A ÉTICA FRANCISCANA

Por Andressa S. Silva | 09/11/2010 | Filosofia

A EUROPA DO SÉCULO XIII

A cidade de Assis situa-se na Itália e no século XIII estava salpicada da presença do mundo feudal, dentro e fora de seus muros. Esses sinais eram as fortalezas feudais e evocavam a idéia de altura. Ao alto do monte Subásio encontrava-se o castelo mais forte, "Torre di Messere". Um outro, "L?arc", vigiava a estrada do leprosário de san Lázaro. O castelo "San Savino" guardava a estrada que levava à França.

A PRESENÇA FEUDAL NA IGREJA
Desde os tempos de são Gregório VII, as terras européias já eram consideradas "propriedade de São Pedro". Não a Europa toda e ao mesmo tempo, mas região após região. Por isso, o Papa vinha acumulando força e poderes, fato que gerou descontentamento da população face aos abusos cometidos pelos membros da Igreja.
Como únicas pessoas cultas do tempo, os eclesiásticos ocupavam altos cargos, como os de chanceler. Com isso adquiriam direitos feudais que implicavam em deveres feudais para com a coroa. Dentre os deveres, um muito importante era o ?servitiun? (militar). Como o senhor feudal era geralmente guerreiro, muitos bispos e abades também foram homens de armas.
Da mesma forma que houveram pontos positivos da Igreja no feudalismo, como a manutenção de preceitos éticos, também houveram, naturalmente, pontos negativos, como o cuidado quase exclusivo dos aspectos financeiros e interesses bélicos dos feudos.
O abade de Fleury Abbo (morto em 1004) deixou uma idéia dos problemas ligados aos feudos, em um escrito que dirigiu aos governantes franceses:
"Caríssimos príncipes, certamente não vivemos nem falamos como católicos quando dizemos que aquela igreja é minha e outra é sua. E como jumentos propomos ambas para serem vendidas e não temos peso em comprá-las de outros. Há também outro erro gravíssimo, que consiste em se dizer que o altar é do bispo, mas a igreja é de outro qualquer senhor."
(LO GRASSO, B. Eclésia et Status. Roma: Fontes Selecti, 1952, pág. 241)

A PRESENÇA FEUDAL NOS MOSTEIROS
Os mosteiros também eram filhos do seu tempo. Como seria natural, sofreram benefícios e inconveniências. Um mosteiro feudal, que fosse dotado por um nobre senhor ou pelo soberano da região, gozava da proteção tão necessária naquele tempo.
Graças às posses dos senhores, muitos mosteiros foram construídos e dotados segundo estas. Haviam mosteiros pobres ao lado de outros ricos e que possuíam latifúndios. Estes últimos sofreram mais as más conseqüências do sistema feudal, pois muitas vezes foram confiados como feudos a "abades-comendatários", ou feudais que não eram clérigos. Estes apenas dilapidavam os bens financeiros dos feudos e davam origem a muitos inconvenientes na disciplina monástica, o que prejudicava a moral e os aspectos éticos da época.

OS CONTESTADORES DA SOCIEDADE
Coincidindo com o auge do feudalismo e o surgimento da burguesia, surgiram em diversos pontos da Europa movimentos de cunho religioso-popular, denominados de contestatórios, nascidos alguns em solo europeu, e outros importados, provavelmente por meio das cruzadas.
Pregadores ambulantes, clérigos ou leigos levantavam-se propondo penitência, criticando em geral a sociedade, em maior instância a sociedade religiosa, a Igreja, o clero, os monges.
Dentre eles, o mais radical parece ser o de Arnoldo de Bréscia. Criticava a soberba, a avareza, a hipocrisia dos cardeais. Chamava o Papa não de varão apostólico, mas de varão sanguinário, que por homicídios e incêndios se fazia respeitar.
Os clérigos, dizia, não podem possuir bens materiais que, por direito, pertenciam aos leigos e príncipes. Com sua revolução radical, Arnoldo não conseguiu suscitar movimento de massa, e a sociedade da época, orientada pela Igreja, atirou suas cinzas ao Tigre.
Outro movimento foi o dos Valdenses, em sua maioria laico. Leigos e mulheres pregavam, o que causava certo desconforto aos líderes religiosos da época.
Com o intuito de aprofundar o conhecimento dos leigos, realizaram uma tradução da Bíblia em língua vulgar, a tal ponto que alguns dos leigos chegaram a decorar algumas de suas passagens e pregavam alicerçados em tais trechos bíblicos.
Um outro movimento contestatório ainda foi o dos Cátaros (entenda-se "puros"). Constituíram verdadeiro movimento popular, organizado, que conseguiu sobreviver até fins do século XIII, apesar da repressão.
A moral rigorosa que pregava teve mais força entre o povo do que sua doutrina essencialmente maniqueísta.
Pregavam a pobreza, mais como meio ascético para se libertar dos influxos da matéria. Pretendiam ascese rigorosa, inclusive com abstinência de alguns alimentos, entre outras providências.
Ao lado dos Cátaros (dirigentes da seita) havia um número considerável de simples fiéis, contrariando a hierarquia da Igreja. Nos subúrbios formavam comunidades que dedicavam-se especialmente a cuidados com enfermos, oficinas e ensino.

FRANCISCO DE ASSIS
Nascido Francesco di Pietro di Bernardone, na cidade de Assis, em 26 de setembro de 1181, foi um frade católico, fundador da "Ordem dos Frades Menores", mais conhecidos como Franciscanos. Foi canonizado em 1228 pela Igreja Católica.
Seu nome foi escolhido pela mãe, provavelmente em homenagem a João Evangelista. Seu pai, Pedro Bernardone, o altera para Francesco Bernardone. Por razões ainda controversas, acredita-se que o nome seria uma homenagem à França, país com quem o pai mantinha relações comerciais. Outra possibilidade é que talvez sua mãe fosse de origem francesa. Em Assis o menino ficou conhecido como Francisco, ou seja, o "pequeno francês".
Em 1198 acontece um conflito em Assis, entre a nobreza e os comerciantes. Os nobres se refugiam em Perusa, uma pequena cidade próxima de Assis, onde Francisco ficou preso por um ano até o ano de 1204 (23 anos de idade).
Ao voltar para Assis, Francisco doente começa sua conversão gradual, se dedica a dar esmolas e oferece até suas roupas aos pobres, tem visões e começa a desprezar o dinheiro e as coisas mundanas.
Há relatos de que sua conversão se deu aos poucos, pois até aproximadamente os 25 anos de idade era ainda muito motivado pelos prazeres mundanos, proporcionados por sua família.
PRIMEIRO CHAMADO DIVINO
Certa vez, antes de sua final conversão, teve a visão de um esplêndido palácio, em que encontrou toda sorte de armas e uma noiva belíssima.
No sonho, foi chamado pelo nome de Francisco e seduzido pela promessa de possuir todas aquelas coisas. Tentou, por isso, ir à Apúlia para entrar no exército e, tendo preparado com muita largueza tudo que era preciso, apressou-se para receber o grau da honra militar.
Seu espírito carnal sugeria-lhe uma interpretação também carnal da visão que tivera, quando nos tesouros da sabedoria de Deus ocultava-se algo muito mais ilustre. Foi assim que, uma noite, estando a dormir, alguém lhe falou pela segunda vez em sonhos, interessado em saber para onde estava indo. Contou-lhe seus planos e disse que ia combater na Apúlia, mas foi solicitamente interrogado por ele:
- "Quem te pode ser mais útil: o senhor ou o servo?"
- "O senhor", respondeu Francisco.
E ele: "Então, por que preferes o servo ao senhor?"
- "Que queres que eu faça, Senhor (cfr. At 9,6)?" perguntou Francisco.
E o Senhor responde:
- "Volta para a terra em que nasceste (cfr. Gn 32,9), porque é espiritualmente que vou fazer cumprir a visão que tiveste".
SEGUNDO CHAMADO DIVINO
Refeito da grave doença e em período de transição que mudará sua vida, encontrava-se caminhando fora da cidade, quando viu um leproso vindo na sua direção. Ficou apavorado, pois tinha horror desta doença, por isso quis fugir, mas manteve-se firme e dirigiu-se ao doente, beijou-lhe as mãos e o rosto, em demonstração de afeto e encheu-lhe a bolsa de moedas, com generosidade.
Ao retirar-se sentiu-se vitorioso e voltou-se para ver uma vez mais o estranho, não logrou perceber figura alguma na estrada, o homem desaparecera misteriosamente.
Dos muitos fatos ocorridos em sua vida, este episódio com o leproso foi o primeiro que entrou em seu Testamento, "pois o que antes era amargo se converteu em doçura da alma e do corpo".
Após este fato, Francisco sente o chamado de Deus, mas não muito, ainda viria o Terceiro chamado Divino. Francisco costumava orar numa velha e abandonada capela, São Damião, frente a um crucifixo repetia fervorosamente: "Concedei-me Senhor, que Vos conheça, para poder agir sempre segundo a vossa luz e de acordo à vossa Santíssima vontade".
TERCEIRO CHAMADO DIVINO
Um dia, aproximadamente no ano de 1206, orando nas ruínas da Igreja de São Damião, ante a imagem do Cristo Crucificado, pareceu-lhe ouvir claramente:
"Francisco, não vês que a minha casa está em ruínas? Restaura-a para mim!".
Pensando tratar-se do velho templo onde se achava, agiu de pronto, contando para a reforma com o dinheiro de seu pai, que tinha em suas mãos. Além da igreja de São Damião, construiu outras duas pequenas igrejas abandonadas: a de Santa Maria dos Anjos e a de São Pedro.
Seu pai, envergonhado do novo gênero de vida adotado por Francisco, queixou-se ao bispo de Assis da prodigalidade do filho acusando-o de furto e, diante do prelado, pediu a Francisco que lhe devolvesse o dinheiro gasto com os pobres. A resposta foi a renúncia à vultosa herança: despindo, ali, suas vestes, Francisco exclamou: "... doravante não direi mais pai Bernardone, mas Pai nosso que estás no céu..."
Francisco pede ao Bispo sua bênção e abandona a cidade em busca dos caminhos do Senhor. É o começo da sua vida religiosa. O Bispo vê nesse gesto o chamado do Altíssimo e se torna seu protetor pelo resto da vida.
A partir desse momento passa a viver na pobreza, e inicia informalmente a Ordem Franciscana. Passa a contestar a sociedade e a Igreja. Cresce o número de companheiros, 1209 já são 12.
Os primeiros irmãos que recebe são: Frei Bernardo de Quintavalle, que será mais tarde seu sucessor, homem de grande fortuna que abandona tudo para seguir São Francisco. Frei Pedro Cattani, cônego e conselheiro legal de Assis, homem de esmerada cultura, instrução e dotado de grande inteligência. E o irmão Leão, que será sempre e em todas as horas fiel companheiro.
Acompanhado desses 11 irmãos vai a Roma, levando uma breve Regra (que se perdeu). O Papa Inocêncio III admirado, ouve sua exposição do programa de vida, mas com regras tão severas fica indeciso e decide esperar para aprová-las oficialmente. Assim, aprova as regras apenas verbalmente.
Conta-se que dias mais tarde, em sonhos, o Papa teve uma iluminação sobre a missão destinada por Deus a Francisco (e diz-se que este Papa foi enterrado com vestes Franciscanas).
O texto original é chamado de Regra Bulada (aprovada), conserva-se como relíquia no Sacro Colégio de Assis. Uma outra cópia, com a aprovação Papal, se encontra no Vaticano.
Então o Papa aprova em 1210, e cujas diretrizes principais eram pobreza e humildade. Surge assim a Fraternidade dos Irmãos Menores, a Primeira Ordem.
Francisco instala-se com seus irmãos em Rivotorto, perto de Assis, num rancho abandonado, próximo de um leprosário. Esta mísera residência foi a primeira casa dos irmãos Franciscanos.
Francisco dizia: "O trabalho, embora humilde e simples, confere honra e respeito e sempre será um mérito ante Nosso Senhor". Por isso seu lema passou a ser "ore e trabalhe".
Adotaram como trajes o vestuário dos humildes: uma túnica grossa de lã, amarrada por uma corda na cintura, e sandálias. Suas humildes túnicas amarradas por um simples cordão levam até hoje três nós que significam seus votos: Pobreza, Obediência e Castidade. A sua missão consistia em praticar e pregar simplicidade e amor a Deus e a caridade cristã.
No Domingo de Ramos de 1212, uma nobre senhora, chamada Clara de Favarone, foi procurar Francisco para abraçar a vida de pobreza. Alguns dias depois, Inês, sua irmã, segue-lhe o caminho. Surge a Fraternidade das Pobres Damas, a Segunda Ordem. A capela de São Damião restaurada será o lar das Damas Pobres de Santa Clara.
Aqueles que eram casados ou tinham suas ocupações no mundo e não podiam ser frades ou irmãs religiosas, mas queriam seguir os ideais de Francisco, não ficaram na mão: por volta de 1220, Francisco deu início à Ordem Terceira Secular para homens e mulheres, casados ou não, que continuavam em suas atividades na sociedade, vivendo o Evangelho.
A Ordem Franciscana cresceu com o passar dos anos. Em 1219 houve uma grande expansão para a Alemanha, Hungria, Espanha, Marrocos e França. Neste mesmo ano Francisco vai em missão para o Oriente. Durante sua ausência, vigários modificam algumas regras da Ordem e, no mesmo ano de 1219, Francisco se demite da direção da Ordem.
Com o crescimento da Ordem, quase 5.000 frades em 1221, uma nova regra foi escrita por Francisco em 29 de novembro de 1223 que foi aprovada pelo papa Honório. É a que vigora até hoje.
No dia 17 de setembro de 1224, Francisco recebeu as chagas de Jesus crucificado em seu próprio corpo. Conta-se que este fato ocorreu no Monte Alverne, um dos eremitérios dos frades, enquanto jejuava por dias consecutivos, até presenciar aparições (pela quantidade diminuta de alimentos ou realmente santas?)
Os últimos escritos de Francisco são entre 1225 e 1226, dentre eles o Cântico das Criaturas e o Testamento. Nestes mesmos dois anos, Francisco vai a vários lugares da Itália para tratar de suas vistas. Passa por diversas cirurgias. Morre aos 03 de outubro de 1226, num sábado. Foi sepultado no dia 04 de outubro de 1226, Domingo, na Igreja de São Jorge, na cidade de Assis.
A dois anos da sua morte é canonizado pelo próprio Papa Gregório IX, no dia 16 de Julho de 1228, que vai a Assis.
Conta-se que inicialmente o Papa Gregório IX duvidou da veracidade da chaga do lado de São Francisco, decorrente dos estigmas sofridos. Conforme depois relatou, apareceu-lhe uma noite São Francisco e erguendo um pouco o braço direito, descobriu a ferida do lado e o Papa viu o sangue com água que saía da ferida, assim toda dúvida foi apagada.
Em 25 de maio de 1230 os ossos de São Francisco foram levados da Igreja de São Jorge para a nova Basílica construída para ele, a Basílica de São Francisco, hoje aos cuidados dos Frades Menores Conventuais.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA FRANCISCANA
Sabe-se terem sido seus ensinamentos de um elevado teor de rigorosidade. Além da obediência exata aos mandamentos bíblicos, pregou essencialmente a oração e trabalho, bem como a humildade e a pobreza, representados pelo seu lema mantido até os dias atuais e os três nós de suas vestes, simbolizando a pobreza, obediência e castidade.
Exaltou virtudes, num ar um tanto quanto aristotélico, apesar de eu não haver encontrado nenhuma menção a isso. Acredito ter havido tal influência, pois peregrinou entre sábios muçulmanos.
Das virtudes aconselhadas, posso citar (pelo cântico das virtudes) sabedoria, simplicidade, pobreza, humildade, caridade e obediência.
Encontrei em São Francisco uma forte referência à fauna e flora, sendo considerado o santo da Ecologia. Em seus escritos pude perceber ares pagãos, ao denominar os astros como "irmão sol e irmã lua", etc. Talvez tenha iniciado tais referências após contato com povos pagãos. Mas não encontrei nada escrito que prove essa hipótese.
A oração de São Francisco, que traz em suas linhas uma síntese da ética franciscana, não pode ser atribuída certamente a São Francisco.
Enfim, a ética franciscana é essencialmente cristã, prega obediência, castidade e pobreza, e é ainda hoje importante para os católicos. Acredito que deveria ser difundida, não só para católicos, nem tão pouco afim de divulgar o cristianismo, mas sim para promover reflexão sobre as influências humanas sobre a natureza, que vêm causando tantos males ao nosso planeta.

REFERÊNCIAS
LEHMAN, JB. Na luz perpétua. Juiz de Fora: Lar Católico, 1950.
SILVEIRA, I. et al. Nosso irmão Francisco de Assis. Petrópolis: Vozes, 1975.
_________. São Francisco de Assis. Petrópolis: Vozes, 1988.
MATURA, T. O projeto evangélico de Francisco de Assis. Petrópilis: Vozes, 1979.
ZAVALLONI, R. A personalidade de Francisco de Assis. Petrópolis: CEFEPAL, 1993.
http://pt.wikipedia.org. Descritor ?São Francisco de Assis?. Acessado em 17 de outubro de 2008.