A Estratégia Da Alavancagem Profissional Para O Ensino Básico

Por Luis Caldas | 08/07/2006 | Educação

Escolas são Empresas Serviços Profissionais (ESP), assim como hospitais, firmas de contabilidade, firmas de consultoria em negócios, bancos de investimento, escritórios de arquitetura etc. Elas vendem aos seus clientes os serviços de determinadas pessoas, e não os serviços da empresa. Mais do que em qualquer outro tipo de firma, a frase familiar nosso pessoal é o nosso principal ativo é absoluta realidade.

De acordo com Maister (1982), a estrutura padrão desse tipo de empresa contém três níveis profissionais, que atuam como um plano de carreira normal e esperado. Numa firma de consultoria, por exemplo, estes três níveis podem corresponder a consultor júnior, gerente e vice-presidente; numa firma de contabilidade é contador, gerente e sócio; nas corporações de ofício medievais, encontrávamos aprendizes, artífices e mestres artesãos; numa universidade, temos professores assistentes, professores adjuntos e professores titulares.

Ainda, segundo Maister (1982), a geração de lucros nesse tipo de empresa vem da capacidade de alavancar o tempo dos membros seniores, através da utilização do tempo dos membros juniores. Dessa maneira, nas empresas de consultoria, um profissional recém-formado é capaz de dar conselhos a altos executivos de grandes corporações. Não teria credibilidade se não estivesse lastreado por um profissional experiente e renomado. Por outro lado, o profissional sênior conseguiria atender a poucos clientes, não fosse a utilização de profissionais de nível júnior e gerencial. Normalmente, profissionais seniores são capazes de conduzir dezenas de projetos simultâneos, graças à alavancagem.

Vejamos um exemplo de alavancagem profissional inovadora acontecida em outra ESP: hospitais. De acordo com Prahalad (2005), na maioria dos hospitais de olhos da Índia cada cirurgião realiza cerca de 400 cirurgias por ano; nos hospitais Aravind essa média é 2.600 cirurgias por ano. Essa é uma das principais diferenças que fazem com que o Aravind consiga ser um sistema hospitalar lucrativo cobrando até US50,00 por uma cirurgia de catarata (incluindo preparativos, material, cirurgia e dois dias de permanência no hospital). A mesma cirurgia custa nos EUA de US2.500,00 a US3.000,00 (isso mesmo, uma diferença de 50 para 1, no preço). Vale ressaltar, que os índices de qualidade como taxa de erros médicos, infecção hospitalar, etc. do Aravind são todos melhores do que a média dos hospitais europeus (Prahalad, 2005, p.263).

Como conseguem tornar os cirurgiões tão produtivos? Há uma grande equipe de mulheres indianas cuidadosamente treinadas especificamente para o tratamento de olhos. São técnicas de enfermagem treinadas pelo próprio sistema Aravind apenas para tratamento de olhos. Elas fazem todo o trabalho que prescinde da presença de um médico: verificações preliminares nos pacientes, testes básicos de refração, lavagem dos olhos; anestesia local, bandagens; acomodação do paciente após a operação etc. Nos hospitais convencionais, os médicos costumam tomar parte em muitas dessas atividades; no Aravind, quando o médico acaba uma cirurgia, já há outro paciente preparado, com o microscópio posicionado sobre o olho, esperando a sua intervenção cirúrgica. Procura-se alavancar ao máximo o precioso recurso que é a competência dos médicos. No hospital de Madurai, por exemplo, em 2003, havia 762 funcionários. Para 113 médicos, havia 307 técnicas de enfermagem, 38 conselheiros e 304 outros funcionários. Todos os funcionários não-médicos voltados para a alavancagem do tempo do médico.

Na escola, por outro lado, não é comum alavancar o trabalho dos melhores professores. Na prática, costuma haver um único nível: professor. Mesmo quando há níveis de diferenciação salarial, a atividade dos professores nos diversos níveis mantém-se a mesma. O cargo de direção não é para todos, não há um cargo de direção para cada disciplina, por exemplo. Nas escolas particulares, a direção é geralmente função do dono.

Vejamos uma demonstração da falta de alavancagem profissional na educação. De acordo com o último Saeb, realizado em 2003, quando o profissional em sala de aula possui formação superior, a média de seus estudantes no Sistema de Avaliação é de 172 e, quando a formação é de nível médio, cai para 157 pontos. O relatório apresenta esse resultado como demonstração da importância da formação do doente no aprendizado das crianças (p.46). Analisemos: um profissional de nível médio tem 11 anos de estudo; a realização de um curso superior exige mais 4 ou 5 anos de estudo, muito mais intensos do que os 11 anteriores. Isto significa (por baixo) 40% a mais de investimento na educação deste docente e, posteriormente, aumento salarial correspondente. Esse investimento traz como retorno prático uma melhoria de menos de 10% (de 157 pontos para 172 pontos) do desempenho do sistema escolar.

Não é que o profissional de nível superior não seja mais bem preparado, a questão é que esse profissional não é inteligentemente aproveitado. Por que não há nas escolas os três ou quatro níveis profissionais tão comuns em outras ESP? Como poderíamos alavancar as competências dos professores seniores com a utilização de professores juniores, ou mesmo assistentes treinados para tarefas específicas, como acontece no sistema Aravind?

A alavancagem no sistema Aravind permitiu uma redução da ordem de 50 para 1 nos preços dos serviços, isso equivaleria conseguir que uma escola particular, cuja mensalidade atual é de R500,00, pudesse oferecer a mesma qualidade de serviço, por R10,00 mensais. Mesmo pessoas pobres poderiam pagar escolas particulares. Alternativamente, um aumento equivalente ao desempenho dos médicos do sistema Aravind (mais de 6 vezes o número de cirurgias por ano) significaria o aumento do desempenho dos alunos de 157 pontos para 1.020 pontos, não para 172 (o que equivaleria a ter que dificultar muito os testes atuais para conseguir captar a diferença no desempenho dos alunos). Trata-se de uma bela provocação para a criatividade.

Bibliografia

Prahalad, C. K. A Riqueza na Base da Pirâmide: como erradicar a pobreza com o lucro. Porto Alegre: Bookman, 2005.
Maister, David H. Equilibrando a Empresa de Serviços Profissionais IN: Mintzberg, Henry ...et al., O Processo da Estratégia: coneitos, contextos e casos selecionados. Porto Alegre: Bookman, 2006. pp.326-332.
Brasil. Resultados do Saeb 2003: versão preliminar. MEC:Brasília, 2004.