A Epilepsia como Fator Incapacitante.

Por Marcelo Caldeira Bueno | 15/07/2014 | Direito

A Epilepsia como Fator Incapacitante. 

Marcelo Caldeira Bueno[1] 

Prof. Dr. (Orientador): Carlos Alberto de Gouveia 

RESUMO 

Este artigo aborda alguns aspectos importantes para a configuração da incapacidade laborativa aos trabalhadores portadores de epilepsia que, frequentemente, tem seus pedidos de auxílio-doença indeferidos junto à autarquia previdenciária.

 Palavras-chave: epilepsia. incapacidade laborativa.  auxílio-doença. aposentadoria por invalidez. 

ABSTRACT

This article addresses some important aspects for the parameterization of the labor disability to workers suffering from epilepsy who often have their claims for sickness benefit rejected by the pension authority.

Keywords: epilepsy. labor disability. sickness benefit. disability retirement.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

   A Epilepsia é uma enfermidade presente entre 1% a 2% da população, seu surgimento independe de questões étnicas, geográficas, sexuais, etárias ou sociais. Segundo estimativas do Ministério da Saúde, no Brasil, surgem 150 mil novos casos por ano, todavia, devido à baixa acessibilidade da população a diagnósticos e tratamentos, esse número pode ser majorado em até 25% (GOMES, 2000).

Essa patologia de cunho neurológico é uma das principais causadoras de incapacidade laboral em adultos em idade produtiva e se apresenta de forma mais acentuada e impactante devido ao estigma social que provoca.

O portador de epilepsia não é visto como um profissional confiável, pois apresenta habilidades reduzidas devido aos efeitos colaterais dos medicamentos utilizados e, quando não os utiliza, fica na iminência das convulsões, que podem lhe causar acidentes, inclusive, envolvendo terceiros.

A incapacidade para o trabalho é de difícil caracterização haja vistas não existirem critérios objetivos que indiquem essa situação, portanto, resta ao perito-médico, submetido ao encargo de avaliar essas condições se basear exclusivamente em dados médicos trazidos pelo segurado, que muitas vezes são deficientes, o que resulta no indeferimento do pedido de Auxílio-Doença.

 

2. Epilepsia

 

2.1. Conceito de Epilepsia

A definição mais comum da epilepsia é associada a um grupo de doenças que tem em comum o paroxismo de descargas neuronais aberrantes, que não tenham sido causadas por uso de drogas, estado febril ou distúrbios metabólicos.

2.2. Sintomas

As crises epilépticas podem se manifestar de diferentes maneiras:

A crise convulsiva é a manifestação mais freqüente da doença e é denominada como "ataque epiléptico". Nesse tipo de episódio ocorrem manifestações motoras desordenadas e o paciente pode cair e apresentar contrações musculares em todo o corpo, bem como mordedura da língua, salivação intensa, respiração ofegante e, às vezes, micção.

Pode ocorrer a crise do tipo "ausência" denominada de "desligamentos". A pessoa fica com o olhar fixo e perde a consciência por alguns instantes. Por ser de curtíssima duração, muitas vezes não é perceptível às pessoas próximas.

A pessoa também pode ser acometida pela Crise Parcial Complexa, episódio em que continua "alerta", mas sem o controle de seus atos, fazendo movimentos mecânicos, que compreendem movimentos automáticos involuntários como mastigar, falar de modo incompreensível ou andar sem rumo. Na maioria desses casos a pessoa não se recorda do que aconteceu, quadro confusional – período pós-ictal (COCKEREL; SHORVON, 1997).

Existem outros tipos de crises que podem provocar quedas com ausência de movimentos ou contrações, ou ter visões e audições estranhas ou, ainda, apresentar alterações transitórias de memória.

 

2.3. Tratamento

O tratamento da epilepsia é feito por meio de medicamentos que inibem as descargas elétricas cerebrais aberrantes, que são a origem das crises epilépticas.

Nos casos em que a doença apresenta o estágio mais grave existe a necessidade da medicação por toda a vida do paciente, em casos de crises incontroláveis há a possibilidade de intervenção cirúrgica.

No Brasil aproximadamente 25% dos portadores de epilepsia apresentam crises mais graves o que levou o Ministério da Saúde a aprovar centros de tratamento cirúrgico (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/100epilepsia.html).

