A EXCUSSÃO EXTRAJUDICIAL DECORRENTE DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: DUAS IMPORTANTES QUESTÕES

Por Marcos Pitanga Caeté Ferreira | 13/07/2018 | Direito

A EXCUSSÃO EXTRAJUDICIAL DECORRENTE DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: DUAS IMPORTANTES QUESTÕES

 

Marcos Pitanga Ferreira[1]

Thaís Ghelfi Dall’ Acqua[2]

 

  1. Introdução

 

A alienação fiduciária em garantia constitui espécie de negócio jurídico fiduciário, por meio do qual uma das partes (o fiduciante) transfere a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel à outra (o fiduciário), em garantia do pagamento de determinado débito. É transferido ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta do bem, sendo mantida a posse direta com o devedor.

 

Acaso adimplida a obrigação, o credor perde a propriedade resolúvel, que retorna ao fiduciante. Diz-se propriedade resolúvel, pois ela se extingue com o pagamento do débito pelo fiduciante/alienante. Em outras palavras, o pagamento é a condição resolutiva da propriedade do credor fiduciário.

 

Por outro lado, em caso de inadimplemento, a propriedade é consolidada em nome do credor, que, por força da vedação do pacto comissório, deve realizar a venda do bem para que o seu crédito possa ser pago com o produto da venda.

 

Não é dado ao credor, com efeito, ficar com o bem dado em garantia. A função da garantia fiduciária é, como o nome diz, garantir[3] uma obrigação. A proibição do pacto comissório é norma de ordem pública[4], que não pode ser afastada sequer pela disposição de vontade das partes.

 

Afinal, tal como o penhor, a anticrese ou mesmo a hipoteca, a alienação fiduciária é garantia real, conforme leciona José Carlos Moreira Alves:

 

“os direitos reais – seja o mais amplo deles, a propriedade; seja qualquer dos direitos reais limitados de gozo, como, por exemplo, o usufruto – podem servir, desde a criação no direito moderno dos negócios fiduciários do tipo romano ou do tipo germânico, de garantia a um crédito, enquadrando-se na categoria que Pontes de Miranda, inspirando-se em autores alemães, denominou direitos reais em garantia, para distingui-la da dos tradicionais direitos reais de garantia, que são o penhor, a anticrese e a hipoteca, isto é, direitos reais limitados ou direitos reais sobre coisa alheia”[5]

 

            O instituto, no Brasil, foi introduzido pela Lei nº 4.728/65. Quatro anos depois, foi editado o Decreto nº 911/69, que alterou a redação do art. 66 e previu mecanismos processuais para a célere obtenção do bem garantido. As leis em apreço tratavam da alienação fiduciária de bens móveis.Apenas em 1997, com a Lei nº 9.514, foi que o país passou a contar com a regulação da alienação fiduciária de bemimóvel.

 

            O Código Civil de 2002 também trata da propriedade fiduciária em capítulo próprio, traçando os contornos do instituto nos arts. 1.361 a 1.368. O regramento civil é bastante claro ao informar que “vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor” (art. 1.364).

 

Estando o credor obrigado a alienar a garantia, algumas perguntas passam a surgir. No silêncio do contrato, estaria o fiduciário livre para alienar o bem da forma que melhor entendesse? Tal alienação poderia ser comparada a uma simples compra e venda negocial, onde prevalece a autonomia da vontade? Existe vedação para que pessoas ligadas ao devedor possam adquirir o bem alienado?

 

  1. Leilão extrajudicial x compra e venda privada

 

Com todo o respeito às opiniões contrárias, não há como se confundir a alienação de um bem onerado fiduciariamente com uma compra e venda privada, em queprevalece a autonomia da vontade.

 

Afinal, na segunda hipótese, o titular do bem negociado tem total liberdade de decidir o seu destino. Cabe a ele escolher, por exemplo, se vende ou não o ativo em questão.Da mesma forma, podedecidir, livremente, para quem irá transferir a propriedade do bem. Fica, ainda, a seu inteiro talante a definição do preço, assim como a concordância quanto a eventuais descontos ofertados por terceiros interessados.Na compra e venda privada, o proprietário do bem pode (quase) tudo.

 

Ao revés, no processo de venda tirado de procedimento de excussão extrajudicial, as liberdades do vendedor são mitigadas. O credor não pode, por exemplo, permanecer com o bem onerado em seu patrimônio[6]. Também não tem ele o direito de escolher os potenciais compradores do ativo à venda. Além disso, não pode vender o bem a qualquer preço, pois, afinal,amaximização do valor do ativo é de fundamental importância.

 

Essas restrições são simples de serem explicadas.

 

Em primeiro lugar, vale lembrar que a lei veda a prática do pacto comissório. Trata-se de regra clara extraída do art. 1.364 do Código Civil[7]. A adjudicação do bem garantido, com efeito, só é cabívelem procedimentos judiciais, quando existe a figura do Poder Judiciário fiscalizando todo o processo de alienação.

 

Como a excussão representa o meio de recebimento do crédito inadimplido, é preciso que o processo de venda seja aproveitado ao máximo, para o fim de saldar, o tanto quanto possível, o débito em aberto. É por isso que o processo de venda deve representar, ao mesmo tempo, a satisfação dos interesses do credor com a menor onerosidade ao devedor. Ao restringir a eventual participação de interessados – e, desta forma, estreitando a competição para a aquisição do bem –, o credor fiduciário está atentando contra esses interesses primordiais do processo de venda.

 

A venda a terceiros do bem objeto da alienação fiduciária em garantia implica verdadeira excussão.

 

O credor fiduciário também deve atentar para as diretrizes do contrato ao qual está vinculado. Via de regra, o instrumento de alienação fiduciária regula prazos, a forma do processo de venda, a modalidade de avaliação do bem e, inclusive, as faixas de preços. Raros são os contratos do gênero que deixam ao critério do credor a decisão quanto a esses aspectos do processo de excussão.

 

Fica claro, portanto, que, na excussão extrajudicial proveniente de alienação fiduciária, todo o processo de alienação deve sujeitar-se a limites pré-determinados, de modo a assegurara necessária transparência e publicidade, para o fim de alcançar a valorização do ativo a ser vendido, atendendo, assim, aos interesses tanto do credor quanto do devedor.

Artigo completo: