A Evolução Psicomotora das Crianças no Âmbito da Educação Infantil: Um Olhar à Luz das Contribuições Europeias

Por Jéssica Georgia Rosa Barros | 10/10/2023 | Educação

Resumo: 

Neste artigo, será tratado questões envolvendo a evolução psicomotora das crianças no contexto da Educação Infantil, destacando a importância do desenvolvimento psicomotor para o crescimento integral do menor. Para embasar essa discussão, serão apresentadas as contribuições de renomados autores europeus que abordaram o tema. Durante o desenvolvimento, discutir-se-á a relação entre a psicomotricidade e o processo de aprendizagem na infância, considerando aspectos cognitivos, emocionais e físicos. Além disso, explorar-se-á a influência do ambiente escolar e da interação social nesse processo. Por fim, na conclusão, reitera-se a relevância da atenção à evolução psicomotora nas práticas educacionais, enfatizando a necessidade de abordagens integradas que promovam o desenvolvimento pleno da criança.

 

Introdução

  1. Fundamento biopsicossocial do pensamento

A sociedade é, para o homem, uma necessidade orgânica que move os indivíduos através de uma ordem pré-estabelecida, a qual, por sua vez, encapsula uma compreensão profunda das relações humanas e da forma como os indivíduos interagem e se desenvolvem dentro de um contexto social. Essa perspectiva ressalta que os seres humanos são intrinsecamente sociais, dependendo da interação e da cooperação mútua para sua sobrevivência, desenvolvimento e bem-estar. 

A compreensão de que a sociedade é uma necessidade orgânica para o homem remonta às raízes da evolução humana. Ao longo dos milênios, os seres humanos viviam em pequenos grupos de caçadores e passaram a formar sociedades complexas interconectadas. Essa mudança, não foi apenas resultado de circunstâncias externas, mas também refletiu uma característica intrínseca da natureza humana: a busca por relacionamentos e conexões significativas. 

Desde cedo, os seres humanos buscam interações sociais, desde o núcleo familiar até as relações profissionais diárias. O desenvolvimento infantil, neste contexto, é fortemente influenciado pela presença de cuidadores e pela interação com outros membros da comunidade. O estágio inicial da vida é um período em que a criança busca confiança em seu ambiente social, o que ressalta a importância fundamental do meio social no que concerne ao desenvolvimento pleno da criança e suas habilidades. 

 

  1. Contribuições europeias e seu reflexo na contemporaneidade

2.1. Jean Piaget e a Teoria Construtivista

Jean Piaget, renomado psicólogo suíço, trouxe à tona a relação entre a inteligência e o movimento. Sua teoria do desenvolvimento cognitivo destaca as fases pelas quais as crianças passam, ou seja, como pensam, aprendem e entendem o mundo ao seu redor. Durante esse período, a criança explora o mundo por meio dos sentidos e da ação física, construindo conceitos básicos de causa e efeito. 

Sua teoria, conhecida como Teoria Construtivista de Piaget, revolucionou a compreensão da psicologia do desenvolvimento infantil. Dessa maneira, cada estágio é caracterizado por formas específicas de pensar, entender e interagir com o ambiente. Os estágios são os seguintes:

  • Estágio Sensório-Motor (0-2 anos): Neste estágio, as crianças exploram o mundo principalmente através dos sentidos e ações motoras. A compreensão do objeto permanente e o desenvolvimento da coordenação sensorial e motora são marcos importantes;

  • Estágio Pré-Operacional (2-7 anos): Aqui, as crianças começam a usar símbolos para representar objetos e eventos. No entanto, seu pensamento é egocêntrico e limitado à sua própria perspectiva. Eles também podem ser enganados pela aparência superficial das coisas;

  • Estágio Operacional Concreto (7-11 anos): As crianças começam a desenvolver a capacidade de pensar de forma lógica sobre objetos concretos e eventos. Elas podem entender relações causais e resolver problemas simples, mas ainda têm dificuldade com conceitos abstratos;

  • Estágio Operacional Formal (11 anos em diante): Neste ponto, os adolescentes e adultos desenvolvem a capacidade de pensar de maneira lógica sobre conceitos abstratos e hipotéticos. Eles podem considerar múltiplas variáveis e realizar raciocínio dedutivo.

Sendo assim, Jean Piaget destacou a importância da adaptação cognitiva, que envolve a assimilação (incorporar novas informações em esquemas existentes) e a acomodação (ajustar ou criar novos esquemas para acomodar novas informações). Os esquemas são estruturas mentais que as crianças usam para organizar e interpretar informações.