Os principais medicamentos, a posologia e seus efeitos colaterais seguem a tabela abaixo:

 

Fármacos Antiepiléticos

 

Dose Terapêutica

 

Efeito Colateral (principal)

Fenobarbital

100-200 mg/dia

Fadiga, sedação, depressão, dificuldade em concentração, rash, contratura de Dupuytren, distúrbios hematológicos.

Fenitoína

300-500 mg/dia

Mudanças cognitivas e comportamentais, perda da coordenação e equilíbrio, distúrbios gastrintestinais e alterações na pele.

Carbamazepina

600-800 mg-dia

Sonolência, fadiga, tontura, visão turva, rash cutâneo, diplopia, ataxia, leucopenia, elevação de enzimas hepáticas, retenção de líquidos.

Valproato

500-3000 mg/dia

Anorexia, náuseas e vômitos, ganho excessivo de peso, elevação de enzimas hepáticas, queda de cabelo, distúrbios endócrinos.

Benzodiazepínicos

Variável – não utilizado em monoterapia

Fadiga, sonolência, ataxia, distúrbio de comportamento, visão borrada, diplopia e hipotonia.

Fonte: Yacubian (2004).

2.4 Limitações dos Portadores de Epilepsia

Enquanto assintomáticos os portadores de epilepsia podem e devem realizar todas as atividades profissionais e cotidianas possíveis, mesmo porque essas atividades auxiliam na manutenção da auto-estima do indivíduo. Todavia, quando acometidos pelas crises e agravamento desse quadro clínico deve-se optar pelo afastamento de atividades que possam lhe imprimir algum risco.

Nesse sentido destacam-se como proibidas as atividades que envolvam trabalho em altura, motorista, babá, piloto, cirurgião, operador de máquinas industriais, trabalho junto ao fogo (cozinheiro, padeiro, bombeiro, soldador), guarda-vidas, mergulhador e quaisquer outros que em meio a uma possível crise, coloquem em risco a sua vida e de terceiros envolvidos (SARMENTO, MINAYO-GOMEZ, 2000).

Depois da ocorrência de episódios convulsivos em locais públicos esses enfermos passam a travar uma batalha psicológica para que a vergonha e o sentimento de hipossuficiência não lhes vençam, o que na maioria dos casos é inútil.

Não só a crise epilética deve ser levada em conta para se estabelecer a capacidade laboral do trabalhador, mas também os efeitos colaterais dos fármacos empregados nos tratamentos, visto que os mesmos podem desencadear todos os infortúnios mencionados na tabela acima.

Outro fator que limita o portador dessa patologia junto à sociedade e às questões laborais é a discriminação social, ao analisar as Carteiras de Trabalho desses indivíduos observa-se que os contratos têm pouca duração e a demissão sempre coincide com uma crise da doença.

3. Direitos Previdenciários do Epilético

O portador de epilepsia que, possuindo a qualidade de segurado, estiver afastado do trabalho por mais de 15 (quinze) dias, poderá requerer diretamente ao INSS o benefício de auxílio-doença, conforme os ditames artigos 59 a 64 da Lei nº 8.123/1991.

O benefício previdenciário somente será implantado mediante o convencimento do médico-perito da autarquia previdenciária, que concluirá pela incapacidade total e temporária do segurado para o trabalho e atividades habituais ou, ainda, encaminhá-lo para a reabilitação profissional.

O segurado autônomo ou facultativo, portador de epilepsia, pode requerer o benefício desde que esteja recolhendo as contribuições mensais ao INSS e observada a carência de 12 meses, no entanto não é necessário que esteja afastado de suas atividades por mais de 15 dias.

O trabalhador que se filiou ao INSS já acometido dessa enfermidade, em tese, não gozará desse benefício, mas poderá lograr êxito se comprovar que a incapacidade provém do agravamento da doença e dos efeitos colaterais da medicação ministrada.

Nas hipóteses em que o segurado restar incapacitado total e permanente para o trabalho e atividade habituais, deverá ser pleiteada a aposentadoria por invalidez, de acordo com o texto dos artigos 42 e 62 da Lei nº 8.213/1991.

O INSS raramente concede e implanta esses benefícios pela via administrativa, muito provavelmente pela falta de critérios objetivos para respaldar a decisão do perito que, via de regra, depende unicamente da deficiente documentação médica disponibilizada pelo segurado ou por falta da especialização do perito, que muitas vezes não é neurologista.

Nesse caso a via judicial deverá ser acionada para o estabelecimento do benefício previdenciário.

4.  Elaboração da Documentação Médica

O sucesso da perícia médica realizada com os portadores de epilepsia depende da eficiência da documentação médica apresentada ao perito da autarquia previdenciária. Dessa forma a colaboração do médico que acompanha o segurado é de suma importância.

Para que reste patente a incapacidade laboral desse indivíduo é necessário que algumas questões sejam respondidas, de preferência, já no Laudo Médico:

            - Quais os tipos de crises?

            - Qual a freqüência da ocorrência dessas crises e o tempo de duração?

            - A doença tem origem conhecida? Ocorre Aura? É crônica?

            - Existe histórico da doença na família?

O segurado também deverá apresentar todos os exames realizados durante o tratamento médico, principalmente, o exame de sangue, com pedido de avaliação de Gama-GT e transaminase, Sódio, Potássio e Cálcio, a eletroencefalografia, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada.

De posse dessas informações o perito-médico poderá avaliar e comprovar se existe ou não a incapacidade para o trabalho e para as atividades da vida comum.

5. Conclusão

A epilepsia é um transtorno neurológico capaz de incapacitar o portador para o trabalho e para as atividades cotidianas, pode se apresentar desde a forma mais branda, ocasião em que não ocorrem os ataques epiléticos, até a forma mais grave, na qual o paciente, mesmo medicado, se encontra sujeito às crises, podendo inclusive, ser submetido à intervenção cirúrgica.

A incapacidade ocasionada pela epilepsia é de difícil caracterização, pois os ataques epiléticos são muito rápidos e depois do episódio, na grande maioria das vezes, não deixam seqüelas, ademais não existem parâmetros a serem seguidos pelos peritos-médicos da autarquia previdenciária, que muitas vezes não contam com a especialização de neurologista, que é o profissional que atua nessa área da medicina.

O segurado que pleiteia o benefício junto ao INSS obterá maior probabilidade de êxito se instruir seu pedido com laudo médico bem elaborado e com todos os exames realizados durante o tratamento.

Em caso de indeferimento do benefício requerido administrativamente, deve-se recorrer ao Poder Judiciário, ressaltando-se que a incapacidade também assume um viés social devido ao estigma que envolve essa patologia, agravados pelos efeitos colaterais das drogas ministradas.

O fato que mais dificulta a caracterização da incapacidade laboral é a total ausência de um protocolo com a finalidade de uniformizar as informações que devem ser trocadas entre os médicos dos periciados e os peritos do INSS.

Diante dos fatos pesquisados torna-se inquestionável que a epilepsia é um fator incapacitante, que deve ser considerado para a concessão do benefício de auxílio-doença, quando a incapacidade for parcial e temporária ou para conceder a aposentadoria por invalidez, quando diagnosticada a incapacidade total e permanente, sem prejuízo à reabilitação profissional concedida pela autarquia.

 

 

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefício da previdência social e dá outras providências. DIÁRIO Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm> Acesso em: 28 jun. 2014;

Disponível em:< http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/100epilepsia.html> Acesso em 26 jun. 2014;

FARINELI, Alexsandro Menezes. Previdência Fácil. Manual Prático do Advogado Previdenciário. 2 ed., Editora Mundo Jurídico, p.166-167, 2013;

GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira. Benefício Por Incapacidade & Perícia Médica. Editora Juruá, p. 119-120, 2012;

BITTENCOURT, Paulo R.M. Epilepsia do lobo temporal: um ensaio histórico e clínico. Jornal da Liga Brasileira de Epilepsia, Porto Alegre, v.7, n.2, jul. 1994, p.46-66.

CUKIERT, A. Epilepisias generalizadas. São Paulo: Segmento Farma, 2006.

GOMES, M. M. Epilepsia e incapacidade laborativa. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, v.15, n. 3, p. 130-134, 2009.

COCKEREL, C. O.; SHORVON, S. D. Epilepsia: conceitos atuais, São Paulo: Lemos Editorial & Gráficos, 1997.

SARMENTO, M. R. S.; MINAYO-GOMEZ, C. A epilepsia, o epilético e o trabalho: relações conflitantes. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 183-193, jan-mar 2000.

YACUBIAN, E. M. T., tratamento medicamentoso das epilepsias. 2. Ed. São Paulo: Lemos editorial & Gráficos, 2004.



[1] Artigo apresentado para Conclusão ao Curso de Pós Graduação de Direito Previdenciário da Faculdade Legale.

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