consequência lógica, impenhoráveis (DIDIER JR; et al, 2013).

Tendo em vista que não há apreensão forçada de bens nesse procedimento, a única forma de se efetivar esse pagamento é por meio dos chamados precatórios, ou seja, são requisições de pagamento feitas pelo juiz da execução à fazenda pública, para que esta cumpra com a dívida judicial reconhecida no processo. Acontece que esses precatórios seguem uma ordem de chegada, desde que observados os critérios presentes no art. 100 da Constituição Federal.

Deste modo, “os precatórios apresentados até o dia 1º de julho de um ano serão incluídos no orçamento do ano seguinte, enquanto os precatórios apresentados após aquela data serão inseridos apenas no orçamento do exercício seguinte àquele” (CÂMARA, 2013, p. 355).

A partir desse ponto a atividade executiva assume natureza administrativa, pois a requisição do pagamento da obrigação será incluída no orçamento apresentado na Lei Orçamentária Anual quando recebida pela autoridade competente do Poder Executivo. De tal modo justifica-se a data de apresentação dos precatórios pelo disposto no artigo 35, §2°, III da ADCT, permitindo que após inserido até 1° de julho, os créditos orçamentários previamente abarcados na LOA estarão disponíveis ao longo do exercício financeiro seguinte para o ente devedor, que deverá disponibilizar os recursos (pecúnia) para o Poder Judiciário promover os pagamentos devidos (FURTADO, 2012).

Cumpre destacar que a observância da ordem cronológica de apresentação dos precatórios é de suma importância para guiar o pagamento das obrigações, atentando para o próprio regimento constitucional e as possíveis sanções por violação do dispositivo. Contudo, faz-se duas relevantes ressalvas, onde essa ordem pode ser temporariamente desobedecida. De primeira sorte, há de se comentar sobre aqueles casos definidos em lei como obrigação de pequeno valor (artigo 100, §3°, CF), na verdade, estas obrigações não seguem o regime de precatórios precipuamente devido ao baixo valor arbitrado que pode ser pago de forma mais célere. Para tanto observa-se o artigo 87 da ADCT, dispondo os valores de 40 salários mínimos para os Estados e 30 salários mínimos para os Municípios, e o artigo 3° da Lei 10.259/01, apontando o teto de 60 salários mínimos para a União.No tocante da segunda exceção, emerge nos § 1° e 2° do artigo 100 da CF, as preferências no pagamento dos precatórios, no qual aquelas pessoas acima de 60 anos ou portadoras de doenças graves (previstas em lei) forem credoras de débito de natureza alimentícia terão prioridade máxima no pagamento, antecedidos dos demais casos de débitos alimentícios, e somente posterior o pagamento desses, seguir-se-á a ordem cronológica das outras obrigações (MOREIRA, 2012).

Em determinadas situações pode ocorrer o adimplemento incompleto do precatório, seja por correção monetária atualizada no momento do pagamento ou quaisquer outros motivos recorrentes. Há de se destacar a possibilidade da complementação dos valores, seguindo o entendimento dos próprios tribunais superiores, que será tratado como um incidente dentro do mesmo processo, atribuindo-se um novo prazo para a Fazenda Pública efetuar o complemento, assim, poderáo credor, por exemplo, demonstrar através dos cálculos a insuficiência do pagamento devido, podendo a outra parte (intimada e não citada) manifestar-se para pagar ou oferecer agravo de instrumento para impugnar quaisquer desacordos. É salutar relembrar que não haverá a expedição de novo precatório, o chamado precatório complementar, pois além de confrontar o procedimento exposto no artigo 100 da CF, também vai de encontro ao instituto da coisa julgada (BUENO, 2011).

 

2.1 A IMPROPRIEDADE EXECUTÓRIA COM BASE NA IMPENHORABILIDADE DOS BENS PÚBLICOS

 

                   Na execução civil, existe uma série de princípios que servem como diretrizes para o bom andamento desse processo, um deles é o princípio da patrimonialidade. Este tem como premissa a de que o patrimônio do executado suporta a obrigação contraída e o Estado sempre vai procurar resguardar o patrimônio do executado para garantir a satisfação da obrigação. Em outras palavras, prevista no artigo 591 do CPC, a responsabilidade patrimonial é uma premissa do processo executivo que impõe ao devedor responder com seus bens presentes e futuros pela obrigação que pactuou. Acontece que, existem alguns limites a essa responsabilidade patrimonial. São os chamados bens impenhoráveis, isto é, existem alguns bens protegidos por lei que não podem ser sujeitos à alienação ou penhorabilidade (ASSIS, 2012).

                   A execução por quantia certa feita contra o devedor solvente tem o objetivo satisfazer a obrigação contraída com o credor expropriando os bens do devedor. Porém quando o polo passivo da relação for a Fazenda Pública, essa execução muda de figura, isto é, quando o executado for o Estado, as regras de expropriação presentes no artigo 647 CPC não se aplicaram, tendo em vista que os bens públicos são impenhoráveis e inalienáveis. Então, a solução apontada pelo ordenamento jurídico é a utilização do sistema de precatórios, que como visto anteriormente se baseia em procedimento distinto, incluindo a seara administrativa do ente federativo, guiado pelo artigo 100 da CF (CUNHA, 2014).

                   Desde o limiar do processo executivo nota-se a modificação na estrutura procedimental, porquanto a Fazenda Pública após citada, não deve pagar nos três dias ou muito menos realizar penhora dos bens, devido à questão da impenhorabilidade dos mesmos e o regime especial a ser seguido. De tal forma, com a juntada do mandado aos autos a parte citada terá trinta dias para opor embargos, cumpre aquiressaltar a confusa disposição do artigo 730 do CPC em delinear dez dias para a prática deste ato, pois como apontado no próprio dispositivo, deve-se direcionar a Lei n° 9.494/97 e mais especificamente ao seu artigo 1°-B instituído por Medida Provisória que versa: “O prazo a que se refere o caput dos arts. 730 do Código de Processo Civil, e 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a ser de trinta dias” (MOREIRA, 2012).

                   Superada tal discussão, não sendo os embargos acolhidos ou até mesmo nem opostos pela parte, o juiz da execução irá requisitar o pagamento ao presidente do tribunal que encaminhará os precatórios para inclusão nos custos orçamentários do ano seguinte, ato de responsabilidade do Poder Executivo, para posterior momento já com a quantia disponibilizada ao judiciário (o tribunal em questão), o presidente determinar a efetuação do pagamento (CÃMARA, 2013).

Não há, enfim, expropriação na execução intentada contra a Fazenda Pública, devendo o pagamento submeter-se á sistemática do precatório [...]. Por essa razão, a doutrina defende não haver, propriamente, uma execução contra a Fazenda Pública, estando a sentença condenatória contra ela proferida despida de força executiva, justamente por não serem penhoráveis os bens públicos. (CUNHA, 2014, p. 308)

                  

Desta forma, a doutrina entende que a execução contra a fazenda pública não é propriamente uma execução pelo fato de não haver a possibilidade de expropriação dos bens do devedor, contudo há quem entenda que o instituto do arresto (EC 62/2009) seja uma exceção a impenhorabilidade absoluta dos bens públicos (ASSIS, 2012).

A questão do arresto, ou como mais comumente chamado na doutrina, o sequestro, vem como uma sanção para a violação do cumprimento da ordem cronológica a ser obedecida.Este preceito possuí amparo no artigo 731 do CPC e no §6° do artigo 100 da CF, que confirmam a possibilidade de nos casos onde o credor for preterido de seu direito de preferência, poderá ele através de requerimento denunciar a burla à ordem de precatórios, assim sendo, o presidente do tribunal responsável tomará o valor do crédito preterido em razão do credor indevidamente beneficiado, contudo se não for suficiente ainda para saldar o débito, atingirá as rendas públicas do ente transgressor (ARENHART;MARINONI, 2008).

Tal instituto ainda gera divergência quanto ao fato de poder afetar os recursos públicos sem prévio planejamento e por mero erro procedimental, alguns doutrinadores como Barbosa Moreira (2012), acreditam que o sequestro deve recair apenas diante a quantia direcionadaao credor indevidamente pago, evitando maior prejuízo a Administração Pública e consequentemente o descumprimento dos preceitos de impenhorabilidade e apreensão dos bens públicos. Almeja-se em próximos capítulos trabalhar outras sanções decorrentes da problemática enfrentada na seara dos precatórios, pois como notório em âmbito nacional o pagamento das execuções em face da Fazenda Pública é tema de recorrente crise no plano executivo e judiciário.

 

3 A PROBLEMÁTICA GERADA PELA “DESORGANIZAÇÃO” ESTATAL

O controle da sistemática dos precatórios fica a cargo do Poder Executivo a partir do momento em que o presidente do tribunal recebe a requisição do pagamento da execução finda por meio da sentença. Bem como visto em capítulos anteriores, deve-se seguir um rito, muito bem detalhado e posto na legislação, para que atendido todos os requisitos consiga o exequente consolidar sua satisfação da obrigação e receber o devido valor (FURTADO, 2012). Contudo, como de praxe na organização administrativa pátria, a situação fática não condiz com o louvável planejamento em disposição, haja vista que a regra vem sendo o descumprimento dos prazos de pagamento desses precatórios, e a exceção o digno implemento fiscal.

A Constituição Federal vigente traz em seu texto a possibilidade de intervenção federal ou estadual em casos de descumprimento de precatórios, além de medidas aparentemente coercitivas para tais casos. Para não adiantar discussão já debatida em tópicos posteriores, cabe aqui ressaltar a repercussão da EC 62/2009 alvo de grande repúdio pela maioria da doutrina, que a classificou como a EC do Calote. A exemplo dos entendimentos trazidos no art. 97 da ADCT, no qual coloca diante a existência prévia de mora no pagamento devido, um condicionamento ainda mais desvantajoso ao credor, como o parcelamento do débito em 15 anos, as alterações  oriundas dessa emenda foram consideradas pelos estudiosos como um atestado de incompetência governamental, bem como um descaso do Poder Judiciário (NEVES, 2011).

Diante de todo o alvoroço criado em circunstância dessa EC 62/2009, se opuseram mediante ADIN variados grupos com o intuito de declarar sua inconstitucionalidade. Dando destaque as ADINs 4.357 e 4. 425 que foram julgadas no âmbito do STF, e obtiveram como resultado, por maioria, a declaração de inconstitucionalidade parcial. Então também aproveitou-se para avaliar e declarar inconstitucionalidade de partes do art.100 da CF, baseando as fundamentações em princípios e diretrizes manifestamente afetados, tais como: da moralidade, razoável duração do processo, independência entre os Poderes, dentre outros. Assim a “vitória” alcançada com a repressão à EC62/2009, traz o país de novo a estaca zero, com ideias sendo alvitradas a mero desespero (BRASIL, 2013).

De toda sorte, a responsabilidade fica dividida entre os poderes bem como a iniciativa de reparar os prejuízos gerados ao credor. O autor Araken de Assis compara impotência dos administradores em cumprir tal mandamento, assim como as demais demandas, de serviços públicos por exemplo, descarando a má vontade dos entes federativos, e por fim crítica ainda: “Mas, nunca se criou o necessário consenso político para pôr cobro às normas discriminatórias e às interpretações indulgentes que, ao invés de protegerem o cidadão, estimulam o inadimplemento e criam odiosa imunidade da Administração” (2012, p.1092).

A desorganização financeira, que está bem evidente nesses chamados “calotes” dos Estados, não traz muitas perspectivas aos credores, pois como se vê, o crédito devido está sendo repassado de gerações por gerações. Cumpre assentar perante todo entrevero jurídico-administrativo debatido, que a própria organização nacional põe-se contrária aos pilares fundamentais engendrados na Constituição pátria, como bem disserta Leonardo da Cunha (2014, p.394):

Enfim, foi instituído o regime especial de precatórios com a finalidade de viabilizar o pagamento de créditos inscritos há anos e não adimplidos pelo Distrito Federal, nem por vários Estados e Municípios. O regime é inconstitucional, por ferir vários direitos fundamentais, tais como a efetividade da jurisdição, a intangibilidade da coisa julgada, a impessoalidade, a isonomia e a moralidade administrativa, abalando os alicerces do próprio Estado Democrático de Direito.

Diante toda essa confusão procedimental, direciona-se a questão para as sanções estabelecidas ao não pagamento dos precatórios no prazo devido, a fim de buscar uma ressalva para o credor desiludido. Assim surgem alternativas criadas para tentar concretizar o cumprimento da obrigação, haja vista que as sanções postas se mostram ineficazes para se atingir tal objetivo.

 

4 AS MEDIDAS COERCITIVAS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA EFETIVAR O CUMPRIMENTO  DA EXECUÇÃO           

 

Como posto, o consagrado regime especial de execução em face da Fazenda Pública, tem demonstrado sua ineficiência procedimental ao ponto de frustrar por nítidos números a satisfação da obrigação. Em um impasse, no qual procura-se os verdadeiros culpados para tamanho desprezo às normas reguladoras do sistema de precatórios, faz o credor direcionar o problema a má administração nacional e seus governantes que por ora sempre buscam justificativas, tais como a insuficiência de verba pública, para acobertar a deplorável situação estrutural do país (ASSIS, 2012).

Nos casos de descumprimento de precatórios (por não pagamento ou falta de inclusão), o texto constitucional indica a intervenção federal ou estadual quando o ente federativo não paga a obrigação por dois exercícios consecutivos (artigos 34 a 36), todavia essa medida coercitiva que deveria assegurar o cumprimento da execução possui vários “poréns”. E por isso muitos doutrinadores discutem a eficácia dessa medida, pois não poderá ser aplicada quando não comprovado o dolo da omissão ou se por insuficiência de recursos nos cofres públicos, assim sendo, tais justificativas são por sua maioria consideradas e fazem dar continuidade a frustrante espera do credor (ARENHART; MARINONI, 2008).

Dentre as formas coercitivas aplicadas nos casos de descuido estatal, destaca-se a atividade desenvolvida pelo presidente do Tribunal em repassar a execução finda para o ente devedor (Estado) incluir o pagamento devido no orçamento do ano seguinte, isso claro, respeitada a data de apresentação, de tal modo esse pode incorrer em crime de responsabilidade por ato comissivo ou omissivo de tentar frustrar a liquidação de precatórios (art. 100, § 7°, da CF).

Ademais, essa também seria mais uma medida irrelevante para alcançar o resguardo do direito da parte credora, servindo de punição particular ao ato irresponsável da autoridade, e não como garantia do pagamento da dívida. “É importante destacar, de qualquer sorte, que nem a intervenção nem a responsabilização do governante ou, mais amplamente, da autoridade competente para determinar o pagamento têm o condão de garantir o pagamento do credor insatisfeito” (BUENO, 2011, p. 453).

 Abstraída essa conclusão, emergem algumas saídas para o credor buscar a satisfação de seu crédito. Uma possibilidade discutida até no âmbito dos tribunais superiores é a incidência de juros moratórios no pagamento dos precatórios, é sabido que a atualização monetária do valor da divida é algo inerente ao momento do adimplemento, até por disposição legal estabelecida no artigo 100 da CF por influência da EC n° 30/2000, vale lembrar aqui, que a referida modificação desse entendimento foi causa de proibição dos precatórios complementares (CUNHA, 2014).

Isto posto, iniciou-se um debate se o caráter da atualização monetária incluiria, de forma implícita, os juros moratórios acerca do valor final a ser pago. Contudo os mais legalistas bem como a maior parte da doutrina entenderam que não poderia se assumir a existência de mora, quanto mais atribuir juros referente a esse fato, pois contrariaria texto constitucional (§ 5° do artigo 100), consolidando o pensamento no enunciado 17 da súmula vinculante do STF. Por fim afirmam que a única hipótese de cobrança de juros moratórios na execução em face da Fazenda Pública seriam nos já descartados precatórios complementares, vale ressaltar que essa discussão alcança também o tema dos honorários de sucumbência (DIDIER JR; et al, 2013).

Outras possíveis saídas já foram descartadas, como o caso do parcelamento das dívidas de pequeno valor, com isso resta firmar outras alternativas que possam fazer efetivo o cumprimento da obrigação por parte da Fazenda Pública no prazo estipulado (ASSIS, 2012).

Tanta espera fez surgir um enorme e concorrido ramo de atuação, que, aproveitando-se da omissão e descaso estatal, surge para tirar seu lucro da tragédia nacional que e o não pagamento dos precatórios: o ramo de compras de precatórios, agora oficializado pela Emenda Constitucional 62/2009, nos termos do art. 100, §§ 13 e 14, da CF. (NEVES, 2011, p.1082)

 

     Então essa tem sido uma opção daqueles credores já desanimados e insatisfeitos, de obter menos, contudo, em um prazo mais curto aquilo que lhe é devido. O desestimulo do autor supracitado é tão notório, quanto o descontentamento da parte credora, conectando o descaso jurídico-econômico com o deplorável sistema administrativo brasileiro.

Ao fazer uma síntese, as palavras de Daniel Amorim (2011, p. 1082) se encaixam perfeitamente na realidade vivenciada, “Resumindo a atual situação: o Poder Executivo não paga, o Judiciário não se importa e o Poder Legislativo cria novas normas jurídicas para piorar ainda mais o cenário”. Acontece que grande número desses precatórios não está sendo cumprido, e como agravante, as sanções impostas por tais omissões se mostram ineficazes ao ponto de não afetarem diretamente a Administração Pública e desacreditarem acentuadamente os credores.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os parâmetros norteadores da execução por quantia certa em face da Fazenda Pública justificam-se pela impenhorabilidade (inalienabilidade) dos bens públicos, não podendo estes sofrer afetação dos meios coercitivos da execução civil propriamente dita. Diante disso surge o regime dos precatórios, como forma procedimental especial para realizar o cumprimento da obrigação nesses casos.

Tal sistema protegido constitucionalmente passou por variadas reformas nas ultimas décadas, enfatizando as ECs 30/2000, 32/2001 e 62/2009, que geraram grandes reversos no trâmite processual, enfatizando ainda as constantes e rígidas críticas oriundas da maior parte da doutrina.

A crise jurídico-administrativa claramente evidenciada serviu para ratificar os problemas enraizados na organização nacional, que até mesmo em seus pontos de repressão aos erros cometidos pela própria má administração, não transmitem eficácia alguma ou, se quer uma segurança ao cidadão credor. Os mecanismos de intervenção ou as punições penais/administrativas a figura da autoridade competente nada influi no cumprimento da obrigação, sendo que esta já se encontra em gritante estado de mora. Apenas o sequestro parece atender a priori de forma parcial as angústias da parte credora no caso de preterição da preferência, porém não se esquecendo das dúvidas e discussões que o cercam.

Como última alternativa a doutrina ocupou-se de tentar criar saídas para que o credor conseguisse de alguma forma ter o efetivo cumprimento da obrigação devida, algumas delas já bem desacreditadas, como o parcelamento do pagamento, outras geram debates inacabáveis, a exemplo da aplicação de juros moratórios, e determinadas parecem atender em parte o desejo da parte, as chamadas cessões de precatórios, no qual a lógica foca em receber menos, porém receber. Definitivamente o âmbito organizacional do país está um caos, e não depende apenas de medidas jurídicas para solucionar o problema, talvez uma reformulação estrutural e humana seria o começo para se colocar em prática aquilo que sempre esteve disposto de forma honrosa nos papéis positivados norteadores da nação.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARENHART, MARINONI, Sérgio Cruz, Luiz Guilherme.Curso de Processo Civil. v. 3.  2°. ed. rev. e atual. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2008.

ASSIS, Araken de. Manual da execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4425/DF. Relator: Min. Ayres Britto / Luiz Fux. Brasília, 14 de março de 2013. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28inconstitucionalidade+da+EC+62%2F2009%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kpotdfs>. Acesso em: 23 out. 2014.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. vol. 3. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v. 2. São Paulo: Atlas, 2013.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 11 ª ed., ver. e atual. São Paulo: Dialética, 2013.

DIDIER JR., Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. vol. 5. ed. 5°. Salvador: JusPodivm, 2013.

FURTADO, J.R. Caldas. Direito Financeiro. 3. ed. rev. atual e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 29°. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

NEVES, Daniel Amorim Assumpcao. Manual de direito processual civil. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2011.

VadeMecum Saraiva / obra coletiva de autoria da editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. 17. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.