  • Equilíbrio: Piaget argumentou que o desenvolvimento ocorre por meio de um processo de equilibração, no qual as crianças buscam um equilíbrio entre suas estruturas mentais existentes (esquemas) e as novas informações que encontram. Os conflitos cognitivos levam a ajustes nos esquemas e, portanto, ao desenvolvimento;

  • Egocentrismo e Descentração: No estágio pré-operacional, as crianças têm dificuldade em entender a perspectiva dos outros (egocentrismo). Todavia, à medida que avançam para o estágio operacional concreto, começam a desenvolver a capacidade de descentração, ou seja, considerar múltiplas perspectivas;

  • Importância do Brincar: Piaget enfatizou a importância do brincar no desenvolvimento infantil. Ele viu o jogo como uma maneira pela qual as crianças exploram e experimentam suas habilidades cognitivas, sociais e emocionais.

Embora a teoria de Piaget tenha sido altamente influente e tenha fornecido insights valiosos sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças, também foi criticada por sua visão às vezes limitada das capacidades infantis e por não considerar suficientemente a influência cultural e social no desenvolvimento. No entanto, seu trabalho continua a ser uma base importante para a compreensão da psicologia do desenvolvimento humano.

 

2.2. Henri Wallon e sua concepção dialética do desenvolvimento infantil

Por outro lado, Henri Wallon, psicólogo e médico francês, trouxe a dimensão emocional para o desenvolvimento infantil. Sua abordagem enfatiza a importância das emoções na formação da personalidade. A interação social, neste aspecto, desempenharia, para ele, um papel central no desenvolvimento psicomotor, pois as crianças aprendem a lidar com suas emoções através do contato com os outros. 

Destaca-se, para tanto, os principais pontos de sua abordagem:

  1. Ênfase nas emoções: Wallon argumentava que as emoções não eram reações passivas, mas que desempenhavam um papel ativo na organização do comportamento da criança. Para ele, é crucial compreender as emoções como uma forma de entender seu processo de pensamento e adaptação;

  2. Fases do desenvolvimento: O psicológico identificou várias fases durante o processo de desenvolvimento, cada um caracterizado por mudanças emocionais, cognitivas e sociais distintas. Ele dividiu o desenvolvimento em quatro estágios principais:

  • Impulsivo-emocional (0-6 meses): Neste estágio, o bebê reage principalmente a estímulos internos e externos de maneira impulsiva e emocional;

  • Sensório-motor e projetivo (6 meses a 3 anos): A criança começa a explorar o ambiente, desenvolvendo habilidades motoras e perceptivas. As emoções são mais organizadas, e a criança começa a formar noções de si mesma e dos outros;

  • Personalismo (3 a 6 anos): As emoções e a inteligência estão cada vez mais ligadas, e a criança começa a formar uma personalidade mais distinta. A imaginação desempenha um papel importante no desenvolvimento cognitivo e emocional;

  • Categorial (6 a 11 anos): A criança desenvolve a capacidade de pensar logicamente e de categorizar informações de maneira mais complexa. As emoções são influenciadas por normas sociais e valores culturais;

  1. Papel das interações sociais: Henri enfatiza, ainda, que o desenvolvimento emocional e cognitivo ocorre principalmente por meio das relações sociais, nas quais, as crianças aprendem sobre si e sobre o mundo ao seu redor por meio de sua socialização com os demais: pais, cuidadores e etc. Essas interações influenciam a forma como as emoções são expressas, reguladas e compreendidas.

  2. Desenvolvimento holístico: Diferentemente das abordagens que focam em aspectos cognitivos ou emocionais isolados, o médico francês acreditava que o desenvolvimento infantil é holístico, ou seja, as emoções, a cognição e as demais interações sociais estão interconectadas e influenciam-se mutuamente.

  3. Educação e Pedagogia: A abordagem de Henri Wallon também teve implicações na educação, pois o mesmo defendia uma abordagem educacional que considerasse as necessidades emocionais e sociais de cada criança, integrando esses aspectos ao currículo e à forma como os professores interagem com os alunos.

Diante disso, é consciente afirmar que sua abordagem emocional-social trouxe uma perspectiva única para o desenvolvimento infantil, ainda que a abordagem de Piaget tenha tido uma influência ainda mais ampla, ambas continuam sendo relevantes para a compreensão da complexidade humana.

 

2.3. A pedagogia Waldorf e a abordagem Montessori

Ademais, autores como Rudolf Steiner, fundador da pedagogia Waldorf, e Maria Montessori, médica e educadora italiana, enfatizam a importância do movimento na aprendizagem e do ambiente preparado, onde o material educativo e o espaço físico são projetados para favorecer a independência e a descoberta. A abordagem Waldorf, por sua vez, valoriza a integração entre atividades práticas e cognitivas, reconhecendo que o desenvolvimento psicomotor fortalece a base para futuras habilidades acadêmicas.  Já, para a metodologia Montessori, busca-se proporcionar à criança total liberdade e independência para criar, explorar, experimentar e aprender de forma natural e no seu próprio ritmo em face de um ambiente planejado para atender as necessidades de cada criança e em diferentes estágios de desenvolvimento.

