A EPIFANIA EM CLARICE LISPECTOR

Por Achilles Cleto Cabral da Luz | 23/01/2010 | Literatura

INTRODUÇÃO A obra de Clarice Lispector é plena de construções linguísticas próprias, reforçadas por uma estrutura sintática peculiar, capaz de, simultaneamente, encantar e envolver o leitor em um universo linguístico, poético e mítico, renovando seus conceitos de leitura. Clarice Lispector costuma ter uma temática voltada para questões existenciais e para a história da mulher na sociedade. Maria Consuelo Cunha Campos (1992, p. 111-112) divaga sobre os papéis masculino e feminino na sociedade: [...] na relação masculino e feminino, a opressão e exploração deste último pelo primeiro: a história das sociedades até agora existentes constituiria uma história da subordinação das mulheres pelos homens em base aos sistemas gênero-sexo que culturalmente produziram. Donde não se tratar de pura diferença, mas sim de diferença hierarquizada em vista de poder. Dessa forma, Clarice Lispector sempre teve a tendência em mostrar essa opressão e exploração do sexo masculino para com o feminino, mostrando isso em suas obras. Por isso que Clarice Lispector, como grande escritora e contista, inova na linguagem e suas perspectivas, utilizando a subjetividade e a epifania nos seus questionamentos do mundo externo e interno, para que o leitor possa tomar consciência do mundo da personagem. As obras de Lispector geralmente focam a epifania, traduzida em momentos de revelação, em que determinado personagem se defronta com a verdade. Assim, a leitura das obras desta autora acaba por levar o leitor a entender a trama como uma transfiguração, pois os personagens geralmente são levados ao patamar das divindades, já que a autora os coloca sempre em estado de epifania. O conto Amor foi escrito numa época em que havia uma crise de moralismo rígido no país, na década de 50. Na década de 60 para 70, a liberação do estado de espírito anterior foi grande, com as experiências com drogas, a revolução sexual e os protestos juvenis, além, é claro, do endurecimento do governo e o controle de tudo e de todos. Com isso, muitos jovens e artistas se rebelavam e surgiram nesse contexto muitos movimentos civis a favor das mulheres, dos negros e dos homossexuais. Nos anos 60, houve muitos conflitos. A ditadura militar calava os artistas e não deixava que suas obras fossem expostas, pois se acreditava que seriam contra o governo. Nessa época, ocorreram conflitos internos, inquietações e crises de identidades na sociedade, que buscavam uma alternativa para sair daquela situação. Muitos autores dramatizavam suas experiências em letras de músicas ou em narrativas de suas produções literárias. E Amor, de Clarice Lispector, transcreve muito bem essa busca por mostrar o mundo como ele é. Em “Amor”, Clarice usa de metáforas para mostrar as agonias da dona de casa Ana. Ela critica, subjetivamente, o papel da mulher na sociedade, mostrando as angústias da tomada de consciência desta mulher e do seu papel na sociedade. No conto Amor, que será o foco deste estudo, ocorre a epifania em diversos momentos, nas conotações da viscosidade dos ovos que Ana leva para casa, e que vai tomando corpo em todas as cenas descritas, fazendo comparações com a vida, cotidiano, amor, etc. A epifania neste conto é marcante. Assim, o objetivo deste trabalho será discorrer sobre o fenômeno chamado epifania ocorrido no conto “Amor”, de Clarice Lispector, bem como a transformação a qual passava a personagem Ana, uma simples doméstica até se deparar com um deficiente visual. Pretende-se, também, pontuar alguns aspectos deste gênero literário, mostrando seus precursores, além de situar o conto brasileiro e seus principais contistas. Num sentido mais amplo, pretende-se apreender a grande força da imaginação de Clarice Lispector, aliada ao seu poder de manipulação linguística, às vezes irônica, cujo processo de criação reflete a vida social, os costumes, os medos e o comportamento de seus personagens na época, mostrando a importância dessa contista para a literatura brasileira.