A ESCOLA DA VIDA E A VIDA NA ESCOLA
Por sebastião maciel costa | 29/09/2023 | EducaçãoA escola da vida e a vida na escola
Nos lugares mais distantes dos grandes centros urbanos há um volume incrível de realidades que se moldam de acordo com as condições históricas de vida daqueles que ali habitam, independente de sua vontade ou raízes.No mais das vezes, os que ali vivem, labutam e e fazem a sua própria história, por incrível que pareça, não é latente o conceito de miséria, fome e privações. Até porque, mesmo diante das comunicações atuais e meios eletrônicos a que muitos já têm acesso, apesar da precariedade, seus sonhos estão sempre pautados naquilo que está ao seu alcance. Por exemplo, quando a criança dessas áreas não aprendem a andar de bicicleta é porque essa não faz parte do seu universo de consumo: ela sabe perfeitamente montar em um jegue, uma cabra, ou simplesmente correr atrás de aves domesticas; as mesmas que contribuem decisivamente para a alimentação e sustento de toda a família. Há um recorte de vida no tempo que registrava no alto sertão de Araripina,, distante cidade do alto Araripe, lá para as bandas de Exu-Pe., onde os jovens não sabem nadar. Por que não querem, porque não gostam ou porque não gostam de tomar banho? Nem uma coisa nem outra: a água tem dono. E que fica ao alcance do homem comum, é para beber.
Retomando o habitual uso de narrativas e alegorias para fins, puramente analógicos, pois esse recurso nos faz valorizar os fatos atuais que se arrastam pelo tempo por meio de culturas e espaços, como lições de vida, vamos refletir sobre O POTE RACHADO. Um fazendeiro por questões que não vêm ao caso, tinha a sua morada, no alto de uma serra com o fito de que dali ele visualizaria melhor as suas terras, além de se colocar distante de vizinhos que pudessem crescer os olhos pelas suas propriedades e beleza natural do seu modo de viver com a família. Ele dispunha de muitos moradores que viviam ao seu serviço. Dentre esses trabalhadores, um forte homem, era o responsável pelo abastecimento de água para todos os serviços e conforto de tantos quantos ali residiam. O bondoso homem dava quantas viagens fossem necessárias, com dois grandes potes, cada um preso à ponta de uma vara a qual era atravessada em seus ombros: um trabalho árduo, mas de grande responsabilidade. Não importava quantas viagens ele deveria fazer a cada dia: era preciso abastecer a contento.
Um dos potes, pelo longo período de uso, tinha uma visível rachadura pouco mais acima do seu meio. Ele nunca chegava ao alto da montanha, o seu destino, com o seu volume completo: era quase sempre meio. O outro era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim da longa jornada entre o poço e o seu destino. Foi assim por dois anos, diariamente: o carregador entregando um pote e meio de água na casa do chefe. Claro que o pote saudável estava orgulhoso de suas realizações. Porém, o pote rachado estava envergonhado de sua imperfeição e sentindo-se miserável por ser capaz de realizar apenas metade do que ele havia designado a fazer. Após perceber que por dois anos havia sido uma falha amarga, o pote falou para o homem, um dia a beira do poço: Estou envergonhado e quero pedir-lhe desculpas. Por quê?, perguntou o homem: De que você esta envergonhado? Nesses dois anos eu fui capaz de entregar apenas a metade de minha carga, porque essa rachadura no meu lado faz com que a água vaze por todo o caminho da casa de seu senhor.
Por causa do meu defeito, você tem que fazer todo esse trabalho e não ganha o salário completo dos seus esforços. Disse o pote. O homem ficou triste pela situação do velho pote, e com compaixão, falou: quando retornarmos para a casa do meu senhor, quero que percebas as flores ao longo do caminho. De fato, à medida que eles subiam a montanha, o velho pote rachado notou as flores selvagens ao longo do caminho, e isto lhe deu certo ânimo. Mas ao final da estrada, o pote rachado ainda se sentia mal porque tinha a metade e de novo, pediu desculpas ao homem por sua falha. Disse, então, o homem ao pote: Você notou que pelo caminho só havia flores do seu lado? Eu, ao conhecer o seu defeito, tirei vantagem dele e lancei sementes de flores no seu caminho. E cada dia, enquanto voltávamos do poço, você as regava. Por dois anos eu pude colher flores para ornamentar a mesa do meu senhor. Sem ser do jeito que é, ele não poderia ter esta beleza para dar graça a toda extensão da árdua subida. "Cada um de nós temos os nossos "defeitos", todos nós somos potes rachados". Das nossas fraquezas podemos tirar forças. Nunca nos julguemos inúteis: Deus nos fez sem cópias.