 

2.4. A Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky

Por fim, tem-se a teoria sociocultural de Lev Vygotsky, psicólogo russo, que ressalta a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), onde a interação com adultos e colegas desempenha um papel crucial no avanço das habilidades da criança. 

A zona de desenvolvimento proximal refere-se à diferença entre o nível de desenvolvimento atual de uma criança (o que ela pode fazer de forma independente) e seu nível de desenvolvimento potencial (o que ela pode fazer com a ajuda de um adulto ou de pares mais competentes). Vygotsky acreditava que a aprendizagem eficaz ocorre quando a criança está ativamente envolvida em atividades que estão dentro de sua zona de desenvolvimento proximal, desde que desafiadoras.

Na Educação Infantil, a abordagem da zona de desenvolvimento proximal tem várias implicações:

  1. Scaffolding (Andaime): Os educadores desempenham o papel de "andaimadores", fornecendo apoio e orientação para as crianças conforme elas se envolvem em tarefas que estão logo além de suas habilidades atuais. Esse suporte é gradualmente diminuído à medida que a criança ganha mais habilidades e competência na tarefa;

  2. Colaboração e Interação: Vygotsky enfatizou a importância da interação social na aprendizagem. Na educação infantil, isso pode ser alcançado através de atividades em grupo, discussões e colaborações entre as crianças, permitindo-lhes aprender uns com os outros e com os adultos;

  3. Atividades Significativas: As atividades na educação infantil devem ter significado para as crianças e estar relacionadas às suas experiências e interesses. Isso torna a aprendizagem mais envolvente e relevante para elas;

  4. Desafio Adequado: As atividades devem estar na zona de desenvolvimento proximal das crianças, proporcionando um desafio adequado, evitando que as crianças fiquem entediadas ou frustradas;

  5. Desenvolvimento de Habilidades Sociais e Cognitivas: Através da interação com adultos e colegas, as crianças podem desenvolver não apenas habilidades cognitivas, mas também habilidades sociais, como comunicação, colaboração e resolução de conflitos;

  6. Aprendizagem Lúdica: A abordagem da zona de desenvolvimento proximal se alinha bem com a aprendizagem lúdica, na qual as crianças exploram e experimentam conceitos de maneira divertida e interativa.

Portanto, no âmbito da Educação Infantil, deve-se promover atividades em grupo e projetos colaborativos não apenas contribui para o desenvolvimento psicomotor, mas também para a construção de relações interpessoais saudáveis.

 

Conclusão

        3.Considerações finais

Em suma, a evolução psicomotora das crianças é um elemento central na Educação Infantil, influenciando o desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Autores europeus, como Piaget, Wallon, Steiner, Montessori e Vygotsky, forneceram insights valiosos sobre a relação entre o movimento, a aprendizagem e a interação social na infância.

Nesse contexto, as instituições devem proporcionar espaços adequados para a exploração física e sensorial, para a interação social e estímulo cognitivo. À exemplo, os espaços de jogo e movimento não apenas promovem o desenvolvimento motor, mas também estimulam a criatividade e a resolução de problemas. Além do mais, nesta etapa, é essencial proporcionar oportunidades para construções positivas, contribuindo para o amadurecimento emocional e social da criança.

A Educação Infantil não deve negligenciar a importância da psicomotricidade, mas sim integrá-la às práticas pedagógicas de forma holística. O desenvolvimento motor não é separado dos aspectos cognitivos e emocionais; pelo contrário, eles se entrelaçam para formar a base do crescimento infantil. Portanto, educadores e instituições de ensino têm a responsabilidade de criar espaços onde o movimento seja valorizado, as interações sejam incentivadas e o desenvolvimento global da criança seja nutrido.

Em última análise, a evolução psicomotora na Educação Infantil não é apenas sobre habilidades motoras, mas sobre empoderar as crianças para se tornarem aprendizes autônomos, emocionalmente inteligentes e socialmente competentes, o que requer sensibilidade para as necessidades individuais de cada criança. No mais, é preciso levar em conta as diversas contribuições europeias no que condiz à orientações práticas educacionais eficazes, de forma a garantir que as crianças tenham uma base sólida para um futuro promissor.

 

  1. Jane Gomes de Castro : Graduação Ciências Biológicas e Pedagogia; Especialização: Ecoturismo e Educação Ambiental
  2. Adriana Peres de Barros: Graduação  Pedagogia; Especialização em Educação Infantil e Psicopedagogia.
Artigo completo: