A ESQUECIDA EDUCAÇÃO ESCOLAR CAMPONESA
Por Antonio Barbosa Lúcio | 27/01/2010 | FilosofiaA educação voltada para as classes populares, tendeu ao longo de sua história, a ser abandonada. Pensou-se no país industrializado de feições urbanas. Voltou-se a modelos educacionais que não estabeleciam regras para que existissem possibilidades do homem e mulher do campo, poder construir sua identidade. Arrancou-se essa identidade. E, em contrapartida, imprimiram-se, novas formas de conceber esse camponês. Aliás, a própria identidade camponesa foi substituída por diversas outras denominações, descarregadas da noção ideológica que esta categoria apresentava: o camponês que luta por condições de vida para além das relações de exploração vigentes, a exemplo, das Ligas Camponesas. Em seu lugar, impõem-se categorias estranhas a realidade do campo, tais como: agricultor familiar, assalariado rural, pequeno produtor etc. O camponês que vinha se construindo historicamente, foi impedido de se desenvolver, especialmente através das forças opressoras da Ditadura Militar.
Esta situação ocorreu pela forma como se deu o processo de consolidação do capitalismo brasileiro, de feições urbanas e autoritárias, centrado na lógica desenvolvimentista e, atrelado aos interesses do capital industrial. Sob essa lógica, privilegiou-se, o mundo urbano, com suas características próprias como o modelo a ser seguido, ao mesmo tempo, o campo, centrado naquele setor que poderia imprimir outras formas de consolidação das relações sociais no campo, ou seja, o camponês foi relegado ao abandono pelos diversos setores da sociedade.
Se do ponto de vista da educação pública em geral, os trabalhadores não tiveram acesso sequer a forma prevista para atender aos interesses do capital, no campo, como os mesmos interesses estavam aquém da manutenção, com qualidade de vida, dos trabalhadores em seus locais de origem, prevaleceu, a forma de exclusão pela base. Ou seja, sequer puderam ter acesso a escolas que lhe favorecessem condições de promoção ao capital social. Não puderam pelas condições a estes trabalhadores propiciadas, ascender socialmente, pela forma burocratizada, excludente, marginalizada das relações sociais no campo. Estava em jogo, a forma de organização do capitalismo agrário brasileiro que, dentre outras coisas, previa a manutenção da grande propriedade. Esta, organizada historicamente, desde o processo de consolidação das relações sociais de dominação, no Brasil Colônia e Império, tendo o escravo, como força propulsora da ampliação das riquezas por parte das elites econômicas.
O camponês, não atingiu suas necessidades em relação ao acesso a terra, mas, também, paralelamente, não teve condições de acessar o conhecimento produzido pela ciência. Este, portanto, aquém dessa produção e, se tornando objeto dos interesses do mundo urbanizado. De certa forma, a educação do campo, sempre foi pensada sob a visão urbana. O que significa dizer que até o final do século XX não houve medidas que visassem a organização dessa modalidade de ensino. A ideologia urbana desvaloriza o mundo rural e trabalhador rural. O campo, passa a ser visto como local de ignorantes. Sua cultura, seus costumes são continuamente desvalorizados e, em seu lugar, o mundo urbano se apresenta como o oposto, ou seja, o local privilegiado ou adequado para se viver. Esta visão seria, também, apresentada pelos educadores. Estes, de orientação urbana, formados em Universidades que abandonam a perspectiva do campo, não saberiam como sanar e/ou ampliar formas de superação das relações existentes, diferenciado-as sem, entretanto, desqualifica-las.
A educação camponesa, pela forma como se desenvolveu foi, quando muito, adaptada ao mundo rural, ou seja, acreditava-se que adequando alguns conteúdos ou relacionando algumas técnicas agrícolas a realidade rural, estaria sendo realizada educação do campo.Entretanto, nem isso foi realizado a contento. As premissas que estabelecem, por exemplo, calendário adequado a realidade camponesa, em muitas regiões brasileiras, sequer foi colocado em prática. Se uma questão técnica de simples resolução não pôde ser resolvida no âmbito institucional, questões mais amplas, centradas nas formas de conceber o ensino, não puderam ser levadas adiante.
Além disso, permaneceu a exclusão das escolas rurais. Estas, através de políticas de racionalização educativa, foram continuamente desaparecendo. Os estudantes passaram a ser transferidos para as escolas urbanas, mesmo que para isso, tivesse que se sujeitar as péssimas condições de transporte, um ensino distante do que necessitavam para aperfeiçoar suas condições de vida e de trabalho. A escola urbana, também, favorecia a criança e ao adolescente, a visão de que teria como única alternativa, a saída para a cidade. Abandonar o campo, não seria apenas uma necessidade material mais imediata, já favorecida pela política de exclusão ao crédito fundiário, mas também, um imperativo para ampliar conhecimentos que as escolas rurais não podiam propiciar. Além do mais, o trabalho camponês desqualificado socialmente, passava a ser motivo de, no convívio social urbano, preconceitos que impulsionavam nos estudantes o sentimento de inferioridade em relação aos urbanos.
A falsa ilusão urbana, como uma mercadoria de embalagem bonita e conteúdo deficitário, passou a ser apregoada. Prefeituras, constantemente, fecham as escolas rurais; professores, geralmente são colocados nas que ainda existem como última alternativa e/ou em alguns casos, como “ castigo” por não aderir a ideologia das prefeituras e de seus prefeitos.
Tem-se por vezes a compreensão que bastaria inserir técnicas rurais, adaptar alguns textos e ensinar a ler e escrever que já adequaria a educação a realidade camponesa.Ou seja, não é percebido que se trata de uma questão ideológica para além dos textos didáticos ou de ensinamentos básicos e rudimentares da convivência social. Perde-se a oportunidade de repensar a forma organizacional da escola camponesa, ouvindo os atores envolvidos. Não seria tratar o(a) camponês(a) diferente das pessoas que vivem no meio urbano, mas formas de superação das condições de vida e de trabalho que estabeleçam novas relações de convívio social para além de maniqueísmos, mas voltando-se para a formação do homem e da mulher enquanto seres demandantes de direitos que, dentre outras coisas, contribuem decisivamente para a manutenção da vida nas cidades.