A escola da vida se reveste de lições que fazem do homem simples um grande pensador de um instruído homem das letras um pote rachado de resistência e eficácias limitadas, de passos firmes a passos hesitantes; de grandes exemplos a pífios procedimentos. A escola da vida faz jus à fama de sua história: implacável nas determinações que fazem do ser humano instrumento perfeito para todos os fins, a depender do aprendiz, da lição e da nomenclatura com que somos rotulados. A vida na escola não faz sentido de ser se não for capaz de identificar-se com a escola da vida. O que vem para salas e corredores da escola enquanto espaço de sistematização de conteúdos visando ao conhecimento precisa ser o que foi produzido pela vida, pela prática, pela experiência daqueles que aprendem fazendo. Afinal, os mais naturais rincões, como as ruas, são escolas de vida.
Explorando os porquês do recorte do pote rachado, pretende-se refletir o peso da nomenclatura que povoa o nosso imaginário quando o ponto questionável é o que se diz em detrimento quer dizer; o que se diz e o que se ouve; o que o que se ouve e o que se entende. O mais grave é que a força da palavra dita não é mensurável ao nível da compreensão humana. Ora, em um momento em que tudo se polemiza em torno de ideologias e tendências, as palavras adquirem um peso que ultrapassa os limites da razão. Em um jogo de conceitos, podemos pensar sobre termos e conceitos simples como “preto” e “negro”. Qual dos dois é ofensivo para se referir a qualquer pessoa ou elemento do nosso universo do conhecimento. Lista negra ou preta? , peste negra ou peste preta? grana preta ou negra?, feijão preto ou negro? ... Se o significado desses dois termos é igual, por que não podem ser substituídos um pelo outro, em quaisquer contextos?
Teria sido o termo “rachado” utilizado de forma pejorativa, ofensiva, depreciativa? Ser rachado é ser defeituoso ou seria uma característica de um pote saudável? Fechando um mote, passamos pelo conceito que tanto humilhou o POTE RACHADO, pelo valor que se a este ou aquele termo, pela necessidade de a vida na escola trabalhar os elementos da escola da vida, chegamos ao universo das nomenclaturas que povoam a escola. Ali tudo nos remete a forma e espectros de tudo o que na escola da vida é desconhecido, como seja: Os deveres precisam ser realizados, os testes são obrigatórios, as provas reprovativas, se não obedecer será castigado, será suspenso, será expulso, jubilado, reprovado, rotulado, rebaixado, independente desses resultados, todos são obrigados a se vestirem do mesmo jeito, entrarem e saírem no mesmo horário, sentarem-se na sela determinada, virados para a mesmo posição, fazendo as mesmas atividades, usando o mesmo material, apesar cada um ter a sua própria história, seus próprios valores, seus conhecimentos prévios naturalmente aprendidos na escola da vida. Não houve nexo, não houve acordo, não houve entendimento, promoção, crescimento e humanização.
Quem entra na escola, vindo da escola da vida precisa ser ouvido, precisa ter espaço e oportunidade para por em prática tudo o que lhe foi transmitido ao decorrer de sua formação social, pessoal, familiar. Ora, o pote pode ser rachado, mas ele é um pote e, como tal precisa ser valorizado e respeitado; a criança, o adolescente, o jovem estudante fazem parte de um universo que definirá o que virá a ser a espécie humana no comando do mundo, de suas expectativas, realizações, frustrações. Urge que se voltem os sistemas os planos, as propostas de procurar fazer do aluno, uma pessoa a altura do que se espera de uma espécie que é por natureza, superior a todas as demais. É a escola da vida cobrando entendimento e harmonia da vida na escola.
Quem lembra do sentimento do pote rachado com relação ao homem trabalhador? Preocupado com o resultado do seu trabalho: quanto menos água ele levasse, mais viagens deveriam ser empreendidas. Qual o sentimento do estudante que entrando na escola precisa pensar e agir de acordo com regras e normas que não pertenciam ao seu mundo exterior de natural formação? Acomoda-se, rebela-se, anula-se, iguala-se, compara-se e... “Deus nos fez sem cópias.”.
- Sebastião Maciel Costa